Pobre, atrevido, independente — N? 6 Leitões da comem a · Diagramaç&o: CacoAppel Colaboração...

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JORNAL CA Crí 5,00 Pobre, atrevido, independente N? 6 Leitões da diretora comem a merenda. Taxa escolar ilegal ainda écobrada Pais temem perseguição e não protestam Menino cheira cola para ficar doidão

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JORNAL CA Crí 5,00

Pobre, atrevido, independente — N? 6

Leitões da diretora comem a merenda. Taxa escolar ilegal ainda écobrada Pais temem perseguição e não protestam

Menino cheira cola para ficar doidão

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PÁGINA 2 JORNAL DA BAIXADA N? 6

Método quebra-galho de ensino Termina o carnaval e às crianças voltam às aulas. Os problemas que encontram a

cada ano ficam mais graves. Os preços dos uniformes, livros, cadernos estão cada vez mais caros. As escolas cobram taxas de Cr$ 250,00, ou até Cit 350,00, para a Caixa Escolar quando, por lei, o ensino do 1? grau, além de obrigatório, deve ser gratuito.

O número das crianças cresce a cada ano, mas as escolas continuam as mesmas. Muitos prédios e equipamentos escolares sem condições de uso permanecerão por mais um ano. As crianças maiores são obrigadas a deixar os bancos das escolas para trabalhar em troca de um minguado salário.

A quantidade de professores insuficientes, eles começam o ano sabendo que não haverá condições para desenvolverem um bom trabalho.

Assim é aplicado entre nós o direito de ter acesso ao conhecimento. Nossas crian- ças, com todas as leis e reformas do ensino, aprendem cada vez menos.

Poucos tem o privilégio de receber um ensino mais adequado. Para a grande maioria da população, é dado apenas o mínimo de conhecimento, o

bastante para não engordar o número de analfabetos. Engana-se o povo que assim tem que se submeter às piores condições de trabalho, salários baixíssimos, sob a alegação de que "não tem instrução".

E grave a situação do ensino em nossa Baixada, um exemplo do que acontece no resto do País. E urgente encontrar uma saída.

QUAL É A DO PATRÃO? TOME FERRÃO

A inflação brasileira >• hoje está passando /■ dos limites. O País

Ji J_conseguiu até agora aumentar a produção industrial escorado na in- flação. Se não tinha di- nheiro, inventava. Com is- so, o cruzeiro vai perdendo valor. Recuperar o valor da moeda, só brecando violentamente a economia. As fábricas não expandem a produção, o comércio 'vende menos, as pessoas compram menos. A re- dução da produção torna desnecessário para o patrão empregar mais gen- te. A primeira providência é demitir. O patrão que não tem uma situação finan- ceira sólida se dá mal. Quando ele corre no banco para conseguir mais di- nheiro o banqueiro fecha o cofre, e só empresta para quem render mais juros.

Conseqüência ime- diata: quando o patrão precisa readmitir um trabalhador — não pode mandar todo mundo em- bora porque senão ele fecha — o salário já não é o mesmo. Esta manobra é antiga. Mas em tempo de recessão a coisa piora: a média dos salários diminui ainda mais. O profissional, até mesmo o operário es- pecializado, fica desva- lorizado.

Patrão também não quer recessão. Mas não tem jeito. As pequenas em- presas se arrebentam logo

porque nâo têm condições de agüenta*" os custos sem. vender logo a produção. Apertada pela falta de crédito do banqueiro é a primeira a falir. Depois das pequenas e médias em- presas nacionais é a vez da grande empresa nacional. Elas ficam menos fortes, perdem terreno na con- corrência com a empresa estrangeira. Sempre existe uma multinacional pronta para dar o bote e engolir a empresa nacional. Resul- tado: a economia brasileira que já é dominada por es- trangeiros, leva mais chumbo.

Delfim Netto assumiu o Ministério do Planejamen- to, substituindo Simonsen, dizendo que o negócio era crescer, pé no acelerador, nada de recessão. Simon- sen sempre disse que a recessão era necessária — jamais disse isto em pú- blico, ou nos jornais, mas em particular — pois não havia outra saída para con- trole da inflação. Simonsen não é flor que se cheire, mas dizia uma coisa certa. Delfim ê mais político que Simonsen. O gorducho não é atleta, mas tem jogo de cintura, faz jogo prá torcida e catimba do mesmo jeito.

Ele vai transando a recessão de maneira di- ferente. O que Simonsen queria era lançar uma política de recessão sobre o conjunto do País, em todos os setores, ao mes-

mo tempo. E na marra. Del- finri dribla com outro estilo. Ele vai jogando a recessão de setor em setor, um por um. Ouem começa a chiar são os fabricantes de equipamentos de usinas siderúrgicas, de equipa- mentos pfesados para novas fábricas, que não têm mais errcomendas. £. um sinal claro que o Pais está parando^ de investir. Depois é a construção civi I.

E aí vem mutreta. Em 1973, Delfim .Netto era o Ministro do Fazenda do Governo Mediei e mentiu sobre o índice salarial. Trabalhador levou ferro porque a inflação em 73 foi muito maior do que os ín- dices oficiaimente anun- ciados pelo/Ministério da Fazenda. A^ora ele vai es- conder os números do crescimento do País. O Brasil vem crescendo a • uma taxa de 6% ao ano, mais ou menos. É um número fantástico. Isto in- dica tudo que o País produziu a mais de um ano para outro. Pois bem. Se o País crescer a 2 ou 3%, sai de baixo. Tecnicamente, um número desses ainda não é o que os economis- tas chamam de recessão — mas no caso brasileiro, é recessão no duro. Este número mostra que a economia não é capaz de absorver os novos tra- balhadores que estariam desempregados: são mais de 1 milhão e 500 mil pes- soas por ano. Vamos ter mais gente desempregada, salários mais baixos, mais violência, mais assaltos. Se a barra está pesada, vai pesar ainda mais.

OLHO VIVO

Mais uma picaretagem do Queiroz Ruy Queirós, prefeito

de Nova iguaçu, está pensando que as au- diências com os re- presentantes dos bair- ros, às quintas-feiras, são um favor. E bom que o prefeito se lembre que este foi o compromisso assumido com os in- tegrantes do Movimento Amigos dos Bairros (MAB), depois da As- sembléia de 1978, na presença de centenas de pessoas.

As coisas não andam bem nessas audiências. Primeiro, elas foram marcadas para as quin- tas-feiras. Agora, pas- saram para as sextas- feiras. Mas o probiema ê que os funcionários e

assessores do prefeito Ruy Queirós agem as- sim: atendem mal aos representantes dos bairros e favorecem os protegidos de políticos amigos do prefeito. Os representantes das as- sociações não conse- guem nem descobrir on- de estão os processos com seus pedidos. Mas os afilhados do prefeito e de seus amigos con- seguem maniihas, pos- tes, asfalto, canos de água e outros melho- ramentos, sem dificul- dades. Não tem buro- cracia para eles. Só para o pessoal dos Amigos dos Bairros.

Estamos de olho, Ruy Queirós. De olho vivo.

AGORA ESCREVO EU

Ao Jornal da Bai- xada.

Sou morador e leitor do Jornal da Baixada.

Na localidade de Jar- dim Bom Pastor acon- teceu um caso típico. No dia 30 de novembro de 1979 houve um assalto a mão armada por cinco elementos. Logo após o assalto desapareceram misteriosamente. Um grupo de pessoas do bairro se organizaram e começaram a caçar os marginais. Todos os suspeitos tomavam uma geral em toda parte do corpo. Foi aí que dois rapazes que estavam ali a serviço e se dirigiam para o ponto de ônibus foram cercados, en- curralados e acusados de suspeitos. Os dois rapazes estavam inocen-

tes, tranqüilos, e ex- plicaram que nada ti- nham com aquilo. Por fim, os dois conse- guiram se safar daquilo, pegaram o ônibus e foram para São João. Quando chegaram no ponto final, lá estavam outro grupo de "caça- dores". Mais uma vez revistaram os dois ra- pazes, agora na presen- ça de um policial. De- pois que conseguiram provar inocência, foram alertados para tomarem muito cuidado porque existiam mais três carros a sua procura.

Os rapazes contam que o maior medo deles era que no grupo de "caçadores" ninguém era polícia, nem mos- trava nenhum documen- to.

Milton Macalé

OLHO mo

EOITORA

JORNAL DA BAIXADA

Uma publicação da Olho Vivo Editora Ltda. Av. N.S. das Graças, 138/305 — S.J. de Moriti

CGC: 30.807.519/0001-01 Tiragem: 5.000 exemplares Editor: Alceu Nogueira da Gama Diagramaç&o: CacoAppel Colaboração da Demasi e Pimentel Capa: Desenho de Luscar Fotos: Job e Carlos A.O. da Silva

Composto e Impresso na Gráfica Editora JORNAL DO COMÉRCIO, Rua do Livramento, 189, Tel. 223-2813.

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JORNAL DA BAIXADA N? 6 PÁGINA 3

Maria José: mora- dora da Baixada Fluminense, no Jardim Guandu, Nova Iguaçu, tra-

balhadora e mâe de fami lia, ainda encontra tempo para lutar por uma vida melhor nos bairros. Ela é uma das fundadoras do Movimento Amigos de Bairros de No- va Iguaçu. Hoje Maria Jo- sé também é conhecida e respeitada por seu trabalho na Pastoral Operária. Aqui, Maria J osé conta u m pouco de sua vida e de suas lutas.

Job: Gostaríamos de saber como foi o começo de seu trabalho no bairro, e a relação dele com o Movi- mento Amigos de Bairro de Nova Iguaçu. Fale um pouco de você.

Maria José: Sou ca- pixaba. Vim para o Rio com doze anos de idade, em 1948, trabalhar como em- pregada doméstica. Aos quinze anos voltei à minha terra e lá me casei. Meu marido trabalhava na roça como lavrador. Mas nós vimos que não dava pois éramos muito explferados pelos fazendeiros. Prin- cipalmente por causa do problema do café, que era em que trabalhava meu marido. Voltamos para o Rio. Eu voltei a trabalhar como doméstica. Meu marido foi trabalhar como servente de pedreiro, por- que ele não tinha profissão. Depois vieram os filhos. Não deu mais para eu trabalhar. Fomos morar numa favela em Santa Tereza, no morro da Coroa. Nesta favela fizemos um trabalho de comunidade em associações de bairros.

Job: Como foi que você veio morar no Jardim Guandu?

Maria José: Ê que eu entrei para uma firma de venda de imóveis. Trabalho lá até hoje. Comecei a ven- der terrenos em Guandu. Achei que poderíamos comprar um terreno lá para construirmos nossa própria casa. Comecei a construir sem comprar o terreno — como eu trabalhava na fir- ma, permitiram. Aí trans- ferimos o pequeno comér- cio que o meu marido tinha para cá. Naquela época não existia nada por aqui, apenas a terra. Eram poucos moradores e nas ruas só tinha capim.

Job: E como foi que se começou a movimentar o bairro?

Maria José: Sentimos necessidade de construir uma igreja. Já que a com- panhia havia doado dois lotes, aproveitamos para fazer a campanha da cons- trução da igreja. A primeira atividade que fizemos no

Se todos fossem iguais

a você... bairro foi uma quadrilha. Montamos um barraco no terreno e aí começamos a fazer as nossas festas. Fizemos um bloco de car- naval e iniciamos a cons- trução da igreja. O pessoal se interessou muito. Hoje, a igreja está quase pronta. E através deste movimento surgiu a necessidade de se fazer alguma coisa para melhorar a condição de vida do pessoal do bairro, principalmente por causa do problema da água. Não tínhamos água. O que o pessoal tinha para beber era água misturada com esgoto. Tivemos vários casos de hepatite. Então o pessoal sentiu necessidade de fazer alguma coisa para que nós pudéssemos ter água de bica. Pensamos em formar uma associação de bairro em 1976. Aí foi surgindo mais gente e o pessoal foi se associando.

Job: Começou assim? Maria José: Não, antes

fizemos um abaixo assi- nado, em 1973, no ponto de água. O conjunto vizinho ao nosso tinha água. No Departamento de Águas nos disseram que não podiam dar água para o Es- tado do Rio, só para a Guanabara e que não tí- nhamos um órgão respon- sável. Nós teríamos que criar esse órgão para acompanhar o processo. Como já tínhamos outros movimentos como o blocc

de carnaval e a igreja, não foi difícil conseguir sócios para dar entrada nà pa- pelada. Neste meio tempo, o pessoal ia pagando uma taxa de Crt 50,00 para en- trar como sócio. Quando já estávamos preparando o estatuto para ser regis- trado, houve um problema porque um dos moradores me denunciou.

Job: Denunciou por quê?

