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Rev. Jur., Brasília, v. 10, n. 92, p.01-30, out./2008 a jan./2009 www.presidencia.gov.br/revistajuridica 1 Família monoparental brasileira Jonabio Barbosa dos Santos 1 Morgana Sales da Costa Santos 2 Sumário: 1. Introdução - 2. Histórico da família Clássica até a monoparental - 2.1. A família na era primitiva - 2.2. A família romana - 2.3. A família na idade média - 2.4. A família moderna - 2.5. A família brasileira - 3. Conceito - 4. Fatores determinantes da monoparentalidade - 4.1. Celibato - 4.2. O divórcio ou a separação - 4.3. A união livre - 4.4. As mães solteiras - 4.5. A viuvez - 4.6. Fatores secundários - 5. Disciplinamento legal - 5.1. A Lei de nº 6.515/77 (Lei do Divórcio) - 5.2. A Constituição Federal Brasileira de 1988 - 5.3. A Lei nº 9.278/96 e o Código Civil - 6. Repercussões de monoparentalidade - 6.1. Pensão alimentícia - 6.2. O ônus feminino na monoparentalidade - 6.3. A possibilidade de auxílo do poder público - 7. Considerações finais - 8. Referências 1. Introdução O tema enfocado por esse Trabalho Acadêmico Orientado (TAO) é a família monoparental brasileira, reconhecida constitucionalmente como entidade familiar e conceituada por esta como, “a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes”. A escolha do assunto se justifica por razões simples. O exame da monoparentalidade, no Brasil, é restrito ao campo do Direito Constitucional, pois lhe falta reconhecimento Civil. Como matéria constitucional, dificilmente é abordado como ponto de estudo ou pesquisa. E devido a este fato, os conhecimentos, no que se refere a tais entidades familiares, são insuficientes diante da complexidade deste tema. A família 1 Professor da Universidade Federal de Campina Grande, Professor da Escola da Magistratura do Estado da Paraíba – Unidade Campina Grande, Mestre em Direito Econômico pela Universidade Federal da Paraíba, Advogado Militante 2 Advogada Militante, Advogada da Prefeitura Municipal de Sousa Estado da Paraíba

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Rev. Jur., Brasília, v. 10, n. 92, p.01-30, out./2008 a jan./2009 www.presidencia.gov.br/revistajuridica

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Família monoparental brasileira

Jonabio Barbosa dos Santos1

Morgana Sales da Costa Santos2

Sumário: 1. Introdução - 2. Histórico da família Clássica até a monoparental - 2.1. A família

na era primitiva - 2.2. A família romana - 2.3. A família na idade média - 2.4. A família

moderna - 2.5. A família brasileira - 3. Conceito - 4. Fatores determinantes da

monoparentalidade - 4.1. Celibato - 4.2. O divórcio ou a separação - 4.3. A união livre - 4.4.

As mães solteiras - 4.5. A viuvez - 4.6. Fatores secundários - 5. Disciplinamento legal - 5.1. A

Lei de nº 6.515/77 (Lei do Divórcio) - 5.2. A Constituição Federal Brasileira de 1988 - 5.3. A

Lei nº 9.278/96 e o Código Civil - 6. Repercussões de monoparentalidade - 6.1. Pensão

alimentícia - 6.2. O ônus feminino na monoparentalidade - 6.3. A possibilidade de auxílo do

poder público - 7. Considerações finais - 8. Referências

1. Introdução

O tema enfocado por esse Trabalho Acadêmico Orientado (TAO) é a família

monoparental brasileira, reconhecida constitucionalmente como entidade familiar e

conceituada por esta como, “a comunidade formada por qualquer dos pais e seus

descendentes”.

A escolha do assunto se justifica por razões simples. O exame da

monoparentalidade, no Brasil, é restrito ao campo do Direito Constitucional, pois lhe falta

reconhecimento Civil. Como matéria constitucional, dificilmente é abordado como ponto de

estudo ou pesquisa. E devido a este fato, os conhecimentos, no que se refere a tais

entidades familiares, são insuficientes diante da complexidade deste tema. A família

1 Professor da Universidade Federal de Campina Grande, Professor da Escola da Magistratura do Estado da Paraíba – Unidade Campina Grande, Mestre em Direito Econômico pela Universidade Federal da Paraíba, Advogado Militante 2 Advogada Militante, Advogada da Prefeitura Municipal de Sousa Estado da Paraíba

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monoparental possui uma estrutura própria, de modo que suas características e problemas

merecem uma análise aprofundada.

O objetivo geral deste trabalho será realizar um estudo pormenorizado da

monoparentalidade familiar brasileira, após seu reconhecimento constitucional.

Já os objetivos específicos são: aprimorar os conhecimentos sobre o tema; identificar

os elementos estruturais dessa entidade familiar através do seu conceito; especificar seus

fatores determinantes; além de detectar as conseqüências e problemas deste fenômeno na

nossa realidade.

A metodologia utilizada, para se proceder ao estudo em questão, foi o levantamento

bibliográfico sobre os pontos observados na análise como o conceito desta entidade familiar,

os fatores determinantes da monoparentalidade, o disciplinamento legal, e suas

repercussões. Para consecução destes fins, também foram utilizados estudos estatísticos do

IBGE.

O fato é que o aumento da monoparentalidade na década de 60, nos Estados Unidos

e, em países europeus como a França e a Suíça, na década de 70, fez com que esse

fenômeno se disseminasse por todo o mundo, atingindo o Brasil. A família monoparental

brasileira foi reconhecida como entidade familiar pela nossa Carta Magna. Entretanto não

possui regulamentação oriunda da legislação infraconstitucional, mesmo possuindo

delineamento diverso da família tradicional, tendo em vista que a primeira entidade não

decorre da mesma situação da última.

Com base nesta estrutura diferenciada, o primeiro capítulo tratará do histórico da

família clássica, demonstrando como surgiu na era primitiva e sua passagem, ao longo do

tempo, de família amplíssima para restrita, onde se encontra a família monoparental.

Logo em seguida, no segundo capítulo proceder-se-á a uma análise da definição

deste novo esquema de vida familiar, para que pudessem ser analisados os elementos

estruturais decorrentes da monoparentalidade, visto que diversos, tanto no formato familiar,

quanto na situação geradora, da idéia comum de família.

No terceiro capítulo serão analisados, de forma sintética, os fatores determinantes do

fenômeno monoparental, explicitados de acordo com a realidade brasileira, de modo a se

perceber as diversas situações que acabam por originar tal entidade familiar.

Então, no quarto capítulo será examinada a legislação que, de modo geral,

possibilitou a expressividade da família monoparental e da Constituição Federal de 1988 que

através do artigo 226 § 4º, numa inovação jurídica revolucionária, ampliou o conceito de

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família, o que possibilitou a passagem da monoparentalidade do mundo fático para o mundo

jurídico.

No quinto e último capítulo serão examinadas as repercussões da monoparentalidade

no cotidiano das famílias, dando enfoque a problemática da pensão alimentícia, ao ônus

feminino e a necessidade de intervenção estatal, na órbita privada, como instrumento

saneador de problemas.

2. Histórico da família clássica até a monoparental

A família é a instituição basilar da sociedade sendo, desde os tempos antigos,

considerada um elemento de grande importância na estrutura social. Dentre os organismos

sociais e jurídicos, foi a família que sofreu mais alterações, tanto na sua compreensão,

quanto na extensão. A organização familiar passou de entidade amplíssima para restrita,

com o decurso do tempo.

2.1. A família na era primitiva

Nas civilizações primitivas, o agrupamento familiar não se caracterizava pelas suas

relações individuais, pois viviam em endogamia, ou seja, os relacionamentos sexuais

ocorriam entre todos os integrantes da tribo. Em decorrência deste fato, as relações de

parentesco ficavam prejudicadas, visto que, apenas a mãe era conhecida. Caio Mário

(1996, p.17), diz que: “essa posição antropológica que sustenta a promiscuidade não é

isenta de dúvidas, entendendo ser pouco provável que essa estrutura fosse homogênea

em todos os povos.”

Posteriormente, por motivos diversos, os homens tenderam a relacionar-se com

mulheres de outras tribos, evitando o próprio grupo. Mais tarde, ocorreu uma prevalência

por relações individuais, ressaltando o caráter de exclusividade, que acaba por originar a

monogamia, embora a poligamia, seja mantida por algumas civilizações.

A família monogâmica foi fundamental para o desenvolvimento da sociedade. Sua

prevalência entre os povos forçou o reconhecimento da paternidade beneficiando os filhos

com o exercício da obrigação paternal de proteção e assistência. Em decorrência, tornou-

se fator econômico de produção, pois os muitos membros trabalhavam juntos pela

subsistência do grupo. Além disto, foi com a agregação da família que surgiu a

propriedade individual.

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2.2. A família romana

A sociedade romana atribuía a família papel relevantíssimo, pois a mesma,

abarcava não só o setor social, mas também os aspectos econômicos, religiosos, políticos

e jurídicos.

A família romana baseava-se no poder paternal ou paterfamilias, Os membros

desta instituição não se encontravam unidos pelo vínculo do nascimento ou pela afeição

natural existente entre parentes, mas sim pela religião doméstica e o culto aos

antepassados.

