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'."i i Z- ® ^ ANO 7.° N.° 243 FUNDADOR: JORGE LACERDA Domingo, 16-3-1*52 DIRETOR: ALMEIDA FISCHER -v I , ', HA um verso conceituoso, creio que de Malherbe, que diz: "Et les fruits passeront Ia promesse des flc- urs", e que exemplifica o fenô- meno Américo Facó, que foi u \caso de interesse essencial da li- /teratura publicada em 1951. De fato, como poeta, não tem nada que ver com a planta dc jardins que outorga em estações domésticas as mesmas cargas Iperiódicas e rítmicas de... pé- talas para encantamento de pa- Ia mares. Lembra isso sim —• a ar- vore que não se arregimenta cm soutos nem em florestas, por nascer destinada ao solipsismo «a grande estrada onde será Grcemvieh da paisagem, marco de potencialid a d e patriarcal, .dando sombra sempre, mas ' preduzindo frutos depois de su- :gar não as cores e os perfumes da temporaiidade, mas sim a ex- jpériêncià da equididade miie- Jiar que paira na atmosfera densa e se segmenta nas ma- i dres .subterrâneas. 1 Sombra, sempre, sim. fow co- nbeço Américo Facó desde que vim da Europa em fins de 1923 «c o via não em casa nem em rodas de café, mas nas livra- rias. Conheci-o e usufrui benefi- cios quando êle em regime diá- rio de curiosidade litúrgica per- «urda as bancas das livrarias ver.do os livros recém-chegados do Grasset, do Gallimard ou do Stock, e me pôs nas mãos nela primeira vez Lord Jim, de Con- rad, naqueles bons tempos em que Veiga Lima fazia a mesma peregrinação. Estava no seu sangue e no seu hausto a pro- cura do livro, e não da massa estatística. Era um livre-docente da coisa literária, e quanto a is- so estava sempre ao par do ge- rundial e nunca do passado só. Acompanhava com um radar de otimismo todas as aproxima- ções da inteligência plasmadas em livros, discorria sobre cada V_ient de Paraitre com amor ine- fável de criança presenteada e com a simultânea perícia do ir- mão conmnscante. Como a tal árvore da estrada, não tinha pressa senão de dar sombra. Não que julgasse can- sados quem dele se aproximava, mas porque sabia o que de tro- pisrao e de outorga existe na sombra, esse aparente mapa de tempo e de espaço, de nutrição e de repouso, de reminiscência e de alento. E hoje, isto é, bem na idade de maturação, quando tudo em redor na paisagem está loteado cm "situação-limite", quando | as sebes são dc arame farpado ' c as sarças são pista de cinza ! limitando uma derrota ao cabo dum Cross Country, êsse livro de Américo Facó eqüivale bem ao posto de salvação da poesia que andava perdida, extraviada, em campos dc concentração, em fugas e em jogralismos de fei- ra, tendo sido dançarina e men- diga, herege e itinerante que se amesendava na redação do Sic, no pátio do MàiPteriaJiti na ma- la-posía do Nord-Sud, na ter- tuliá de Lacerba, ora levada pa- ra o baile des Quatz'Arts dos levianos e futeis. ora para a morgue dos resíduos de niárti- res. "Por sua cultura meridional e clássica, por sua origem genuí- na. por sua condição orgânica que seir.pre se orientou pelo mundo severo dos mitos. pelo larí^í) fle seu alforge enchido em proniiéiàs. t>e!o aperfeiçoa- mento de sua índole ritmada ps- Ia constante estética, ?j^ío cí'*:ví> de ct'ítérí.o dc seus r-entidos on- de so passava o fluido puv ^ e '^^•wwywíO'1 mmm Caí ía" KALMAN KUB3NYI "POESIA PERDIDA" JOSÉ GERALDO VIEIRA § nunca a escória, Américo Face assistiu sem idiosineracia, mas com previsão dc perito e de un- gido, a todas as experiências da- vincianas ou burquielescas do fenômeno poético do seu tempo, compreendendo-o estética e dia- 1 eticamente, e fez o sacrifício mitológico de não se cnfüeirar em escolas experimentais atrai- do por torvelinhos de intelligen- tzia nos sucessivos make ups do dodafsmo, do cubismo e do sur- realismo. Tinha sensibPiclarte e poder de apreensão digestão para entende? e admirar na júvehtu- de e na mocidade, Cravan, Bi- rot e Eeverdy. Sabia da função jiiüísptíiisávei ãúni Brêtõn e ãiim Soupaulí. Tinha faro para sen- tir o enxofre vulcânico dum Apo^.inaire, para entender um Cocteau e um Ernst; mas sou- be pairar fora da linha de qui- miotaxia desses Shamps Magné- tiques, pois como bom atenien- se não quis se aventurar às chi- fiadas ínsuianas dum Minotau- ro, pelas presüdigjiações dum Péret ou dum Desnos. Assim, o mimetismo das nos- sas experiências de 22 não o fez jogar a alma e a camisa em lances de Cornet à dés. Entcn- deu, admitiu c fez intimamente a exegese de tudo quanto rol diverlissement b experimenU» formal e estético; sabe quanto vale e quanto foi necessária a revolução, mas nunca se sentiu partisan porque sua índole e sua origem lhe diziam a priori que essas eram horas de batalha de rua, de barricada. Ora, não havia nele o momen- to, o circunstancial ,o dehiscen- te, a oxtreversão, o cismálico; mas sim o hereditário, o dinás- tico. De modo que o livra traz a cr.nc?5íuae.:io üe sua íden- lidade. Surge cTvòre nós tràsen- «•.o o que andava per/lido. A "unanime verdade", o '-'arder indemno", o "üivlso Horizon- te", a "oculta flama que se ne-< ga ao Dia", a "fábula que aler-i ta um mundo isento", o "espê- lho fundo e mudo", a "múlti- pia unidade", a '"consonância pura de tácita presença", u. "evidência nova e nua", o "ou- ro de secretas provas", o "dom simultâneo", a "composta ma- ravilha", aquilo "onde o Per- manente oscila cm perpétuo re-? começo", o "iluso jogo de m-í ventivas", a "vária possibilida-»1 de"!í Conforme se pela radiolu- cência léxica de tais mensagens, cias não se filiam, por seu comi portamento semântico e sintá-í ' tico, aos textos do grande Apol- linaire ou do imenso Max Ja- cob, pois o que Américo Facó recomeça em 1951 não é a re-* serva com juros composto da- quilo a que assistiu desde 1922, mas sim o que ficou parado do Lautreamont para cá. Não di- rei nunca que seja um neo-' clássico, apesar de certo formal às vezes antológico c%spartiiha-. do em vernáculo, pois cente- lha imanente nestas frases-ver- sos que citei acima e que sendo dum Américo Facó, Novalis, João Paulo, Kcats e Valéry as- sinariam.{ Longe de mim, que não souí crítico e sim mero leitor-co- mentárista, assumir atitudes do Fere Rapin; mas afirmo e in- eisto, por ser de justiça e limpi-i dez, que numa Antologia qual-i quer constando de componentes típicos da evolução do Modep nlsmo nacional de 19132 e com, sentido didático e historiografia co, não cabe a presença de Amé- rico Facó. Não por êle ser con-- tra o modernismo e sua irreV torquível evolução, mas devidoí à estrutura específica dc suai "entidade" noética. Se achei, baseado em Paulhan, Mioman-<t dre c Eluard, que um Tasso da' Silveira estava, como místico « simbolista, fora da temporalida- dc e do historicismo. também' acho oue Américo Faço (bem como Dante Milano) não se en- quadra na bitola do Movimen- to, oue durante tal tráfego/ de mpntanha-russa não se ar- regimentou em nenhuma de su-< as pistas ou variantes, subways, ou elevated. E isso por índole tory (neste caso não britânica mas ática, no sentido de pro- yeniência visceral e metabóllc» das mares imanentes). Ora, tal afirmação minha não é uma aiegacão de valores c sim, atra- s duma classificação de va-* lores, a inserção de Américo Fa* em sua pauta peculiar. Qualquer leitor lúcido, não precisando mesmo conhecer os ensaios dc Monerot ou de Nelli, para não falar em BrcmondS e cm Robert dc Souza, sabe, ao ler "Poesia Perdida", que está diante de cristais duma sistema-, tica eterna; nunca poderá co- meter o dislatc de afirmar que poemas como A Presença c O Outro sejam provetes de mesa de laboratório tipo Vitrac Delteil. Seria desconhecer as li- gações de Américo Facó com es inundo placentar dc Blake e "Valéry: da mesma forma quo seria desnlante catalogar num fichário de Mâssot ou de Unilc, um Tasso da Silveira ao invés de ficisã-ío junto com Gerard Hopkihs. Esclarecido isto, qaeria que uma aura de responsabilidade fõ.sso sempre o clima do propa- g&íüo ora! ou gráfica de noti- cias e minca tan hálito cerro- sivede Iranseantcs oue confun- dem um terreno baldio com um adro.. —^ ¦M % ;r*j 8 1 a ¦¦< :•"> m ... ¦ I 4 'Pi

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ANO 7.° — N.° 243

FUNDADOR: JORGE LACERDA

Domingo, 16-3-1*52

DIRETOR: ALMEIDA FISCHER-v I , ',

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um verso conceituoso,creio que de Malherbe,que diz: "Et les fruits

passeront Ia promesse des flc-urs", e que exemplifica o fenô-meno Américo Facó, que foi u

\caso de interesse essencial da li-/teratura publicada em 1951.

De fato, como poeta, não temnada que ver com a planta dcjardins que outorga em estaçõesdomésticas as mesmas cargas

Iperiódicas e rítmicas de... pé-talas para encantamento de pa-Ia mares.Lembra — isso sim —• a ar-

vore que não se arregimenta cmsoutos nem em florestas, pornascer destinada ao solipsismo«a grande estrada onde seráGrcemvieh da paisagem, marcode potencialid a d e patriarcal,

.dando sombra sempre, mas só' preduzindo frutos depois de su-

:gar não as cores e os perfumesda temporaiidade, mas sim a ex-jpériêncià da equididade miie-Jiar que paira na atmosferadensa e se segmenta nas ma-i dres .subterrâneas.

1 Sombra, sempre, sim. fow co-nbeço Américo Facó desde quevim da Europa em fins de 1923«c o via não em casa nem emrodas de café, mas nas livra-rias. Conheci-o e usufrui benefi-cios quando êle em regime diá-rio de curiosidade litúrgica per-«urda as bancas das livrariasver.do os livros recém-chegadosdo Grasset, do Gallimard ou doStock, e me pôs nas mãos nelaprimeira vez Lord Jim, de Con-rad, naqueles bons tempos emque Veiga Lima fazia a mesmaperegrinação. Estava no seusangue e no seu hausto a pro-cura do livro, e não da massaestatística. Era um livre-docenteda coisa literária, e quanto a is-so estava sempre ao par do ge-rundial e nunca do passado só.

Acompanhava com um radarde otimismo todas as aproxima-ções da inteligência plasmadasem livros, discorria sobre cadaV_ient de Paraitre com amor ine-fável de criança presenteada ecom a simultânea perícia do ir-mão conmnscante.

Como a tal árvore da estrada,não tinha pressa senão de darsombra. Não que julgasse can-sados quem dele se aproximava,mas porque sabia o que de tro-pisrao e de outorga existe nasombra, esse aparente mapa detempo e de espaço, de nutriçãoe de repouso, de reminiscênciae de alento.

E hoje, isto é, bem na idadede maturação, quando tudo emredor na paisagem está loteadocm "situação-limite", quando

| as sebes são dc arame farpado' c as sarças são pista de cinza

! limitando uma derrota ao cabodum Cross Country, êsse livrode Américo Facó eqüivale bemao posto de salvação da poesiaque andava perdida, extraviada,em campos dc concentração, emfugas e em jogralismos de fei-ra, tendo sido dançarina e men-diga, herege e itinerante que seamesendava na redação do Sic,no pátio do MàiPteriaJiti na ma-la-posía do Nord-Sud, na ter-tuliá de Lacerba, ora levada pa-ra o baile des Quatz'Arts doslevianos e futeis. ora para amorgue dos resíduos de niárti-res."Por

sua cultura meridional eclássica, por sua origem genuí-na. por sua condição orgânicaque seir.pre se orientou pelomundo severo dos mitos. pelolarí^í) fle seu alforge enchidoem proniiéiàs. t>e!o aperfeiçoa-mento de sua índole ritmada ps-Ia constante estética, ?j^ío cí'*:ví>de ct'ítérí.o dc seus r-entidos on-de so passava o fluido puv ^ e

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Caí ía" KALMAN KUB3NYI

"POESIA PERDIDA"

JOSÉ GERALDO VIEIRA§

nunca a escória, Américo Faceassistiu sem idiosineracia, mascom previsão dc perito e de un-gido, a todas as experiências da-vincianas ou burquielescas dofenômeno poético do seu tempo,compreendendo-o estética e dia-1 eticamente, e fez o sacrifíciomitológico de não se cnfüeirarem escolas experimentais atrai-do por torvelinhos de intelligen-tzia nos sucessivos make ups dododafsmo, do cubismo e do sur-realismo.

Tinha sensibPiclarte e poderde apreensão f» digestão paraentende? e admirar na júvehtu-de e na mocidade, Cravan, Bi-

rot e Eeverdy. Sabia da funçãojiiüísptíiisávei ãúni Brêtõn e ãiimSoupaulí. Tinha faro para sen-tir o enxofre vulcânico dumApo^.inaire, para entender umCocteau e um Ernst; mas sou-be pairar fora da linha de qui-miotaxia desses Shamps Magné-tiques, pois como bom atenien-se não quis se aventurar às chi-fiadas ínsuianas dum Minotau-ro, pelas presüdigjiações dumPéret ou dum Desnos.

Assim, o mimetismo das nos-sas experiências de 22 não ofez jogar a alma e a camisa emlances de Cornet à dés. Entcn-deu, admitiu c fez intimamente

a exegese de tudo quanto roldiverlissement b experimenU»formal e estético; sabe quantovale e quanto foi necessária arevolução, mas nunca se sentiupartisan porque sua índole e suaorigem lhe diziam a priori queessas eram horas de batalha derua, de barricada.