Maria José: Dizendo que eu fazia reuniões clan- destinas, subversivas. Deu parte na Marinha. Fui chamada para depor. Lá na Marinha provei com documentos que está- vamos procurando me- lhorias para o bairro, crian- do uma associação de bairro. Não tinha nada a ver com as denúncias que fizeram. Me liberaram e continuamos o nosso trabalho. Conseguimos uma base de 100 sócios, fizemos um requerimento e demos entrada na CEDAE (Companhia Estadual de Águas e Esgotos). O primeiro requerimento desapareceu lá. Fizemos o segundo. Apesar de ter sido aprovado, um fun- cionário disse que não tinha condições de botar água. Aqui não tinha material, a adutora ainda não havia sido planejada. Com a união dos mora- dores, conseguimos com- prar a água sem a permis-

são da CEDAE. Mas depois de 20 dias, eles cortaram. Nossa associação é com- posta por 5 bairros com média de 500 sócios. Resolvemos levar o nosso pedido até o governador Faria Lima. Ele prometeu religar nossa água em 24 horas, e nos dar uma rede. A água foi rellgada e nossa rede foi para a rua. Com is- to, a associação cresceu, o pessoal tomou força e fomos lutando por outros tipos de melhoramentos.

Job: E quando vocês se uniram ao Movimento Amigos de Bairros?

Maria José — O MAB começou em 76, no Parque Flora, Camarim. Nós fomos procurados por uma comis- são deste grupo eachamos que devíamos formar o movimento. Começamos a nos unir, em 78 já está- vamos com 34 bairros. O movimento foi crescendo e o pessoal descobrindo que os políticos não faziam nada, que os bairros pa- gavam impostos e que nada recebiam da prefeitura. Isto foi criando uma revolta muito grande nesse pes- soal e foi com esta revolta que nos prontificamos a fazer aquela assembléia on- de compareceram 800 pes- soas em 1978, em Moquetâ. O prefeito não foi a essaas- sembióia porque disse que tinha que ira Brasília. Man- dou um representante seu, o Secretário de Obras Públicas. A partir dessa as- sembléia conseguimos que todas as quintas-feiras al- guém da Prefeitura estives- se pronto para nos receber. Mas são sempre as mesmas mentiras, as mesmas promessas que não cum- prem. Diante dessa si- tuação, fizemos a assem- bléia dos três mil, em julho de 1979. Exigimos um plano de recursos da Prefeitura para a gente saber direi- tinho onde e como a Pre- feitura petisava fazer os melhoramentos que tí- nhamos pedido. Na última audiência, o prefeito mar- cou para janeiro entregar o plano de recursos do gover- no.

Job: Foi nessa Assem- bléia que falaram do problema da taxa escolar, nãoé?

Maria José: Foi. O secretário de Educação Ar- naldo Niskier disse que a taxa escolar não era obrigatória. Se a diretoria obrigasse a pagar, deveria ser denunciada pelos Amigos do Bairro. Mas só que até agora a taxa escolar continua a ser cobrada. Houve muito protesto nes- sa assembléia, o pessoal estava muito revoltado. O prefeito foi vaiado. A culpa

foi toda do prefeito. Se ele tivesse cumprido o que prometeu nada disto acon- teceria. Ele teria sido até aplaudido pelo povo.

Job: Você tem 5 filhos, não é? Como foi que con- seguiu coordenar seus trabalhos junto com a população e as exigências de seus filhos?

Maria José: Todo mun- do sabe que é difícil coor- denar casa, filho e família e coordenar um trabalho de comunidade. Eu tenho também meu trabalho fora.

Tenho me desdobrado, me dividido por 10. È tanta luta que a gente tem, tan- tos problemas. Por exem- plo, a incompreensão do povo, que a gente precisa estar explicando que esta luta é mesmo difícil. È preciso calma e paciência para explicar que a luta é mesmo assim. Mas quem está na batalha, sabe que a gente não pode parar. Se eu for cuidar só da minha

^pasa, as outras coisas ficam pendentes. Se cuidar só das outras coisas, minha casa fica pendente. Temos que nos dividir para contornar uma coisa e outra.

Job: Os vizinhos sempre ajudam a desenvolver esse trabalho?

Maria José: Se não fos- se a grande ajuda de todos, não teríamos conseguido o que temos hoje. Agora, por exemplo, estamos cons- truindo um posto médico e policial. A laje já está quase pronta, e a nova sede da as- sociação também. Tudo com ajuda do pessoal. Uns conseguem mão-de-obra, outros ajudam com di- nheiro do pedreiro. Está tudo sendo feito pelo povo.

Job: Você podia falar um pouco sobre a sua atuação na Pastoral Operária?

Maria José: Participo na Pastoral desde que vim para Nova Iguaçu. E um trabalho que fazemos exclusivamen- te com os operários, de luta contra as injustiças que sofrem esses trabalha- dores. O trabalho consiste em promover o operário, em descobrir o seu valor como homem'que é, conseguir melhores condições de vida, melhorsalário.

Job: E como você vê es- sa sua participação nesses dois trabalhos?

Maria José: Para mim as duas coisas formam uma coisa só. Uma luta por melhores condições devida no bairro, e outra luta por melhor salário. Essas duas coisas estão unidas. E uma luta por uma coisa muito in- teira, uma vida melhor em todos os sentidos.

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PÁGINA 4 JORNAL DA BAIXADA N? 6 PAGINAS

Coitadas das crianças Começam as aulas na baixada

Criança passa por de- baixo da roleta do ônibus: é pisada. Garoto vende picolé: é roubado. Menino deixa de estudar: os pais não podem pagar a taxa es- colar, nem comprar o uniforme completo. Me- nina passa o dia Inteiro fechada na casa de quarto e cozinha: a mãe foi trabalhar e não tinha com quem deixá-la. Tudo isso e mais acontece todos os dias na Baixada Fluminense. As crianças aqui sofrem, sem dó nem piedade, as con- seqüências do baixo sa- lário dos pais e das pés- simas condições de vida dos municípios.

Está começando agora um novo ano escolar mas as dificuldades que esperam as criaças não são nem um pouco novas. A falta de es- colas nos bairros, a alto preço do material escolar, o desvio da merenda para ser vendida na cantina, as salas superlotadas de crianças, os professores mal remuneradosea injusta taxa escolar, são apenas al- guns dos problemas que as crianças da Baixada en- caram de novo quando vol- tam às aulas. Isso quando voltam. Porque muitas vâo parar de estudar este ano porque precisam trabalhar. Carona, poça de lama

O primeiro problema que a criança enfrenta é a falta de escolas no bairro. Ê obrigada a estudar a vários quilômetros de dis- tância de sua casa. Exis- tem crianças que cami- nham mais de uma hora, atravessando charcos e morros desertos até chegar à escola onde conseguiram vagas. É comum também

encontrar grupos de alunos pelas ruas pedindo carona. Nem sempre os pais têm dinheiro suficiente para comprar passagem. Às vezes o dinheiro só dá para a passagem de um filho e os outros têm que passar por baixo da roleta, se arrastando, arriscando-se a serem pisados,7 empur- rados ou humilhados pelo cobrador.

Terezinha Lopes, professora há mais de 23 anòsHidando com crianças, diz:

— "Hoje, T^) nosso bairro. Jardim Gláucia, temos uma escola mu- nicipal e uma escola es- tadual. Mas isso foi porque o povo do bairro lutou muito até conseguir essas duas -escolas. Bairros vizinhos aos nossos, como o Parque São Bento, o Jar- dim Liberai, Silvana, Santa Verônica, Parque São José, Sitio Real não têm escolas. As crianças precisam pegar condução para irem es- tudar em São João ou Caxias."

A luta por escolas no Jardim Gláucia começou na casa de Dona Terezinha onde funcionou a primeira escola do bairro.

— "Ê que na maior par- te dos loteamentos. as crianças nascem e crecem sem ter nenhuma escola. Aí as pessoas vão im- provisando, apertando as autoridades, vão lutando. Algumas crianças esperam 10 ou 12 anos para con- seguir uma escola. E "en- quanto não conseguem começam a estudar nas es- colinhas que a gente chama de "escolinhas de quintais". Ali, as pessoas que têm jeito gostam de

crianças e querem ganhar um trocado, começam a dar aulas. Com o cresci- mento do Jardim Gláucia, as pessoas perceberam que tinham que lutar por uma escola, se unir e pressionar as autoridades. Foi assim que conseguiram duas es- colas."

MATEMÁTICA NA RUA

Os problemas não ter- minam quando se con- segue uma escola para o bairro. Terezinha Lopes conta o que significa hoje para os pais a freqüência dos filhos nas aulas:

— "A escola hoje não é mais aquela instituição que funcionava como um alívio, uma esperança. Com os obstáculos todos que exis- tem hoje a escola se tor- nou também um órgão de opressão, um lugar onde os pais se sentem assim com o pé atrás: "È mais dinheiro que vou ter que gastar", dizem eles. "Estou sendo explorado... Não há dinheiro que chege..."

E aí começam os problemas da evasão es- colar: crianças que por vários motivos abandonam ou são obrigadas aban- donar a escola. Um dos casos mais comuns é o da criança que vai cres- cendo e precisa trabalhar. Param de estudar para ven- der picolé, amendoim, ser empregada doméstica, babá.

Antônio Carlos Mari- nho, de 11 anos, mora no Lote XV, Nova Iguaçu. Ê aluno da Escola Grupo Es- colar Pedro Alvares Cabral. Ele é o único que estuda em sua família. Os pais não têm dinheiro para mandar

os outros irmãos á escola. Antônio Carlos vende picolé.

— "Só que o dinheiro é pouco, não dá pra nada. Ganho 100 cruzeiros aos sábados e domingos. Durante a semana não ganho nada. Eu vendia picolé em São João perto das Casas Sendas. Mas parei de vender lá porque uns pivetes me bateram e tomaram meu picolé. Agora eu só vendo perto da minha casa."

José Francisco, de 12 anos, morador de Caxias, também é outro que vai aumentar as estatísticas da evasão escolar. Como 12 irmãos, ele vende cuscuz perto das Casas Sendas, em São João. Por enquanto José Francisco ainda es- truda, embora falte mui- to a escola porque trabalha de noite e fica na rua até a hora em que o pai, ven- dedor de cocada, balas e miudezas, vai embora. Os

problemas de José Fran- cisco, atualmente, não são os de matemática. Ê a barra pesada da rua:

— "Aqui é uma barra, viu? São mais os peque- nos, os pivetes. Eles vêm de turma, uns 3 ou 4 e roubam mesmo. Nem adianta correr. Mas o que eu não gosto é do cheiro deles quando passam: é cheiro de cola de sapato pra ficar doidão".

Os pivetes compraram latas de cola e cheiram pequenas quantidades. È uma forma barata de ficar drogado, e também, en- ganar a fome.

Taxa e medo

Um dos grandes mo-, tivos da evasão atualmente é a taxa escolar. Conta uma dona de casa:

— "A gente fica apa- vorada quando sabe que se não matricular os filhos vem multa encima. Mas

quando a gente chega na escola e vê o preço da taxa que é preciso pagar, não dá mesmo. Quem tem 4 fi- lhos, como eu, bota dois e tira dois. Deixa os menor- zinhos esperar mais até os maiores começarem a trabalhar. E é assim: es- tuda uma parte primeiro, depois estuda a outra par- te."

O curioso é que a taxa escolar foi criada com a in- tenção de ajudar o aluno, mas logo tomou outro rumo. Dona Terezinha ex- plica:

"No começo, só pagava a taxa quem pudesse. Era para ajudar quem não tinha condições de comprar uniforme e material. Além disso, se fazia também uma campanha para melhorar a merenda que naquele tempo era multo ruim. Mas em 75 essa taxa escolar municipal foi trans- formada em Fundo Mu-

nicipal de Educação. A taxa antes era de 20 ou 30 cruzeiros e passou .pa- ra 156 cruzeiros, que era a metade do salário-mínimo na época. Houve uma revolta muito grande dos pais. Uma parte desse dinheiro (40%) ia para o fundo e 60% para a escola. Teoricamente, a parte que ia para o Fundo deveria servir para ajudar as escolas mais pobres, em pequenas obras neces- sárias. Mas na prática, este Fundo Municipal de Educação é usado no pagamento de funções gratificadas para os fun- cionários da prefeitura. È um absurdo tirarem di- nheiro dos pais para pa- garem funcionários da prefeitura. Isto mostra como os pais cada vêz mais estão arcando com uma responsabilidade que é do poder público".

Os pais se revoltam mas não reclamam porque

têm medo dos filhos serem perseguidos, humilhados e perderem a vaga na escola.