O pater era o membro de maior importância na família romana. Ele administrava

todo o patrimônio familiar, além disto era o responsável pela preservação e direção do

culto às divindades de seus antepassados. Além destas atribuições, o pater ainda

distribuía a justiça, fazendo parte do senado romano por um longo período. Ele era o único

membro sui júris da família, ou seja, sujeito de seu próprio direito, e exercia seu poder

absoluto sobre a mulher, os filhos e os escravos, todos alieni júris, isto é, aquele que não

goza de direito próprio e está sujeito à autoridade de alguém.

A materfamilias com o casamento perdia a relação com o culto de seus

antepassados passando a cultuar os deuses do marido, de modo que jamais transmitia aos

filhos traços de sua própria família.

Os filhos eram tratados conforme o sexo. O filho só adquiria a condição de sui júris

com a morte do pater e assim podia constituir nova família. A filha iria casar e fazer parte

de outra família. Apenas os filhos poderiam herdar.

Durante este período, a família era um agrupamento de pessoas que cultuavam os

mesmos deuses. Esta era a razão de sua existência e perpetuação, a necessidade de

manter o culto familiar. Por isto, o direito romano defere tamanha importância à adoção e

considera uma desgraça o celibato.

Toda esta preocupação em preservar o culto através de um descendente masculino

faz surgir outra questão. Não era o bastante conceber um filho, já que este deveria advir

de um casamento religioso. Com o advento do cristianismo, o casamento foi alçado à

qualidade de sacramento, cercando-o de solenidades perante a autoridade religiosa. Esta

celebração possuía três finalidades: remediar a concupiscência, geração e educação da

prole. E para assegurar que nada impediria a consagração deste vínculo religioso, tanto a

poligamia quanto o divórcio foram condenados. No que tange este último instituto, as

únicas possibilidades para dissolução do vínculo matrimonial, eram o adultério e o

privilégio Paulino. Entretanto, o mesmo ainda era permitido nos casos de adultério (Mt.

19,9) e no privilégio Paulino (I Cor. 7, 10-17). Na primeira hipótese, se admitia apenas a

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separação de leito e habitação, o que conhecemos como separação de corpos. Já na

segunda, realmente ocorria a dissolução do matrimônio, como indicação do apóstolo

Paulo, mas apenas no casamento realizado entre cristãos e não cristãos.

2.3. A família na idade média

Durante toda a Idade Média, é notório o domínio da igreja católica sobre as

relações familiares. O que é demonstrado pelo fato de o casamento religioso ser o único

conhecido, por muitos séculos. Já o casamento civil surgiu apenas em 1767, na França.

Mesmo neste tempo, o casamento se manteve distante de qualquer conotação afetiva,

possuindo ainda a mesma destinação romana, manutenção do culto religioso. Como na

sociedade romana, na medieval era imprescindível o nascimento de um filho para atingir

tal finalidade. De acordo com Venosa (2002, p.19) “reside nesse aspecto a origem histórica

dos direitos amplos, inclusive em legislações mais modernas, atribuídos ao filho e em

especial ao primogênito, a quem incumbiria manter unido o patrimônio em prol da unidade

religioso-familiar”. Entretanto, o casamento também servia para unir as famílias do casal. E

além disto, era a única forma de adentrar no esquema social tradicional, pois de outro

modo ocorreria a marginalização.

Nesta época, era papel da família orientar os jovens quanto à profissão que

seguiria, pois, o ofício era transmitido de geração para geração, dentro das corporações de

ofício. Tal instituição também era responsável pela educação da prole, bem como, pelo

ensinamento dos preceitos religiosos.

A realidade econômica era baseada na agricultura, em decorrência deste fato a

família era numerosa, visto que, o desempenho daquela atividade necessitava de bastante

mão-de-obra. Como unidade de produção, onde todos trabalhavam, as ordens eram dadas

pelo chefe do lar, o pai. Neste ponto, percebe-se que a família medieval vivia sob o

patriarcado, ou seja, o regime social em que o pai é a autoridade máxima.

2.4. A família moderna

A industrialização acarretou o fim dessa concepção familiar. A indústria retirou da

família a função de fator de produção e, conseqüentemente, a autoridade do chefe sobre

os demais membros. O homem passa a trabalhar nas fábricas. E a mulher, ingressa no

mercado de trabalho, com o fim de ajudar no sustento da família, causando profundas

transformações na hierarquia familiar, pois começa a surgir os ideais da igualdade de

direitos, advindos da Declaração Universal dos Direitos do Homem. Outro ponto

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significativo é que as famílias, antes numerosas, se restringem devido ao controle de

natalidade e também pelas péssimas condições de vida.

No século XX, a família adquire nova estruturação. O papel da educação passa a

ser de responsabilidade das escolas, onde as crianças passam a maior parte do tempo. O

catolicismo, antes preponderante, abre espaço para outras religiões e o culto religioso

deixa de ser ministrado em casa. A influência religiosa se torna mais fraca, pois passa a

ser direito constitucional a liberdade de crença.

Dentro dos lares a situação demonstra, de modo mais forte, as transformações. A

mulher adquire, na maioria das legislações, os mesmos direitos dos maridos, de modo que

os cônjuges passam a ocupar o mesmo patamar dentro da família e perante a sociedade.

Os filhos deixam de ser gerados para servir de mão-de-obra. A nova família torna-se

nuclear, compreendendo o pai a mãe e os filhos.

Neste contexto, o casamento perde a vinculação anterior, atingindo o significado de

união afetiva de dois indivíduos e não mais de famílias. Perde também o posto de única

forma de união legítima, ou seja, passam a existir outros modelos de família, diferentes do

modelo clássico, advindo do casamento, com o total apoio do Direito. De modo que, as

uniões sem casamento passam a ser aceitas tanto pela sociedade, como pela legislação.

Surge, então na década de 60, a tendência à ruptura do vínculo conjugal, o divórcio.

Em meados da década de 70, surgem as famílias monoparentais, isto é, as famílias

formadas por um dos genitores e a prole. O primeiro país a tratar deste tema, foi à

Inglaterra, em 1960, tratando-as como one-parent families ou lone-parent families, nos

seus levantamentos estatísticos. Em 1981, através da França, a monoparentalidade foi

empregada em um estudo realizado pelo Instituto Nacional de Estatística e de Estudos

Econômicos (INSEE), com o fim de distinguir as uniões constituídas por um casal, das

famílias constituídas por um progenitor solteiro, separado, divorciado ou viúvo e sua prole.

Com este primeiro enfoque, tal noção de família proliferou-se por toda a Europa.

2.5. A família brasileira

O Brasil sofreu grande influência da Igreja, tendo no casamento religioso a base para

formação da família legítima. Nossas regulamentações foram calcadas no Código de Direito

Canônico. Dessa forma, todo o ato nupcial era regido pelos princípios deste direito, tendo

como fulcro as disposições do Concílio Tridentino e da Constituição do arcebispo da Bahia.

Apenas em 1890, ao surgir a República ocorre a dissociação dos poderes, político e

religioso. Assim, em 24 de janeiro deste ano, através do Decreto nº 181 é instituído o

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casamento civil, como o único legalmente válido. A este respeito L. G. de Melo (2001, p.149)

dispõe:

Isto não impediu, todavia, sobretudo por conta das fortes convicções

religiosas de nosso povo, que o casamento religioso mantivesse seu pleno

prestígio. Especialmente entre as populações mais pobres, ele foi o único

praticado e valorizado.

O próximo fato importante que repercutiu na família brasileira foi a aprovação da

Emenda Constitucional nº 9, de 28 de junho de 1969, que instituiu a dissolubilidade do

vínculo matrimonial no país. Este instituto foi regulamentado pela Lei 6.515 de 26 de

dezembro de 1977. Passando, então, a vigorar o divórcio no Brasil.

Mas, dentre todas as constituições, nenhuma trouxe mudanças tão significativas

como a Constituição Federal de 1988. Pois, nesta ocorre a ampliação do conceito de família,

afim de que possam ser reconhecidas, juntamente com a oriunda do casamento, as

entidades familiares decorrentes, tanto da união estável entre homem e mulher, quanto da

advinda da comunidade entre qualquer dos pais e seus descendentes.

Assim o artigo da Constituição Federal, 226, § 4º que dispõe “entende-se, também,

como entidade familiar a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes”,

passa não só a reconhecer a existência das famílias monoparentais, como também lhes

confere a especial proteção do Estado. No entanto, tal família não possui integral definição,

estruturação e limites através de legislação infraconstitucional.

A família monoparental é, então, admitida como legítima pelo Direito Constitucional,

entretanto não existe para o Direito Social e muito menos para o Direito Civil.

Por fim, o reconhecimento e a definição da família monoparental como família natural

também é extraído do dispositivo 25, da Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990, quando dispõe

que “entende-se por família natural a comunidade formada pelos pais ou qualquer deles e

seus descendentes”. Desse modo, também se percebe seu reconhecimento no Estatuto da

Criança e do Adolescente.

3. Conceito

O conceito de família monoparental encontra-se vinculado ao próprio sentido do

vocábulo família e para que seja compreendido faz necessário o exame de seus sentidos

jurídicos.

Para o mundo jurídico existem três significações fundamentais para o vocábulo

família: a amplíssima, a lata e a restrita.

