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REVISTA DE MANGUINHOS | OUTUBRO DE 2018 46 CIDADANIA m um cenário em que as áreas de saúde, ciên- cia e tecnologia sentem agudamente as restri- ções impostas por cortes em seus orçamentos, a organização, no final de julho, do 12º Congresso Brasileiro de Saúde Coletiva (Abrascão) encarou o desafio de reunir mais de 3 mil institui- ções, entre universidades e centros de pes- quisas públicas e privadas, conselhos de saúde, além de secretarias municipais e estaduais, governo federal e movimentos sociais pela primeira vez no campus de Manguinhos da Fiocruz. Foram mais de 8 mil pessoas circulando pela sede da Fun- dação para elaborar estratégias coletiva- mente e fortalecer as redes de pesquisa, ensino, educação popular e as lutas soci- ais do campo da saúde pública frente aos tempos atuais. Realizado em um país de proporções continentais, referenciado como expressão viva da biodiversidade e variedade étnica de um povo, o Abras- cão buscou refletir essa característica de forma plural e com demarcado compro- misso ético com grupos sociais historica- mente minorizados, com os povos e saberes tradicionais, e os movimentos sociais. Na abertura houve uma home- nagem à vereadora assassinada Marielle Franco. A irmã dela, Anielle Silva, rece- beu a homenagem em nome da família. Viabilizado quase exclusivamente com recursos da própria Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco) – cerca de 70%, e o restante de par- ceiros institucionais –, a realização do 12º Congresso Brasileiro de Saúde Co- letivo buscou dar vida e materialidade E Luiza Gomes O 12º Abrascão reuniu mais de 3 mil instituições, entre universidades, centros de pesquisa, conselhos de saúde, secretarias municipais e estaduais, governo federal e movimentos sociais (Foto: Peter Ilicciev)

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CIDADANIA

m um cenário em queas áreas de saúde, ciên-cia e tecnologia sentemagudamente as restri-ções impostas por cortes

em seus orçamentos, a organização, nofinal de julho, do 12º Congresso Brasileirode Saúde Coletiva (Abrascão) encarou odesafio de reunir mais de 3 mil institui-ções, entre universidades e centros de pes-quisas públicas e privadas, conselhos desaúde, além de secretarias municipais eestaduais, governo federal e movimentossociais pela primeira vez no campus deManguinhos da Fiocruz. Foram mais de 8mil pessoas circulando pela sede da Fun-dação para elaborar estratégias coletiva-mente e fortalecer as redes de pesquisa,ensino, educação popular e as lutas soci-ais do campo da saúde pública frente aostempos atuais. Realizado em um país deproporções continentais, referenciadocomo expressão viva da biodiversidade evariedade étnica de um povo, o Abras-cão buscou refletir essa característica deforma plural e com demarcado compro-misso ético com grupos sociais historica-mente minorizados, com os povos esaberes tradicionais, e os movimentossociais. Na abertura houve uma home-nagem à vereadora assassinada MarielleFranco. A irmã dela, Anielle Silva, rece-beu a homenagem em nome da família.

Viabilizado quase exclusivamentecom recursos da própria AssociaçãoBrasileira de Saúde Coletiva (Abrasco)– cerca de 70%, e o restante de par-ceiros institucionais –, a realização do12º Congresso Brasileiro de Saúde Co-letivo buscou dar vida e materialidade

ELuiza Gomes

O 12º Abrascão reuniu mais de 3 mil instituições,entre universidades, centros de pesquisa,conselhos de saúde, secretarias municipais eestaduais, governo federal e movimentos sociais(Foto: Peter Ilicciev)

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ao seu aspecto político dando atençãoespecial à questão do acesso, mas nãose restringindo a ele. Seja na progra-mação científica, na curadoria das ati-vidades culturais, à escolha dosempreendimentos e movimentos res-ponsáveis pela alimentação, a comis-são organizadora do Abrascão buscoucontemplar a rica diversidade de pú-blicos e temáticas subentendida nos de-bates do campo da saúde coletiva.