— "A taxa escolar é um tormento na vida das pes- soas — diz uma mãe. Hoje a taxa é de 250 cruzeiros em Nova Iguaçu. Em Caxias, tem escola cobran- do 350 cruzeiros."

Dona Terezinha con- tinua:

— "Os pais fazem tudo para pagar porque não querem ver os filhos hu- milhados. Eles acabam aceitando isto porque não têm visão do que é um direito deles. E a taxa es- colar que seria uma forma de ajudar, se torna uma forma de opressão muito desonesta e que só existe na Baixada. As crianças da Zona Sul, no Rio, têm merenda muito melhor, têm escolas bonitas e não precisam pagar esta quan- tia absurda de taxa escolar. Quanto mais pobre a crian- ça mais oprimida e mais- facilmente enganada. Os pais não conhecem seus direitos e têm medo da autoridade. Têm medo da diretora porque ela grita, ameaça. Os pais ficam sem saber o que fazer."

Taxa escolar já é um problema antigo na Bai- xada. Em Nova Iguaçu o Movimento Amigos dos Bairros vem lutando contra essa cobrança. Conseguiu, em julho de 1979, que o Prefeito Ruy Queiroz publicamente dissesse que a taxa não era obrigatória. O Secretário da Educação distribuiu nota avisando aos pais que não pudessem pagar deveriam assinar uma folha de isenção. Ain-

da que algumas escolas já estejam cumprindo essa determinação legal, es- clarecendo que a taxa não é obrigatória, muitas outras escolas continuam pres- sionando os pais. Dona Terezinha acha que a única solução para o problema é a atuação dos pais.

— "Enquanto várias es- colas ainda estiverem cobrando esta taxa, a luta tem que continuar e ser ainda maior. Os pais precisam assumir o papel de fiscais, fazendo valer a declaração do Prefeito. E isto depende da gente, de como conscientizares pais porque eles têm muito medo dos filhos serem prejudicados. Há muita in- segurança."

Cantina e chiqueiro

Merenda é outro problema sério. È opinião gerai que a merenda melhorou muito de uns tempos para cá. Infeliz- mente, a qualidade da merenda depende muito de cada escola. Há pouco tempo foi muito comen- tado na Baixada o caso de uma escola no Jardim Gláucia onde a diretora criava porcos. Ela mandava fazer uma comida sem tempero para sobrar muita lavagem para seus leitões.

O que acontece muito é o desvio de parte da meren- da para ser vendida na can- tina. Mães do Calundu es- tão denunciando que a diretora da escola do bairro mandou servir feijão com farinha para as crianças, dizendo que ia devolver as cem latas de dobradinha e

arroz guardadas na des- pensa. Mas a inspetora da merenda impediu:

— "De jeito nenhum, disse ela. A merenda é para ser dada para as crianças e não para ser oevolvida."

Dona Terezinha chama a atenção para estes fatos:

"Isto é para que os pais vejam como é preciso es- tarem atentos e se orga- nizarem para exigir aquilo que é direito deles e de seus filhos. Sem pensar que estão ganhando um favor. Porque a merenda tem que ser fiscalizada e controlada com prestação de contas."

Pisei no pé

Completando o quadro, existe ainda a situação precária do professor. Ganhando péssimos sa- lários — lembram-se das duas greves realizadas no ano passado? — o profes- sor é obrigado a se virar para sobreviver. Muitas vezes ele não tem con- dições materiais de preparar boas aulas. Falta material, falta tempo, falta estímulo. E acaba também faltando a paciência com as crianças: e muitas vezes é sobre elas que se des- carrega a revolta do dia-a- dia pelas péssimas con- dições de trabalho. José Ricardo, de 12 anos, mora em São João. Ele conta:

— "Gosto muito de es- tudar mas a minha profes- sora não gosta de mim. Vive ralhando. Eu fui sus- penso da escola porque briguei com um colega e a professora me deu um cas- cudo. Ai eu fui e pisei no pé dela."

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PÁGINA 6 JORNAL DA BAIXADA N? 6

BURACO MAIS EMBAIXO A Do- na Marocas, minha vizinha aqui do lado,

me contou uma história que seria muito engraçada se não fosse a situação triste em que a gente vive. Bem no centro do bairro do Éden, havia um enorme buraco cheio de água, que, se não se tratasse de uma região pobre, os moradores poderiam até achar que era o. metrô chegando por lá. Antes que o tal buraco completasse aniversário, o pessoal resolveu fazer um boneco com uma vara de pescar na mão e colocou de no buraco Junto com um car- taz; "os moradores do Éden agradecem ao prefeito Celes- tino Cabral a piscina doada ao bairro". Não demorou muito a surgir uma providência. No dia seguinte, a piscina...digo... o buraco estava consertado.

• UMA ELEIÇÃO VEM ATRÁS DA OUTRA Mas sor- te igual não tiveram os mo- radores da rua Santana, em São João de Meriti, no centro. Outro dia fui visitar a minha comadre, a dona Filhinha, e vi o estado lastimável da rua que continua sem calçamento, es- goto, iluminação, etc. (Bota etc. nisso). Teve até um morador que, dizendo-se influente na prefeitura, tentou reinvidicar os melhoramentos para a rua. Sabem qual foi a resposta? " Se os moradores contribuirem oom uma certa quantia, nós mandaremos calçar a rua". E sabem qual era essa "certa" quantia? 35.000,00!! Mas não tem nada, não. Minha avó Filomena é quem tinha razão, quando dizia que "nada como

DONA RITA

uma eleição atrás da outra". Ouviu, prefeito?

ESCOLA DE ES- COLADOS — Mas o pessoal da rua Santana não deve es- morecer. Minha prima Maril- da e o seus amigos de Cabuçu, Nova Iguaçu, conseguiram uma grande vitória usando or- ganização e determinação, coisa que não pode faltar aofs oprimidos como a gente. À prefeitura derrubou a única es- cola que havia por lá, pro- metendo construtir outra, if) tempo passou, e nada. Mas o Movimento de Amigos do Bairro, de Nova Iguaçu, com- prou a briga, e já saiu pu- blicado no Boletim da Pre- feitura o edital para a cons- trução da nova escola. Pois é, com gente escolada, não se pode dormir de touca.

NENHUM PREFEITO E PERFEITO — Que o digam os moradores de Santo Elias, em Mesquita. Para eles, o prefeito vai ter que levar muito boicote

nas umas. Não é que eles vivem consertando as ruas do bairro por onde passam os ônibus da Viação Sta. Eugênia, que faz a linha Vila Emil-Nova Iguaçu, a única que serve ao bairro? Após estragarem a rua Nestor, os ônibus, por conta própria, mudaram o itinerário e co- meçaram a passar pela rua Procópio. Estragaram a rua Prooópio e passaram a trafegar pela rua Joséfina. Para encur- tar o assunto, no dia 17 de janeiro, os moradores se reuniram e impediram que os ônibus trafegassem por essa rua, pois eles haviam conser- tado a mesma há pouco tempo. Houve discussão, bate-boca e até mesmo apedrejamento de ônibus. No final, todos (moradores e motoristas) chegaram à única conclusão possível: a culpa é da dita... ou seja... da Prefeitura.

* A UNIÃO EM MUTIRÃO — Gostei de ver a deter- minação dos moradores do Conjunto Azul, de São João de Meriti. Como eram

péssimas as condições de urbanização do conjunto (onde, por sinal, mora o meu afilhado Didi), o pes- soal fez uma reunião na pracinha e resolveu deter- minar uma quantia por mês a ser paga por cada um. Nos finais de semana, os moradores constróem cal- çadas, colocam quebra- molas, desentopem es- gotos etc. Se dependerem de alguma ajuda oficial, talvez nem mesmo no dia do juizo final.

* ESTA ANOTADO NA MINHA AGENDA- No dia 13/1/80, houve uma reunião na Associação Pró- melhoramentos de Gra- macho, que contou com a presença de dez bairros: Saracuruna, Bairro das Graças, 21 de Abril, Jardim Primavera, Gramacho, Vila Leopoldina IV, Vila Ideal, Dique (Av. Teixeira de Mendes), Bom Retiro, Campos Eliseos e também o pessoal da Coordenação do Movimento Amigos do Bairro de Nova Iguaçu. Como os problemas são sempre os mesmos (falta d'àgua, esgotos, asfalto, poucas escolas, posse de terras, etc), a melhor solução é essa mesma: a união! Já no dia 3 de fe- vereiro, na segunda reu- nião, estavam presente mais quatro bairros: Vila Operária, Prainha, Parque Fluminense e Pilar.

— Nos dias 5 e 6 de abril, vai ser realizada a "1 ? Feira da Amizade da Vila

São José", no horário das 16 às 23 horas. Para ajudar essa promoção, outras programações estão sendo realizadas. No dia 27/2, houve um delicioso almoço na casa da dona Leia, em benefício da barraca "Villa São João". No dia3/2, uma excursão a Porto das Caixas, em beneficio da barraca "Sumaré"; no dia 24/2, um angu para a barraca "Venda Velha", e, no dia 2/3, uma excursão a São Pedro da Aldeia para a barraca "Vilar dos Teles".

— No dia 6/1, foi realizado um encontro en- tre moradores a represen- tantes da Associação de São João de Meriti, na Igrejinha do bairro Sumaré. Conforme pude perceber, havia reprtesentantes dos bairros do Sumaré, Vila São José, Vila São João, Trevo, Parque José Bo- nifácio e o grupo de teatro "Caminhando", de Vila Rosali.

O objetivo principal do encontro foi a troca de ex- periências entre os bairros pela luta por melhores con- dições de vida, além da ajuda mútua para fortalecer o movimento de ação de cada bairro.

È de gente assim que eu gosto. Por falar nisso, vou ter que encerrar por aqui. Está na hora de eu dar a minha voltinha por ai para ver o que está acontecen- do. Como sempre, as minhas comadres devem ter muitas coisas para me falar. Depois eu conto para vocês.

O Jornal da Baixada deu uma paradinha, ficou três meses fora do ar. Isso aconteceu por vários motivos. Um deles é a falta de motivo que esses dias agitados costumam trazer. Maior baixo-astral na redação. Férias, sufoco, dureza, pluripartidarismo, abertura. Mas isso não podia continuar. Convoquei os astros que, pegaram as bolas.

mexeram os pauzinhos e fizeram questão absoluta que esta edição fosse dedicada às crianças, abandonadas e não (tanto) abandonadas, que vão à escola ou que vão à luta.

LIVROS E CADERNOS

(para os nascidos de A a Z) Some os preços dos

livros, cadernos, lápis, borrachas, multiplique pelo

número de irmãos estudantes que você tem, subtraia esse valor do salário do papai e veja o saldo que dá. Viu?! Não dá... MERENDA ESCOLAR (PARA OS NASCIDOS NOS ANOS DE SUFOCO; QUE ESTÃO HOJE EM IDADE DE IRÃ ESCOLA)

Cuidado, merendeiro, não se afaste da merendeira. A merendaé pouca, apesar da verba ser muita. Portanto, agarre-se a ela com unhas e dentes, antes que algum aventureiro, ou prefeito, ou secretários, ou coordenadora de ensino lance mão da verba destinada. TELEVISÃO (PARA OS NASCIDOS ENTRE VÍDEO E IMAGEM)

Você está pálido, televisado? Nervoso, com

dificuldade de raciocínio? Ê natural. Não adianta se desesperar, nem mudar de canal. Procure se I igar um pouco daqui pra frente nos livros, revistas, jornais, boletins dos sindicatos do papai e da mamãe. Sintonize com grupos de jovens, amigos, deixe o aparelho que os astros desligam.

ROUPA

(para os nascidos nus) A farda (escolar!) é um

bom negócio. Economiza roupa e identifica o cidadão. Se todos os corruptos, ministros de Estado, deputados mudos e prefeitos desonestos usassem farda, seria bem mais fácil identificá-los nas ruas ou nos esgotos.

CONDUÇÃO (para os nascidos entre Baixada e Baixada)

Tá difícil, meu caro conduzido. Você nunca sabe quanto pôr no bolso para a passagem, uma vez que na ida para a escola paga um preço, na volta paga dois. Procure andar a pé, mesmo correndo o risco de chegar na escola só de meia e pastinha.

CARTINHA

Prof. Dementei: qual o futurado menor abandonado? (menor DDF)

— Em certos países justos e civilizados por ai, D. D. F., o abandono não assusta a ninguém, pois o menor é visto com respeito e atenção pelos detentores do poder. Aqui, a coisa é mais prática. Quando o menor abandonado cresce, a polícia toma conta.

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JORNAL DA BAIXADA N0 6 PAGINA?

x

SOCOrro! Médico dá ponto com linha de soltar pipa Doze bairros de Duque

de Caxias se reuniram no dia 3 de fevereiro passado para discutir os probiemas comuns do município. £ a continuação da série de en- contros que havia, co- meçado no mès anterior e que deve continuar para coordenar ações comuns em defesa dos interesses das comunidades.