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Na acepção amplíssima este termo compreende todos as pessoas que estiverem

ligadas pelo vínculo da consangüinidade ou da afinidade, de modo que chega a incluir

estranhos. Um exemplo deste fato encontra-se no artigo 1.412, § 2º, do Código Civil, quando

trata do direito real de uso e dispõe que “as necessidades da família do usuário

compreendem as de seu cônjuge, dos filhos solteiros e das pessoas de seu serviço

doméstico”. Outro exemplo repousa na Lei n. 8.112/90, o Estatuto dos Servidores Públicos

da União, no seu artigo 2413, onde a família do funcionário não só abrange o cônjuge e os

filhos, mas também todas as pessoas que vivam às suas expensas e constem de seu

assentamento individual.

Na significação lata, considera-se família os cônjuges e sua prole e também os

parentes da linha reta ou colateral, bem como os afins. Desta forma é concebida a família

pelo Código Civil4, quando trata das relações de parentesco.

Por fim, no sentido restrito, a família não só compreende o conjunto de pessoas

unidas pelo vínculo do matrimônio e da filiação, em resumo, os cônjuges e os filhos, como

preceitua o Código Civil nos artigos5 1.567 e 1.716, pois também é considerada como

família, pelo artigo 226, §4º da Constituição Federal6, a monoparental ou unilinear.

A família monoparental foi reconhecida pela Carta magna como entidade familiar e de

acordo com a mesma é conceituada como “a comunidade formada por qualquer dos pais e

seus descendentes”. Quanto à tal questão M. H. Diniz (2002, p.11) expõe o seguinte

comentário:

A família monoparental ou unilinear desvincula-se da idéia de um casal

relacionado com seus filhos, pois estes vivem apenas com um dos seus

genitores, em razão de viuvez, separação judicial, divórcio, adoção

unilateral, não reconhecimento de sua filiação pelo outro genitor, produção

independente, etc.

Eduardo de Oliveira Leite (2003, p.22) entende que “uma família é monoparental

quando a pessoa considerada (homem ou mulher) encontra-se sem cônjuge, ou

companheiro, e vive com uma ou várias crianças”.

Este fenômeno não é novo no Ocidente, pois sempre existiram pessoas que criaram

e educaram seus filhos sozinhas, no entanto, a partir dos anos 60, ocorreu um aumento

considerável de divórcios e este tipo familiar saltou aos olhos da sociedade. 3 Art. 241. Consideram-se da família do servidor, além do cônjuge e filhos, quaisquer pessoas que vivam às suas expensas e constem do seu assentamento individual. 4 Art. 1591 e seguintes do Código Civil. 5 Art. 1567. A direção da sociedade conjugal será exercida, em colaboração, pelo marido e pela mulher, sempre no interesse do casal e dos filhos. Art. 1716. A isenção de que trata o artigo antecedente durará enquanto viver um dos cônjuges, ou, na falta destes, até que os filhos completem a maioridade. 6 Página 19 deste trabalho.

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Este neologismo, famílias monoparentais, é bastante amplo, pois procura abranger,

simultaneamente, as situações novas e as antigas. As primeiras advindas das rupturas

voluntárias de casamentos e uniões e as segundas, oriundas de falecimentos, abandono de

um dos cônjuges, nascimentos extramatrimoniais, etc.

Assim, é possível extrair as principais características da família monoparental, pois

elas residem no próprio conceito destas.

A primeira característica é a presença de um só genitor. Neste ponto reside a

diferença básica, desta família para a biparental. Nesta, existem dois genitores, a função

parental é desempenhada em conjunto, de modo que ambos possam ter lugar na criação,

convivência, educação e manutenção da prole. Na família monoparental, há apenas um dos

genitores para desempenhar os dois papéis.

Em seguida, temos a presença da prole. As crianças, deste modelo familiar, têm de

crescer e conviver com situações e problemas diferentes advindos da monoparentalidade,

sendo o primeiro deles, a ausência de um dos pais no convívio cotidiano.

E por fim, temos a situação que originou tal modelo familiar. Esta pode ser fruto de

uma decisão voluntária ou involuntária do genitor. Existem várias possibilidades de situações

que originam a monoparentalidade, entre elas o divórcio, a viuvez, etc.

Portanto, reunindo todos estes elementos podemos definir a família monoparental,

como a entidade familiar compreendida por um único progenitor que cria e educa sozinho

seus filhos, sendo esta unidade decorrente de uma situação voluntária ou não.

4. Fatores determinantes da monoparentalidade

A monoparentalidade não pode ser observada como um fenômeno ocidental

moderno. Ela sempre existiu. O fato é que ele tem evoluído, consideravelmente, nos últimos

vinte anos.

Antigamente, a monoparentalidade ocorria como fenômeno involuntário, pois era fruto

de uma situação imposta, como na viuvez. Hodiernamente, este fenômeno é muito mais

voluntário. Ele parte de uma opção, decorrente da manifestação da vontade humana, como

no caso do divórcio.

Assim, torna-se difícil especificar um fator gerador de tal fenômeno, o que nos leva a

perceber a ocorrência de vários fatores que beneficiam sua existência e crescimento.

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4.1. Celibato

Este fator, talvez, seja o que expressa de forma mais intensa a vontade como

elemento da monoparentalidade atual. O celibato é um novo estilo de vida bastante utilizado,

mas ele não significa a vida solitária. O que ocorre é a inexistência de casamento. A idéia

central é não se comprometer, não ter compromisso.

O casamento ocorre cada vez menos. A maioria das pessoas têm preferido viver

liberadas de qualquer obrigação. O fato é que o casamento deixou de ser uma meta,

principalmente entre os jovens. De acordo com o IBGE, no Censo Demográfico 2000, na

faixa de 20 a 29 anos, o número de homens solteiros é de 11.225.942 em oposição a

3.144.557 de casados. Entre as mulheres não é diferente. Na faixa acima descrita o número

de mulheres solteiras é de 9.948.160, já o de casadas é de 4.765.305. Deste modo percebe-

se que apenas ¼ dos homens e metade das mulheres, em idade núbil optam pelo

casamento.

A expressão “celibato”, ora utilizada, deve compreender tanto aqueles celibatários

que moram, com os pais, por exemplo, quanto aqueles solteiros que moram sozinhos.

Entretanto, para o IBGE, apenas o último sentido refere-se as famílias unipessoais, ou seja,

aquelas onde reside uma única pessoa e sua prole.

Atrelado ao desgaste da instituição do matrimônio, existe também a situação

econômica atual. O problema do desemprego faz com que as pessoas busquem cada vez

mais se especializarem, a fim de ter melhores chances no mercado de trabalho. A

concorrência faz com que a vida estudantil se prolongue. Acaba havendo um deslocamento

de objetivos. Estes deixam de ser voltados a formação de uma família e passam à busca da

formação profissional.

No celibato existe a vida sexual, pois a maioria tem parceiros, mas não existem as

amarras do casamento. Existe uma vida solteira bem sucedida, com prestígio e sem grandes

dificuldades econômicas. Pelo menos é o que se divulga na mídia. Assim, acabam se

tornando modelos a serem seguidos.

A monoparentalidade decorrente deste fator não preocupa o governo pois refere-se a

vida privada das pessoas, contudo os filhos dela oriundos, estes sim, o Estado tem o dever

de proteger, assegurando uma vida digna e um ambiente favorável ao exercício da

cidadania, buscando a oferta igualitária de oportunidades.

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4.2. O divórcio ou a separação

A dissolução do vínculo conjugal tem, praticamente, o mesmo tempo de existência da

instituição do casamento.

Entre as civilizações primitivas, o divórcio ocorria através do repúdio. Este, também,

era o modo de ruptura utilizado pelos povos antigos, entretanto, este direito era exclusivo do

homem. Na atualidade, tal forma por fim ao casamento, ainda se encontra vigente entre os

países adeptos ao islamismo.

A instituição do divórcio também existia entre os gregos e os romanos. Entre os

últimos, podia ocorrer, tal ruptura, de forma consensual ou pelo repúdio.

A condenação do divórcio adveio com o cristianismo. Entretanto, o mesmo ainda era

permitido nos casos de adultério (Mt. 19,9) e no privilégio Paulino (I Cor. 7, 10 a 17). O

interessante é que no primeiro caso, admitia-se apenas a separação de leito e habitação, o

que conhecemos como separação de corpos. Já no segundo caso, realmente ocorria a

dissolução do matrimônio, como indicação do apóstolo Paulo, para o casamento realizado

entre cristãos e não cristãos. Estas duas possibilidades de divórcio foram ratificadas pelo

Código de Direito Canônico.

Com o passar do tempo, ocorreram transformações sociais, políticas e econômicas

que juntamente com o desgaste da influência religiosa propiciaram a legalização do divórcio

na maioria dos países, principalmente os ocidentais.

No Brasil, o divórcio foi instituído pela Lei n. 6.515/77. Entretanto, esta

regulamentação veio para adaptar a legislação as novas tendências da sociedade brasileira.

Esta não suportava mais o desquite. O fato é que tal instituto permitia a ruptura da vida

conjugal, mas tornava impossível um novo casamento. Tal conjectura social demonstra que

a Lei do Divórcio não incentivou tal prática, apenas consumou as separações já existentes.