Ora, não havia nele o momen-to, o circunstancial ,o dehiscen-te, a oxtreversão, o cismálico;mas sim o hereditário, o dinás-tico. De modo que o livra játraz a cr.nc?5íuae.:io üe sua íden-lidade. Surge cTvòre nós tràsen-«•.o o que andava per/lido. A"unanime verdade", o '-'arder

indemno", o "üivlso Horizon-te", a "oculta flama que se ne-<ga ao Dia", a "fábula que aler-ita um mundo isento", o "espê-lho fundo e mudo", a "múlti-pia unidade", a '"consonânciapura de tácita presença", u."evidência nova e nua", o "ou-ro de secretas provas", o "domsimultâneo", a "composta ma-ravilha", aquilo "onde o Per-manente oscila cm perpétuo re-?começo", o "iluso jogo de m-íventivas", a "vária possibilida-»1de"! í

Conforme se vê pela radiolu-cência léxica de tais mensagens,cias não se filiam, por seu comiportamento semântico e sintá-í' tico, aos textos do grande Apol-linaire ou do imenso Max Ja-cob, pois o que Américo Facórecomeça em 1951 não é a re-*serva com juros composto da-quilo a que assistiu desde 1922,mas sim o que ficou parado doLautreamont para cá. Não di-rei nunca que seja um neo-'clássico, apesar de certo formalàs vezes antológico c%spartiiha-.do em vernáculo, pois há cente-lha imanente nestas frases-ver-sos que citei acima e que sendodum Américo Facó, Novalis,João Paulo, Kcats e Valéry as-sinariam. {

Longe de mim, que não souícrítico e sim mero leitor-co-mentárista, assumir atitudes doFere Rapin; mas afirmo e in-eisto, por ser de justiça e limpi-idez, que numa Antologia qual-iquer constando de componentestípicos da evolução do Modepnlsmo nacional de 19132 e com,sentido didático e historiografiaco, não cabe a presença de Amé-rico Facó. Não por êle ser con--tra o modernismo e sua irreVtorquível evolução, mas devidoíà estrutura específica dc suai"entidade" noética. Se achei,baseado em Paulhan, Mioman-<tdre c Eluard, que um Tasso da'Silveira estava, como místico «simbolista, fora da temporalida-dc e do historicismo. também'acho oue Américo Faço (bemcomo Dante Milano) não se en-quadra na bitola do Movimen-to, já oue durante tal tráfego/de mpntanha-russa não se ar-regimentou em nenhuma de su-<as pistas ou variantes, subways,ou elevated. E isso por índoletory (neste caso não britânicamas ática, no sentido de pro-yeniência visceral e metabóllc»das mares imanentes). Ora, talafirmação minha não é umaaiegacão de valores c sim, atra-vé s duma classificação de va-*lores, a inserção de Américo Fa*có em sua pauta peculiar.

Qualquer leitor lúcido, nãoprecisando mesmo conhecer osensaios dc Monerot ou de Nelli,para já não falar em BrcmondSe cm Robert dc Souza, sabe, aoler "Poesia Perdida", que estádiante de cristais duma sistema-,tica eterna; nunca poderá co-meter o dislatc de afirmar quepoemas como A Presença c OOutro sejam provetes de mesade laboratório tipo Vitrac o«Delteil. Seria desconhecer as li-gações de Américo Facó com esinundo placentar dc Blake e"Valéry: da mesma forma quoseria desnlante catalogar numfichário de Mâssot ou de Unilc,um Tasso da Silveira ao invésde ficisã-ío junto com GerardHopkihs.

Esclarecido isto, qaeria queuma aura de responsabilidadefõ.sso sempre o clima do propa-g&íüo ora! ou gráfica de noti-cias e minca tan hálito cerro-sivede Iranseantcs oue confun-dem um terreno baldio com umadro. . —^

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Página --• 2 'LETRrAS E rA-R T E S Domingo, 1G-3-1952

\r '••

UMA crônica 6 uma coisa

vã. E se to escrevo ó pa-ra me contar. Vai, por-

tanto, minha amiga distante o«desconhecida, uma palavra semImportância nenhuma sobrouma porção de coisas importan-;bcs.

• Primeiro, 6 certo que planta-(ram mestre José Lins do Regono Filar, com a cabeça ao ven-to e ao sol, no melo de umapraça onde correu o meninoDedé. Foi obra de Bruno Gior-gi, do Ministro José Américo «mais outros amigos de Zé Lins.Houve banda de musica, fogue-te do ar, missa cantada na ca-pelinha, discursos e tudo mais.Veio gente de fora, para ver.Sim, ia me esquecendo: houvetanto discurso que até MarquesRebelo achou de usar da tribu-na. Você sabe, náo se pode.vaiar um orador em festa deamigos. Mas mesmo se pudes-çe, Marques Rebelo não teriaiiido vaiado. Falou comovido,ioisse coisas vestido num blusãottir de café. E o ótimo MarquesItebelo não tem cara de quemgosta do artigo falação. E\ en-teretanto, muito sensível. Zépins altercou por cinco minu-tes com o capitão Vitorino. O

FESTA EM PILAR

velho estava danado com "essetal de neto do primo José Pau-Uno'*. Zé Lins explicou coisas.Disse da generosidade de ami-gos, etc. O velho capitão "domãos de bravo e alma de an-jo", porém, não se interessou.Meteu a lingua no mundo odisse o que muito bem qulz eentendeu. Zé Simeão assistiu atudo de camisa esporte, delicia-do. Você conhece, naturalmcn-te, esse meu imenso amigo. Deletalvez pudesse também dizer,feito Zé Lins: "alma de anjo".Em compensação, tem umaspernas enormes e achou umagraça incrível em tudo que viue ouviu. Por dentro eu sei queêle sentiu uma porção de coi-sas. Zé Simeão é um emotivoque não gosta de se emocionarna frente de ninguém. Abre obocão e faz pilhéria, ri, mangade tedo o mundo. Mas sabegostar da gente, o velhinho ca-

JUAREZ BATISTA.

mmtjtjj José Lins do Rego

reca. Pelo menos de mim, eusei que êle gosta. Depois, tevoo Mario Fedrosa, com aquelajeito dele de andar so balan-çando, como se soltasse. E' pe-sadão, o Mario. Mas pesadâopor causa da gordura. MárioFedrosa é fabuloso, sem duvi-da você já ouviu dizer por ai.Lionello Venturi fez um arti-gão sobre êle. Isso eu soube ou-tro dia depois que êle foi em-bora. E Mário é pernambuca-no enraizado na Paraíba. Temfamília aqui, já morou por essesmundos. Foi rever lugares, co-mo so fosse um encontro comvelhos amigos que tivessem en-velhecido. Também teve nisto-rias para cfmtar. Me contouque brigou, uma vez por causade uma namorada, na porta deTito Silva. Saiu a rever paren-tes, foi na rua São José ondemora um tio. Vão Gôgo estevepresente, Paulo Mendes Cam-

pos também. Ah, sim, o Braga,também foi presente. Cem portento de ferro na alma. Umlujclto duro, calado, olhandopara o Infinito com extraordl-aãrlo constrangimento. Fui fa-lar numa crônica dele e o ho-mem so levantou e foi embora..Hildon Rocha viu. Mas eu sus-peitei logo que por trás daque-Ia fachada de cimento arma-do o bigodes estava o Brasaverdadeiro, que é. o das cronl-cas. O Braga autentico, estavaescondido. E' outro que temvergonha de ser emotivo na>frente de terceiros. Suas emo-çccf são suas só. E êle se tran-ca como muna dor fechada, elá no Rio, então, voltou a sei-êle mesmo — um homem sen-eivei a tudo. E não poupou elo-gios, esbanjou generosidade.?, }despreocupadamente. Você vC>.num tempo desses, o Braga aesbanjar adjetivos! For isso,minha amiga, esse velho num-do ainda 6 mundo por causadesses milagres que os Braga,?,os Zé Lins e Simeão que há emcima do chão vão fazendo, semsentir, sem ligar, inocentemen-te, como crianças que achassema vida um brinquedo apenasmais comnlicado do que os ou-tros.

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m

LI E ADMIREI Chesterton

desde a minha adolescên-cia, mas encontrei-o pela

torimeira vez já alguns anos an •¦es da sua morte. Vinha eu demalta e ouvi alguém dizer: —'"Chesterton está a bordo". NãoÜFoi preciso que me mostrassertto homem. Aquele corpo enormee como que sobre-humano, aque-jle largo chapéu de feltro, a ca-pa romântica não podiam per-lencer senão a êle. Sofria dereumatismo agudo e se arrasta-;va mais propriamente do queandava, apoiando-se em duas•fcengalas. Entretanto, logo quese falava com êle, era-.se logoseduzido pela sua alegria. Nun-ca vi um homem que me desse.tamanha impressão de bondade,de uma bondade infinito. Essepoente - amava a existência e(louvava o universo. O sal do¦ {Mediterrâneo, as vagas, as gai-'votas que escoltavam o navio, as' .crianças que brincavam noítombadilho, tudo lhe era pre-texto para alegria. Um riso és-' pontâneo, quase infantil, escon-«lia-lhe os propósitos. Recitavaiéle versos do seu amigo Belloc,ipáginas inteiras de Diçkens;clopois, começou a improvisaralguns dos seus "complets" pa-radoxais, brilhante?, que lhe en-centramos a coda passo pelosílivros. Graças a esse magnífi-.co passageiro a viagem foi um

t encantamento. ,,E foi tambémuma lição, pois uma filosofia sãe uma religião sincera explica-vom essa espantosa felicidade.

x x &

- flevi-o mais tarde em Floren-fçaí onde êle devia fazer umaiconferência, na grande sala dojpalãcio da Signoriale. Lembro-tme desse espetáculo que foi no-fbre e tocante. A sola era imen-sa e Chesterton, outrora admi-ffávei orador, agora muito doen-[te, quase não tinha mais voz.Consegui compreendê-lo, por-«pie eu estava sentado perto,imãs dentre os seus mil ouvintesittovecentos, certamente, nãojperceberam uma só palavra. Queí.viam eles? Uma massa negra,tfla qual emergia um rosto ba-nhado de suor. Chesterton, per-

tclido entre os seus papéis, en-xugava a testa, misturava as fo-lhas, deixava cair o "plncc-nea", divertia-se com uma idéiaique lhe atravessava o espírito;tdepois, desistindo de encontraro fio ão discurso, sorria para opúblico, e o sorriso era tão en-cantador, tão natural, que nomomento em que o conferencis-ta se calou os florentinos, quenão o tinham ouvido, fizeram-lhe uma longa ovação. Fiquei,

.> aliás, reconhecido a eles pír ha-ffterem tratado esse homem dej \

ENCONTROS COM CHESTERTON

gênio, em circunstâncias tão di-íiceis, com tão afetuoso res-peito.

Escolhera Chesterton nessedia para assunto da palestra"o caráter latino, da civilizaçãoinglesa". Era nm dos seus te-mas favoritos. "Ha historiado-res — dizia êle «— que preten-dem que não existe na Ingla-terra senão uni pequeno nume-ro de monumentos romanos.Mas nós somos todos monumen-tos romanos". Já havia êle sus-tentado essa tese na sua peque-na história da Inglaterra. Aoseu auditório italiano deu êleargumentos novos c divertidos:"Observai — dizia êle —• umvelho coronel inglês encoleriza-do. Qual será a sua imprecaçãoespontânea? Será, como quisc-ram-nos fazei crer os historia-dores saxões "By thor!" Pelodeus Thor? Absolutamente. Di-rá êle "By.Jove!" Por Júpiter!O que demonstra que o incons-ciente da raça permaneceu Ia-tino".

Chesterton achava que a In-glaterra foi três vezes conquis-tada pelos romanos: uma vezno tempo de César, a segundavez no tempo do papa Grego*

rA'ND~R'E' MAUROIS.

rio, e a terceira vez no tempode Guilherme o Conquistador.

XXX

O que ha de melhor na obrade Chesterton são, provável»mente, os seus poemas, suas bio-grafias de Dickens e de Brown-ing. Aí escolheu por.heróis es-crltores que admirava apalxo-nadamente e que par certos Ia-dos se assemelhavam a êle.

Como Dickens, Chestertonamava as criaturas humildes, ecomo o autor de "OJiver Twist'%pensava que o verdadeiro trágl-co e o verdadeiro romanesco seencontram nas vidas mais co-muns. O otimismo de Brown-ing lhe foi um pretexto paradescrever seu próprio otimismo,o qual não era fundado na idéiade que tudo está bem no mun-do, mas na idéia de que tudoestá mal no mundo e justamen-te por isso um Deus veio à terra.

Escreveu êle curiosos roman-ces. O mais digno de ser lido £"O homem chamado Quinta-feira"; que o autor classifica co-mo um pesadelo. É a históriade seis homens investidos damissão de combater a anarquiano mundo. Lutam eles sob pseu-

aõnimos que são os nomes dosseis primeiros dias da semanae recebem as ordens de um che-fe misterioso que nunca virame que se chama Domingo. De-pois de longas peripécias aca-bani por encontrar Domingo edescobrem, então, que o chefesupremo'é também o chefe dosanarquistas por eles há tantotempo perseguidos. O policial eo «riminosa eram o mesmo ho-mem. Pois Deus cria o mal co-mo cria o bem e os contráriosnele se reconciliam.

xxx

Como muitos dos grandes es-píritos, Chesterton gostava doromances policiais e mesmo en-contrava o major prazer cmcompô-los. Criou êle um perso-nagem de padre detective: opadre Brown, que se tornou cé-lebre. Como escrevia Chester-ton, o tema se elevava c setransfigurava pela perfeição daforma, pela precisão da língua,pelo vigor dos paradoxos, peloequilíbrio das imagens. Foi êleum grande artista da prosa in-glesa. Se acrescentarmos que opoeta valia o prosador, que asqualidades do homem supera-

G N O%

O AMOR, SAGRADA ABDICAÇÃO DA VIDA,5E-: ENTRELAÇA COM A MORTE NOS DOMÍNIOSDO SONO. E UM RUMOR DE ETERNIDADE

• EVOLA-SE DOS AMANTES ESQUECIDOS,COMO. AS FLORES QUE NO OUTONO SE ENTREGAMÀ VONTADE DOS DEUSES.TERRÍVEL É O SACRIFÍCIO DA RENÚNCIA,

QUANDO SE ERGUE UMA CATEDRAL DE DESEJOSNO CORPO EXTASIADO DE BRUMA NOS SENTIDOS!— A ALMA DELINEADA NAS PAREDES DO INFINITOSUSPIRA A SUA INUMANA1 ESPERANÇA DE LIBERTAÇÃO —NO AMOR, O INFERNO VOA COM PROMESSA DE PRAZERESTEMPORAIS, E O CÉU PASSA COMO UM PASTOR À PROCURADF SEU REBANHO. "L'AMOUR, SIGNE DE NOTRE MISÈRE".

CYRO PIMENTEL

vam as do escritor, e que du-rante cinqüenta anos de polê-micas, freqüentemente rudes,Chesterton nunca faltou jamaiscom a lealdade, a cortesia, abondade, pode-se medir a Im-portãncia de semelhante espíri-to nas letras inglesas.