A nota mais importante da reunião do dia 3 foi a presença de médicos, en- fermeiros e auxitiares dos serviços médicos dos hos-

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Dr. Pierre Françoís

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pitais de Duque de Caxias, que estão em campanha para conseguir meihorlas salariais e melhores con- dições de atendimento ao público. O pessoal dos ser- viços médicos explicou aos moradores as condições de trabalho que tomavam Im- possível um bom aten- dimento ao público.

Segundo o pessoal médico, falta toda espécie de material para o trabalho. Algodão, gase, fios para sutura, esparadrapos, aparelhos para medir pres- são, estetoscópios, ter- mômetros e outros ma- teriais. È tudo improvi- sado, provocando riscos para os pacientes. Os fios para sutura são substi- tuídos por linha n? 10, de soltar pipa, os termô- metros são comprados pelos próprios enfer- meiros. Acontecem tam- bém coisas mais graves, como a utilização de tubos de caneta esferográfica como sondas.

As enfermeiras do Hos- pital Infantil descreveram as condições em que trabalham. Elas cuidam de 4 ou 5 enfermarias sem isolamento, o que pos-

JORNAL DA BAIXADA

CUPOM DE ASSINATURA

— Assinatura por 12 edições: 150,00 — Envie cheque nominal ou vale postal para:

Editora Olho Vivo Ltda. Av. N.S. das Graças. 138,305 — S J. de Meriti /

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sibilita a transmissão de Infecções entre as doen- ças.

Os médicos disseram que o povo tinha toda raz- ção em reclamar da má qualidade do atendimento de saúde no município. Eles apoiam os represen- tantes dos bairros e so- lidarizam-se com as suas lutas.

A presença do pessoal de saúde na reunião com os representantes de doze bairros teve repercussões imediatas. O prefeito nomeado de Caxias, co- ronel Américo Bastos, se apressou em atender par- cialmente as reivindica- ções, tanto no nível salarial quanto nas condições de trabalho e atendimento dos doentes. Outro resultado da denúncia foi a demissão do diretor do Hospital de Caxias. Os médicos garan- tem que a responsabilidade mais imediata é do doutor Sebastião Soares, Se- cretário Municipal de Saúde. Ele é quem deveria ser demitido.

Em Nova Iguaçu, o Prefeito Ruy Queirós acaba de inaugurar um novo e luxuoso prédio para a prefeitura mu- nicipal. Nova Iguaçu è o 7? município em po- pulação do Brasil e o 255? em saneamento básico, um dos mais atrasados do Pais em serviços de água e es- gotos. Bairros aban- donados, sem seguran- ça,, mais de 150 mil crianças sem escolas, sem hospitais muni- cipais, sem áreas de lazer e com um péssimo serviço de transportes. Não tem conforto para seus moradores. E o prefeito despacha em gabinete com ar con- dicionado, sem se preocupar com o que é importante.

O Movimento Amigos de Bairro e o povo de Nova Iguaçu es- tiveram presentes na inauguração. Ali já en- contrava um forte aparato policial. O prefeito esperava um bando de desordeiros para assistir á festa da inauguração. E quem compareceu, em silêncio e sem bagunça protes- tou contra o abuso que

Amigo de Bairro cresce e aparece

O Movimento dos Amigos de Bairros (MAB), de Nova Iguaçu, é uma das organizações populares que mais cresceram em 1979, ampliando o número de seus participantes e das associações de bairros a ele filiados. Organizado no final do ano de 1978, o Movimento dos Amigos de Bairros tinham 26 asso- ciações afiliadas. Um ano depois, no começo de 1980, são 96 associações agrupadas no MAB.

Este crescimento exigiu maior atividade da Coor- denação do Movimento, que teve então de ser am- pliada de 13 para 19 mem- bros. A eleição foi feita pelos representantes das

diferentes associações que constituem o Conselho do Movimento dos Amigos de Bairros. São 67 conse- lheiros, pois 29 bairros ain- da nâo elegeram seus re- presentantes para este ór- gão do MAB. O mandato da nova Coordenação é de um ano. A posse deu-se imediatamente após a eleição.

Lino Camarão, um dos membros da Coordenação, reeleito, definiu as tarefas imediatas do movimento: — O mais importante agora é dar atenção aos bairros, isto é, fortalecer as bases do movimento. O MAB será invencível quando os bairros estiverem fortes e bem organizados.

Prefeito só quer saber de frescura

A população de Nova Iguaçu, convidada pelo MAB, protestou contra a nova sede da Prefeitura.

estava acontecendo. As faixas levadas pelos moradores dos bairros falavam da revolta que todos sentiam. Frases comos estas: "Do con- forto da Prefeitura para o Desconforto dos Bair- ros"; "Os Bairros so- frem com o luxo desta obra"; "Se 21 anos é maíoridade, Santo Elias em abandono é majes- tade."

Os assessores e a segurança do prefeito tentaram censurar as faixas. Conseguiram até

rasgar algumas. Não reprimiram mais porque a televisão estava fil- mando. Eles tiveram medo de que o luxuoso piquenique do prefeito virasse notícia ruim.

No final do discurso, o prefeito Ruy Queirós "convidou o povo" para visitar a nova sede da prefeitura. Mas os in- tegrantes do MAB (Movimento Amigos dos Bairros) enrolaram as faixas e foram embora, silenciosamente, en- cerrando o protesto.

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PÁGINAS JORNAL DA BAIXADA N? 6

Delma vende o pão que o

capeta amassou

Vida de

gado, é o povo

no roletão

ARREBITE Pirelli não cumpre lei. Mata!

Dona Delma, balconista da Padaria Estoril, no bairro Éden, de São João de Menti, è testemunha das dificuldades que os comer- ciârios sofrem na Baixada Fluminense. Ela trabalha oito horas por dia, todos os dias, domingos e feriados. Sô tem folga de 15 em 15 dias. Assim mesmo, a fol- ga vem pela metade. Para sair do trabalho meio ex- pediente, Delma tem que estar na padaria às 6 horas da manhã e ficar lá atè às 10 horas.

Os direitos trabalhistas também passam longe da Padaria Estoril. O patrão só agora assinou a carteira do trabalho da Delma depois de dois anos. Quando o patrão se dispôs a assinara carteira, Delma lhe pergun- tou por seus direitos. A

proposta foi de que a bal- conista recebesse Ct$ 5.300,00 como in- denização por todos os seus direitos desses dois anos sem carteira assi- nada, incluindo férias e 13? salário. As balconistas ganham Cr* 2520,00 por mês — menos que o salário minimo — tenham carteira assinada ou não. Mas de uma coisa o patrão não se esquece: desconta o INPS de todos, mesmo do pes- soal que não tem carteira assinada.

O Sindicato dos Comer- ciârios de São João de Meriti, o representante da categoria de Delma e suas companheiras, nunca se manifestou sobre o assun- to. Nenhum representante sindical jamais se preo- cupou com o trabalho na Padaria Estoril.

Os roletõe» — MM> Ins- trumentos de humllhaçso • violência contra quem anda da ônibus — continuam sendo usados na Baixada Fluminense. A população protesta mas as autoridades encarregadas do as- sunto fazem vista grossa. Este diálogo, registrado pelo repórter Tônico Bico de Lacra, do Jornal da Baixada, num ônibus da em- presa Santa Teresinha, na linha São João-Nllópolls, Ilustra bem o problema:

Trocador. Por quê não passa? Senhora: Estou esperando

meu filho passar (O filho da 4 anos tenta pasar por baixo dos famosos roletôes).

Um senhor, sentado no banco de trãs: Filho de pobre sofre des- de pequeno. Filho de rico nunca sofre. Nem sabe o que é Isso, só anda de carro a pra todo lugar que vai tem sempre alguém que leve.

Outro senhor, sentado ao lado do cobrador. O português, dono da empresa, coloca ferro embaixo e em cima da roleta como se quisesse dizer que "no meu ônibus só vai andar quem tem dinheiro". Como • desgraçada a vida da gente que è pobre.

Os trabalhadoras da multinacional FICAP — Fiqse Cabos Pirelli, subsidiária da empresa italiana — estão se movimentan- do para melhorar su^s condições de se- gurança no trabalho. Os operários, em sua maioria metalúrgicos, afirmam que a fábrica funciona sem ne- nhum dos requisitos de segurança exigidos peía lei.

A situação na FICAP é tão grave que nos últimos três meses pelo menos cinco operários foram acidentados pel^s

máquinas da fábrica. O último acidente, em janeiro, foi com Edson Correia de Oliveira. Ele sofreu fratura exposta e está ameaçado de ficar inutilizado para o trabalho.

A mobilização dos trabalhadores da FICAP — Fios e Cabos Pirelli — está se for- talecendo entre outras coisas porque ps operários já sabem que a empresa es- trageira está disposta a resistir, sem cumprir as íeis do País no que se refere às condições de segurança e hi- giene do trabalho.

COMO ERA DE SE ES- PERAR, a equiparação salarial da FIAT, discutida e acertada entre funcio- nários e patrões na greve de julho de 79, saiu segun- do os critérios patronais. Representantes da dele- gação sindical afirmam que, na verdade, o que saiu foi apenas uma espécie de arredondamento, mal in- tencionado e desonesto. Prevalecendo os critérios calhordas, sobre os quais jâ cai de pau na edição pas- sada, foi feita a avaliação pelos chefetes em cima dos quatro itens básicos: Quantidade, Qualidade, Colaboração ou puxa- saquismo e Disciplina ou galho-dentro. E óbvio e descarado, que nenhu- ma avaliação feita por chefes, com o objetivo de correção salarial, vai medir sinceramente a capacidade de um trabalhador. Acabou acontecendo o que todo

mundo esperava: o ponto básico da análise foi a tal da "colaboração", bene- ficiando, com isso, os afilhados puxa-sacos. Ficou uma lição da maior importância. Não há como confiar em patrão. Não hâ como negociar prazo em cima de reivindicação con- tra essa gente. Ou resolve os problemas no clima de greve, ou dança. Adiou, voltou a trabalhar confian- do em promessa, cachimbo caiu, trabalhador levou ferro.

O SINDICATO DOS ME- TALÜRGICOS jâ abriu processo na Justiça do Trabalho contra a IBT, in- dústria de tubos, em Mes- quita. O pessoal está trabalhando nos fornos, sem ganhar adicional de insalubridade. Tem muito trabalhador passando mal, porque é obrigado a fazer

limpeza naqueles fornos infernais. Os operários da IBT pedem que a Delegacia Sindical de Nova Iguaçu, dê uma chegadinha lá, com urgência.

CACHORRADA TAMBÉM está sendo feita com os operários que vflo fazer tes- tes para trabalharem na SIMEBRA, fábrica de móveis de aço, localizada na Via Dutra. O pessoal fica là horas e horas fazendo peças, a título de teste, depois è reprovado sem receber um tostão pelo tempo que trabalhou ou pelo que produziu. Deus do céu, que safadeza! Além dessa aberração, os fun- cionários tem reclamado também das exigências da firma dos operários tra- balharem sempre à noite, das 7 ás 19,00 h, recebendo um pagamento miserável de Ci$ 50,00 (cinqüenta cruzeiros) por hora. Segun- do os trabalhadores, a sen- sação que se tem dentro da fábrica é que se está num quartel, devido ao poli- ciamento interno.

DENUNCIEI NO número 5 do Job várias arbitrarie- dades cometidas pelas metalúrgicas SAUER e IMÉSA,1 contra os seus

operários. Agora recebo a escandalosa noticia de que as duas melindrosas resol- veram abrir falência, deixando centenas de trabalhadores desem- pregados. Dentro de alguns meses os proprietários es- tarão com fábricas novas, recebendo incentivo e parabenizações dos órgãos oficiais pela iniciativa. E virão novas picaretagens, novas safadezas, novas falências. Já vimos esse filme repetidas vezes.

A TWIN (arreda capeta ian- que!), renomada multi- nacional, localizada no Caju, com filiais no mundo inteiro, dá-se ao luxo e ousadia de nflo pagar adicional noturno, nem descanso remunerado a nenhum trabalhador. Coloca anúncios nos Jor- nais procurando escravos, anunciando que oferece condução, sem oferecer nem sequer Jumentos para transportar os trabalha- dores. A TWIN hospeda no seu quadro de chefetes um renomado picareta de nome Dari, mais conhecido como "Português". Já trabalhou na White Martins, deixando por lá vários prejudicados por suas delações e ca- nalhices O safado dorme

durante todo o turno da noite. Quando acorda, vai imediatamente entregar os nomes dos trabalhadores que por acaso tiravam um cochilo quando ele acor- dou. O lanche do traba- lhador é apenas um copo de café, sem nenhum com- plemento. Exploradores, tubarões, miseráveis!