Seguindo tal ordenamento, o Código Civil em vigor dispôs, no artigo 1571 e incisos, o

que segue:

Art. 1571. A sociedade conjugal termina:

I - pela a morte de um dos cônjuges;

II – pela nulidade ou anulação do casamento;

III - pela separação judicial;

IV - pelo divórcio.

Entretanto, logo no § 1º do artigo supracitado, quando dispõe que “o casamento

válido só se dissolve pela morte de um dos cônjuges ou pelo divórcio, aplicando-se a

presunção estabelecida neste Código quanto ao ausente”, fica claro que a separação judicial

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põe termo apenas a sociedade conjugal e que os demais institutos é que dissolvem o vínculo

matrimonial.

A monoparentalidade, neste caso, é ocasionada por um dos efeitos da ruptura, a

guarda dos filhos. A questão é que o rompimento não altera o vínculo da filiação, mas atribui

a guarda e companhia dos filhos a um dos pais. A família passa de biparental para

monoparental.

Desta forma, a monoparentalidade decorrente do divórcio torna-se cada vez mais

freqüente devido ao crescimento constante deste fenômeno. Este fato pode ser decorrente

da precocidade com que, as pessoas se casam, revelando a falta de estrutura para a vida

conjugal. Pode, também, advir da fragilidade das uniões, pois a mentalidade moderna não

mais concebe casamentos frustrados e duradouros.

Um fato constatado é o de que o divórcio é mais requisitado nas camadas mais

pobres da sociedade, do que nas camadas ricas. Entretanto, principalmente entre as

mulheres, ocorre uma maior tendência de manutenção do divórcio nas camadas superiores.

Este é um fato justificado pelo nível de qualificação profissional destas mulheres, pois entre

as mais pobres acaba sendo necessária uma nova união, para sustento próprio e da prole,

exatamente pela falta de autonomia econômica.

Outro fato importante é que a maioria dos pedidos de divórcios diretos efetivados, no

Brasil, são de iniciativa das mulheres, segundo dados do IBGE. Entretanto, este fato não é

peculiar do nosso país, pois também, é freqüente na Europa e nos Estados Unidos. Neste

contexto afirma E. O. Leite (2003, p. 43) o que se segue:

Os motivos da separação são, geralmente, de duas ordens: 1. ou elas se

sentem anuladas no lar, em decorrência de uma relação de dependência, ou

pela ausência de interesses comuns com seu marido; 2. ou elas

compreendem que o seu marido não correspondeu àquilo que elas

desejavam (ou, na maioria das vezes, haviam imaginado).

Quando se trata de separação judicial litigiosa a iniciativa das mulheres é quatro

vezes maior que a dos homens. Já no caso das separações de fato os dados revelam a

iniciativa feminina duas vezes maior.

A questão é que, independente do autor do pedido, o número de divórcios e

separações no nosso país tem crescido consideravelmente. O que ratifica a freqüência das

notícias veiculadas pela mídia de constantes rupturas.

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4.3. A união livre

Com a revolução sexual, da década de 60, impõe-se um novo estilo de vida, a união

livre. Esta em contraposição ao casamento, era tendência entre os jovens da época. A

maioria vivia relações pré-matrimoniais. O casamento só ocorria no caso de gravidez

inesperada ou quando tomada a decisão de ter um filho.

A união livre garantia uma vida sexual ativa e a individualidade dos parceiros, sem

exigir compromissos, responsabilidade, durabilidade ou fidelidade na relação. Na realidade,

servia como treinamento para um casamento futuro. Caso não desse certo ocasionava uma

separação instantânea. Caso fosse boa a experiência, o próximo passo seria o casamento.

Esta época de permissividade excessiva gerou graves problemas, como a grande taxa de

nascimentos de filhos ilegítimos, constatada a partir da década de 80.

No Brasil, a Constituição Federal no seu artigo 226, § 3º, reconheceu como entidade

familiar, “a constituída pela união estável entre o homem e a mulher devendo a lei facilitar

sua conversão em casamento”. Já a regulamentação desta situação veio com a Lei n.

9.278/96. Nesta, seu artigo 1º dispõe que “é reconhecida como entidade familiar a

convivência duradoura, pública e contínua, de um homem e uma mulher, estabelecida com o

objetivo de constituição de família”. Com isto, foram determinados os direitos e deveres

recíprocos, o regime de bens e a assistência material em caso de dissolução.

Deste modo, de acordo com Maria H. Diniz (2002, p. 613) “a união estável perde o

status de sociedade de fato e ganha o de entidade familiar, logo não pode ser confundida

com a união livre, pois nesta, duas pessoas de sexos diferentes, além de não optarem pelo

casamento, não têm qualquer intentio de constituir família”. Após tal afirmativa, se torna clara

a noção de que o fator determinante da monoparentalidade é a união livre pelo fato, da

mesma, não objetivar a formação da família clássica, onde estão presentes o vínculo

matrimonial e a biparentalidade.

Contudo, a união estável não pode ser excluída definitivamente deste rol de fatores,

pois, também não objetiva esta formação, no que se refere ao casamento. Neste caso, a

monoparentalidade pode ser visualizada nas uniões estáveis onde apenas um dos membros

é genitor biológico da prole e vive com um companheiro. Já que, novamente, para Maria H.

Diniz (2002, p. 322) um dos elementos secundários da união estável é a “criação e educação

pela convivente dos filhos do companheiro”.

Para ratificar tais afirmações, o IBGE, com dados do Censo Demográfico 2000,

constatou o número de uniões consensuais era de 19.107.754, enquanto o de casamentos

religiosos era de 2.928.522 e o número de casamentos civis era de 11.640.821. Deste modo,

mesmo somando estes dois últimos dados as uniões consensuais ainda ganham. Na

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verdade elas perdiam apenas para o número de casamentos no civil e religioso, que era de

33.763.324.

4.4. As mães solteiras

A categoria das mães solteiras sempre sofreu muita discriminação tanto da

sociedade e quanto da própria legislação. No Brasil, a marginalização ocorreu até a metade

deste século, através da denominação atribuída aos filhos desta categoria. Os mesmos eram

tidos como ilegítimos perante a sociedade.

A aceitação desta categoria e de sua prole, no Brasil, partiu primeiro da legislação.

Com o Decreto n. 3.200/41 regulou-se a guarda do filho natural. A Lei n. 883/49 admitiu o

reconhecimento do filho adulterino e a Lei n.7.841/89 permitiu o reconhecimento do filho

incestuoso. Várias leis de cunho trabalhista e previdenciário deram vantagens às mulheres,

sendo estas casadas ou não. A Carta Magna de 1988, no seu artigo7 227, §6º, concedeu os

mesmos direitos e qualificações aos filhos havidos ou não do matrimônio e também proibiu

qualquer tipo de qualificação discriminatória. Em consonância com o texto constitucional,

veio a Lei n. 8.069/90. Com a Lei n. 8.560/92 facultou-se a mãe solteira o entrar com a ação

de investigação de paternidade e reconhecimento de filiação, mesmo que o pai seja casado.

Por fim, a Lei n. 8.971/94 regulamentou os direitos dos companheiros a alimentos e à

sucessão.

Mesmo tendo todo reconhecimento oriundo da legislação, as mães solteiras ainda,

são marginalizadas pela sociedade. Esta ambigüidade, onde a lei reconhece, mas a

sociedade despreza, decorre do fato de ser a sociedade brasileira extremamente

tradicionalista. Contudo, tal situação tende a mudar, pois já se percebe um abrandamento

dos costumes, através da defasagem do casamento e da tendência desta geração a

coabitar.

Além das questões sociais e legais, ainda existe outro problema que atinge as mães

solteiras, o fator econômico. Entre as mulheres de camadas inferiores, existe o problema da

falta de estudos, e conseqüentemente falta de qualificação profissional. Por outro lado, há a

precariedade das medidas assistenciais prestadas pelo Governo, pois não existem creches

ou escolas em número suficiente para todas as crianças. Já as mulheres de camadas

superiores não são atingidas por tais problemas. No entanto, todas as mães solteiras,

independente da classe social e do poder aquisitivo, têm de enfrentar uma dupla jornada de

trabalho, pois tem de conciliar o seu tempo entre os filhos e o trabalho.

7 Art.227. §6º. Os filhos havidos ou não da relação de casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação.

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A questão das mães solteiras vem atrelada a questão da filiação não- matrimonial. O

fato é que na mesma proporção em que cresce o número de mães solteiras cresce o número

de nascimento extramatrimoniais. Devido a este fato deve-se atentar que nesse problema

existem dois interesses a serem protegidos: o da criança e o da mãe. Ambos necessitando

não só da tutela estatal, mas também do apoio social.

Entretanto, deve haver uma distinção entre os tipos de maternidade celibatária, pois a

idéia da maternidade involuntária como exclusiva, não condiz plenamente com a situação

atual. As mães solteiras não são redutíveis a um único tipo.

Seguindo o quadro de distinções de Leite apud Lê Gall e Martin (2003, p. 58), pode-

se esquematizar, nos mesmos moldes, quatro tipos de mães solteiras condizentes com a

realidade brasileira:

1. As “maternidades impostas”, quando se trata de mães solteiras que não

decidiram ter, nem conservar o filho, mas que não estão autorizadas pela lei

a interrupção voluntária da gestação, o que obriga a assumir sua gravidez.