Dos 7.562 inscritos, cerca de20% do público acessou o Congres-so por intermédio de isenções(1.408 não precisaram pagar). Des-tes, 170 isenções foram concedidaspela organização do Abrascão aAgentes Comunitários de Saúde(ACS), membros do Conselho Ges-tor Intersetorial (CGI) – Teias-Man-guinhos, pequenos agricultores,movimentos sindicais, movimentode Saúde do Trabalhador, membrosda Frente contra a Privatização doSUS, movimentos de Manguinhos,educadores do programa EducaçãoPopular em Saúde EdPopSUS, da

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Escola Politécnica de Saúde Joa-quim Venâncio), entre outros. A par-ticipação teve certificação emitidapela Abrasco. Os mais de 400 mo-nitores que atuaram voluntariamen-te no Congresso – graduandos oupós-graduandos na área de saúdecoletiva – que vieram de diferentesestados brasileiros também obtive-ram isenção, bem como aquelesque subscreveram seus trabalhos.

Ao longo dos quatro dias, 139visitantes circularam no evento eparticiparam das atividades das ten-das Paulo Freire e Marielle Franco.Entraram nessa categoria aquelesque vieram em apenas alguns dosdias de congresso. Esses também ti-veram acesso garantido aos deba-tes. Foi o caso de membros deorganizações do território, movi-mento de pequenos agricultores, ex-educandos do curso técnico deAgente Comunitário de Saúde ou doEdPopSUS e ACS já formados. Asinformações são da organização daTenda Paulo Freire.

ProgramaçãoDe 136 mesas-redondas, 25 delas

tiveram participação da sociedade ci-vil organizada a partir de movimentossociais, ONGs, institutos, coletivos, fó-runs sociais e outras modalidades dearticulação. Isso representa cerca de20% das mesas. Foram tematizadasquestões implicadas no direito à saú-de, tais como o direito à cidade e àterra, as iniquidades sociais e suas ex-pressões no campo da saúde, a ques-tão das violências institucionais, daproteção de dados, das políticas soci-ais, os direitos da população negra,LGBTII, dos moradores de periferias,povos tradicionais, e diferentes olha-res abrangendo a perspectiva das de-terminações sociais da saúde – queconstavam não só nas mesas, mas tam-bém nas comunicações orais e até naprogramação cultural.

A curadoria do evento fez a opçãode prestigiar os grupos culturais vindosde territórios vulnerabilizados da cida-de do Rio de Janeiro, suas experiências

O presidente da Abrasco, GastãoWagner, e a irmã da vereadora MarielleFranco, Anielle Silva, na homenagemna abertura do evento (Foto: Abrasco)

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artísticas e linguagens. Um dos critériosempregados foi a de performances eações cujo conteúdo e a estética instigas-sem a reflexão sobre as condições de vidado brasileiro. Mais de 40% entre esseseram oriundos das favelas de Manguinhos,Complexo do Alemão, da Maré, de bair-ros da Zona da Leopoldina, Campo Gran-de e municípios da Baixada Fluminense –localidades fora do eixo comercial de pro-dução cultural. Houve intervenções artís-ticas com o grupo Slam Laje, da Maré;do Hip Hop Saúde, de Manguinhos; cor-tejos; maracatu; exposições; shows, en-tre outros. Uma reportagem de coberturasobre a programação cultural do Abras-cão foi produzida e está disponível no linkhttps://agencia.fiocruz.br/programacao-cultural-do-abrascao-pautou-determina-cao-social-da-saude.

Tenda Paulo FreireNa definição dos organizadores: um

espaço autogestionado, de construçãocoletiva e marcado pela circularidadede saberes. A Tenda Paulo Freire é par-te integrante da programação do Abras-cão e de outros congressos como deepidemiologia, vigilância, e das confe-rências de Saúde, configurado, em to-dos esses, como um espaço aberto ede livre acesso à população.

Privilegiando os formatos abertos eas trocas entre as pessoas, a Tenda Pau-lo Freire teve grande circulação de pes-soas e excelente adesão aos debates,segundo organizadores. Os temas cobri-am desde politica de equidade, saúdeda população negra e LGBTII, além dotrabalhador, diálogos sobre a soberaniaalimentar, agroecologia, os saberes po-pulares e o desmonte do SUS. No últi-mo dia, a Tenda sediou uma grandeplenária de reflexão sobre os desafios ehorizontes de enfrentamento previstospelo movimento de educação popularem saúde. Os movimentos lá presentesdepois marcharam em cortejo até o en-cerramento oficial do Congresso na Ten-da Marielle Franco.