ESTOU APURANDO as denúncias contra DUMAR — Decorações e Instala- ções. Estou me informando direitinho quanto a essa história cavernosa de botar operário para trabalhar 15 horas por dia (das 7 às 22 horas). Vou verificar di- reitinho, depois vou cair de porrada. Seja nas páginas do JoB, no boteco da es- quina ou no gabinete do Lúcifer. Tão pensando que sou palhaço?!

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JORNAL DA EDIÇÃO EXTRA.

Pobre, atrevido, mdependeme

IA DE GUERRA: FABRICA.

NOSSO REPÓRTER ESPECIAL CONTA TUDO. CHICO BÊ ESTAVA LA DENTRO

QUANDO A FABRICA PAROU.

ITALIANO NAO CAPISCA NIENTE.

GREVE NA FIAT

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Operários do galpão Brasília da FIAT DIESEL, em Xerém,

distrito dé Caxias — montadores de motores e cabinas, operários da usi- nagem e do depósito — iniciavam a greve na manhã do dia 23 de julho.

A insatisfação dos ope- rários da FIAT DIESEL estava chegando ao ponto de ebulição por causa das demissões em massa que vinham ocorrendo no último ano. Até o ano passado, a FIAT tinha cerca de 3.700 trabalhadores e agora só tem, aproximadamente, 3.900. Os demais foram despedidos. A situação criava um clima tenso dentro da fábrica. Outro ponto de atrito que vinha se arrastan- do era a questão do pa- gamento dos dias da greve dos motoristas de ônibus, quando muitos trabalhadores não puderam chegar à fábrica e tiveram o salário descontado.

Por outro lado, a cam- panha salarial dos traba- lhadores da FIAT DIESEL estava em pleno desenvol- vimento. Houve uma Assembléia no dia 22 de junho, quando foi eleita a Comissão de Salário encarregada de apresentar a minuta da proposta para ser levada aos patrões. No dia 29, em nova Assembléia, a proposta apresentada pela Comissão de Salários foi aprovada e decidiu-se en\regá-la aos patrões no dia 4 de julho. O que foi feito.

A empresa pediu 16 dias para responder e marcou a primeira reunião de nego- ciação para o dia 20. E nesse dia se encontraram pela primeira vez os re- presentantes dos traba- lhadores e a direção da fábrica, para discutir as propostas. Os patrões, porém, não quiseram discutir toda a minuta — 33 cláusulas — e apresentaram uma contra-proposta sobre apenas dois pontos. Pri- meiro, o índice do aumento, que era mostrado com um esquema muito confuso que jogava a solução final para junto do dissídio dos demais metalúrgicos. Segundo, o adiamento da data base do próximo dissídio para o dia Io de outubro de 1979, de forma a coincidir com o de toda a categoria dos me- talúrgicos do Rio de Janeiro.

"A proposta dos patrões era enrolada de propósito", disse um dos membros da Comissão de Salário. "Por isso eles só queriam discutir os outros pontos da minuta depois que a comissão respondesse à sua contra- proposta."

Para discutir este assunto a Comissão de Salário marcou uma reunião para a manhã do dia 23, prometen- do à direção da empresa que na tarde daquele dia encaminharia uma resposta.

Na manhã do dia • 23, segunda feira, a Comissão de Salário estava reunida com a Delegação Sindical dos operários da fábrica, analisando a proposta dos patrões, quando chegou a notícia de que os traba- IhadoreS' do galpão Brasília estavam parados.

A Comissão de Salários foi até lá e se informou das razões da paralisação: os operários exigiam o fim das demissões em massa e o pagamento dos dias em que foram obrigados a faltar ao trabalho por causa da greve dos ônibus.

No mesmo dia a fábrica se comprometeu a fazer o pagamento: garantiu que ninguém mais seria demitido, "com exceção das demis- sões normais, de rotina em qualquer fábrica." O major Vítor Neto, Diretor de Relações Industriais da multinacional italiana pro- meteu não reprimir o mo-" vimento, "desde que não fosse danificado o patri- mônio da empresa". Advertiu, porém, que não se pagaria "nem um tostão" pelas horas de paralisação.

Os representantes da empresa se recusaram a comparecer à reunião que estava marcada para aquele mesmo dia, adiando-a para quarta-feira, dia 25 de julho.

Na manhã de terça-feira,, dia 24 de julho, operários do galpão Brasília percorreram as outras dependências da fábrica, convencendo os outros operários a aderirem à greve. Toda a fábrica de Xerém parou.

A Comissão de Salário, a Delegação Sindical e a Diretoria do Sindicato dos Metalúrgicos decidiram convocar uma assembléia geral dos operários da fá- brica.

no Clube Piauí, clube dos operários, ao lado da fá- brica, discutiu-se inicialmente a contra-proposta dos pa- trões. Depois de muita discussão sobre a manobra da empresa, a assembléia recusou, por unanimidade, os seus termos. O que os operários exigiam era a resposta ao conjunto da minuta e não uma contra- proposta capenga.

Outra discussão da assembléia foi a da conti- nuidade da greve. Discutiu- se democraticamente o assunto. Mais da metade da assembléia decidiu voltar ao

Fiat fundiu. CHiCO

trabalho no dia seguinte e esperar a resposta da empresa à proposta de acordo dos operários. Ficou claro também que a reivin- dicação dos operásins incluri-. ria mais dois pontos: fim das demissões e pagamento dos dias da greve dos motoris- tas.

No final da Assembléia começou a discussão provocada por um metalúr- gico aposentado. Nervoso, ele protestou contra a greve feita espontaneamente nos dois últimos dias. O ambiente esquentou. Cadeiras foram jogadas no palanque.

A grande imprensa deu destaque, insinuando que houve briga entre os ope- rários. Não é verdade. Os operários não brigaram entre si. Todos lamentaram a confusão que, felizmente, não abalou em nada a unidade dos trabalhadores.

Apesar da decisão da assembléia, os 200 operários do turno da noite se man- tiveram parados sem que se registrassem maiores aciden- tes.

A Virada — Quarta, 25

Na manhã de quarta, os operários chegaram à fábrica dispostos a cumprir a de- cisão da assembléia e aguardar, trabalhando, a resposta da empresa. Mas, logo na entrada, às 7 horas da manhã, o inspetor de qualidade Luis Pauto Gianini, membro da Comissão de Salário, foi chamado ao Departamento de Pessoal. Estava demitido.

Alguns de seus compa- nheiros de trabalho per- ceberam o fato e espalharam a notícia, como rastilho de pólvora. Ouem já tinha trocado de roupa, ou ainda estava se preparando para começar o trabalho, voltou, para engrossar as fileiras da massa de operários que vinha, desde o fundo da fábrica, caminhando em direção ao portão, ao lado do Serviço de Pessoal.

Todos os trabalhadores estavam presentes; exigiram que o Delegado Sindical, João Guerra, fosse tomar satisfações sobre o que estava acontecendo. A

multidão gritava, exigindo a presença do operário que estava dentro do Serviço de Pessoal.

O major Vítor Neto trouxe Gianini. Ali mesmo começou uma assembléia espontânea, com a presença de todos os trabalhadores da Fiat. Gianini comunicou que havia sido demitido.

Diante dos fatos, a Assembléia decidiu destituir alguns dos membros da Comissão de Salário, indicando outros para ocupar seus lugares.

A direção da Fiat, através do major Vítor Neto, co- meçou a reagir violentamen- te. Chamou a polícia para dentro da fábrica. Os tra- balhadores, que discutiam pacificamente seus pro- blemas, protestaram:

"Não somos ladrões. Somos trabalhadores. Vão prender os ladrões. Nos deixem em paz", gritavam para os PMs que circulavam nas proximidades do portão, armados de metralhadoras, capacetes, escudos.

A assembléia decidiu, então, que a greve deveria 'continuar, revogando a decisão do dia anterior. E deixou bem claro que exigiria a reintegração de Luis Paulo Gianini como condição para a volta ao trabalho.

O major Vítor Neto deu uma de dono da casa: "Vocês estão parados. Ou voltam ao trabalho ou saem da fábrica. Aqui é que não podem ficar".

Os operários sairam. A fábrica ficou entregue à polícia e aos administradores indicados pela multinacional italiana. A mesma arrogância ficou evidente no período da tarde quando os diretores da Fiat sentaram à mesa de negociações, na sede da Junta de Conciliação e Julgamento de Caxias. Do outro lado, os representantes dos trabalhadores: Oswaldo Pimentel, presidente do Sindicato dos Metalúrgicos e membros da Comissão de Salário e da Delegacia Sindical. Luis Paulo Gianini participaria da reunião na condição de membro da Comissão de Salários.

Os representantes da Fiat não aceitaram a participação

Pisaram demais.

de Gianini, recusando-se a negociar. Os representantes operários reagiram: não conversariam nada sem a presença do trabalhador demitido, escolhido em assembléia para participar da Comissão de Salário. Os representantes da Fiat ce- deram. Mas, na reunião, só prometeram dar uma respos- ta a todos os pontos da minuta apresentada pelos operários em nova reunião a ser convocada para o dia seguinte. Nada apresentaram de novo. A Consolicação da Greve - Quinta, 26

O dia amanheceu com a estrada que vai da Rio- Petrópolis até a fábrica lotada de policiais. Na fá- brica, o policiamento era ainda mais forte. Lembravam campo de batalha. Seria essa a economia de guerra que o Figueiredo andou falando?

Os piquetes na porta da fábrica permitiram a entrada apenas dos executivos da empresa. Logo depois do horário da entrada, , todos foram para a assembléia. Só se voltaria ao trabalho quando fossem atendidas todas as reivindicações da minuta, e mais as que surgiram no decorrer do movimento: paralisação das demissões, readmissão de Gianini e o pagamento dos dias de greve.

A assembléia criou tam- bém uma Comissão de Fábrica para organizar os piquetes, providenciar faixas, organizar um fundo de greve e divulgar o movimento.

Enquanto isso, na Delegacia Regional do Trabalho, os representantes

dos trabalhadores conti- nuavam a discutir com os representantes da Fiat e do Ministério do Trabalho.

Os resultados dessas negociações foram magros. Os patrões não cederam nada quanto à proposta de reajuste salarial — o índice do aumento —, nem sobre o fim das demissões. Não aceitaram também reintegrar o operário Luis Paulo Gianini. Os italianos nem -espondiam. Talvez não soubessem falar português.

Os representantes dos trabalhadores insistiam nas negociações, disposto a discutir cada contra-proposta apresentada pelos patrões sobre equiparação salarial, questão de insalubridade, alimentação . — de péssima qualidade. Pediram que os .direitos que viessem a ser adquiridos se estendessem também aos trabalhadores das empreiteiras que fazem serviços para a Fiat.

O comportamento dos diretores da Fiat pode ser bem compreendido por dois exemplos. Primeiro, a res- posta ao pedido de que os trabalhadores das emprei- teiras tivessem os mesmos direitos que os trabalhadores da própria Fiat. A Fiat res- pondeu que não tinha nada a ver com isso. Perguntou se os metalúrgicos eram agora advogados da cons- trução civil. A argumentação dos trabalhadores foi clara. As empreiteiras não são .mais do que uma forma da ■Fiat se livrar de encargos sociais de seus empregados e, principalmente, do pa- gamento da taxa de insa- lubridade. E acordos do mesmo tipo já tinham sido feitos antes, como era o caso da Verolme.

Segundo o índice salarial. Os patrões chegaram a aceitar a argumentação dos técnicos do DIEESE que

OLHO VIVO

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Jornal da Baixada Uma publicação da Olho Vivo. Editora. Rua Belkis, 108 — fundos — C. da Rocha — S.J..Merifi. CGC: 30.607.519/0001 01 Tiragem: 5.000 exemplares Editor: Alceu Nogueira da Gama Diagramação: Caco Appel Fotos: Agência "Repórter" e Foto JoB Composto e impresso na Editora AAory Rua do Rezende, 65/67 — RJ.

assessoravam os trabalha- dores, mas disseram que não podiam pagar mais do que estavam propondo, muito abaixo de CrS 6.114,00.

Tudo parado — Sexta, 27

A manhã da sexta-feira foi igual ao dia anterior. Poli- ciamento, piquete e assem- bléia. Mais de 3.000 tra- balhadores se reuniram no clube Piauí.

A assembléia ampliou a comissão de fábrica e ra- tificou a decisão anterior de só voltar ao trabalho quando fossem discutidos todos os pontos das reivindicações.