No entanto nada impede que algumas mulheres pratiquem o aborto

ilegalmente, ou abandonem a criança após o nascimento;

2. As “maternidades involuntárias”, quando mesmo a gravidez não tendo

ocorrido por opção, após a concepção decidem ter e educar sozinhas o filho;

3. As “maternidades voluntárias”, estas sim, tomaram a decisão de ter e

assumir sozinhas os filhos;

4. As “maternidades de coabitantes”, neste caso as mães solteiras decidem em

conjunto com o coabitante ter e educar um filho.

De acordo com este esquema, apenas a última categoria não se enquadra na família

monoparental brasileira. A vivência com os dois pais exclui a monoparentalidade definida na

Constituição. Já que esta compreende a presença de um único dos pais e os filhos.

Este quadro, ainda, deixa claro que o fator determinante do celibato maternal atual

não se resume à uma situação imposta, a qual tende a diminuir dando espaço a maternidade

solitária por opção. E esta diminuição pode ser devido ao avanço dos métodos

contraceptivos e sua maior divulgação pelos meios de comunicação. E, claro, pelo empenho

do Estado em tornar tais métodos acessíveis a população em geral.

4.5. A viuvez

Este fator era bem mais expressivo em 1968, quando para cada duas mulheres

chefes de famílias monoparentais, uma era viúva. Mais tarde, em 1982, este número tende a

decrescer, a proporção passa a ser de três mulheres para uma viúva. A causa principal

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desta queda pode ser o aumento da expectativa média de vida dos homens, ou o fato de

que o divórcio ou a separação ocorram antes da morte do outro cônjuge.

Os dados do Censo Demográfico 2000 apresentam um número de 6.211.209 de

pessoas viúvas, onde 5.065.474 destas são mulheres, contra 1.145.735 de homens.

O problema deste fator determinante da monoparentalidade é que a maioria destas

viúvas é da geração onde a mulher vivia apenas para o serviço doméstico. O que significa

que não possuem qualificação profissional e muito menos experiência nesse setor. A

conseqüência imediata desta constatação é que as mesmas terão grandes dificuldades de

inserção no mercado de trabalho.

Assim, a grande maioria das viúvas nesta situação se sustentam de duas formas: ou

sobrevivem com o valor de seus benefícios, geralmente um salário mínimo; ou estão ativas,

trabalhando, geralmente, como empregadas domésticas ou operárias, em resumo, ocupam

cargos de menor qualificação e remuneração.

4.6. Fatores secundários

Os fatores já expostos foram determinantes na propagação da monoparentalidade,

mas, existem elementos secundários que também contribuíram para tamanha

expressividade.

O primeiro deles foi a entrada da mulher no mercado de trabalho. A partir dos anos

60, o trabalho feminino se tornou regra. A conciliação de estudo e emprego ou o

aprimoramento do estudo para um futuro profissional eram o retrato da realidade feminina da

época. De modo que, passou a se ter preferência por mulheres para determinadas funções,

como secretária, gerente de recursos humanos, entre outras.

Com tal atitude, as mulheres conseguiram algumas mudanças radicais. A primeira

delas ocorreu em relação aos pais que não mais detinham as mulheres sob o poder da

dependência econômica. A segunda transformação aconteceu nos lares. As mulheres não

mais dependiam economicamente dos seus maridos. Com isto podiam romper o vínculo de

um casamento fracassado, pois, tinham condições de reestruturação e manutenção de suas

vidas.

O próximo fator foi o controle contraceptivo. Com ele veio a dissociação da

sexualidade com a procriação. Isto acarretou a possibilidade de um planejamento familiar. O

que foi muito importante, pois, a vida sexual poderia ser ativa sem riscos de filiação. Com a

possível programação da gravidez, esta passou a não ser mais uma forma de desonra

feminina. O ato de ter um filho fora do casamento transformou-se em situação admirada pela

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coragem necessária. O que torna este fator decisivo para o fenômeno da

monoparentalidade.

Logo em seguida, encontram-se os fatores do enfraquecimento tendente à nulidade

da influência religiosa na vida das pessoas, juntamente com a mudança da mentalidade

social. O fato é que as pessoas passam a aceitar o que antes marginalizavam, como o

divórcio, as uniões livres, etc. A Igreja Católica perde seu poder em relação à vida privada

dos seus fiéis. Mesmo continuando com suas pregações contra práticas como sexo antes

do casamento, aborto, uso de camisinha, o divórcio, a união estável, etc, estas viraram

realidade sendo algumas permitidas pela legislação vigente.

Por fim, o fator referente às transformações da legislação ordinária que começaram a

ocorrer partir da segunda metade do século XX, numa tendência global de positivação liberal

e igualitária. Podemos citar como exemplos desta seqüência legislativa, a Lei n. 883/49 que

dispõe sobre o reconhecimento da filiação ilegítima; a Lei n. 3.133/57 que alterou a adoção

simples para legitimação adotiva; a Lei n. 6.697/79 que alterou a adoção simples em plena; a

Lei n. 8.069/90, o Estatuto da criança e do adolescente; a Lei do Divórcio; a Constituição

Federal de 1988; a Lei n. 5.478/68 que alterou os alimentos; a Lei n. 8.560/92 que autorizou

a investigação de paternidade dos filhos extramatrimoniais; e a Lei n. 9.278/96 que regulou a

união estável.

A exposição de todos estes fatores torna clara a percepção de que o fenômeno

monoparental é decorrente não só das situações voluntárias ou não a que está subordinado

o genitor, mas também, de toda uma conjuntura social, política e econômica. O importante é

que a monoparentalidade, seja oriunda de qualquer destas situações, é um fenômeno

estatisticamente comprovado que merece regulamentação.

5. Disciplinamento legal

A família monoparental brasileira foi reconhecida como entidade familiar pela

Constituição Federal de 1988. A positivação constitucional garantiu a tais famílias o direito à

ampla tutela estatal. Entretanto, ainda não existe legislação ordinária que regulamente sua

existência, seus direitos e deveres. Em geral, os problemas desencadeados por tal

fenômeno, principalmente em relação as crianças, ainda não possuem solução legal.

O disciplinamento, abaixo exposto, representa os principais ordenamentos jurídicos

fomentadores da expressividade monoparental. Com base no estudo de seus fatores

determinantes pode-se elencar algumas regulamentações decisivas: A Lei n. 6.515/77, a

Constituição Federal de 1988, a Lei n. 9.278/96 e o atual Código Civil.

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5.1. A Lei de nº 6.515/77 (Lei do Divórcio)

Em 1900 já havia o intuito do legislador de introduzir o divórcio na legislação

nacional. Nos anos quarenta, também houve tentativas de aprovação do divórcio, por

iniciativa do senador Nelson Carneiro, que foram frustradas pela influência dominante da

Igreja Católica no Congresso Nacional.

A introdução de tal instituto ocorreu apenas em 1977, pois a Emenda Constitucional

n. 8 de 14 de abril de 1977, baseando-se no Ato Institucional n. 5, passou a exigir como

condição para alteração do texto constitucional apenas maioria absoluta, em vez de quorum

qualificado. Este fato possibilitou a aprovação do divórcio, através da Emenda Constitucional

n. 9, de 28 de junho de 1977.

O divórcio, então foi regulamentado pela Lei n. 6.515/77, de 26 de dezembro de

1977. Esta lei ocasionou a revogação de artigos8 da Constituição de 1969, que determinava

a indissolubilidade do matrimônio e do nosso Código Civil.

Com esta lei, veio o disciplinamento dos casos de separação e divórcio, seus efeitos

e respectivos processos. De modo que o artigo 2º já elenca as hipóteses de dissolução do

casamento da seguinte forma:

Art. 2º. A sociedade conjugal termina:

I – pela morte de um dos cônjuges;

II – pela nulidade ou anulação do casamento;

III – pela separação judicial;

IV – pelo divórcio.

Entretanto, a própria lei no parágrafo único já acrescentava que “o casamento válido

somente se dissolve pela morte de um dos cônjuges ou pelo divórcio”. Desta forma estava

explícita a substituição do vocábulo desquite por separação, visto que assumiam o mesmo

papel, findar a sociedade conjugal sem dissolver o vínculo matrimonial.

Antes da instituição desta lei, os divórcios realizados no exterior por brasileiros, lá

domiciliados, não poderiam ser homologados ao retornarem, por serem considerados fraude

à lei. O mesmo ocorria, no caso de naturalizações em países adeptos do divórcio, pois ao

retornarem a nossa nacionalidade a homologação era indeferida. Com exceção dos

brasileiros que provavam não ter, no ato, ocorrido fraude à lei.

Quando um dos cônjuges ou os dois eram estrangeiros o caso era diferente. De

acordo com L. G. de Melo (2001, p. 216) a explicação para esta hipótese é a seguinte:

Se um dos cônjuges fosse brasileiro e o outro, estrangeiro, de país cuja

legislação permitisse o divórcio, a homologação beneficiaria o cônjuge

8 Art.175 da Constituição de 1969 e de 315 usque 318 do Código Civil de 1916.

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brasileiro apenas com relação aos efeitos patrimoniais, rompendo o vínculo

matrimonial somente do cônjuge estrangeiro... Finalmente, em se tratando

de cônjuges estrangeiros cujo divórcio se realizara em outro país, o mesmo

produzia todos os efeitos no Brasil, podendo aqui se realizarem novas

núpcias.