No hotel de Florença, em quenos achávamos hospedados, en-contrava-o constantemente, du-rante o dia, sentado perto daporta principal, atravancandotodo o "hall", com a sua mas-sa enorme, a ler um romancepolicial.Que faz, sr. Chesterton?.— perguntei-lhe.O que faço? — respondeuêle. — Procuro escandalizar osestetas ingleses, lendo aqui "Amorte no avião", em lugar das"Manhãs de Florença".

Mas dizia êle as coisas comum riso tão franco que não es-'candalizava ninguém.

As idéias filosóficas deKeyserling

QUANDO

esteve no Brasil,em 1929, o grande pensa-dor Keyserling, em de-

clarações a jornalistas e críti-cos resumiu muitos dos ponto?!essenciais da sua filosofia. Aquireproduzimos alguns deles quanão deixarão, estamos certos,de interessar os nossos leite-res, pois Keyserling continua aser bem lido no Brasil, comoem toda parte.

Declarou êle, primacialmente,que o que o interessava, acimade tudo, era o homem, motivoporque sempre viu nas viagensa forma mais prática e fecun-da de estudar. Lia pouco e sóconhecia os livros essenciais àformação dá cultura ou as obrasprimas do gênero humano. Pre-feria conhecer o homem dire-tamente e para isto estavasempre onde este se encontras-se. Quanto à natureza, esta ointeressava pouco. Olhava-asempre de relance, para tirarimpressão do meio. Mas nuncaestacionava para contempla-Ia. Aqui, nos países sul-ame-ricanos não lhe despertava par-ticular atenção nem as cida-des, nem as construções, nemos monumentos, pois achavaque, nesse particular, tudo en-tre nós ainda está em come-ço. Era. e só queria ser unihomem sem compromisso nomeio dos outros homens.

Achava que a filosofia anti-ga era de uma espécie diferen-te da de hoje. Hoje o filósofonão é apenas o doutrinador,mas o homem que vê o uni-verso em função de compre-ensão, como o economista o fazem função das trocas e o no-lítico das relações sociais. Daísua filosoíia não possuir jargão.

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Domingo, 16-3-1952 L E T RA S E A R T E S«--<««* -

Página —- 3\^

UM artigo que aqui publl-

quei, ha, cerca dc ummes, sobre a atitude ra-

dica!, a principio assumida pe-ios modornistos, no combate doque eles chamavam de passa-aíSttiò, mereceu alguns reparosda parte de Carlos Drummond

. de Aiiíradc. Fm palestra co-to go, o poeta dc ,lClaro Enig-ma''', com o interesse de leitorgrneicso que muito mc honra,observou não terem as maioresfiguras do modernismo, mesmonas primeiras heras, combatidode maneira total o passado.F..-:ca destruição "a outrance"seria antes obra de elementosde segunda categoria que seaproveitavam do tumulto paraatrair a atenção do publico.

Concordo mais ou menos comCarlos Drummond dc Andra-de: teria havido excesso dc gc-ncralização da minha parte.Nus primeiras horas, porém, ofuror da destruição era mui-to grande para que possamosdistinguir hoje, perfeitamente,as nuanças que diferençavamos modernistas, na ofensiva aopassado.

Além disso, o maior obstá-cuio que encontramos para cs-iabelecer com precisão asidéias dos modernistas, princi-paimente até certa época, é olato' delas nunca se terem de-finido muito claramente. Asincoerências se manifestavama ledo memento. Ninguémsabia o que queria; daiproclamarem hoje uma coi-sa, para no dia seguinte faze-rem justamente o contrário da-quilo que pregavam. De Gra--ca Aranha, por exemplo, niii-giiém ficou sabendo jamaisqual foi, em linhas exatas, adoutrina modernista. O "obje-tivismo dinâmico", frase cmque ele pretendeu resumi-la,nunca passou de mera frase.

De 1925 em diante, porém,como já acentuei no artigo an-terior, as tendências se torna-ram menos confusas, come-Çou a verificar-se a separaçãodos grupos e entrou-se, por as-sim dizer, num período de cer-ta responsabilidade, que já não

LIMA BARRETO CON-TRA O "FUTURISMO"

CONVERSA DE PORTA DE LIVRARIA — OBSERVAÇÕES E ADVERTÊNCIAS DECARLOS DRUMMOND DE ANDRADE — UMA REVISÃO DE VALORES — O RO-MANCISTA DE 4,POLICARPO QUARESMA" E OS MOCOS DE "KLAXON"

permitia a livre infiltração doschailatães. O escândalo foideixando dc ser uma arma decombate.E entre 1928 c 39 as publica-

ções modernistas passam a terum feitio bem diferente do"Klanxon" do período heróico;nada de capas escandalosas,dc caracteres garrafais, de es-tilizações tipográficas. la-sodistanciando do dadaismo, docubismo, dos "caligramas" dcGuillaumc Apollinaire. E en-tão vemos a revista dc RenatoAlmeida "Movimento Brasilei-ro", que se publicava nesta Ca-pitai, já num tom de indis-cutivel seriedade, iniciar uma .revisão de valores da literaturabrasileira. Era o processo dopassado, feito não- mais competardos e o propósito dc ar-rasar tudo, e sim com equili-brio, serenidade, inteligência ebom senso. Não sabemos aquem atribuir esses artigos, quenão traziam assinaturas, c de-nunciavam o espirito crítico de,irm bom conhecedor da nossaliteratura. No que consistiaessa revisão? Em ver o que"durava" em nosso passado li-terário e poderia ser incorpo-rado, como contribuição c ex-periência, ao movimento mo-dernista.

Começa o processo com Ca-simiro de Abreu. Em lugar deachincalhar o ingênuo cantordas "Primaveras", como se fa-zia freqüentemente na época, a

BRITO BROCA

revista analisa-o até com (er-ta benevolência. Fora um poe-ta "puro, musical c desinteres.sado", embora nunca tivessechegado a grandes alturas. Fò-ra, além disso, triste c sua tris-

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Lima Barreto

teza não o tornava representa-tivo da nossa emoção. O ver-dadeiro poeta brasileiro seriadionisíaco, cheio dc alegria centusiasmo. Estava Casimirono seu verdadeiro lugar; não

convinha ao modernismo, ma*tinha lá suas qualidades.

Vem depois Rui Barbosa. "Alingua que escreveu está mor-ta". (Rui foi uma das "betonoires" dos modernistas). Arevista só lhe reconhece o ge-nio do advogado, esquecendo oorador (Os modernistas eramanti-oraiórios por excelência,embora o seu lider Graça Ara-nha se caracterizasse, pela so-noridade da frase, como umtipo muito próximo da oralo-ria). Conclui a revista: Ruinão falará à posteridade, comoBernardo de Vasconcelos, Bo-nifacio e outros .De fato, cm1928 a voz de Rui silenciara,c a revista não previa as mu-danças de perspectiva histórl-ca.

De Alencar, a analise é seve-ra. Sua suprema gloria teriasido a de haver incorporado aopatrimônio lírico do Brasil ai-gumas figuras imorredouras.Fora dai, um descritivo, cuja,paisagem acadêmica é muitoconvencional. Acusa o írasea-do bonito de Alencar como umdos principais causadores dadegencrcsccncia intelectual bra-sileira. Este ponto merecia lon-;go comentário, que cncomprl-daria muito o meu artigo. Naverdade, até hoje ainda haquem escreva com floreados ámaneira de Alencar c a culpanão será do autor do "Guará-ni' que serviu ao gosto deuma época.

mas Já em 1873, quando Na«buoo discutiu com Alencar, !»'-Ios rodapés do "Globo", vemoso estilo do primeiro completa-*mente liberto da ênfase e durebuscado romântico. E cosoidêntico, mais expressivo Ainda,ecrla o de Machado de Assis.Infelizmente, a e\oluçáo se pro-cessaria de maneira muito leu-ta num vasto setor da nossa,literatura, onde vestígios dasmás heranças "aloucarinnas"podem ser encontrados até noídias presentes.

De Castro Alves, também ri-dieularizado por certos moder-nlstas, considera a revista co-mo parte durável a dos poemaslíricos, colocando, muito jüs*tamente, cm plano secundárioa dos versos oratórios. .

Sobre João Francisco Lisboatemos um estudo lúcido c jus-to: o homem visto no seu tem-po c na sua "duração" naatualidade. Apenas quanto aoíestilo, um reparo, bem de açor»do com certos preconceitos mo-dentistas: dc João FranciscoLisboa seria "plano, largo, dan-,do impressão de tranqüilidade",ao contrario do que deve serhoje: "siní.tico, somático, ex-plosivo". A revista ainda in-:sistia nesse "poncií" do esti-,Io sintético, um dos cavalos do;batalha do modernismo. };

Finalmente, Bilac. A rcvfs-ta, se não lhe nega a poesia,'acha que hoje ela já não podecomover; seu interesse passou,è como íudo que não tem mis-terio será incapaz de deter a"inteligência humana que nes-sa pesquisa renova incessante-mente a arte". Bilaç fora umpoeta fácil, e mesmo as idéiasfilosóficas dos versos da "Tar-de" se resolvem em conceito3banais. Em suma, acusaçõesque podiam ser muito bem for<muladas por um critico simbo-lista. (

Nisto se limitou a revisão dtívalores empreendida pelo "Mo-vimento Brasileiro"; se nãoabrangeu maior numero de es-

(Conclui na 10." pág.)

«a

-

Vinheta de SANTA ROSA

GANTILENAMENINA TALVEZ MADONA,PERSEGUI VÁRIOS ROTEIROS,DEBALDE, NÃO TE ENCONTREI.

NA PLANÍCIE PROCURAVA,NO RECÔNDITO DAS GRUTAS,NO CIMO DAS CORDILHEIRAS^

E DO FUNDO MAIS PROFUNDO,APÓS INÚTIL PESQUISA,CONSTERNADO REGRESSEI.

BARCAÇAS MI TRANSPORTARAMSOBRE MAR DE UM VERDE RARO.:

ENTANTO NUNCA APORTEI.

AO LONGO DA TRILHA VARIAAQUÉM ESTIVE E ALÉM.NUNCA A TEU LADO, PORÉM,>

ETvt câmbio, tu te permites/PERMANECER A MEU LADOCOM TEU FORMATO DE AUSÊNCIA.

QUANDO NOITE TE PRESSINTO(SOBRETUDO QUANDO MAIO)[;^$M}A A TODA PROCURA.

MENINA TALVEZ MADONA:PROCUREI, PROCURO AINDA.SS ÀS VEZES, CANSADO, PARO,ÍM^jLIDOS PELO SONHOMEUS PÉS PARADOS CAMINHAM.

THIAGO DE MELLO

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Página — 4 t ET RrA S E rA RT E S Domingo, 16-3-1952

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desaparecia durante me-sés a fio, sem nenhumcontato com os amigos de*í infância. Nem sequer ml-,htha mãe sabia o meu parodei-Jro. Quando regressava, todos

Muieriam suber onde estivera.i — Por aí... — e um gesto»completava, a írase.i — Mas, por ai por onde? —?insistiam.

vi — Perdido pelas estradas uni-'«uersais.

I Era um edifício branco, espa-coso, confortável, construí d oiftuose à beira da floresta. Po-«lia-se dizer mesmo requintado,$c o comparássemos com as ha-Ibitações obsoletas da cidadeanais próxima. \f Dadas as suas proporções, aKuerra o transformara num mis-Cto de quartel-general, aloja*[mento de praças e clube militar.La dentro não se mostrava mui-jrto rígida a disciplina. Explica-

i: aquela gente vinha da fren-de batalha, ora do mar, ora

lo ar, ora da terra. E a baselevia ser, para eles, uma esta-

$ão de repouso.; Com efeito, se não fosse a^presença dos recrutas, semprejém treinamento, aquilo poderia

er tido como colônia de férias.5, apesar da formal proibiçãole jogos de azar, todos conti-auavam a chamar o enorme

;wédio de Casino. Porque o jogoícampeava, de permeio com fes-jtejos mais ou menos licenciosos.

Mas não me peçam, com o

GESTO'Canto 'de DIÓGENES MAGALHÃES

mapa estendido sobre a mesa,que localize os caminhos quepercorri. Eu não saberia.

Foi o começo da "luta de KerrKrüger".

O Casino, àquela hora, estavatranqüilo e deserto. Os seus ha-bitantes, repassados de cansaçopelas noitadas alegres, ou peloserviço de patrulha, ressonavamo ressonar quieto dos bem-aven-turados. Os corredores, frios ealvos como túmulos, eram viasacra das almas, na ingênuacrença dos soldados província-nos. Havia paz e frescura noedifício, enquanto a cidade to-mava o seu banho habitual dechumbo em ebulição.

Sozinho no prédio, onde todoscompunham atitudes serenaspara o sono, eu me sentia infe-liz. Podia descer à cidade e fa-lar com os mestiços, que eles,apesar de me não conhecerem,irradiavam muita simpatia eeram bem sociáveis. Mas, certo,não sabia o que dizer-lhes enem lhes tolerava a pronúnciamole e preguiçosa.

Cá em cima, com raras exce-ções, só se falavam línguas sa-xônicas. E os patrícios que real-mente prestavam serviço per-

manente ao Casino contavam-se pelos dedos das mãos. Os ou-tros eram provisórios.

Entre os compatrícios que seacamaradaram comigo, a des-peito de minha posição de "dis-hwasher", estava o Samuel, ogigantesco Samuel. Devia exer-cer alguma função de destaque,tais as regalias de que gozava.Gostava das loucas estroinices,dos íestins' pantagruélicos emque tomavam parte homens detodos os recantos do globo, re-queimados por todas as emoções.Gabava-se de poder competircom outros gigantes retempera-dos nos climas frigidíssimos ouna ardeguez dos campos de ba-talha.

Às vezes, a desoras, voltavaêle da cidade, meio ébrio, se-guido de uma daquelas doidiva-nas que faziam concorrênciadesleal às mulheres profissio-nais, porque roubavam o amordos homens, sendo mais dese-jadas porque menos acessíveis.Não sendo verdadeiramenteprostitutas, porque não vinhampor dinheiro, na realidade poucofaltavam para o descarrilamen-to completo. Lá subia o gigante

para os amores incompletos dassemi-virgens.

No outro dia, com o rostoamarelado de tédio, contava-me,entre baforadas de fumo e deresquícios de vinho da véspera,a tortura que impusera à com-panheira. Noites deliciosas, emque o êxtase betumava todas asbrechas dos sentidos. Mas quan-do o momento culminante seaproximava, quando o prazerameaçava ultrapassar o limiteda linha ascensional, sabia so-frear os instintos e deixar a suavítima contorcer-se em desejo.

Anoitecia. Sapos . coaxavamnos pauis, enquanto os pirilam-pos acendiam os seus diminu-tos candelabros para a rondanoturna. A terra puxava sobre sia mortalha provisória das som-bras para o sono de uma noite.