Na reunião de conciliação, à tarde, os patrões tentaram voltar atrás até mesmo de alguns pontos que haviam aceito antes. Não conse- guiram. Discutiu-se também a questão da equiparação salarial e a dos transportes — as linhas de ônibus da fábrica que são insuficientes —, além da proposta de aumento salarial. Nenhuma solução. O impasse continua.

Mulheres se organizam — Sábado, 28

A Comissão de Fábrica se reuniu às duas da tarde na Delegacia do Sindicato em Caxias para organizar a continuidade do movimento.

Esposas de operários da Fiat também estiveram presentes. A comissão re- digiu uma Carta às Esposas para ser distribuída às fa- mílias dos grevistas. E ficou acertado um ato público de esclarecimento à população, de Duque de Caxias^ no dia 31.

Faixas foram pintadas com as principais reivindicações dos operários, falando do apoio das esposas e da continuidade do movimento grevista. Também se or- ganizou a distribuição do material de comunicação e incentivo ao movimento.

Quando a reunião ter- minou, um grupo de ope- rários foi destacado para viajar até Volta 'Redonda para participar de uma assembléia de metalúrgicos de lá, levando informações sobre a greve e solicitando apoio. E foram vendidos

bônus para o fundo de greve.

Lavradores participam — Domingo, 29

Representantes dos operários da FIAT foram à reunião dos Lavradores de Xerém, na Jaqueira, prestar sua solidariedade à. luta dos posseiros pela terra e so- licitar apoio também à luta da fábrica.

A Greve continua — Segunda, 30

As 7 horas da manhã, os operários já estavam na entrada da fábrica, com uma faixa aberta: "CONTI- NUAMOS EM GREVE". Eles se reuniram no Clube Piauí para mais uma sessão da Assembléia Permanente.

O advogado do Sindicato dos Trabalhadores Metalúr- gicos do Rio de Janeiro apresentou a proposta que os patrões haviam feito na sexta-feira. A proposta foi reprovada pelo plenário.

A uma hora da tarde, prazo máximo de compa- recimento para a última conciliação, a delegação dos operários já encontrou os representantes da Fiat con- versando com o Delegado Regional do Trabalho. Um recado já estava pronto: os patrões só negociariam se houvesse alguma novidade.

Reunidos, os representan- tes dos operários chegaram a algumas conclusões. A principal era que o índice do aumento era uma reivin- dicação que só podia ser resolvida junto com outras. Mesmo que os patrões aceitassem pagar os 90% pedidos, os trabalhadores não arredavam o pé da revogação da demissão de Gianini, exigiam o fim das demissões na vigência de novo contrato coletivo e o atendimento da principal reivindicação dos traba- lhadores estáveis: aumento de 15% por qüinqüênios.

Essa proposta foi enca- minhada aos patrões. Eles responderam que só dis- cutiriam um índice decidido pela assembléia, recusando- se a negociar com o Sindicato e. com a Comissão de Salário. Os patrões sabiam que não haveria tempo para isso antes de terminar o prazo oficial de conciliação. O que os pa- trões queriam, e conse- guiram, era que o Procu- rador Regional do Trabalho solicitasse ao Tribunal Regional do Trabalho a instalação do dissídio na- quele mesmo dia. E deram entrada na petição depois do horário normal do expedien- te.

"Tentamos até o fim", disse um membro da Comissão de Fábrica." Ficou claro que a intransigência foi dos patrões. Os operários nunca se negaram a ne- gociar. Ouem se negou durante todo o tempo foram os patrões." A solidariedade — Terça, 31

Na manhã de terça-feira, quem passou pela rodovia Washington Luís enfrentou um denso nevoeiro que só clareava no sopé da serra, na. entrada para a FIAT. As 7' horas, os grevistas estavam lá, em bloco, formando um piquete de cerca de mil homens. Estavam ilos, na única entrada que dá acesso à fábrica.

As 7 e meia, os operários se deslocaram para o Clube Piauí. Mais uma assembléia. Os policiais pareciam ter desistido de assistir a tal demonstração de ordem e unidade. As ruas estavam limpas. "Ouem sabe tiveram medo de alguma represália por causa dos acontecimen- tos de ontem, em Belo Horizonte", comentou um operário.

Na assembléia, foi lido o noticiário do movimento dos operários da construção civil em Belo Horizonte e da morte de Oracilio Martins Gonçalves. A assembléia fez um minuto de silêncio.

Oswaldo Pimentel, Pre- sidente do Sindicato dos Metalúrgicos do Rio de Janeiro, empregado da FIAT-DIESEL, falou con- clamando a todos a levarem unidos, o movimento até a vitória total. Foi solicitado que a assembléia ratificasse a proposta da Comissão de Salários para a negociação sobre o índice de aumento. Era a mesma proposta que na tarde anterior havia sido levada aos patrões. A quase unanimidade da assembléia decidiu que a Comissão não deveria aceitar nenhum centavo a menos.

A assembléia decidiu: "Não vai ser um mês a mais de feijão com farinha que vai fazer o operariado ar- redar o pé de seus direitos. Não é por medo de passar fome que a greve vai ser suspensa. Contamos com a colaboração do povo. Além

disso, já estamos acostu- mados a passar fome praticamente ó ano inteiro. Essa fome vem desde que os portugueses botaram o pé nessa terra".

Nova assembléia foi marcada. Mesma hora e lugar na quinta-feira, dia 2. Às 6 horas' da tarde estava marcado um ato público pela greve no centro de Caxias.

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Sindicatos e presos políticos Mulheres dos operários entram na briga. apoiam grevistas.

Os operários da Fiat estão recebendo o apoio de vários sin- dicatos e entidades. Representantes dos professores, dos ban- cários, dos metalúrgicos do Rio de Janeiro, de Volta Redonda e Duque de Caxias disseram presente em várias assembléias. A "Carta à População", em que os operários da FIAT ex- plicam as razões da gre- ve foi lida em 37 paró- quias de Nova Iguaçu. Pre- sos políticos da Frei Caneca, em greve 'de fome, também enviaram uma carta onde diziam: "Vocês, os trabalha- dores da FIAT, são obrigados a recorrer à greve contra os patrões pelas suas justas reivin- dicações: aumento de 90% para poderem viver dignamente, pagamento da taxa de insalubridade, readmis-

são de todos os com- panheiros demitidos.

Nós, os presos políticos do Rio de Janeiro, somos obri- gados a recorrer à greve de fome contra um projeto de anistia- restrito, parcial e injusto".

Nós, mulheres de com- panheiros da FIAT, que sempre sentimos os pro- blemas na pele do salário miserável, das péssimas condições de vida dos bairros operários ) valas sujas, condução precária, falta de escola, assaltos cotidianos, ausência de creches, inexistência de assistência médica, etc...).

0 que os

operários

exigem. Piso salarial de Cr$ 6.114,00.

Aumento de 90%, sem desconto.

Prêmios de periculosidade.

Adicional de insalubridade.

Equiparação salarial,

Fim das demissões

0 que

a Fiat

responde. Piso salarial de Cr$ 2.268,00

Aumento: índice do governo.

Lavradores dão comida para o fundo de greve.

Duzentos lavradores, posseiros das terras que antes eram da Fábrica Nacional de Motores, hoje Fiat, em Xerém, estão apoiando a greve dos operários e contribuindo para o fundo de greve com produtos" de suas lavouras.

Fies também estão em luta

pela posse de suas terras. O Ministério da Fazenda, através do Instituto Nacional de Poses e Medidas, está ameaçando despejar os posseiros que há mais de 20 anos vivem ali, cultivando as terras. Domingo, dia 29, eles se reuniram em

achamos hoje de máxima importância o apoio à luta que nossos companheiros travam neste momento, por melhores condições de sobrevivência para a classe operária.

A continuidade da greve significa o combate à vida miserável que levamos.

Neste momento os patrões tentam dividir a classe, usam da repressão policial, espalham boatos de que os operários voltaram ao tra- balho, demitem compa- nheiros, instauram o medo nos familiares, usam a Delegacia Regional do Trabalho para nos amedon- trar, etc.

Por esse motivos é importante sabermos que a luta continua. A greve permanece. Contamos com o apoio da população. Movimento de Amigos de Bairro, Comitê Brasileiro Anistia de Caixas, Comissão

de Salário, bancários. Estamos vendendo bônus para arrecadar dinheiro comprar ' • os alimentos de nossas famílias.

Faz-se necessário a nossa união, mulheres, nesta luta, participando das assembléias com os companheijros.

Enquanto o pão aumenta 720%, os patrões se negam a dar 90% de aumento.

Pimentel acusa: eram condições impossíveis de suportar.

Jaqueira, atrás da Fábrica Fiat, e formaram uma comissão para encaminhar a luta pela posse da terra. Representantes dos operários da FIAT estiveram presentes, oferecendo solidariedade aos lavradores e pedindo apoio à greve.

JOB — Qual a avaliação que você faz da greve da FIA T?

PIMENTEL: A greve da FIAT está cem por cento ótima. Ela está demonstrando que a opressão de 15 anos de arbítrio criaram condições impossíveis de suportar.

JOB — Qual a repercussão que o movimento tem no conjunto da categoria dos

metalúrgicos do Rio de Janeiro, já que vocês estão começando a campanha salarial?

Pimentel: Esse movimento na Fiat tem sido de enorme inportância. Representa um fortalecimento para o movimento que vai se iniciar na área do Rio de Janeiro. A categoria já se encontra bastante mobilizada e disposta de fato a atingir seus objetivos.

Salário pouco, comida ruim, ambiente

péssimo: é a poderosa Fiat.

A/a "Carta à População", explicando porque entraram em greve, os operários da Fiat denunciam:

"A FIAT é, das indústrias automobilísticas, a que paga salários mais baixos. Não temos garantia no emprego. A FIAT demite quando, como e a quem lhe interes- sar. A demissão é mais uma arma dos patrões contra os trabalhadores. No entanto, apesar disso, mantemos a nossa firmeza e disposição de luta. Reivindicamos agora a estabilidade para as nossas delegações e comissões.

A comida na raoríca é péssima. Muitas vezes nos são servidos alimentos podres. Não nos é garantido o mínimo necessário para mantermos nossas energias para enfrentarmos o trabalho esta fante.

Reivindicamos melhor alimentação e leite como complemento para todos.

Trabalhamos sob um barulho constante e de intensidade superior ao limite permitido por lei e não recebemos taxa de insalu- bridade.

Trabalhamos aspirando fumaça e gases tóxicos, óleo e querosene e não rece- bemos insalubridade.

Trabalhamos sob tem-

peraturas superiores a 40°C e não recebemos insalu- bridade. Isto é "privilégio" só de alguns escolhidos pela empresa.

Reivindicamos adicional de insalubridade e prêmios de periculosidade. Não é uma exigência a mais, é uma questão de direito.

Isso só Interessa aos patrões que assim aumentam os seus lucros através de pagamentos de salários mais baixos, além de incentivar a competição entre os ope- rários.

Reivindicamos equiparação salarial. Função igual, salário igual.

Trabalhamos em funções iguais e recebemos salários diferentes. Isso só interessa aos patrões que assim aumentam os seus lucros através de pagamentos de salários mais baixos, além de incentivar a competição entre os operários.

Como todos os traba- lhadores somos submetidos ao arrocho salarial e obri- gados a fazer horas extras que enriquecem os patrões e permitem a demissão de companheiros. Reivindicamos o piso salarial de 6. 114,00 e o aumento de 90%, o que ainda é muito pouco para compesar o trabalho que fazemos."

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ÕORNALCA EDICÂO EXTRA

Pobre, atrevido, independente

GREVE DOS 250 MIL METALÚRGICOS Sindicato recupera terreno depois de 15 anos de arrocho, pelego, repressão Diretor de estaleiro ameaçou entregar fotos e fichas de operários no Doi-Codi

Mulheres na linha de frente da greve

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Máquinas pandas, agora C

é a vez do metalúrgico. Depois de quinze anos

os metalúrgicos do Rio de Janeiro en- tram em greve. Para

que isto fosse possível os trabalhadores praticamente reconstruíram seu sindicato, que sofreu duas intervenções - em 1964 e em 1973 - e passou vários anos nas mãos de interventores e dirigentes pelegos.

Vamos contar um pouco dessa história e da mobi- lização da.campanha salarial, que encontrou na greve o último recurso para con- seguir o atendimento de suas reivindicações. Lições que não devem ser esquecidas.

Maior

categoria

do Rio

O Sindicato dos Metalúr- gicos sofreu uma grande repressão em Í964. Os. dirigentes foram presos, exilados, e o sindicato sofreu a primeira interven- ção.