Com o passar do tempo, a Lei do divórcio sofreu algumas alterações. Um dos

exemplos é o caso do artigo9 25, dispondo sobre a separação judicial que para ser

convertida em divórcio carecia do transcurso de mais de três anos. Tal prazo foi reduzido

para mais de um ano, em caso de divórcio indireto, e mais de dois anos para divórcio direto,

pelo artigo10 226, § 6º da Constituição Federal de 1988.

Outras modificações ocorreram com a implementação da Lei n. 7.841/89. Uma delas

foi a revogação das teorias do divórcio-remédio, do divórcio- falência e do divórcio-sanção,

aplicáveis às hipóteses de divórcio litigioso direto. Outro exemplo foi a revogação do artigo

38 que determinava que “o pedido de divórcio em qualquer dos seus casos, somente poderá

ser formulado uma vez”. Com isto se tornou permitido a uma pessoa quantos pedidos de

divórcio fossem necessários.

Além, de tratar do divórcio, a lei n. 6.515/77 introduziu algumas alterações no Código

Civil de 1916. Uma delas foi a alteração do regime de bens. Antes, vigorava o regime de

comunhão universal, quando não houvesse convenção. Com a modificação, o regime

passou a ser o de comunhão parcial de bens. A exceção ocorria no caso de pessoas

casadas, antes de 28 de junho de 1977, por 10 (dez) anos consecutivos, pois estes podiam

estabelecer livremente o regime de bens.

Outra modificação ocasionada por esta lei foi a de tornar possível o reconhecimento

da filiação havida fora do casamento, na sua constância, em testamento cerrado, e também

que, independente da natureza da filiação, o direito à herança seria resguardado em

igualdade de condições.

O fato é que a implementação desta lei não pode ser considerada como catalisadora

do divórcio, já que no Brasil, a tendência separatista já existia antes da legalização. A própria

regulamentação decorre da necessidade de adequar a legislação à conjuntura social da

época. O que ocorreu foi apenas à regularização das separações de fato anteriores a

vigência da lei. 9 Art. 25. A conversão em divórcio da separação judicial dos cônjuges, existente há mais de três anos, contada da data da decisão ou da que concedeu a medida cautelar correspondente (art.8º), será decretada por sentença, da qual não constará referência à causa que a determinou. (Revogado). Art. 25. A conversão em divórcio da separação judicial dos cônjuges, existente há mais de um ano, contada da data da decisão ou da que concedeu a medida cautelar correspondente (art.8º), será decretada por sentença, da qual não constará referência à causa que a determinou. (em vigência) 10 Art. 226. §6º da CF/88 “ O casamento civil pode ser dissolvido pelo divórcio, após prévia separação judicial por mais de um ano nos casos expressos em lei, ou comprovada separação de fato por mais de dois anos”.

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De acordo com Eduardo de Oliveira Leite (2003, p. 21) “a monoparentalidade se

impôs como fenômeno social nas três últimas décadas, mas, com maior intensidade, nos

últimos vinte anos, ou seja, no período em que se constata o maior número de divórcios”.

Fato que comprova a importância do divórcio como fator determinante da

monoparentalidade.

5.2. A Constituição Federal Brasileira de 1988

A Constituição Federal de 1988 provocou uma enorme transformação na célula base

da sociedade ao reconhecer a família monoparental como entidade familiar no seu artigo

226, §4º. Este dispõe que “entende-se, também, como entidade familiar a comunidade

formada por qualquer dos pais e seus descendentes”.

A importância desta positivação é imensa. Através dela o fenômeno monoparental

deixou o mundo fático para adentrar no mundo jurídico. Com isto, a família monoparental

ganhou a “especial proteção do Estado”.

O conceito de família, antes restrito àquela constituída pelo casamento, foi ampliado

para abranger a família monoparental. Esta espécie de família rompeu com a idéia

preconcebida de que o núcleo familiar deve ser oriundo do casamento e compreender o pai,

a mãe e os filhos. O fato é que esta entidade familiar pode se originar de diversos fatores e

compreende, apenas, um dos genitores e seus descendentes. A sociedade passa a se

confrontar com a presença de famílias biparentais e monoparentais, lado a lado, no

cotidiano.

A família monoparental se originou com o surgimento da família moderna, quando

passou a não existir a renúncia em viver maritalmente e ter filhos, mas sim, o retardamento

em oficializar esta união. Segundo Eduardo Oliveira Leite (2003, p. 17), “a sociedade

brasileira também sofreu a influência deste novo modelo de passagem em massa, da família

legal à família de fato”. Devido, exatamente, a expressividade destas mudanças,

constatáveis na maioria dos países ocidentais, é que o constituinte de 1988 reconheceu a

existência da monoparentalidade familiar.

Entretanto, mesmo legalizando a existência deste tipo de entidade familiar, a

Constituição Federal não a colocou no mesmo patamar da família oriunda do matrimônio

civil. O que ocorreu foi à disposição ampla, no caput do artigo 226 de que “a família, base da

sociedade, tem especial proteção do Estado”. De modo que a afirmação contida neste

dispositivo pudesse abranger todas as espécies de família.

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A questão é que até na denominação a família monoparental foi diferenciada da

constituída através do casamento civil. A Constituição trata da segunda utilizando o vocábulo

família, enquanto a referência a primeira ocorre através do termo entidade familiar11.

Mesmo assim, seu reconhecimento na Carta Magna foi uma evolução legislativa, com

o fim de adequar a realidade a este fenômeno tão significativo. Embora a legislação ordinária

não tenha acompanhado tal iniciativa, a proteção decorrente do texto constitucional prova o

interesse em combater a discriminação e o preconceito e auxiliar a integração dos membros

destas famílias à sociedade.

5.3. A Lei nº 9.278/96 e o Código Civil

Dentro desse contexto, a união estável regulada pela Lei nº 9.278/96, pode ser

considerada como um dos fatores determinantes da monoparentalidade, mesmo que

secundário.

O fato é que a Constituição Federal a reconheceu como entidade familiar juntamente

com a família monoparental. Entretanto, não cabe a nossa Carta Magna regulamentá-la.

Esta função foi delegada a legislação ordinária, p. ex. a Lei n. 9.278/96 e o Código Civil. E

sobre a validade desta lei, já que não houve revogação expressa da mesma, diz Venosa

(2002:439), “ainda que se considere revogada a Lei nº 9.278/96, o que será objeto de

celeuma, o princípio geral persiste”. Assim, devem ser observados os dois diplomas em

conjunto, mas priorizando o Código Civil.

O questionamento a ser feito é como a união estável pode influir no fenômeno

monoparental?

A reposta se encontra no conceito desse instituto que segundo M. H. Diniz (2002, p.

315) é “consistente numa união livre e estável de pessoas livres de sexos diferentes, que

não estão ligadas entre si por casamento civil”. Percebe-se, facilmente, que a maior

característica dessa união é a liberdade dos companheiros. Estes se encontram livres da

formalidade presente no casamento civil. Isto passa a idéia de que a dissolução pode ocorrer

a qualquer tempo e dar origem a monoparentalidade.

O Código Civil dispõe, no art. 1.723, que “é reconhecida como entidade familiar a

união estável entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e

duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família”. Este dispositivo é,

praticamente, idêntico ao da Lei nº 9.278/96. Ambos determinam características para o

reconhecimento da união estável como entidade familiar. São elas: diversidade de sexo,

11 Grifo nosso.

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estabilidade, publicidade, continuidade, duração e fim específico (constituir família).

Entretanto, nos dois institutos sua regulamentação ocorre em poucos artigos, que não

esgotam a matéria.

A Lei nº 9.278/96, além da conceituação, traz o rol de direitos e deveres dos

conviventes, as possibilidades de divisão do patrimônio fruto da colaboração comum e da

converter da união estável em casamento. Nos casos de dissolução, por rescisão da mesma

ou por morte, dispõe, respectivamente, sobre o direito a alimentos para o convivente que

não deu causa e o direito real de habitação. Por fim, tal legislação remete a competência de

toda a matéria relativa à união estável para as Varas de Família.

O Código Civil regula esta matéria no Título III, do Livro IV12. Este trata do

reconhecimento da união estável, nos moldes anteriormente citados: da existência de

impedimentos para sua constituição; dos deveres dos companheiros; do regime de bens; da

mesma possibilidade de conversão da lei anterior e oferece a definição de concubinato para

que possa haver a diferenciação dos institutos.

Deste modo, mesmo que o Código Civil não tenha consumido todo o assunto

referente à união estável, pelo menos houve uma regulamentação. Já quanto a questão da

monoparentalidade o disciplinamento, ainda, não ocorreu. A opinião de E. O. Leite (2003, p.

9), sobre este assunto, é a seguinte:

A família monoparental foi reconhecida pelo direito Constitucional, mas não

existe nem no Direito Social, nem no Direito Civil. Neste último, a tendência

de anular a clássica distinção entre “família legítima” e “família natural” ainda

é muito recente para permitir o reconhecimento jurídico da

monoparentalidade... Enquanto o Direito Civil não reconhecer a família

monoparental como sujeito de direito, o poder público não se vê compelido a

auxiliá-la. Não reconhecida, não é levada em consideração, o que tende a

agravar seu caráter discriminatório no meio social.