Como parte da programação da Ten-da, também aconteceu o Espaço de Cui-dado, com movimentação diária de cercade 60 pessoas com atendimentos em Prá-ticas Integrativas e Complementares em

Saúde (Pics), como reiki, auriculoterapia,florais e aromaterapia. A programação daTenda Paulo Freire foi divulgada pelas mí-dias institucionais da Fiocruz e Abrascona semana do Congresso.

Ações decomunicação

Como forma de garantir a vocaliza-ção de narrativas populares acerca dostemas debatidos, a subcomissão de Co-municação da Comissão OrganizadoraLocal realizou um trabalho de sensibili-

zação de jornalistas e editores de veícu-los de comunicação comunitária, com oscomunicadores de organizações da soci-edade civil e movimentos sociais sobre aimportância de participarem dos deba-tes colocados no Congresso. Da progra-mação de 136 mesas-redondas, foi feitauma criteriosa seleção de sugestões depauta e cobertura direcionadas às áreasde interesse de cada grupo de mídia.

O Congresso foi noticiado pelo portalBrasil de Fato, Outras Palavras, coberto pelaRede TVT do Rio de Janeiro e algumas ati-vidades transmitidas pelo jornal Fala Man-guinhos!, além de ter recebido a presença

O Congresso contou com a participação de movimentos de defesa dos direitos eda saúde indígena, das mulheres, da população LGBTI, das pessoas negras e deoutros grupos vulneráveis (Foto: Abrasco)

Os debates da Tenda Paulo Freireabordaram políticas de equidade,diálogos sobre a soberania alimentar,agroecologia, saberes populares e odesmonte do SUS (Foto: Abrasco)

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de comunicadores de web rádios universi-tárias de outros estados, e repórteres doPortal Gênero e Número (revista/iniciativade jornalismo incubada pela Agência Pú-blica). O Portal Rio On Watch, vinculado àONG estrangeira Comunidades Catalisa-doras, vem publicando entrevistas produ-zidas pelo editor do Fala Manguinhos!,Edilano Cavalcanti. A Abrasco, por sua vez,vem republicando esses materiais reforçan-do sua circulação, e contribuindo para apluralização das vozes propagadas no es-paço público virtual.

DiversidadeO Congresso contou com a partici-

pação de movimentos de defesa dosdireitos e da saúde indígena, das mu-lheres, e da população LGBTI, das pes-soas negras, movimento de pescadores,petroleiros, relacionados à questão daterra, das violências, coletivos de co-municação, movimentos de favelas,movimentos de educação popular emsaúde, comitês para enfrentamento dedoenças infecciosas e negligenciadas,

de pessoas com deficiência, fóruns so-ciais, entre outros. Entre as opções dealimentação oferecidas nos dias deCongresso, estavam os quintais dospequenos agricultores, a produção doMovimento dos Trabalhadores RuraisSem Terra (MST), o Movimento dosPequenos Agricultores (MPA), a ViaCampesina e a Rede Carioca de Agri-cultura Urbana.

16ª ConferênciaNacional de Saúde

Considerada o maior evento de par-ticipação social do Brasil, a Conferên-cia Nacional de Saúde lançou sua 16ªedição durante o Abrascão. Com otema Democracia e saúde: saúde comodireito e consolidação e financiamentodo SUS, a conferência também estásendo chamada de “8ª + 8”, aludindoà 8ª Conferência Nacional de Saúde,realizada em 1986, marco para a de-mocracia participativa e para a criaçãodo Sistema Único de Saúde (SUS).

Documento finalA importância da participação so-

cial e das políticas de equidade foramdestacadas no documento construídopelos participantes do Congresso.Nele, são reafirmados “a defesa deuma sociedade democrática, justa,respeitosa da diversidade, solidária eorientada pela igualdade, com estra-tégias de promoção da equidade so-cial, cultural, territorial, de gênero, deetnia e o combate a todas as formasde violência, intolerância, discrimina-ção, racismo, homofobia, segregaçãoe exclusão”; “a defesa do direito àsaúde e do Sistema Único de Saúde,em seu caráter efetivamente públicoe universal, como pilar do sistema deproteção social e um projeto políticoda Nação e do povo brasileiro” e “adefesa da manutenção e avanço nagarantia da integralidade da atençãoa partir das políticas nacionais de saú-de bucal, mental e de populações daspolíticas de equidade – LGBTI, do cam-po, negra, indígena”.

Ato em defesa do SUS duranteo Abrascão (Foto: Abrasco)

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