Não era para menos. São 250 mil metalúrgicos na base territorial do sindicato — Rio de Janeiro e os municípios da Baixada Fluminense, desde Itaguaí, na Raiz da Serra - embora o sindicato só tenha atualmente cerca de 20 mil sindicalizados. A maior parte dos trabalha- dores está concentrada nos estaleiros, nas indústrias mecânicas, elétricas e na siderurgia (Cosigua). Mas existem milhares espalhados por mais de 5.200 empresas localizadas em Santa Cruz, Caxias, Centro e até na Zona Sul .do Rio. Somente cerca de 50 fábricas têm mais- de 500 operários enquanto apenas seis têm mais de cinco mil.

Apesar da intervenção *de 1964, os trabalhadores fi- zeram uma greve de três dias em 1965, a última greve geral da categoria. De lá para cá o pYoblema principal tem sido o da recuperação do sindicato

Duas intervenções

Depois da intervenção de 1964, e de várias diretorias, a categoria conseguiu eleger uma chapa mais represen- tativa em 1973. O Ministé- rio do Trabalho interviu no- vamente, sob a alegação de corrupção. E, de fato, existiu corrupção, mas da própria junta interventora, que fraudou direitos de funcionários dentistas. ' Eles impetraram uma ação tra- balhista contra o Sindicato e que resultou numa dívida que hoje está perto dos dez milhões de cruzeiros. Sem contar a penhora da valiosa sede.

Quando terminou a intervenção, e( foram con- vocadas as eleições, con- correram duas chapas. Uma, a dos interventores. Outra, a de trabalhadores, teve alguns membros vetados. Mesmo assim, ganhou. Apesar de eleita pela oposição esta diretoria decepcionou a categoria. Passou três anos sem fazer quase nada.

Em 1977, nova eleição. De um lado, a chapa da di- retoria antiga. De outro, uma chapa de oposição, vitoriosa depois de uma ampla mobilização dos trabalhadores. /

É a atual diretoria, que já encaminhou a campanha de. 1978 e a do abono do meio" de ano, e por isto mesmo duramente criticada. Os trabalhadores reclamam que ela não conseguiu mobilizar amplamente a categoria e foi. muito tímida na condução das reivindicações. Mas, por outro lado, se criticou tam- bém a impaciência e a precipitação de um pequeno grupo de operários que quase põe a perder a preparação da campanha salarial de 1979.

Campanha de Sindicalizacao: i

Primeiro passo

A campanha de sindi- calizacao, feita no primeiro

semestre de 1979, está na base do sucesso da atual campanha salarial. Além de trazer 8 mil novos membros para o sindicato, a cam- panha permitiu que grande parte da categoria participas- ;se da ação do sindicato e discutisse os problemas das fábricas e de toda a cate- goria.

Comissão de salário, preparação da greve

Assim foi, em clima de entusiasmo e mobilização que. se iniciou a campanha .salarial. Mas, agora, com uma diferença importante em relação às anteriores: tudo era dirigido por uma grande Comissão de Salário, eleita pela Assembléia e que dividia seu trabalho por treze áreas de fábricas; Vicente de Carvalho, Inhaúma, Jacarezinho, Avenida Brasil, São Cristóvão, Jardim América, Nova Iguaçu, Caxias, Centro Sul, Construção Naval, Jaca- repaguá, Campo Grande e Guadalupe.

Nada de conchavos ou de acordos por cima. Af Comissão de Salário teve como tarefa principal discutir com os trabalhadores das fábricas . de cada região, recolher suas opiniões sobre a campanha salarial, or- ganizar a mobilização- e garantir a participação das bases.

Foram reuniões com centenas de trabalhadores em cada área, cada vez mais freqüentes, à medida em que a campanha ca- minhava. E desta vez os metalúrgicos partiam para a campanha salarial sabendo o que queriam, dispostos a lutar. A diretoria do sindi- cato, apesar da falta de entusiasmo de alguns de seus membros, e até mesmo da omissão de alguns de- legados sindicais, teve que se subordinar às decisões das Assembléias. Acatou o encaminhamento das comis- sões de áreas. E foi o que garantiu o sucesso da mobilização para a greve.

hico Bé esta- va lá, na porta das fábricas, a- companhando os metalúrgicos

da Baixada e seus colegas cariocas, vendo de perto a paralisação, testemunhando a organização e a disposição dos trabalhadores. Ele conta o que viu.

A chuva que caiu na madrugada do dia 12 — a noite seguinte à decisão de ir à greve — não diminuiu o ímpeto dos metalúrgicos que saíam da sede do sindicato, das delegacias sindicais e dos pontos de concentração das diferentes áreas, para se integrarem aos piquetes. O dia amanheceu com os metalúrgicos em greve e, quando o sol esquentou, mais de 70% dos traba- lhadores estavam parados. O primeiro dia de greve se iniciava com sucesso.

UM SUSTO: - ESTA O ENTRANDO NA GE

Cinco e trinta da matina, chuva caindo forte, uma operária metalúrgica chega à sede do sindicato, na rua Ana Néri, e não consegue disfarçar a emoção:

— Reforcem os piquetes na GE. Tem gente entrando. Não é possível. Será que eles querem ficar a vida inteira ganhando dois mil cruzeiros? Meu chefe já me viu por lá e me marcou. Mas eu não entro.

Na General Electric, às 6h30, os operários estavam aglomerados ao longo da rua Miguel Ângelo, nos bares e em frente dos portões. Diante do portão

Quinze Anos de Ferro e Fogo, CHíCO

Greve de 250 Mil Metalúrgicos BÉ

principal, a PM garantia a propriedade norte-americana. "Estamos aqui para garantir

o patrimônio físico e a integridade da empresa", gritou o oficial pelo me- gafone.

"Por isso não. Podem ir embora", era o comentário dos grevistas. Lá, como em todos os piquetes, os tra- balhadores se comportaram com calma, em ordem, sem violência. Os piquetes con- versavam com os traba- lhadores que chegavam, explicando a decisão da Assembléia.

Mas os americanos e seus testas-de-ferro queriam violência. O carro de um chefe forçou passagem, acelerando à frente um grupo de pessoas e passou por cima do pé de um operário. Vaiado, ele ameaçou chamar a polícia, e atacar. Os trabalhadores compreenderam a provo- cação: permaneceram firmes, sem responder.

O gerente apareceu para pedir que deixassem entrar os encarregados de manter o forno de fabricação de lâmpadas aceso. Ninguém entrou. Os trabalhadores em greve disseram que só re- ceberiam instruções do comando de greve.

A General Electric estava

0 que os metalúrgicos estão pedindo - 83% de aumento - CrS 6.114,00 (piso sa- larial) - Estabilidade para dele- gados sindicais e comissões de fábrica. - Estabilidade para a mulher gestante até dois anos após o parto. - Adicional de insalubridade calculado sobre o ganho real. - Uniforme e sapato gratuitos. - Equiparação salarial. - 1/12 a mais na carteira para cada mês de trabalho na hora da demissão. - O empregado novo terá

• o mesmo salário do que foi dispensado. - Creches em todas as. empresas. - Férias em dobro. - 40 horas de -trabalho semanais. - Abono de faltas para os estudantes em dias de prova. - Data base em Io de

- agosto de 1979 —, Desconto opcionar de 1 % do salárip, em f^vor do Sindicato.

MãO ee TeMTÊ ^S* ^S0 ^l-W

parada. O temor da Jovem metalúrgica acabou.

VAMOS PARAR MAIS UMA

No começo da rodovia Washington Luís, em Duque de Caxias, os piquetes já estavam desde cedo na porta de várias fábricas. Os trabalhadores da CEC ha porta da SANVAS, e vice- versa. Assim, os piquetes se protegiam melhor de pro- vocações e ameaças de chefes e encarregados.

Na SANVAS, tudo em ordem. Ninguém entrava: os trabalhadores recebiam os folhetos do sindicato e se comprometiam a ir até a sede para ajudar em outros locais.

Mas nas outras fábricas da área — quase todas menores — a greve enfrentava problemas. Na CEC, vinte operários entraram — pequena quantidade, diante de quase mil trabalhadores da fábrica, que constrói peças para a indústria naval. Era des- moralizante. Por isto, enquanto alguns trabalha-

dores organizavam um pi- quete perto da rodovia, outros subiam para conver- sar com os que estavam Já dentro. Mal chegaram, começaram a explicar a greve. Os trabalhadores que já tinham entrado trocaram novamente de roupa e saíram. Surpresa:

— Companheiros, descul- pem. Ê que lemos no "Dia" que haviam feito um acordo.

A manobra do jornal de Chagas Freitas falhou. A presença dos piquetes informou os operários sobre o que a Assembléia decidira.

Mas ainda existiam fá- bricas em funcionamento. Na Fundição Paulicéia, em frente à SANVAS, os pi- queteiros viram quinze trabalhadores entrando. Mandaram um grupo de operários lá, que convenceu todos a saírem da fábrica. E nasceu um novo piquete. O mesmo aconteceu com a Tróia, pequena metalúrgica da região. E também com a Sideraço-. A Washington Luís parou.

E assim estavam a Kibrás, em Duque de'Caxias, onde

a maioria das fábricas não funcionou.

Nova Iguaçu parou tudo. Na Metalúrgica Iguaçu nin- guém sequer ameaçou entrar.

NAVIOS PODEM ENFER- RUJAR

Na passarela da Avenida Brasil, frente ao cemitério do Caju, uma grande faixa anunciava a greve. Dois piquetes estavam organi- zados, um de cada lado da passarela. Os piqueteiros abordavam quem descia dos ônibus e distribuíam pan- fletos. Vários ônibus vol- taram imediatamente com todos os passageiros.

— Companheiros, disse um dos grevistas, a nossa luta é por alguma coisa muito digna e justa. A gente deve ter orgulho de ser operário e de participar, pois é um problema de todos. Nada de traição com os outros companheiros. A máquina somos nós e nós estamos aqui.

Na entrada do Estaleiro Caneco havia uma "joani- nha" e um "camburão" da PM. Mais de 300 traba- lhadores vaiavam quem tentava entrar na fábrica. Só entraram os chefes e di- retores do estaleiro. A vaia assustava, a cada instante que a massa gritava "Um, dois, três, queremos oitenta e três".

Na Ishibrás apareceu um estranho indivíduo, de uniforme e capacete da empresa, querendo entrar. Abordado pelo piquete, desistiu de entrar, parecendo aborrecido e ao contrário dos outros trabalhadores não tomou o ônibus: entrou num "Passat" novinho em folha.

No estaleiro Caneco re- gistrou-se uma cena violenta, trabalhador da Ishikawagima, que fazia piquete lá, cha- mado Dileci, foi agredido por um policial civil que saltou da viatura 2490, da 17.' DP. O policial agarrou Dileci, o primeiro que caiu em suas mãos, o derrubou no chão. Em seguida chutou-lhe a barriga. Quando o operário tentou se levantar, foi ameaçado com uma metralhadora. Quando os policiais viram que se aproximavam mais pessoas, entraram no carro e fugiram.

Apesar de tudo, a pa- t ralisação nos estaleiros foi

total. Sem fura-greves, nem um arrebite foi cravado nos navios. Caneco, Ishikawa- gima, Ishibrás e EMAQ, na Ilha do Governador, com- pletamente paradas.

NOVIDADE NA FICAP

A FICAP, fábrica de fios e cabos elétricos, situado no começo da via Dutra, nunca havia parado em toda sua história. A empresa vinha desenvolvendo um esquema de repressão e controle interno que conseguia evitar a mobilização. Ameaças, subornos, controle dos trabalhadores, demissões.

Mesmo assim a FICAP parou. E parou de verdade. Seis trabalhadores que fura- ram a greve, saíram depois de conversar com o piquete.

Um dos esquemas dos patrões da FICAP era fazer que os mestres e outros chefetes chegassem na fábrica com bastante antecedência. Lá dentro, organizarem um "antipi- quete". A manobra dos italianos não funcionou. O

piquete verdadeiro chegou antes. Os puxa-sacos não puderam fazer mais nada.

GREVE AVANÇOU

A tarde, no Sindicato, começavam a chegar as informações do início da greve em outras áreas. E se confirmou a paralisação das grandes fábricas e da maioria das fábricas me- nores. As duas da tarde calculou-se que mais de cento e cinqüenta mil metalúrgicos estavam pa- rados.

Na Avenida Brasil, fábricas como a White Martins, Ciferal, Caio, Emesa, Codima,. Metaltex, Atlas Metalúrgica, Imesa e Forjas Rio, além de dezenas de fábricas menores não produziram. Os piquetes funcionaram bem, com poucos incidentes.

Na área de Campo Grande a informação era de que 75% das fábricas estavam paradas, principalmente as grandes. Na Cosigua, par- cialmente paralizada, esperava-se que na virada do turno, o restante aderisse à greve.

Em São Cristóvão um operário definiu a parali-

sação: "Muito fácil. Não houve problemas," disse ele. "Todo mundo estava mesmo com vontade de parar." A Schihdler, Cofaban 1 e 2, Sauer e Gilette, entre ou- tras, pararam completamen- te.