6. Repercussões da monoparentalidade

A monoparentalidade, independente do lugar de sua manifestação, vem, em geral,

atrelada a uma queda do poder aquisitivo dessas famílias, ou mesmo, à uma situação de

pobreza. Este e outros problemas, decorrentes da monoparentalidade podem ser transitórios

ou não, mas enquanto existirem precisam de soluções.

12 Artigos de 1.723 a 1.727 do Código Civil.

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A partir do reconhecimento jurídico da família monoparental pela Constituição

Federal, o Estado se tornou responsável pela proteção destas famílias, e

conseqüentemente, pela busca de repostas para tais problemas.

No caso do nosso país, a monoparentalidade ocorre em todas as classes sociais, já

que problemas como a redução da renda e o difícil acesso ao mercado de trabalho atinge

todas as camadas sociais.

Diferentemente de outros países, o Brasil ainda não dispõe de mecanismos

especialmente destinados ao exercício do dever de tutela constitucionalmente imposto. Os

auxílios existentes, atualmente, são a bolsa renda, bolsa família, etc, que não são

exclusivamente focados na melhoria do setor financeiro destas entidades familiares, são

políticas para a família em geral.

O fenômeno monoparental decorre de diversos fatores. O fato é que decorrendo de

qualquer um deles existem elementos em comum. O primeiro deles seria um só genitor no

papel de provedor do lar, seja no plano econômico ou no emocional. Em seguida, há a

presença dos filhos, totalmente dependentes do genitor. Entretanto, existem outros

responsáveis por essa prole. São igualmente responsáveis, o outro genitor, a sociedade e o

Estado. A responsabilidade do outro genitor decorre do parentesco, dos vínculos da filiação.

Já a da sociedade e do Estado decorre do dever constitucional elencado no caput do art.

227, como se pode perceber a seguir:

Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e

ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à

alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à

dignidade, ao respeito, à liberdade, e à convivência familiar e comunitária,

além de coloca-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação,

exploração, violência, crueldade e opressão.

As famílias monoparentais e seus problemas são, concomitantemente, de

responsabilidade privada e estatal. E alguns dos seus problemas merecem ser enfocados.

6.1. Pensão alimentícia

Na órbita privada, a pensão alimentícia deveria ser a solução para o problema da

precariedade financeira das famílias monoparentais. Pelo menos daquelas entidades que

dela podem dispor, como p. ex., aquelas oriundas da ruptura do casamento, do celibato

maternal, etc. Seja a pensão decorrente da obrigação de manter a família, seja advinda do

parentesco, a mesma existe com o intuito de suprir as necessidades do reclamante.

Contudo, não é o que ocorre, por diversas razões.

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O primeiro obstáculo da pensão alimentícia ocorre no plano econômico. No Brasil, a

maioria da população ou possui baixa renda, ou não possui renda. Nas camadas superiores,

há a possibilidade da pensão alimentícia resolver as questões financeiras, pois há renda

para dividir. No entanto, nas camadas inferiores, o poderio econômico é quase insignificante

e quando existe é tão pouco que não supre as necessidades básicas de alimentação.

Outra questão problemática na pensão alimentícia é a fixação do seu valor. O

quantum estipulado para a concessão deste direito deve levar em conta a necessidade do

alimentando e as possibilidades do alimentante. Na legislação brasileira não há disposição

sobre o valor que deve ser fixado para as pensões alimentícias, por isto, o parâmetro

jurisprudencial utilizado é de 1/3 (um terço) do salário do devedor. Em tese, esta fixação

funcionaria, mas no caso da maioria de brasileiros que, no máximo, sobrevive com um

salário mínimo, tal fixação seria inoperante.

Além destes, há o fator temporal e a onerosidade do processo. Fatos que não se

alteram com o breve deferimento dos alimentos provisionais, pois dão ensejo a outro

problema, o pagamento da pensão ao credor. Pois, com a prolação da sentença, o seu

cumprimento fica a critério do devedor. Caso, este não pague a pensão, os autores da ação

de alimentos têm de, novamente, recorrer ao Poder Judiciário, fato que pode culminar na

prisão civil do devedor (recurso extremo).

Enquanto isso, o reclamante continua com a situação financeira precária. Para burlar

o pagamento da pensão, não são raros os casos de saída voluntária do emprego, ou o

pedido para o empregador deixar de assinar a carteira de trabalho, etc. A este respeito,

Venosa (2002, p. 379), afirma que:

Nem sempre será fácil aquilatar as condições de fortuna do indigitado

alimentante: é freqüente, por exemplo, que o marido ou pai, sabedor que

poderá se envolver nessa ação, simule seu patrimônio, esconda bens e se

apresente a juízo como pobre eremita. Desse modo, aprova dos ganhos do

alimentante é fundamental. Não há norma jurídica que imponha um valor ou

padrão ao magistrado.

Estes são apenas alguns dos impedimentos encontrados no pedido, em juízo, de

alimentos. Mas retratam perfeitamente que esse instituto não é tão prestativo na prática

como na teoria. Além disso, a situação demonstra que só a atuação privada não supre o

problema da família monoparental, tem de haver intervenção estatal.

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6.2. O ônus feminino na monoparentalidade

Na monoparentalidade, a ala feminina é quem mais arca com o peso deste

fenômeno. Independente do fator determinante da família monoparental, o encargo,

geralmente, é enfrentado pelas mulheres. Quando tal entidade familiar advém da ruptura do

casamento, na maioria das vezes, a prole fica sob a tutela da mulher. Em se tratando, das

uniões livres, do celibato e das mães solteiras não há o que se discutir, pois a liberdade de

formalidades dessas relações não impõe o caráter de responsabilidade sobre os filhos dela

oriundos, mesmo que a legislação prescreva o contrário. E por fim, acerca da viuvez, o

número de mulheres nesta condição é bem maior que o de homens, como visto

anteriormente.

Diante deste contexto, se pode afirmar que a maioria dos problemas da

monoparentalidade são enfrentados pela ala feminina. Estes são expressos nos planos

econômico, social e emocional dessas “chefes de família”.

Sem dúvidas o setor econômico é o mais afetado. De acordo com o

supramencionado, a pensão alimentícia não deixa de ser uma solução, quando não se torna

um problema. Entretanto, a situação problemática da mulher não se resume a pensão.

Dividindo as mulheres por faixa etária pode-se perceber que todas as situações

decorrem de um mesmo problema, o difícil acesso ao mercado de trabalho. As jovens

enfrentam o problema da gravidez na adolescência, que de acordo com a mídia aumenta a

cada dia. Isto acarreta baixo nível de instrução, e conseqüentemente, uma insignificante

qualificação e a ausência de experiência profissional. As mulheres de idade média, por razão

de separação ou divórcio, são sub-divididas em duas categorias: as que têm nível de

instrução adequado (de 2º grau a 3º grau conclusos) e as que não o possuem (no máximo 1º

grau concluso). A primeira categoria possui ou está a procura de emprego, mas o custo de

vida, dela e da prole, é elevado o que pode acarretar dupla jornada de trabalho. Geralmente,

essas mulheres são profissionais liberais. A segunda categoria, por não possuir instrução

suficiente, não encontram empregos e, se encontram, as remunerações dos mesmos não

garantem uma boa condição de vida. Geralmente esse grupo é constituído de operárias e

empregadas domésticas, etc. As mulheres de idade avançada adentram na

monoparentalidade através da viuvez, estas sim, estão desamparadas. O fato é que tais

mulheres pertencem a uma época onde o seu papel central era cuidar do marido, dos filhos

e da casa. Possuindo, normalmente, o grau de instrução limitado e inaptidão para o trabalho

devido a pouca ou nenhuma experiência e idade avançada, estas mulheres sobrevivem da

pensão por morte do INSS (quando o benefício existe) ou ocupam os mesmos cargos do

grupo anterior.

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No setor social ocorre o problema da discriminação. Este atinge tanto as mulheres,

quanto os seus filhos. No que se refere às mulheres, este preconceito tem maior força nas

cidades interioranas. A chefe de família vive um dilema. Caso seja sozinha, não é vista com

bons olhos pela sociedade. Caso opte por outra união, sem formalidades, é tida como

promíscua. Em relação aos filhos, o preconceito ocorre, na maioria dentro das escolas. Se

forem oriundos de qualquer relacionamento que não seja o casamento, são frutos do

pecado, e vivem escutando questionamentos sobre sua paternidade. Se decorrerem de

rupturas matrimoniais, são filhos da separação, tidos como problemáticos.

No campo emocional, a monoparentalidade provoca um desgaste crescente na

mulher. Ela terá que suprir primeiro as carências afetivas dos seus filhos, em detrimento das

suas. A solidão e a depressão são problemas freqüentes, quando decorrentes de divórcios e

separações, pois a mesma estava acostumada a uma vida a dois. A procura por um

companheiro também desgasta essas chefes de família. Os fatores psicológicos, muitas

vezes, influenciam na saúde fisiológica provocando doenças como, por exemplo, o estresse.

E devido a todo o abalo emocional de tentar abarcar dois papéis, o de pai e mãe, não sobra

para as mulheres tempo para si mesmas. Isto culmina, com o fim da vida sexual.