Do terraço do edifício, de on-de se descortinava a cidade,contava os primeiros clarões delâmpadas que se acendiam. Oterraço era um de meus refú-gios. Era ali, —• entre jasminei-aos minúsculos que se desentra-nhavam num perfume suave dooriente, — que eu muitas vezesficava a cismar, a fazer planos.Algum jardineiro caprichoso

teimava em cultivar, naquelescanteiros estreitos, as espéciesmais extravagantes de períu-mes embutidos cm arbusto*.

Mas então veio o Monstro.Até ali ficara êle de longe, ame-açando com urros a nossa po-bre coragem. As vezes fora pos-sível olhá-lo nos olhos, resistirao seu magnestismo, fazê-lo re-citar para as suas cavernas pe-numbrosas. Agora, porém, nftoseria prudente esperá-lo. u rer-to era deixar a placidez dos diascalmos e fugir.

Fugir não é bem o termo. Euqueria somente um lugar tran-quilo onde encostar a cabeça,não ouvir ruídos estranhos queme perturbasssem o sono E co-migo concordavam cem mil ho-mens de capacete de aço. <

Sim, nunca mais recuperamosaquela paisagem. E ainda quevoltássemos ao mesmo sitio on-de ela outrora se estendia, só en.contrariamos a tristeza e a mi-séria

Perguntam-me, agora, ondeestive. O Pacífico e o Atlânticose juntam, não importa em querecanto da terra. E a nossa viade acesso continua aberta, notempo e no espaço Que vale umdia mais. um dia menos, paraquem tem a eternidade pelafrente? E que vale uma nesgade terreno diante da infinitagrandeza do universo?

Minha vida está cheia de f an-,tasmas. Acaso indaguei de ondevieram?

rALVEZ

não estejamosdesligados de Portugal,dos escritores portugueses

contemporâneos, tanto quantoee diz. Há sempre os leitores

e Antônio Sérgio, João Gas-lar Simões, Casais Monteiro,osé Osório de Oliveira, Manuel

selmo, sem falor dos poetas,é de um crítico jovem que

[uero tratar, de Antônio Qua-os, que reuniu em "Moder-

os de ontem e de hoje", osfeeus ensaios literários dos vin-le anos, um voluminho simpa-Jfcíco (Portugália Editora, Lis-boa) que nos traz um mundojüe escritores, de artistas queabe serão caros e que encon-{tram eco na nossa sensibilida-de.

Antônio Quadros diz as coi-«as que êle pensa comum jeito(fino, essa delicadeza incomumcm alguns críticos, e os seusensaios acabam sendo uma ron-da amorosa em torno de escri-(tores e idéias. Ronda de que"le não exclui os brasileiros, um

osé Lins do Rego, um Ribeiromto, um Erico Veríssimo. An-

"REVISTA BRANCA" DE

UM JOVEM CRITICO PORTUGUÊS

O NÚMERO de março de"Revista Branca" já estácirculando. Com excelen-te apresentação gráfica, essa

publicação de literatura e artetraz em suas páginas severascríticas a alguns escritores da,velha geração. Além destes to-/picos, que tratam de autores,obras e idéias artísticas do Bra-sil e do estrangeiro, inclui ar-fcigos, ficção, poesia, entrevistasetc. No seu sumário anotamosos seguintes colaboradores: LuizCosme, Fausto Cunha, Salda-nha Coelho, Henriqueta Lisboa,Hamilton Pequeno,. Jones Ro-cha, Elcio Xavier, DormevillyÁNóbrega, Alberto da Costa eSilva, Luce Ciancio, Oswaldino'Marques, Lourdes Espíndola,¦Gustavo Corção e Marina Mou-ara Peixoto. Destacamos aindailustrações, desenhos e um lon-go artigo de crítica assinadopor Bráulio do Nascimento, emque o jovem crítico experimen-ta, pela primeira vez no Brasil,um método crítico baseado naEstatística. Intitula-se o refe-rido estudo "Estrutura e Tema-tica de "Mural". Entrevistascom Claude Edmonde Magny eJosé Carlos Lisboa, sobre a cria-ção de um curso de poética naUniversidade.

tònio Quadros diz as coisas commuita propriedade, com muitapureza. Veja-se, por exemplo, apropósito da personagem de"Du cote de chez ' Swann",Charles Swann, a observaçãoque o crítico nós dá do sim-bolo de Proust...

"Para uns, Swann não pas-sava de um burguês, rico, filhode um agente de câmbios re-tirado da profissão. Viam-nopassar em Combray, dirigir-separa a sua casa de Tansovil-le, e viam apenas nele o filhodo velho Swann, que tinha fei-to um casamento infeliz. Pa-ra outros, que o encontravamem Paris nos salões mais fecha-dos, que o viam pontificar nasexposições de pintura, que osabiam amigo intimo do prin»cipe de Galés e do conde deParis, Charles Swann era umapersonagem, entre a aristocra*cia do sangue e das artes. Doisaspectos diferentes da mesmarealidade. Os que. separada-mente, viam estes aspectos,identificavam-nos com a rea-lidade total". E conclui An-tónio Quadros: "O símbolo diarespeito ao conhecimento hu-mano que, quando julga estarde posse da verdade, apenasentrevê um dos seus aspectos"(p. 38 e.39).

A inteligência critica de An-tónio Quadros se movimentadesembaraçadamente, fá-lo pu-lar de um romântico Alain Four-nier para o sensualista Láwren-ce, deste para uma Mansfield,da mulherzinha extraordináriapara o Duhamel de Salavin,isto é, o homem médio, o bur-guesito que pensa um pouco("Rimos de Salavin, lamenta-mos Salavin, mas é um poucocomo se ríssemos dos nossaspróprias misérias — ou como.seas lamentássemos... o Diáriode Salavin é algo mais do queum retrato do "homem médio",algo mais do que nós, algo me-nos do que nós, mas tristeinèn-te, profundamente nós", p. 98),

Ao estudar a técnica estilis-tica de José Lins do Rego, creioque Antônio Quadros se enga-nou ao dizer que êle "faz anarrativa como se tudo já setivesse passado: Não há mo-mentos presentes, tudo é pas-sado, apenas interessa vincar os

CARLOS DAVID

aspectos fundamentais do acon-tecimento que estrutura o ro-mance. Assim, não se sente umaforte palpitação de vida, nemas personagens chegam a seranalisadas a fundo" (p. 136—137). Não é o que acontece em"Fogo Morto", "Pedra Bonl.ta", justamente os romances aque se refere. E' o processo de"Doidinho", sim, contado naprimeira pessoa, recordações deum menino que vai para o co-legio. E se pode ler "Fogo Mor-to" ou "Pedra Bonita", "co-mo se se tratasse de uma par-cela de vida que está a acon-tecer" (p. 136). Neste proces-so, ou neste método direto ehistórico de contar reside mes-mo um dos maiores encantosdo nosso romancista.

Sobre Ribeiro Couto, escreveAntônio Quadros, sabendo mui-to bem ver nele o que ha de aces-sório — a prosa, a prosa de"Cabocla", de "Baianinha eoutros mulheres", que continuaa poesia de "Dia longo", porqueRibeiro Couto será sempre eacima de tudo o poeta das emo-ções simples, dos interiores, doamor e da saudade, uma certaespécie de amor, uma certa es-pécia de saudade.

Antônio Quadros mostra, àmedida que vamos entrando nasua intimidade, no seu convíviocom ós livros, uma inteligênciamuito sensível que pouco temde adolescente, de vinte anos.que mais parece revelar um ve-lho habitus literário.

; Ao tratar de Sorõyan, o es-critor americano tão caluniado,o crítico nos dá uma digressãocobre o romance, mostrando aparticipação do subconscienteno consciente do criador, e di-zendo depois o que êle entendepor romance e por poesia e con-to, nesta quase definição: "Oromance pretende, atravessandoo processus: palavras, pensa-méritos, sensações, sentimentos,etc., atingir diretamente o queha de mais íntimo nos indivl-duos. A poesia e o conto (certaespécie de poesia, certa espéciede conto) pretendem atingir in-diretamente a mesma intimida-de individual, deixando-a trans-parecer através de símbolos" (p.148). No mesmo ensaio sobre qautor da "Comédia Humana".,

está transcrito o célebre dito deTchekof: "Quando descrevo la-drões de cavalos não acrescentoque é mal roubar cavalos. Issoe assunto do tribunal, não emeu", que Antônio Quadros po-de expressar, a seu modo: "Ocrime não é uma falta, paia oescritor puro. É a materializaçãode um estado de espírito pro-vocado por razões externas" (p.152).

A característica principal de"Modernos de ontem e de hoje"me parece ser a observaçãoamorosa do seu autor em tornode escritores e livros dos maisvariados, num verdadeiro exem-pio de bem apreciar e bem jul-gar os valores diferentes. Assim,Antônio Quadros tanto se inte-ressa por uma Mansfield, umJacobsen, um Morgan, um Mar-tin Du Gard, como por um Va-léry Larbaud, um Giradoux, umAlain Fournier, um Lawrence,um Koestler, um Huxley, umBaring, um Caldwell ou umHemingway. Sobre este último,êle tem uma passagem ao mes-mo tempo franca e carinhosa,que diz muito da personalidadede quem escreve: "... Heming-way'escolheu o'seu caminho...Um romancista que não traznada dei. novo.na exploração derios próprios, mas que nos pro-voca uma série de emoções for-tes e duradouras" (p. 163). Esobre Arthur Koestler: "... êleé e será sempre um homem pa-ra quem os romances são o me-lhor veículo para ensinar aomundo o seu pensamento" (p.

.246).; ¦¦¦ri ,;v>'—•Acusando a libertinagem e a

pornografia de um discutido ro-mancista americano, cuja lite-ratura escandalosa o tornouproibido nos - Estados Unidos,Antônio Quadros o ataca forte-mente, destruindo a semelhançae a filiação que Heny Millerpretende ter diretamente dosclássicos gregos e dos modernosJoyce, Shaw, Lawrence... "Mil-ler falou — escreve AntônioQuadros — como se a obscenl-dade fosse para êle, tal comonos escritores que citou, ummeio. E em Miller, afirmamo-losem hesitar, a obscenidade é umfim, não é um meio, e isto deitapor terra todas os suas razões"(p. 228).

1 Quanto mais se. avança na

leitura de "Modernos de onteme de hoje", maior é a sedução

do seu autor e mais profunda edelicada a análise. Antônio Qua-dros é um jovem crítico de umaintimidade comovedora e. pro-veitosa. Não sei de nada sobre31e a não ser este livro, não co-nheço referência a êle em ou-tros escritores, mos acho que seialguma coisa, acho que sei umpouco desta sensibilidade devo-tada ao belo, ao humano, quese oferece à gente neste volumede trezentas páginas. Os seusensaios provam uma vivêncialiterária e um estado intelectuale lírico que á gente encontracom menos assombro num Ro-berto Alvim Corrêa, num Au-gusto Meyer, para falar nos nos-sos, do que neste companheirode vinte anos.

*0 modernismo noCeará, em 1929

|VM 1929 aparecia no CearáP\j a revista modernista¦*—* "Maracajá" e o poeta An-tônio Garrido, apresentando-a,dizia: "E' uma espécie de mo-bilização para' salvar a terrada gente. Há, porém, uma di-ferença entre nós e os do sul.,Influência do clima. Eles me-tem excessiva erudição no quefazem. E bancam sizudez. Nóssomos alegres por índole. EmSão Paulo, os rapazes para fa-zer a sua antropofagia preci-sam dar laço à gravata. Com-preende-se, "Diário de S. Pau-lo", «O Jornal"... Aqui não.,Nós rimos de tudo. "Maracajá"espirra de uma forma saturadade joyialidade. E os brasileirosgostam disso. Gostam de tudoquanto aparece risonho e con-tente. Gostam do canto dajandaia. (O canto da jandala- nunca foi triste. Histórias deAlencar!) A nova orientaçã»tem isto de bom: agita. E' por.,força desse trabalho que nóshavemos de infiltrar no cére-bro do nosso povo o amor titerra dos papagaios — terraque os inocentes desejam entre-gar aos estrangeiros. í*

Matemos os inocentes!Há um sentido de antrope-,

fagia, mas não à maneira deOswald de Andrade, para o pri-mitivismo, simplesmente paradevorar tudo que deve desapa-recer do Brasil, passadismovimitação, portuguesismo, etc.etc. Essa é uma fecunda des-^traição que estamos pratican-,do com empenho e sinceridade".

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Domingo, 16-3-1952 VETRXS E rARTES Página — $\«*•

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i.5

EM

SEICC-"te" —

SEU primeiro roman-"Os Servos da Mor-

Aiionlas Filho re-velou uma lorma evocalha, umsentimento, trágico, uma Iccnl-ca construtiva c uma penetra-cão psicológica que impressio-liaram profundamente a critica.Falou-se então em Dostoievskl,assinalando-se no livro qualida-des análogas ao do grande ro-mancista russo. Seu segundo ro-mance — "Memórias de Láza-r0» >_ que é agora publicadonas edições "Cruzeiro", não nosdecepciona, antes nos confirmaa presença dc um grande fiecio-nista e de um artista de primei-ra categoria. Entretanto, já nãose falará em Dostoievslii, que oromance nada mais apresentatlc realista. Se o sentimento trá-gico permanece como um fulcro' em torno do qual se agregamas demais qualidades de cscrl-ta, poesia, penetração, c porémno Velho Testamento, nos livros

Qobo título "J'ai vecu^ 1900" foi publicada há*-J pouco uma parte do diá-

rio de Maurice Donnay, mem-bro da Academia Francesa eteatrólogo dos mais conhecidos,que morreu com avançada ida-de por volta de 1937. Dònnayera um espírito parisiense cempor cento e do seu humor dãobem mostra os trechos do diárioque, em tradução portuguesa,abaixo reproduzimos.

xxx •Nunca experimentei a em-

briaguez sentimental, mas tam-bém nunca tive a embriaguez dosucesso e da ambição que, pa-rece, se tem no teatro. E isso seexplica facilmente: quando opúblico acha uma de minhaspeças boa, ela está sempreabaixe do que eu sonhei fazer.É verdade que, quando êle ajulga niá, experimento o consolode saber que ela está sempremuito acima do que se pensadela. xxx

.Em amor quem se mantémsenhor de si mesmo se tornatambém senhor de outrem.

xxxAs pessoas serviçais que gos~?

tam de se fazer notar pelos seuspréstimos assemelham-se. a umcão tèrra-nová, que depois desalvar uma criança que se afo-gava, sacode o pêlo molhado sô-bre as pessoas aue ss encontramao lado.

xxxsu uma força ter o desprezo

do seu século e não a indigna-ção. A indignação empola o es-tilo, torna-o berrante, feio, ri-clículo. O desprezo conserva-lhea faculdade das formas raras eharmoniosas.

xxxUma das condições da felici-

dade é não ser a gente infeliz.Isto parece uma tolice, mas vaiai todo um programa: com isso

. fico tranqüilo e sinto que voulonge.

xxx¦- — Você tem trinta e cinco

anos? Mas você já me afirmouisso há cinco anos.