Os piquetes da área de Guadalupe estavam ' for- mados por mais de vinte trabalhadores na porta de cada fábrica. Quando os trabalhadores chegavam, iam engrossando o número. No meio da manhã, a parali- sação já era completa. Cento e cinqüenta pique- teiros se reuniram para avaliar o trabalho e pro- gramar o que fazer.

Em Vicente de Carvalho, a paralisação teve alguns incidentes. Diante da Federal Mogul e da TRW a polícia apreendeu faixas dos pi- quetes. Só devolveu duas horas depois.

Pior foi o que fez Êlcio Pedro, caixa da contabili- dade de uma empresa da área. Ele deu provas de amor e devoção aos patrões lançando sua reluzente "Brasília" branca contra um grupo de operários. Uma trabalhadora foi atropelada, ferida na perna.

Em compensação. a TRW parou à meia-noite, logo que os operários souberam da decisão da Assembléia. Na Standar Eletric, uma das fábricas com os operários mais ativos da região, ninguérr. traba- lhou.

Encerrados os piquetes operários da área de Vicente de Carvalho fizeram assem- bléia em praça pública, traçando um balanço das primeiras horas de greve, explicando o movimento para a população. Presentes mais de mil trabalhadores da Standart Electric, Aeroquip, TRW, Federal Mogul e outras fáf>ricas menores.

Os patrões da CBV, fá- brica no início da via Dutra, bancaram os espertos. Já que tinham encomendas urgentes, resolveram propor um acordo em separado, aceitando todas as reivin- dicações dos grevistas. O piquete esclareceu: "A greve é de toda a categoria. Se querem que voltemos ao trabalho, convençam os outros patrões a aceitaram nossas reivindicações. Aqui ninguém trabalha." Ninguém trabalhou lá, nem na Microlab Eletrônica. As duas fábricas pertencem ao mesmo dono.

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Jornal da Baixada Uma publicação da Olho Vivo Editora — Rua Belkis, 108 — fun- dos. S. J. de AAerrti CGC: 30.607.519/0001-01 Diagramação: Caco Appel Desenhos de Cláudio .Paiva Foto: Custódio Coimbra Editor; Alceu Nogueira da Gama Composto e Impresso na Editora Mory — Rua do Resende 65/67 — R.J.

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20 MIL

DECRETAM

GREVE Quase vinte mil metalúr-

gicos decretam a greve, na noite de terça-feira, dia 11. Reunidos na sede do Sindicato, na Rua Ana Neri, Rio os metalúrgicos prati- camente tiveram que fechar o tráfego da rua, pois o

■auditório do edifício era ■pequeno pra tanta gente. Nenhum estádio aceitou ser o local da Assembléia, cumprindo ordem da Secretaria de Segurança.

Depois de lida a proposta dos patrões, o plenário, em peso, aos gritos de "gre- ve!", "greve!" rejeitou a proposta patronal e decretou a paralização a partir da meia-noite do dia 11. Joaquim Arnaldo, relator da Comissão de Salário, re- sumiu em poucas palavras o que a maioria dos 250 mil metalúrgicos do Rio de- Janeiro estava pensando: "O barulho das máquinas nãq deixa o patrão nos ouvir. É prec'r-o parar as máquinas para P.,L. O patrão possa ouvir a y~nte".

Bônus vai garantir fundo

Mais de quarenta insti- tuições — Sindicatos, Federações, Comitês de Anistia, entidades de classe, estudantis, e jornais inde- pendentes — se reuniram para formar uma Comissão de Apoio à Greve dos Metalúrgicos. Uma das formas de apoio aprovadas foi o de ajudar o fundo de greve, levantado através da venda de bônus.

Os bônus serão vendidos com os seguintes objetivos:

— Sustentar o movimento grevista e garantir, assim, a maior duração da greve.

— Criar um fundo que possa servir de apoio às lutas de todos trabalhadores.

— Fazer a greve co- nhecida de toda a popu- lação, para que esta entenda seus objetivos e ajude na sustentação do movimento.

Os bônus vendidos são, impressos na cor vermelha, numerados, para evitar falsificações.

Greve não é só para homem Companheira metalúrgica e, mulher de metalúrgico:

Seu marido e,stá em greve. E você, que cuida da família, lava, passa, cozinha e faz o verdadeiro milagre de comprar arroz, feijão, leite e até carne "de vez em quando", sabe que esta greve é para melhorar as condições de vida de sua família e das famílias de todos os metalúrgicos.

Por isso você está isso você está convocado para participar dessa luta.

Ê muito importante sua

colaboração. Já estão sendo providenciados locais juntos de suas casas onde deixar seus filhos com pessoas respon- sáveis e com toda segurança.

Formas de você ajudar na luta são:

— Vendendo bônus,. — Distribuindo propagan-

da,. — Participando dos pi-

quetes. Metalúrgicos, e mulheres

de metalúrgicos, o apoio à greve é importantíssimo:

Assinado, a Diretoria e o Comando da Grçye.

CRIANÇAS NA CRECHE, MULHERES NA GREVE

As mulheres metalúrgicas estão participando ativamente da greve. Uma mulher faz parte da Comissão Executiva da Campanha Salarial e dez mulheres fazem parte da Comissão de Salário.

É uma novidade. fator importante para a mobilização feminina. Lenilda e Alzira não quiseram identificar suas fá- bricas porque sabem que. se reconhecidas pela empresa, serão demitidas. Elas contam como tem sido a mobilização das mulheres metalúrgicas.

Lenilda: Eu acho que uma coisa nova em termos de cam- panha é que desde o inicio, as mulheres estão participando. Em junho, nós fizemos o -Primeiro Encontro das Mulheres Metalúrgicas. Aí. já conver- samos sobre a campanha salarial, a importância da gente parti- cipar e tudo mais.

Alzira: Decidimos também incluir algumas reivindicações especificas da mulher: o direito a creche, a estabilidade para a gestante, e o problema dt) salário igual para trabalho igual. Porque, geralmente, a mulher faz o mesmo trabalho e tem um salário inferior. O problema da profissionalização é outro ponto importante.

.loB O que vem a ser exatamente essa questão da profissionalização?

Alzira: Ê que praticamente não tem nenhuma mulher metalúrgica que seja profis- sional. Pouquíssimas têm uma profissão. Somos HO mil mu- lheres metalúrgicas e, pelo que a gente sabe, só duas são profissionais. inspetoras de qualidade. A mulher sempre é auxiliar. Ali ela vai morrer porque além de trabalhar na máquina, ela vai fazer o quê?

No SENA! não tem cursos para a mulher. Nos cursos que tem, eles não deixam entrar. Só se a empresa pedir e assim mesmo é muito difícil conseguir entrar. Uma das lutas que a gente tem que travar é essa.

Lenilda: Outro problema da mulher é o da exploração se- xual. Os chefes cantam as meninas. Se elas não dão bola, são demitidas. Isso é uma coisa que acontece muito dentro da empresa.

JOB: Alguma mulher já foi demitida por causa dessa cam- panha salarial?

Alzira: Na área de Inhaúma, duas"* companheiras foram de- mitidas por causa da partici- pação na campanha. Foi na Sidan. Elas eram antigas de

casa. Eles diziam que não mandavam elas embora de jeito nenhum. Mas foi só elas co- meçarem a participar da cam- panha que eles mandaram demitir.

JOB: Como tem sido a par- licipação das mulheres nas assembléias do Sindicato?

Lenilda: Olha. antes não aparecia quase nenhuma mulher por aqui. Mas nas últimas assembléias tem vindo bastante. Na reunião da área de São Cristóvão, por exemplo, acho que 50% eram mulheres. Elas estavam bastante animadas mesmo, assumindo tanto quanto os homens. Acho que em todas as áreas está assim.

Alzira: Uma das coisas que eu achei importante é que vamos fazer um : esquema de creches durante a greve para que as mulheres metalúrgicas, e as esposas dos metalúrgicos, possam deixar as crianças e ficarem livres pra poder atuar. Então, a gente já tem alguns lugares onde vamos poder deixar os filhos enquanto participamos da greve. Acho que, se isso funcionar, vai ser muito bom. E uma experiência concreta de creche e uma das reivindicações mais importantes das mulheres é iuslamente essa.

Entrego vocês à polícia, ameaçou diretor do Caneco

N a véspera da greve, três membros da Comissão de Salário fazem um ba- lanço da campanha:

Agenor da Silva. (Estaleiro Caneco), Washington da Costa (da FICAP. no Jardim América) e Ricardo A. (do ^estaleiro EMAQ. na Ilha do Governa- dor).

JOB: Como está a situação na fábrica de vocês?

Agenor: No Caneco, o pessoal não abre mão dos 83%. É 83%, ou greve. É claro que todas as reivindicações são importantes, mas a meu ver, a classe lá dó Caneco está acentuando mais 3 pontos: o piso de Cr$ 6.114,00, a estabilidade para os represen- tantes das comissões de fábrica, e •os 83%. São mais ou menos 6.000 empregados no Caneco e nós estamos todos preparados para a greve.

Washington: Lá na FICAP tem uma coisa que o pessoal se apega : é o problema das 40 horas. Nós trabalhamos 48 horas certinho, no sábado e todos os dias da semana. Agora, o principal mesmo, e disso eu acho que é geral para a categoria, é o aumento de 83%.

JOB: Quais os problemas que a campanha está tendo que en- frentar?

Washington: O problema mais sério para os ativistas é a segurança no emprego. Cerca de oito membros da Comissão de Salário já foram demitidos e sete foram presos quando faziam propaganda das reivindicações da categoria. Geralmente ficaram pouco tempo e foram interrogados sobre várias coisas: se tinham ligações políticas, ligações com o Lula. com o PTB.

Ricardo: Um cara que foi preso estava dizendo que que- riam saber se ele éra do PTB. Só que quando o PTB foi extinto, em 1964, o cara não tinha ainda nem idade para votar e nem sabia o que era política.

Agenor: No Caneco, na semana passada, o diretor da empresa convocou os elementos ativistas para fazer ameaças. Estavam dizendo que tinham nossas fotografias, nossas fichas prontas pra mandar pro DOI-COD1. Mas não é isso que vai nos aniquilar. Mesmo usando supervisores para nos amedrontar, nos ameaçar, a massa está unida e ninguém tá com medo.

Ricardo: Na EMAQ até que foi diferente. Eles vendiam um vale de 24 refeições por Cr$ 397.00. Em plena campanha, eles baixaram para Cr$ 140,00. E também prometeram promoções.

JOB: Desde quando não há uma movimentação como essa aqui no Rio?

Washington: Pelo que o pessoal mais antigo fala aí, desde 65 que não tem uma mobilizaçào como essa. A última assembléia de 65, quando os metalúrgicos foram à greve mesmo depois da revolução, foram uns seis ou sete mil que decretaram greve. Conseguiram um aumento melhor, mas depois eles apertaram, interviram no sindicato e aí acabou tumultuando o troço todo. Agora o pessoal começou a falar novamente em greve e a se organizar para fazer a greve. Hoje a gente per- correu várias fábricas e viu que o pessoal está mesmo esperando a greve. Há dois ou três meses atrás, o pessoal já perguntava: "Quando é que vai ser a greve?""© que interessa é a greve.

Ricardo: O que interessa não é a greve, é aumentar o salário.

Agenor: E tá ficando claroque quem tá querendo greve são os patrões. Se eles não quisessem greve, já teriam atendido às nossas reivindicações.

Washington: Mas a gente vê a única arma que o trabalhador está desmobilizado, que não vamos conseguir nada e divul- gam, dentro da empresa, que não vai ter greve. Mas aí a gente chega na porta da fábrica e cpnfirim.

JOB: E até agora, o que ticou de positivo da. campanha?

Agenor: Acho que uma das coisas que já conseguimos foi á adesão dos companheiros novos, que ainda não participaram do sindicato. Antigamente, a gente falava em Sindicato na fábrica e os' companheiros vinham com quatro pedras na mão: Hoje, o" pessoal já tá querendo parti-, cipar. Basta ver as assembléias que o Sindicato tem feito.

iO%* E como está a situação na Baixada?

Washington: O problema mais sério na Baixada é o de Caxias. A gente está com o pé atrás, porque o pessoal está muito devagar. O pessoal acha que o~ delegado sindical de lá está desleixado. Ele não participa das reuniões. A gente manda a propaganda e ele não distribui direito. A gente ouve muita reclamação contra o desinteresse dele. Agora, tem algumas fábricas lá que estão bem fortes, onde o pessoal está bem animado: na Procar, na Marmicoc e na Sanvas. E o pessoal de Nova Iguaçu também está muito disposto.

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