A este respeito E. O Leite (2003, p. 112) diz o seguinte:

No nível pessoal, a monoparentalidade gera uma solidão que atinge tanto o

físico, como o psíquico. A vida sexual da mulher sozinha – ao contrário do

que ocorre com o homem – fica reduzida azero, ou porque se estabelece

uma grande dependência afetiva entre a mãe e o filho [...] ou porque a

sexualidade é vivida como uma preocupação menor [...] ou porque é

necessário “respeitar a criança” [...] ou, porque a mãe se torna fiel a um pai

mítico [...] ou porque, finalmente um processo de proibição social é

interiorizado de tal forma, que as mães se instalam numa “respeitabilidade”

de costumes capaz de proteger a imagem da criança no meio social [...]

Atualmente, as mulheres têm buscado melhores condições profissionais e deixado às

funções domésticas em segundo plano. Estas passam a ser tarefas de necessário

aprendizado, mas não o futuro meio de sustento. O aprimoramento intelectual irá elevar as

chances da nova geração de mulheres de ingresso no mercado de trabalho. Já a geração

atual, tem de ter ajuda urgente do Poder Público com programas assistenciais a curto e

alongo prazo.

6.3. A possibilidade de auxílio do poder público

Diante de todos os desafios enfrentados pelos genitores de uma família

monoparental, o maior é a falta de auxílio específico por parte do Estado. A proteção da

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entidade familiar, em questão, é de responsabilidade estatal. A monoparentalidade não pode

estar restrita a órbita privada, deve haver intervenção estatal.

A problemática do pagamento da pensão alimentícia pode o Brasil adotar como

solução os diversos sistemas que vigoram em outros países.

Um exemplo é o sistema americano que compreende um programa de ajuda às

famílias com crianças dependentes denominado AFDC (Aid to Families with Dependent

Children). Atualmente, este programa atende, principalmente, as famílias monoparentais.

Esta pensão pública ocorre na medida em que o salário do genitor guardião se torna

insuficiente para cobrir as despesas com seus dependentes. Contudo, com o aumento do

salário diminuem as vantagens.

Outra solução é a do sistema sueco, criado desde de 1937. Este consiste num

adiantamento, do montante fixado para a pensão alimentícia, para o genitor guardião, que

posteriormente, é cobrado ao genitor devedor. O adiantamento e a cobrança são realizados

pelo Estado.

Um exemplo de auxílio estatal é o da França, que possui dois tipos de assistência às

famílias monoparentais. O Abono de Sustento Familiar (ASF) e o Abono de Genitor Só (API).

O primeiro abono beneficia crianças órfãs, de um ou dos dois pais, crianças não

reconhecidas legalmente e as cujo genitor devedor de pensão não pode arcar com tal

despesa. Existem duas situações neste sistema: 1) Caso haja fixação de pensão alimentar,

tal abono é doado como adiantamento que irá ser cobrado do genitor devedor. 2) Caso não

haja pensão fixada, o abono não poderá ser recuperado. Tal sistema é garantido pela Caixa

Nacional de Abonos familiares (CNAF), que também é responsável pela cobrança. Já o

segundo abono se dirige ao genitor só e à mulher grávida. O benefício favorece crianças até

a idade de 17 (dezessete) anos, caso não trabalhem e até 20 (vinte) anos, caso sejam

aprendizes, estudantes ou enfermas. Sua idéia principal é que toda família necessita de uma

renda mínima para sobreviver. Assim, este compreende a diferença entre o montante de

recursos da família e a renda mínima, sendo esta fixada pelo governo.

Já a problemática feminina na monoparentalidade, pode ser uma medida á curto

prazo, que também favorece os homens, o aumento do número de creches e escolas

maternais a fim de que todas as crianças de uma localidade pudessem receber guarida

enquanto os genitores trabalham. Tal atitude diminuiria os gastos particulares com serviço

de babá e possibilitaria uma maior inserção doa genitores, principalmente da mulher, no

mercado de trabalho. Para a Poder Público, os custos com este serviço de guarda seriam

minimizados pela oferta de empregos gerada pelo aumento do número de creches e escolas

maternais. Com isto, o setor público e o privado ganhariam.

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Diante deste rol de soluções, cabe ao Poder Público decidir qual o melhor meio de

auxílio, a partir da análise dos elementos causadores e dos reflexos da monoparentalidade.

Dentro da realidade brasileira deve haver algum método de ajuda que se enquadre as

nossas necessidades e possibilidades. Basta que a intervenção estatal não se resuma a

fechar os olhos para este fenômeno estatisticamente comprovado. Devem ser empreendidas

políticas sociais sérias que resolvam o problema e todos os seus efeitos, até mesmo, os de

ordem psicológica que afetam as pessoas envolvidas. Isto se houver necessidade, como no

caso da prole que sofre a discriminação social.

7. Considerações finais

Diante da análise do tema “família monoparental brasileira”, se torna fácil perceber

que tal fenômeno é de grande complexidade visto a amplitude das situações que o originam.

A inovação constitucional de reconhecer a família monoparental como entidade familiar foi o

primeiro passo para que a relevância deste tema possa ser discutida.

Logo de início se constata que o primeiro problema da família monoparental é sua

estruturação a fazendo destoar do ideal social de família. Pois esta, como base da

sociedade, deve ter uma estrutura determinada, o pai a mãe e a prole. O pai deve ser o

sustentáculo econômico principal. A mãe deve auxiliá-lo nesta tarefa, mas também cuidar

dos filhos, do marido e da casa. Os filhos devem fazer parte de uma família “normal” e por

esta serem sustentados. Esta estrutura deve ser legalizada através das formalidades de um

casamento civil.

Ora a família monoparental foge de todos esses parâmetros. Ao invés da estrutura

clássica, se encontra apenas um dos genitores e sua prole. O genitor guardião deve suprir

tanto as necessidades econômicas, quanto às afetivas. Isto acaba por sobrecarregar o

adulto. Os filhos, pertencentes a esta entidade, são obrigados a conviver, diariamente, sem a

presença contínua de um dos pais. E, também, com a discriminação social, hoje muito mais

branda. O fator determinante desta família não é o casamento e sim, na sua maioria a

ruptura deste, seguido dos outros fatores determinantes, como a união livre e as mães

solteiras.

Todos estes elementos diferenciadores dos moldes clássicos geram a marginalização

social deste grupo familiar. Esta, ainda, vem acompanhada da associação ao fracasso

pessoal, à precariedade e a inconseqüência juvenil. Os membros dessa família são atingidos

em todos os ambientes pelo preconceito. Os genitores, principalmente a mulher, enfrentam

esse problema no meio social ou no campo profissional. Já os filhos, sofrem no ambiente

escolar, entre os amigos etc.

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Outra constatação obtida com a realização do estudo foi a falta de transparência

jurídica da monoparentalidade brasileira. Ser reconhecida constitucionalmente foi um passo

grandioso. Entretanto a regulamentação pela legislação ordinária é necessária para a

confirmação da estrutura e limitação dos direitos e deveres dessa entidade. Se o Direito Civil

não instituir a família monoparental como sujeito de direito, não haverá coerção suficiente

para impulsionar o exercício da tutela estatal. Enquanto a anulação do conceito de família

ilegítima não for feita pelo Código Civil, a discriminação social continuará se agravando.

Juntamente com a discriminação social vem a precariedade econômica destas

famílias. Quando as mesmas advêm do divórcio ou separação, ocorre uma queda no poderio

econômico familiar. O fato é que se ambos os pais trabalhavam, a renda será reduzida à

metade, com a ajuda da pensão alimentícia da prole. Caso o papel de supridor das

necessidades seja apenas do genitor que deixou o lar, originam-se dois problemas. Primeiro,

o genitor que restou terá de trabalhar, em uma realidade marcada pelo alto índice de

desemprego e difícil acesso ao mercado de trabalho, até para os bem qualificados e com

experiência profissional. Segundo, haverá a busca pela pensão alimentícia para a prole e o

outro cônjuge, caso este não tenha mais condições de trabalho. O que, diante da anterior

abordagem, nem sempre satisfaz as necessidades do requerente.

Com isto se percebe um problema que surgiu com o reconhecimento constitucional

da família monoparental. A constituição Federal garante em seu texto a proteção especial do

Estado a tais famílias, contudo, a realidade demonstra a falta de intervenção estatal

específica para os casos decorrentes deste processo. A falta de apoio ao genitor solitário na

sustentação econômica da prole é o primeiro sinal do descaso estatal. Em comparação com

outros países, o Brasil não possui política governamental inteiramente voltada ao auxílio

desse genitor. Os atuais programas do governo podem até abranger tais famílias, mas por

não ser especificamente direcionado não atua como preservador desta entidade, que possui

uma estrutura familiar tão frágil.

Portanto, a pauperização da maioria destas famílias, acompanhada de

outras mazelas, produzem efeitos sociais, políticos e econômicos para o

país. Para o meio social, o efeito preponderante é o esfacelamento da

estrutura familiar. A responsabilidade para com os filhos, para com os idosos

e outros padrões morais de conduta, atualmente, necessitam de legalização

para ser cumpridos. O efeito econômico é a falta de renda, e conseqüente

poder de compra. A conseqüência política é o comprometimento de todo o

programa de desenvolvimento socioeconômico do país. Fora o caráter de

insegurança que é péssimo para a imagem internacional do Brasil, no que

tange a efetivação dos valores da dignidade humana.

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