I — Pois então, eu não sou in-: constante.xxx

Se você partir, do princípio deque o homem é bom, você querdemolir a sociedade. Se você

: partir do princípio de que o ho-: mem é mau você quer conser-! vá-la.

XXX

I Vontade e piedade.Vontade contra os fortes e os

maus; piedade para com os fra-cos e os simples. Nessas duas

: palavras se contém toda a vi-da, e a luta pela vida.

xxxTodos os romancistas e todos

MEMÓRIAS DE LÁZARO'SÉRGIO MILIJEZ

dos profetas, ou na tragédiagrega que encontraríamos algosemelhante,

Aqui a verdade dos fatos ca-rece de importância, a adapta-ção naturalistica da linguagemaos personagens não tem razãode ser. Subsiste, fora do tempoe do espaço, porque dc qualquerépoca e de qualquer lugar, averdade humana. A transposi-ção, para o plano literário, dodrama que vive esse homembruto do Vale do Ouro é tãoperfeita que não nos perturbao estilo dos diálogos, nem no;choca a faculdade de análisepsicológica do herói. Este deixade ser determinado indivíduo,

mais ou menos preso a um cor-to meio social c se torna o pró-prio símbolo da fatalidade ou aprópria projeção do instinto,segundo o ângulo de apreciação.Pouco Importa se chame Ale-xandre e viva no vale de cactuso vento "onde o crime c permi-tido" e os cavalos são selvagens,O cenário apenas nos dá umaatmosfera propícia à melhorcompreensão — ou percepção —do problema humano.

Poderão os exegetas mais su-tis discutir o determinismo bio-lógico que produziu Alexandre,ao ver, ao contrário, em seudrama a influência do meio so-ciai ou ainda da geografia. Não

me preocupam essas explicaçõessempre um pouco especiosas. Oque vejo cm "Memórias dc Lá-zaio" é antes a forca poética,de um surrealismo mágico ain-da inédito em nossa literatura.£ o poder de sugestão que ira-põe ao nosso espírito a presençaterrível da fatalidade, perse-guindo Alexandre até no seio dabondosa família que o recolhe etrazendo-o dc volta ao vale parao fim escrito de antemão, o fimque sabemos inexorável desde oInício, que êle próprio assim osente desde sempre. A tragédia,como na literatura clássica, seconstrói lenta e implacavelmen-te. Nada a evitará, nenhum es-

DO "DIÁRIO" INTIMODE MAURICE DONNAY

os poetas modernos descendemde Flaubert e. Baudelaire.

XXX

üma pessoa que lançando umdito de espírito seja obrigada aexplicá-lo, assemelha-se ao ca-çador que, não tendo cão, sejaforçado, êle próprio a ir bus-car a caça que derrubou.

xxxEsta mulher tem um ar tão

jovem... deve ser idosa.xxx

Tudo está em começar. ''Es-crevamos antes de tudo — di-zia Anatole France — Que? Nãoimporta o què? Depois corrigi-remos. Mas não se pode corrigiro que não existe.

XXX .Eu te detesto.E eu também.Nesse caso, havemos de nos

entender. i:XXX

Notar este lindo pensa-mento de René Bazin: temostrês ou quatro vezes na vida

ocasião de ser bravos, e todos osdias a de ser covarde.

xxxOs grandes homens são os ín-

dices da humanidadexxx

"A arte é uma alusão à vi-da" — dizia Mallarmé

XXX

Definição do pudor: quantomenos se tem mais se esconde.

XXX

Falava-se de um senhor Xque fez "sujeiras" com todomundo.

— Sim, isso lhe deve ter cria»do numerosas relações.

XXX

Ela tem muitas qualidadesque eu não aprecio e não mui-tos defeitos que eu aprecio.

XXXA neurastenia torna-nos sé-

melhántes a esses touros queuma simples cerca de arameimpede de sair do prado. Sãoeles muito mais fortes do que

se sentem, mas o mínimo obstá-culo os detém.

XXX—• As mulheres sabem supor-

tar melhor a vida do que os ho-mens.

— Sim, mas os homens su-portam as mulheres. i

xxx 1" Nunca propor ao adversário

tudo aquilo que contamos con-ceder-lhe, de maneira a tersempre em reserva uma com-pensação que possa parecer-lhepreciosa". Era essa uma das re-ceitas de Maquiavel.

X X X"Áo sol,nem à morte não po-

demos encarar de frente". Sim:ao sol, quando êle vai tombarno horizonte; e à morte quandoestamos velhos e já tiramos *nosso tempo na terra. É precisoentão saber olhá-la de frente,sém terror, com resignação «sem esperança.

xxxOs livros de Maurice Barre/

forço será bastante para afasta*Ia da trilha que Alexandre pre«cisa seguir. j

Mais do que o próprio lima,contudo impressiona a formaque o reveste. L hino está em*verdade a excelência da obra riqarte. Pela lingua e a linguagem,pela composição e o desenvolvi*monto do enredo, pela denslda*do sintática, pela depuração)metafórica, pela musicalidade.da frase, cheia e simples talqual a do canto-chão ou a doversículo bíblico, c o romancedc Adonius Filho uma obra deiprimeira ordem. Raramente seelevou a nosa ficção a esse tompleno c sustentado sem esforço,nem desfaleeimento que caraçateriza "Memórias de Lázaro"*,O romance alcança mais douma vez as mais belas soluçõespoéticas. É em última instânciaum poema trágico com acentos'épicos de extraordinária violên* 'cia. i

estão vazios das idéias do se*»4nhor, mas cheios das idéias úêlcj

xxx ^Leio Bergson: é sutil, mas d$j

uma sutileza esmagadora. jxxx

' Sou um exilado das terras qudrlnunca conheci. ••;,.. "j

xxx JAnatole France não pode conVj

solar-se da morte de sua velha! 1amiga; parece uma alma sem;corpo. Sente remorsos e agoralhe é inteiramente fiel; não ai

. enganará, nem mesmo por um, \império. #>>xxx **,

O mais lindo, rosto nada val<5se não esconde um mistério. GHrosto deve ser velado, como fljcorpo, mas velado de mistério ft-enigma. "

XXX ¦' ^, Muita sensibilidade se esconW-de lrequentemente sob a ironia»

XXX .: . vHá duas coisas no homem cW-i

vilizado: as convenções e os ins*^tintos. É beni difícil conciliar aSiduas. •'•• ;y;

x x \.J Quando o compositor-Ciaucféj

Terrasse encontra uma nota íimprevista êle ri, como aconteça';comigo quando atino com umdito dc espírito. Haverá notas

111*1

J

de espírito em música?XXX

J

i Um homem cheio de escrüpulos e remorsos e que, entretan*to, peca, lembra-me aquele per* <sonagem de uma peça de Scrib,demasiado poltrão e que se iáj;bater em duelo. Sua noiva di-zia: "Ê preciso ter muita cora-;gem para se bater em duelcfquando se tem tanto medo".

xxx ,"Ela é linda como um cora^

ção" — costumamos dizer. Isto,como julgamos que seja um co-ração, pois na verdade não hánada mais repugnante do que* :um coração. u

i \VVi

"Domingo no cais" — CHARLES SURENDQRf

0 bicentenário das "Refle*

xoes sobre a vaidade doshomens" , /

Outra data literária deste ano"To bicentenário do livro "Refle-í;

' xões sobre a vaidade dos hen,„ -** Jtsí n.Tj-J!-.'.-^-!, Aí vi* ti Y" siysftttí..üüiío , uU AVi.ttiu.jnuo /jUí.»-J. »-¦ «.»•".•

das obras mais importantes úajIiossa literatura, que, no cntan«*to, ainda não foi suficientemen*te estudada. Nem mesmo existauma biografia completa e mi*nuciosa de Mathias Aires. Se*

, ria a oportunidade para algum;erudito nos dar esse trabalho, j j

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Domingo, 16-3-1952

NOTAS DE LEITURA'REYNALDO BAIRAO

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L

LEITURA e releitura de "D.

Guidinha do Poço". Todaa literatura regional, prin-

cipalmente a de origem nordes-tina, deve ser agora reconside-rada sob um novo aspecto.

De fato, "reduzido aos seuselementos essenciais, "D. Gui-dinha do Poço" nada possui deoriginal; é uma história de pai-xão e crime, passada no interiordo Ceará, e paixão e crime fi-guram em muitas histórias ba-nais. Mas os temas primários,com serem eternos e universais,Bão os que mais exigem do es-critor, do criador, já que, semrelevo próprio, dependem ex-clusivamente da maneira porque são tratados." — diz Lú-cia Miguel Pereira na sua "His-.toria da Literatura Brasileira",volume XII, Livraria José Olim-pio Editora, Rio de Janeiro,1950.

Esse livro, inédito durantesessenta anos, na verdade seftroz logo à primeira leitura umaenorme qualidade à vista do lei-tor. qualidade que deva ser ime-diatamente destacada, essa qua-lidade é o tratamento que lheiemprestou Manoel de OliveiraPaiva, romancista cearense,. ía-lecido a 29 de setembro de 1892,com apenas 31 anos de idade.Livro primitivo, objetivo e con-ciso em suas linhas gerais, "D.Guidinha do Poço" possui "umanarrativa intensa, a um tempoobjetiva e poética", conseguin-do, o seu autor, lograr "o equi-líbrio, raro em obras regiona-listas, entre a reconstituição doambiente e o relevo dos tipos.Ao contrário do que muitas vê-êes sucede,- a preocupação

' dopitoresco não o fez dar valordecorativo às personagens" —aqui, no caso, personagens deum caráter específico e de umapersonalidade marcante. Toda aconcessão à sua época foi, pre-liminarmente, afastada. Não éà-tôa que Antônio Salles nãoconseguiu convencer os nossoseditores de 1900 a publicar estaobra, tão diferente daquelas no-velas afrancésadas do fim doséculo XIX brasileiro.

Margarida Reginaldo de Oli-veira Barros (D. Guidinha doPoço), o Major Quinquirn, o Se-cundino, o Silveira, o seu AntO-nio, o Padre João Franco, avelha D. Anginha, são persona-gens reais, tiradas da própriavida, "presto em perguntas,histórias, e o mais". Cada qual,vivendo o seu problema funda-mental e intransferível, gira emvolta do cadáver do Capitão-Mor Reginaldo, fantasma queorienta toda a trama deste ro-mance extraordinário, sem dú-vida alguma precursor de todaa nossa iiieiabuii* icBiuni»iiou«,.A Guida, se tem poderes e von-tades, ela deve esses poderes evontades ao fantasma do Capi-tão-Mor Reginaldo. Ela mata oMajor Quinquim, seu marido,porque êle exige o desquite, umavez que ela o engana com o pró-prio sobrinho, o Secundino. Ora,¦'que estava sendo ela então pa-ra todo o Ceará, para todo omundo, que a ruim fama corre

• mais que o pensamento, senão•uma morixaba? Era mister umadesafronta capital de semelhan-te injúria. Questão de ponto dehonra." — escreve o nosso ro-mancista, confidenciando o mo-do de ueritir de D. Guidinha doPoço. Entretanto, ainda e sem-pre. aí sentimos o fantasma dovelho capitão-mor, impondo-senas decisões dessa mulher vo-luntariosa e firme, selvagem co-mo só o consegue ser o cabocloatingido na sua honra, na suadignidade, na sua firmeza deCârátor"D. Guidinha do Poço", cujo"estilo, colorido e oleoso, é umafusão admirável da língua escri-ta e d?, falada" — ainda no di-

zer de Lúcia Miguel Pereira, —,é um romance que surpreende,principalmente se for encaradosob o ponto de vista historiográ-fico. Ele se antecedeu, nunca edemas repetir, à nossa literatu-ra nordestina contemporâneamais de meio século. O proble-ma da seca nesse livro foi tra-tado por Manoel de OliveiraPaiva como nunca foi tratadopor um José Américo de Almei-da, por uma Raquel de Queirozou por um José Lins do Rego.Só conhecemos um livro em quea seca transformou-se em per-sonagem principal: "Vidas Sê-cas", de Graciliano Ramos. Só-mente esse livro poderá ser co-locado no mesmo plano de "D.Guidinha do Poço", no que dizrespeito ao terrível flagelo quetem assolado o nosso nordeste.

Agora, felizmente. "D. Gui-dinha do Poço" terá lugar quemerece em nossas letras, graçasao carinho de Antônio Salles,ao cuidado de Amérco Facó, aoespírito de pesquisa dessa gran-de ensaísta que é Lúcia MiguelPereira, e, finalmente, graças àbôa vontade e à sabedora doseditores Saraiva e de Mário daSilva Brito. •

Nunca é tarde demais, paraquem merece tanto o nosso res-peto.

Nunca é tarde demas,- paraquem deverá ser alvo da nossamais imparcial admiração: Ma-noel de Olveira Paiva."

Leitura de um artigo de Ma-ria de Lourdes Teixeira sobre' òtriste destino de' alguns de nos-sos maiores escritores. A propo-sito de uma antologia, que estásendo organizada pelo Clube dePoesia de São Paulo, a conhe-cida romancista tece considera-ções muito'inteligente a respel-to desse vício brasileiro, assazmelancólco, que se chama: o es-quecimento.

Gostaria de apresentar a Ma-ria de-Lourdes Teixeira todo'omeu apoio à causa que ela vemdefendendo com tanta corageme com tanta dignidade intelè-ctual.

Se esquecemos da importân-cia de um Graça Aranha, deum Ronald de Carvalho, de umMário de Andrade, só podemosficar tristes e acabrunhados,por termos nascido num país tãoinfeliz, onde os nossos escrito-

•res mais jovens desprezam o quede melhor foi feito há menos detrfòta anos atrás. Só podemosficar envergonhados por termosnascido num país onde os mor-tos perdem automaticamentetoda a força, todo o prestígq etoda a importância, já que êiesnão podem fazer mais nenhumapolítica literária e muito me-nos alinhavar alguns elogios a"indígenas aportuguesados" se-quiesos de louvaminhas...

I

Leio, num artgo assinado eassassinado por Domingos Car-valho da Silva, publicado no"Correio Paulistano", a 2 demarço de 1952, as seguintes pa-lavras: "Devo confessar, poruma questão de honestidadepessoal e intelectual, a minhairremovível antipatia pela figu-ra humana de Mário de An-drade, que pode influir no meujuízo sobre sua ob^f. a. üéipàiito de meu esforço para mantera maior isenção de ânimo".

Seria inútil qualquer comen-tário em torno de semelhante''confissão"...

Para a remessa de livros: ruaRocha, 220, 3. andar, apt. 6. —São Paulo.

"FOTOGRAFAR E PíjlTAR COM A LUZ'Um sobrevivente do surrealismo — Man Kíyjfala de suas idéias estranhas e espantosas

PARIS — Março —

Via Scandin a v i a nAirlines — Da gran-

de época do surrealismoMan Ray é um dos glorio-sos sobreviventes. Desde.1921, ao lado de Breton,Aragon, Duchamp e Salva-dor Dali, Man Ray se lan-çou na aventura mágica erevolucionária. Liber açãodo inconsciente, arte sob osigno de Eros, a vida sobo motor do desejo univer=sal, os famosos cartazes:Freud, Sade, Rimbaud.. „No momento em que foto*grafia se tornava Um traba-lho técnico e uma arte con*vencional, em que ela seintitulava "La belle photo",Man Ray desembarca emParis, vindo de Nova lor-que, decidido a revolucio-nar todas as concepções dafotografia e ligá-la à pintu-ra. A uma pintura, aliás,que só Deus saberia qualseria: abracadabrante, lou-ca, inventora, automática,reveladora, uma pinturacomo nunca se viu. Umapintura que, no fundo nãoseria senão um jogo, ummeio de "épater". Os tru-quês fotográficos, os "Col-

lages" fizeram escola, de-pois. Os profissionais domundo inteiro-não sabem oque devem a Man Ray. Tu-do que a fotografia tem demágico, de "fumiste", foi,mais ou menos Man Ray oprimeiro que pressentiu erevelou.

Hoje, com Tanguy, Mas-son, Brauner e alguns ou-tros, é um dos sobreviven-tes dessa época. Mas umsobrevivente, devemos re-conhecer, bem modesto.

A arte abstrata substitu-iu a arte surrealista, ou me=lhor, a tentativa surrealista.A fotografia fez imensoprogresso e a fotografiasurrealista parece hoje bemingênua e fora de moda. Oque era revolução outróra,tornou-se hoje convenção,"clichê".

APRESENTAÇÃO DE MANRAY

Dentro de algumas se-manas, Man Ray vai fazeruma grande exposição re-trospectiva em Paris. Moti-vo porque julguei oportunoir procurá-lo no seu ateiierna Rive Gaúche. Man Rayaparenta cinqüenta anos eno seu ar modesto adivinha-se o leão que já não tem asgarras de outróra. Seu ate-

fler é um tugúrio cheio deobjetos bizarros dadaistas,surrealistas, onde se vê ba-rômetros, ostras, estatuasnegras, manipanços, peda-ços de raizes, um verdadei-ro bazar de coisas estra-nhas e exóticas. E no meiode tudo isso, uma inverossi-mel coleção de quadros sur-realistas.

A CRÍTICA TEM UM CA-RÁTER DESTRUTIVO?

Como trabalha o se-nhor?

Não se deve pergun-tar a um artista como tra-balha — responde ManRay — mas em que traba-lha. E depois, eu poderiaresponder, não em duas pa-lavras, mas por um longodiscurso; prefiro esgotar omeu interlocutor do que re-sumir um assunto ilimita-do. O prazer e a liberdadesão os moveis de toçjas asatividades humanas'. A pro-cura da liberdade é o tra-balho» a procura do.prazeré o jogo. A crítica tem sem-pre um caráter destrutivo.Não admito crítica de artee sou de opinião de que de-viam assassinar todos os cri-ticos.

Todos?Todos, salvo aqueles

— ¦ '—¦wsta, fanático, Insensato,Califórnia; esse artigo

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"LTíTRAS B rARTE!> Página

cio. Não admito senão car-tas e prefácios; nada decríticas. Nunca consenti emsubmeter minhas obras àapreciaçãcvde um júri.

NÃO COSTO DE CON-

\CURSOS

O pintos' surre

que fazem a crítica favorá-ve!. Um crítico escreveusobre mim um artigo entu-

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nm mtÜftsjaRwSiv.-.-.v.

Ifcmt.. : •¦

Mi

h Man RaySo tinha lógica nem dire-iz; era um grito de entu-jsmo; fiz dele um preta-

Isso nao nos encora-jou a convidá-lo para a Bie-nal de São Paulo.

Gosto de exposições,mas não de concursos. Oúnico critério que reconhe-co como válido para a atri-buição de prêmios artísti-cos é a loteria. Um nume-ro para cada um e tira-se asorte. Quem ganhar será omelhor pintor. Assim, todomundo se interessará pelapintura. . f^

NÃO HÁ PROGRESSO EMARTE

Man Ray fala a torto e adireito, com muito brilhoe muita graça. Escutá-loconstitui sempre um-pra-zer.

O artista é o verda-deiro sábio — diz ele —pois vem para nós com ocoração e as mãos abertas.Já se disse que é pelo risoque o homem se torna su-

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perior ao animal. Mas euposso garantir que vi asnose macacos morrerem de rirolhando os homens. Nossaverdadeira superiori dadeconsiste em podermos criaremblemas representativos.A arte não é, porém, comoa ciência. Não há progres-so em arte. Nada de expe-riências. Quando o espíritobaixa em mim tomo dopincel e torno-me o que sochama um pintor. O cabe-lereiro e o violinista traba-lham também com instru-mentos semelh antes aosmeus. Temos muita coisaem comum. .. Procuro sertão livre quanto possível emmeu trabalho. Na escolhado assunto. Não admito queninguém me guie nem mecritique. A obra está feita,é tarde para modificá-la etem ela o sabor da liberda-de.FOTOGRAFIA E PINTURA

Na fotografia, tal co-mo o senhor a concebe,qual o momento criador? Omomento em que o senhorapreende o seu objetivo eescolhe o assunto ou a fasetécnica em que o retrato igravado e ampliado?

A fotografia, paramim, constitui uma parteda pintura. É uma espéciede litografia. Aliás, já no-tei que quase todos os pin-tores contemporâneos' tra-zem uma máquina fotográ-fica; mas ficam intrigadoscom isso e não ousam seservir dela. Mas bem que odesejavam. A pintura estámuito próxima da litogra-fia. Tiro retratos comoquem faz litografia. . .

Tek íeseníe áe MpAT

COM A LUZ

O importante está emescolher o assunto. Técni-cos há aos milhares. Com atécnica não se faz a arte.Tudo depende do assuntoque escolhi para fotografare da parte desse motivo queeu me decido, depois, aampliar. Fala-se muito emcomposição. Eu organizo omeu assunto. Por isso, di-ria antes, orientação, orga-nização da fotografia e doquadro. Há sempre numaobra um centro ao qual tu-do se liga em torno do qualtudo gira.

TRABALHO LENTA-MENTE

— Mas, afina!, qua! cseu processo de trabalho?

(Conclui lia iOa. í>ág\)

w

A FONTE DO CÔMICOSEGUNDO BERGSON

SANVANNA DIONISIO

FAZ agora precisamente dois

anos que nesta mesma pá-gina escrevemos algumasconsiderações acerca daexplicação bergsoniana do

riso. Tentaremos hoje dar emtraços breves o complementodesse escrito, apontando as su-gestões que o argutíssimo filo-soío da "Matéria e Memória"apresentou na parte final dasua tese sobre a "significaçãodo riso e a origem do cômico".

Fundado no princípio de queseria "quimérico" tentar expli-car um fenômeno tão complexoc sutil como é o riso por meiode uma fórmula apriorística,Bergson recorre a um processode exame direto das múltiplasexpressões do cômico, desde ocômico rudimentar das formase atitudes até o cômico tão di-fícil de definir das palavras, nointento de apreender uma expli.cação que sem esforço convenhaa todas e a cada urna.

O filósofo começa pelo examedo cômico das formas, começjan-do por perguntar: Que é umafisionomia cômica? Em que sedistingue o "cômico" do "feio"?Em que se distingue o "comi-co" do "disforme"? Assim pos-ta a questão, Bergson demonstraque a fealdade morfológica. so-bretudo quando é levada ao exa-gero da disformidade caricatu-ral, dá, consciente ou inconsci-entemente, a quem a observa, asugestão de que se está em íren-te duma ancilose da substânciaorgânica e vital. Daí o cômico.Assim, o homem esquelético, depernas excessivamente altas, fa-ria rir por dar a impressão decaminhar sobre ocultas andas.For sua vez, a face rotunda,enorme, de um gastrónomo se-ria risível por nos dar a suges-tão de estar como que a soprarindefinidamente numa trombe-ta invisível. E o que se diz dopernalta ou do personagemenorme e rotundo,. é lícito di-zer do corcunda ou de qualquerdisformidade que tenha, comodiz Bergson, o "triste privilégiode provocar o riso".

O rapazio, sem piedade, ri-seà socapa ou escancaras do mar-reca porque o infeliz lhe dá aimpressão de transportar, semrepouso, uma esmagadora baga-gem — que por distração ou fa-talidade se soldou ao corpo. "Odorso da pessoa como que teriacontraído um mau jeito Por obs-tinação material, por ancilose, apessoa persistiria no hilbito con-traído". A fonte da reação hilari-ante estaria sempre, segundoBergson, de um modo ou ou-tro, na "suspeita" de que houveuma inserção de ordem mecâ-nica na substância vital. O riso,perante essas disformidades, na-da mais seria do que uma es-pécie de protesto ou corretivo vi-brado pelos profundos interes-ses da Vida contra os sinais deaborrecimento do indivíduo quoteria consentido na "instala-ção" do jeito solidificado e des-gracioso onde a lei da vida or-dena que sobreviva sem repousoa agilidade e a graça. As fisio-nomias caricaturais são exci-tantos irresistíveis de riso por-que o instinto da Vida vê nessestraços e jeitos petrificados uniavitória da matéria sobre o espi-rito, urna subordinação inad-missível da agilidade vital à cs-trutura mecânica, unia ámõaçaem suma do "inerte" sobre oque nasceu para ser temerária-mente leve.

Resolvido assim o problema daorigem do cômico digamos moi-fológico; o "mago" ao "Colegade France" trata de expiisár ocômico das atitudes e dos ca-rácteres, guiado pela mesma in-

tuiçáo fundamental. O filósofoacentua que no homem háuma luta permanente entroa matéria e o espírito: aquelatendendo para a lei do menoresforço (o hábito, o au toma lia-mo, a fixidez e repetição dasformas e'atitudes); o segundo,ao contrário, em oposição a es-sa tendência para a imòbillaa-de, procurando manter o indl-víduo sempre atento, de andaresperto e gesto ligeiro. Quantiapredomina a tendência para oinerte, surge o "cômico"; se ôa tendência dinâmica e inova-dora, surge a "graça". Segundoa fórmula bergsoniana. as ati-tudes, as palavras, as ações hu-manas são risíveis na exata me-dida em que o corpo nos faapensar num simples mecanismo.É ver o exemplo sugestivo coorador que de instante a ins-tante repete maqulnàlmente umcerto gesto ou "bordão" locucio-nal. Se algum dos seus oüyhi-tes se apercebe dessa répetiòáq,ainda que se trate de oradorsagrado ou de um discurso pro-fundamente grave, o riso irre-sistívelmente estala. E por quê?Sem dúvida, porque o òüviiitc,ou o auditório no caso de o gea-to ou jeito verbal se tornar no-tado por todos, tem a suspeíçâosubtil de que o orador descui-dado ou inepto é um simplesmanequim de ventríloquo.

O cômico das situações numa?nas resulta da mesma suspeita.Segundo o autor de "Le Rire",todo o arranjo de atos ou acon-tecimentos que nos dão, insc-ridos uns nos outros, a sugestãonítida dum funcionamento me-càiiico sob a aparèncin d<* vida— é cômico. Para se aperceberisto com relativa facilidade bas-ta passar cm revista as váriasespécies de cômico explorado pe-lo teatro, do mais rudimentarao mais elevado, a. começar pelo"roberto" das feiras à alta co-média, passando pelo teatropueril dos títeres e as pantòmi-mas galhofeiras do circo.

Na vida real, uma uas fontesinesgotáveis de distrações o au-tomatismos risíveis são as pro-fissões que requerem de quemas cumpre uma certa rigidez; fío caso típico das profissões decaráter militar. Bergson, comadmirável bonomia, aponta umcaso típico de automatismo pro-fissional. Em dois traços, a ane-dota simbólica que nos conta cesta: No litoral do Mar Bálticodá-se um naufrágio que põe emrisco a vida dos tripulantes deum navio. Os guardas fiscaisdum posto aduaneiro açodem e,com extrema coragem, arrostan-do com a fúria das vagas, me-tem-se num barco e salvam asvidas em perigo, o barco carre-gado de náufragos vence a res-saca e vara na praia, fi nessemomento que um dos "própri-os" guardas fiscais pergunta aosnáufragos: — trazem algumacoisa consigo que pague direi-tos?

Bergson termina a sua origi-naiíssima e graciosa tese poruma análise fina do cômico cioocaracteres que lhe cícl-gcc oca-sião tíe traçar uma dezena de.admiráveis páginas sobre o sen-tido íntimo da Arte e em espe-ciai da arte dramática. Se séquiser ler alguma coisa do mes-mo gênero será preciso procuraralgumas páginas de Wilde so-bre a Mentira ou de Schõpe-íiháüèi sobre a Música.

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UMA coleção uc ouruo es.

escolhidas ó sempre umempreeendlmcnto perigo-

ro, • c no cnUulo nudu queconresponda tanto a uma ne-cessidade do cultura mais ur-gento hoje. do que nunca. Amultiplicação dus técnicas dedifusão constitui uma ameaçapara as formas tradicionais docultura que o livro 6 na qua-tro séculos o instrumento prl-vilegiado. fi, além disto, o sen.tido agudo da história o daatualidade dos contemporâneosafasta-os das grandes obrasdo passado. Para evitar istotorna-se necessário reapre-sentar estas novas, quer dizertorna-las presentes, vista peloprisma de um pensamento vivo-Tal poderia ser, creio eu, o papelda exe'.ente coleção dos "Escri-toreá de sempre", lançada pe-laj "Editions du Seuil" ( \).

Para dar de forma breve eacessível, u*a imagem atual dede um homem como Montaig-ne ou Stendhal, o melhor mé-todo é multiplicar as perspec

"ESCRITORES DE SEMPRE 59

í TE AN LOUIS BRUCti

tlvas que nos revelem êsse au-tor na sua totalidade: uma es-colha das passagens, mais su-Uvas, uma biografia rápida,um ensaio sobre o sentido

da sua obra e do seu pensa-mento, uma documentação fo-tografica, uma revista dosprincipais juizos que suscitou,constituem uma série de pers-pectivas parciais, mas conver-gentes, que, nos permitem cln.glr de perto sua contribuiçãocultural e sua vitalidade pre-sente. Assim se supera uma cri-tica de espirito "clássico" —unicamente orientada sobre aobra escrita — e uma critica deespirito "romântico" — , queatravés da obra, procura atingiro homem. A obra do autor c com-

pletada com um contexto bio-gráfico e crítico que lhe da umadimensão humana viva, Poisnão se trata de explicar à ma-neira do esteta, do historiadorou do arqueólogo, mas de sus-tentar um dialogo que toda aobra do passado deve suscitarna nossa cultura presente. As-sim. justifleam-sc os cortes eas montagens* necessárias. Opapel de uma passagem, cita-da age como pormenor capazde amoldar uma significaçãoestética adventicia, a justa po-sição do fragmentos permiteum confronto análogo ao dosmuseus. Esta coleção é como sevê contemporânea dos "recor-tes" da Psicologia da Arte e dos"gros plans" do cinema. O

reagrupamento se torna neces.sario sobretudo em escritores depensamento disperso, comoStendhal, pelas diferentes obrasque escreveu. O exemplo deMontalgne parece ainda maissignificativo.

Em cada volume, um ensaiodo sessenta páginas serve deintrodução aos textos. Nenhumdeles, é claro, pretende agarrara "verdade eterna" de umaobra ou de um pensamento, pro-curam simplesmente uma pérs-pectiva com interesse atual. Al-guns são polêmicos' como ode Claude Roy que descreveum Stendhal "progressista!' edemocrata, outros mais filosó-ficos como o de Francis Jean-

són, que esboça uma penetran-

te espécie dn "Pitcanallcoexistencial" de Montaigne Uu-minando a significação humn»na do seu projeto de slncc.rldado absoluta; outrosainda são descritivos: com;-)Henrl Guillemlm que consagran Victor Hugo um retrato tta-to mais veridico quanto deixade lado a unijficação o as Ia-ses desta longa existência mais"jovem" na maturidade do quena juventude.

"Escritores de sempre": o ter.mo é justo mais com a con-diçâo de ser entendido numsentido multo aterj. Pois nãose trata de autores cuja a obraou o pensamento guardam nãosei que "verdade eterna" que ásgerações sucessivas se trans-mitiram piedosamente ma.sde criadores que. em cada sé- jculo revelam algum aspectonovo e válido e que, no dizer doMalraux, "suscitam um diálogoquo se aprofunda e nos pareceinesgotável".

Achamos muito natural

que os grandes ' ho-mens respirem o mes-mo ar que nós. Somos

tentados, às vezes, pelo desejode conhecê-los. Encontrar-mo-nos com eles, muitas vezes,é o bastante e nem semprenos damos ao trabalho de lertodas as suas obras. Mas quan-do um deles desaparece, assai-ta-nos o sentimento dolorosode que fomos privados, de re-pente, de uma presença espiri-tual cujo caráter insubstítui-vel nem sempre -nos aprazlaconfessar. Sentimos que a suaentrada definitiva no "reinonoturno" nos deixa um poucomais sozinhos diante do eter<-no enigma do nosso destino.Semelhante impressão podetambém sobrevir quando mor-re um grande homem cujasidéias ou cuja atitude não con-seguiam a nossa completa apro-vação. Isto porque o que noscontradiz, ou nos escandaliza,faz também parte de nós mes-mos. Ê assim que pode ser ex-plicada a perturbação que a.morte recente de André Gideocasionou entre aqueles mes-

...mos que não desculpavam oi que consideravam como suasfraquezas. Na verdade, os de-tratores de André.Gide, empresença do ponto finai, qúe asua morte colocou depois daúltima palavra escrita por êle,não puderam deixar de perce-ber que esse ponto assumia aãproporções de um abismo sô-bre o qual esse homem nuncadeixou de se inclinai. Parece,com efeito, que, no nosso tem-po, só êle teve a coragem denão procurar disfarçar essagrande voragem, e de relatar,dia a dia, tudo o que ali des-cobria. Nenhuma preocupaçãocie agradar ou desagradar, ne-nhuma vergonha em procia*mar que a sua confiança ha-via sido trazida, e que tinhaerrado quando alimentou-a.Podia parecer que se contradi-zia apenas para aqueles quenunca tiveram meios de con^ceber que o amor absoluto pe-Ia franqueza e peia liberdadesomente são compatíveis com

•uma escolha, quando essa es-colha não implicar na aliena-ção da liberdade e da franque-za.

São essas as reiiexoes . quenos açodem ao espírito quandolemos a obra póstuma de An-tíré Gide que acaba de apare-cer sob o título "Et nuno roa-'nefc in te", seguida de "Jour-nal Intime", r.as Editons Ideset Calendes.

Encontramos aí as passa-gens que Gide havia substitui-tío por linhas ãe pontos no, cé-lebre edição do seu "Journal"que apareceu há vários anosna coleção da "Fieiade", nasEditions Gallimard. Se Gidehavia então desistido da suadecisão de se entregar inteira-mente ao julgamento dos seusleitores, foi porque as confi-

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UMA CONFIDENCIA PÓS-TUMA DE ANDRÉ' GIDEBBiaaBBiimmÊmimimáÊimÊÊmmÊmÊmmimÊmmmmmmmÊÊiÊaÊÊÊiÊmmmÊmmÊimiÊmimmmimÊmmmmmmiammm^Êmm

A. ROLLAND DE RENEVILLE

dênclas que lhes ocultava po-deriam envolver uma outrapessoa que não êle. Com efei-to, as páginas que haviam fi-

cado secretas até aquele dia, doseu "Journal", referem-se àsrelações tanto mais morais co-mo intelectuais, do grande es-

critor.com a sua mulher, Ma-deleine.

E' sabido que Gide conheceua sua prima Madelelne quan-

-Si

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"Figuras-' — L. CAMBÁRTES

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uo ercjin amda muito jovens, eque a desposou quando eramambos adolescentes. Esta mu-lher notável nunca deixou deInspirá-lo, e encontramos osseus traços.nos das principaisheroinas do romancista: naEmmanuele dos "Cahiers d'André Waltef", na Ellis do"Voyage dTJrien" e na "éva-.nesçente Angèle" de "Paludes".

Entretanto os conhecedoresda obra de Gide não podiamIgnorar que as predileções par-ticulares que êle manifestavanesses três livros estabeleciamum problema que êle nuncaexplicou: o da possibilidade doseu entendimento e da sua in-timidade com uma criatura quehavia escolhido entre as mu-lheres, êle que não-fazia mis-tériò de não poder ajustar-sefisicamente com nenhuma oque chegou até a pleitear asua própria justificação a esserespeito, no seu livro intitula-do ^Corydon".

De fato ficamos sabendo queo acordo que supúnhamos exis-tir entre o grande escritor e asua inspiradora tinha, desdemuito tempo, dado lugar, nes-ta última, a uma resignaçãoaltiva e decepcionada, e neleao desespero de não poder re-conquistar aquela pela qualnunca deixou'de sentir o mes-mo amor espiritualizado, masque a sua abstenção e as suastraições haviam afastado parasempre dele.

Foi a partir de novembro de1918, quando soube que a mu-lher queimará todas as cartasque lhe havia escrito no de-curso de trinta anos, que Gidecompreendeu que á sua esposahavia decidido separar-se mo-ral e intelectualmente dele, sebem que continuasse a ficar aoseu lado.

, Ela chegou mesmo a destruirvoluntariamente todas as sedu-ções que o encantavam, a fimde orientá-lo secretamente, pe-Io seu próprio exemplo, para oisacrifício crlstào.

. 'Girie akn« nx,> * diA- oseu drama pessoal em presen-ça do que viveu, púi s>u < U.-pa, a mulher que mais amavano. mundo. E a confissão com

•que precedeu os fragmentosinéditos do seu "Journal" ,fi-cará como um dos mais belostextos da literatura francesa,tanto pelo seu estilo incompa-rável, como pela emoção co.hque soube se exprimir a pro-pósito de umá tragédia física emoral sobre a qual não havia-mos tido até o presente umaprova direta;

Para nós essa emoção resti-tui à mensagem de Gide es.r;anota de ternura e de purezade que êle, no entaíito, asse-verou estar a sua obra priva-da pela destruição que Made-leine fez de uma correspondeu-cia, com a qual, anotou '»na-quele dia: "E* a melhor coi-aminha que desaparece; e quea. pior não poderá mais contra-halançar".

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Domingo, 16-3-1952 L E T R "A S E rA RT ES Página — 9

AO creio que haja HngUAmais conspurcada pelosbarbaríamos do que a nos-

3a lingua brasileira. A práticado barbarismo já se fax sentirhá muito quando os elegantesdo principio do século a perpe-travam a título de "snobismo".intensificou-se de tal modo, decerto tempo a esta parte, qua Inão como domina-la. Descul-pavel no que diz respeito à ter-minologia técnica, o neologismoacoberta as mais das vezes oabrasileiramento de um vocá-bufo alienígena, como no casoda palavra "relay", já agora di-to rclé e na da palavra "cquip-ment", nacionalizado para equl-pamento, é deplorável em ou-tros aspectos.

À parte os termos incorpora*dos à lingua por não existiremvocábulos correspondentes queexprimam exatamente a idéia,que são centenas e que conser-vam a característica eslrange!-ra mais ou menos adulterada,como é natural, na prosódia,embora conserve a grafia orl-^inal, ha os que penetram nalinguagem ordinária pelo des-vão da desidia ou da ignoran-cia. Aqueles são mais ou me-nos inocentes pois são justifi-caveis em sua finalidade. O ei-

| nema, o radio, as artes, os cs-j portes e até a literatura têm

BARBARISMOS DISPENSÁVEIS

c ONTEMPORANEO de|Me-i tastasio, o veneziano Car-A lo Goldoni abandona as'.fantasias de idilio arcadico e a

sentimentalidade dos heróis demelodrama para realizar um es-tudo atento da sociedade que ocircunda; e assim, sua reformada comédia anuncia, ou meihor,começa o grande esforço para averdade que vai renovar a lite-ratura italiana.

Nos últimos anos do século 17os italianos quase não conhe-ciam mais do que a comédia im-provisada. Não se escrevia senãoo "canevas" da peça, o argu-mento, e os atores em lugar decitar os papéis improvisavammonólogos e réplicas. Adquiri-iam depressa o hábito de repro-duzir lugares comuns, relatosapropriados a determinadas si-tuações e a eles misturavam, porvezes, alusões aos acontecimen-tos do dia. Era preciso, pois, queator tivesse um real talento,que conhecesse bemo"metiér",

motivo por que chamavam aesse gênero de produção teatraljde

"comédia da arte". As"troupes" viajavam pelo estran-geiro e improvisavam suas peçaslem todas as capitais da Europa.

[Em geral o mesmo ator encar-| nava sempre um dos tipos cô-;micos preferidos pelo público: ocriado malandro ou pobre de es-pírito, o capitão fanfarrão e lo-quaz, o burguês honesto, o ve-lho geralmente avaro, o par.amoroso, a jovem doméstica. Opersonagem criado tornava-sepopular e passava a ser imitadopor outros atores.

Nos meados do século 17 a Co-I média da Arte havia atingidoo apogeu, mas estava irremedia-1 velmente condenada à decadên-cia. Quando faltavam atores do-tados de um verdadeiro talento

de improvisação, tornou-se ela/uma seqüência de gestos e ré-plicas cem vezes repetidas, degracejos pesados e grosseiros, ostipos denominados "máscaras"

I tornaram-se tão convencionais,que já não permitiam nenhuma?invenção por parte dos atores.No século 18, o povo corria ain-da em multidão para ver as co-médias improvisadas, mas a so-ciedade culta delas se afastavacada vez mais.

I Poi então que Cario Goldoni: pediu à observação da sociedade• uma renovação do gênero. Não

que visse.êle claramente o mal;do seu século e quisesse, comoíízeram, mais tarde, Párini eAlfieri, atacar os costumes doscontemporâneos. Se êle conse-guiu fazer foi quase sem perce-ber,.por um instinto natural dehomem honesto e de artista.

| Toda sua vida nós a vemosi dominada pelo amor ao teatro.I Fez êle o curso de direito, masj na primeira ocasião deixa os li-! vros de direito para compor o"canevas" (enredo) impsovisa-

A. CASEM1RO DA SILVA

contribuído para enriquecer oacervo de barbarismos justifica-veis ou indesejados. A admira-vel plasticidade do lingua in-glêsa cm formar verbos de subs-tantitivos é uma fonte insopitá-vel de barbarismos rejeitaveis.Nas crônicas de anúncios decinema escreve-se — este filmeé "estrelado" por Fulano. Amenos que seja o caso do ovo,não se usa o verbo estrelar emportuguês.

Os barbarismos sintáticos(sem referencia à trivial corres-pendência comercial de casasestrangeiras, manancial perpé-tuo de abastardamento da Un-gua) vão tomando pé e subln-do até os degraus da literaturaem engasgagatos gramaticais ede estilo, só comparáveis aomistifório que resulta da tenta-tiva de certos escribas alieníge-nas de escreverem em vernacu-lo, cujos cânones não se dignamrespeitar.

Quando o adventicio vem aesta terra e batiza em seus 11-

vros comerciais sua fabrica co-mo "planta", o brasileiro sorri.Acha graça mas não se lembraque a insidiosidade medra e queo amanuense inexperto ficamermo convencido de que"planta" é mesmo fabrica.

Ora, "plant" é, em inglês,nesse sentido o conjunto de ma-quinas e acessórios de uma In-dustria e, portanto, cm portu •guês seria simplesmente fabri-ca. Nem mesmo se pode Invocara analogia com o desenho emplano horizontal de um edifi-cio ou cidade, no qual sentidodesignamos pelo nome de piau-ta. Quando êle diz que o pro-cesso não "trabalha bem" por"não dá resultado"; que o Sr.Fulano se "reporta" ao depar-tamento tal, ao invés de o Sr.Fulano se subordina ou prestaobediência ao departamentotal, nós damos de ombro e nãoprocuramos corrigir. Outro bar-barismo que cria raízes é DES*PESAS DEFERIDAS usado emcontabilidade em casas comer-

ciais estrangeiras. E' a traduçãoao pé da letra do Inglês DE-FERRED EXPENSES, que rc>presenta despesas a serem U.quidades em futuro exercício oaà expiração de um prazo cs-pecificado. Ora, deferir emportuguês é aceder, anuir, des-pachar favoravelmente, con-descender, como se pode ver emqualquer dicionário credenciado,mas nunca adiar, procrastlnar,como em inglês. Eis ai outrobarbarismo indesejável que aen-tro em pouco irá ganhando fó-ros de bom metal.

Há alguns anos cm artigo dejornal chamei a atenção dosleitores para os neologismos as-náticos da lavra de adventicioaignorantes de nossa lingua,apontando a necessidade de suaaprendizagem por parte dele ede medidas de defesa do nossopatrimônio lingüístico que seconsubstanciassem em proibirnos anúncios e escritos publi-cos os soleeismos berrantes quese deparam a cada passo.

GOLDONI E A REFORMADO TEATRO ITALIANOj.*i

das ou acompanhar. um grupo,de atores. Náo encontrara deíi-nitivamente o seu caminho se-não mais tarde, depois de ter-seensaiado em gêneros diversos,compondo tragédias, tragi-co-médias e melodramas.

Desde 1738 um esboço de re-forma começa a desenhar-senas suas peças, onde já um pe-pel inteiro é redigido. Depois dealgumas viagens, Goldoni, em1748, abandona definitivamenteo exercício da profissão de ad-vogado para tornar-se o poetatitulado de um grupo ó> •*««"«

cômicos dirigidos. por Medebac,com o qual retorna êle a Ve-HCZ£l

Vai agora poder consagrar-seinteiramente à reforma que temem vista; todavia, será cons-.trangido a fazer, de quando emquando, uma concessão ao gostodo público é compor alguns "ca-nevas"; sobretudo, ser-lhe-ápreciso trabalhar depressa. Du-rante toda a existência, éle nãocomporá menos de duzentas ecincoenta peças, comédias senti-mentais, de costumes e de carac-teres. Em Veneza, essa reforma

acarretar-lhe-á muitos obstácu-los e adversários .encarniçados;o público acorre às representa-ções das peças de Chiari, hojecompletamente esquecidas, masque correspondiam ao gosto po-pular por suas aventuras estra-vagantes e vulgares. As "fahu-Ias" cheias de passagens inve-rossímeis de Cario Gozzi atraemigualmente a multidão. Goldoninão se sente talhado para a lu-ta e aceita a direção do teatroitaliano de Paris (1762). E é alique escreve êle, em francês, suas"Memórias"; que revive a fislo-

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SEPP BENDERECK NO MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO — Acha-se franqueada ao público,no Ministério da Educação, a exposição desse pintor, apresentando interessante conjunto de pia-»—" '"" "" (uras, ••••-¦—..-..- -—-

Por que não trazer á baila oassunto agora, sugerindo umarepulsa contra o barbarismo an-tipático que empobrece a noss.tjá tão dcssôrada lingua? Todos«abemos que a lingua evolui,sofro metamorfoses de origemdiversa, produto de círcunstan-cias várias, ora tornando ouso-Ictos uns vocábulos, ora incor-porando neologismos, ora fa-zendo reentrar cm circulaçãopalavras há muito desusadas,ás vezes mesmo modificando apronuncia delas.

Mas tudo isso dentro de umplano natural de evolução e náitforçado pela solercia de muito*e pela ignorância de outros.Esta face do nosso problemade evolução lingüística não teminteressados os intelectuais, nemaqueles a quem compete a suadefesa. Quem jamais pensou naaplicação de dispositivos de leipara defcnde-Ia da avalanchede barbarismos e neologismosde mau quilate que tanto a des-feia? Não seria uma medida sa-lutar o impedir-se que àliení-genas vivam anos e anos emnosso país sem dar a menoratenção à nossa lingua; ou queesses mesmos, abroquelados nanossa desidia, conspurquem oidioma inventando neologismosbastardos ou massacrando anossa pramatirta?

jiomia do homem gentil e ho-mesto que foi Goldoni, e é alique morre, em 1793, num es-tado vizinho da miséria.

A reforma de Goldoni encon-tra-se toda ela nesta frase deisuas "Memórias": "Toda aaplicação que eu trouxe à com-posição de minhas comédias foide não estragar a natureza".Goldoni observa, pois, a reall-dade, mas como não é providode uma forte cultura clássica,não se embaraça, absolutamen-te, com preconceitos: "Nuncasacrifiquei — diz êle — uma co-média que podia ser boa a umpreconceito que a tornasse má"("Memórias").

Admira êle Molière e procuratambém estudar e criar carac-teres. Goldoni prefere, na rea-Jidade, uma seqüência de acon-tecimentos extraordinários apintura de um caráter que sodesenvolva naturalmente, no üe-curso. Mais ainda, porém, doque no estudo dos caracteres.

Goldoni excede nas descriçõesde costumes e sobretudo àc «n*.tumes venezianos.

Mas não devemos ver nelaapenas um observador da reall-dade. Por instinto foi Goldonitambém um moralista, mas ummoralista que contempla a vi-da com óculos cor de rosa, queimagina boamente que os seme-lhantes são honestos quanto élc;daí sua enorme indulgência, epôr êle sempre em cena meni-nas obedientes, esposas virtuo-sas, pobres que resistem à se-dução da riqueza, teimosos bert-fazejos. E acontece, com ire-quência, aliás, o mentiroso ou ointrigante se corrigirem no fimda peça, ficando todo mundocontente e acabando as coisasda melhor maneira possível.Uma visão tão otimista da vi-da, sobretudo num século emque a sociedade era muito cor-rompida, mascara certa fran-queza; mas podemos censurar oautor por essa bonomia que es-tava no fundo do seu caráter?Viu êle, sem dúvida, os vícios daépoca, mas a sátira raramentese tornou áspera na sua obra;esta contem, todavia, uma críti-ca muito sincera dos costumesda nobreza e da alta burguesia.Goldoni faz ouvir a voz do bomsenso e da honestidade quandochasquea o gosto pelo luxo, amoda dos chichisbeus e os ridí-culos da época. Mais, porém,que o promotor 6e uma reformasocial é êle o autor cômico, coma intuição das fraquezas do sé-culo; o repròèhé que lhe pode-ríamos fazer seria o de ter-seretardado na pintura da virtu-de. Êle a apresenta com um en-canto extraordinário, mas nãoaprofunda a realidade, não semostra um filósofo, o que nosimpede de compará-lo a Mo-Jière.

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Página — 1U LETRAS E ARTES Domingo, 16-3-1952!

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CHARLES

Chaplln possui*"um aspecto físico muito

agradável. Uma silhuetabem cortada, de proporções ad-miráveis, mãos c pés pequenos,extremamente bem desenhados.Seus traços são nítidos, um nu-riz antes grande do que peque-no, uma boca muito expressivac olhos belos, uma cabeleira nc-gra abundante e encaracolada,com largas estrias brancas. To-dos os movimentos impregnadosde uma graça singular.

E um tímido. Sua palavradeixa ainda a adivinhar o "co-ckney" que ele foi na mocidade.Seu espírito exuberante está emperpetua ebulição, e quando sesente ele à vontade em melodos amigos posa o palhaço comuma encantadora simplicidade.Seu espírito inventivo é de umafertilidade incessante, mantidapor uma vivacidade sempre pre-sente. Possui, além do mais, umdom de mímica incomparável:sem conhecer o francês e es-panhòi, consegue imitar umapessoa, falando ambas as lin-guas, com humor extraordiná-rio.

E capaz de improvisar emalguns segundos o diálogo ridí-culo e um pouco tocante de du-as donas de casa de um bairro

(Conclusão da 3.a pág.)criíores e épocas de nossa II-teratura, já representou umlouvável esforço para reprimiros excessos do modernismo eenquadra-lo numa linha me-dia.

XXXv

A minha referencia ao ra-to dos modernistas não have-rem tomado conhecimento dossimholistàs, suscitou tambémuma observação da parte <ieCarlos Drummond; lembrou-meele uma visita feita por Mariode Andrade a Máriana, nospredromos da Semana de ArteModerna, tendo ali travado co-i:hecimento com Alphonsus deGmmaraens, por quem nutriaadmiração e no espirito daqual deixou a melhor das im-pressões. Mas foi ..uma admí-ração isolada, sem maioresconseqüências. De maneira çe-ral, os modernistas desconhece-iam o simbolismo, o que se de-vc explicar pela circunstanciado movimento ter passado qua-se despercebido no Brasil, lo-go superado por um largo flu-xo neo-parnasiano. Só de unsanes para cá começamos a atri -buir-lhe o lugar de relevo queteve ele em nossas letras. Osmodernistas, que viram nosparnasianos os inimigos, se nãose preocuparam em atacar ossimbolistas, tambem não quise-ram reconhecer afinidades comestes, (Nos modernistas gau-chos, no entanto, parece ha-ver existido tais afinidades ede maneira bem sensível. Tema palavra Augusto Mcyer).

Coisa curiosa, para a qualme chama, igualmente a aien-cão Carlos Drummond e que,aliás, não me escapara: ape-sar do seu espírito destruidor,u modernismo acabou provo-cando um revalorização donosso passado. Isto devidoaquela "procura" do Brasil,que constituiu um dos pontoscomuns de todas as corrente!?,desde o "desvairismo" de Ma-rio de Andrade, ao Pau Brasil eao Verde Amarelo. Detestava-se o passado: o passado falsode artificialismo, de imitação;buscavam-se as raízes genuHsías do Brasil, e com elas vi-ria juntamente um passadoque estaria no Aieijadinho, nobarroco mineiro e terminariana fundação Serviço de Patri-nionio Histórico e Artístico, j

X X X;'\ No meu artigo falei tambem _.

RETRATO DECHARLES CHAPLIN

SOMERSET MAUCAIAM

popular. O humor que se des-prende da imitação dessas duasmulheres tem sua fonte na ob-servação profunda rio meio, ex-pressa com tanto realismo queuma nota trágica a ele se mes-cia, pois tal resultado não po-dia ser obtido, senão depois dese ter conhecido de muito per-to a miséria e a pobreza.

Um instante depois, fará eleuma imitação de diferentes nu-meros componentes de um es-petáculo de "music-hall" devinte anos atrás ou arremedaráos artistas amadores nos seusmelodramas de beneficio. Masesta seca enumeração de umaparte inf.ima de suas possibili-dades não pode dar idéia doencanto extraordinário que oenvolve e emana de todos osseus gestos.

Charles Chaplin consegue nosfazer rir horas e horas sem for-çar a nota um só momento. Tu-do nele é espontâneo e natural

wHffiab*S«KoffiWÍ5Klfllt ¦¦¦¦¦¦¦¦»•'¦¦¦'¦ iHMíBI iWlíP''ittWiflMH1 ^P^niw

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CHARLES CHAPLIN

possui o verdadeiro gênio do cô-mico. Sua graça é de uma sim-plicidade muito doce. Entrctan-to, não podemos libertar-nos daImpressão freqüentemente dolo-rosa de que no fundo de tudoisso reside uma profunda me-lancolla. Ê um ser que dependototalmente do seu estado de es-pirito e não tem necessidade dese reportar a esta curiosa afir-mação: "—- Eu tinha um tédiotal ontem à tarde que não sa-bia o que fazer de mim mesmo",para perceber-se que o seu hu-mor é tingido de tristeza.

Não dá ele, na verdade, a im-pressão de um homem feliz. Te-nho como que uma vaga idéiade que a nostalgia dos bairrospobres onde ele nasceu estásempre a trabalhá-lo. A celebri-dade, que ele aprecia, e sua íor-tuna aprisionam-no numa vi-da onde ele não encontra se-*não constrangimento. Creio queesse homem pensa constante-

Lima Barreto contra o "futurismo'

na indiferença dos modernista»com relação a Lima Barreto.Carlos Drummond lembra-me ofato do romancista have-los'atacado, suscitando até um re-vide da revista "Klaxon". As-sim, pelo menos, uma vez te-liam eles tomada conhccimcn-to do autor de "Policarpo Qua~resma". Era 1922 Lima Barre-to escrevia quase semahalmen-te na "Careta" pequenos arti-

gos, ora virulentos, ora iron!-cos, criticando os costumes, ospolíticos, o governo. Uma dascoisas que lhe despertavammaior ojerizá era o futebol echegara mesmo a fundar umaliga contra esse esporte, O mo-dermsmo tambem não o agra-dou. Na "Careta" de 23 dejulho de 1922 começa ele umacrônica nos seguintes termos:"São Paulo tem a virtude de

descobrir mel de pau em ninliode coruja. De quando em quan-do, ele nos manda umas no-vidades velhas de quarentaanos. Agora, por intermédio doSérgio Buarque de Holanda,quer nos impingir como desço-berta dele o tal de futurismo.

Nós já sabíamos perfeita-mente da existência de seme-lhante mahsquice, inventadapor um senhor Marinetti que

"Fotografar é pintar com a luz'>

(Conclusão da 7.a pág.)Trabalho lentamente,

muito lentamente. Não cre-io no labor. Tenho mil idéi-as, mas executo-as muitodevagar. Nunca faço duascoisas ao mesmo tempo.Outróra, quando fazia fi.l-mes sobre cristais, eu tinhavontade de fazer mover osobjetos e nesse momentoabandonei toda outra espé-cie de atividade. Não pintono período em que me apli-co na arte fotográfica e vi-ce-versa. Mas faço, indife-rentemente, fotogr a f i a epintura e exponho, de boavontade, fotografias e te-Ias.

E depois de uma peque-na pausa:

Recentemente, muitoabsorvido por objetos geo*métricos, para os quais Ma*Ernst me chamou a aten-cão. Não que eu os repro-<duza tais quais são; masexagonos, triângulos, esfe*ras, são interpretados por

mim, transformados, ani-mados... Consigo encon-trar a legenda que os dissi-mula. É o contrário de umaarte abstrata; bem o sei eo proclamo. Aos meus tron-cos de cone e. pirâmideschamo de Hamlet, Otelo eassim por diante, São dese-jos, paixões, seres. Comigo,Arp e Sicabia vse entregamao mesmo esforço para des^pojar a geometria de suaface fria e superficial, fa-zendo-a vi b r a r. Lautrea-mont cantava: "Au s t e r amatemática. Eu não te es-queci. Tuas modestas pira-mides serão mais eternasque as do Egito, erigidas pe-Ia cupidez e a escravidão"O conjunto de minhas telasgeométricas c h a m a - s g"squa

ções shakespearia-nas"»..-- # ;

NÃO PENSO NADA DESALVADOR DALI

¦' - h- £)uais ¦ suas -relações

com o grupo surrealista dehoje?

Envelhecendo, os ele-mentos se dispersaram. Mi-nhas relações, no entanto,permaneceram excelen tescom Dali, Breton, Ernst,Arp, Tanguy. Mas já nãofreqüento, como outróra, oscafés. Quanto aos jovens,eles me pedem sempre pa-ra colaborar em suas revis*tas. Acredito, porém, cadavez mais, na modéstia.Quero trabalhar longe dapublicidade.

Que pensa de Salva-dor Dali?

—• Nada. Três vezes na-da.

Fico ainda um bom tem-po a apreciar os objetos dobazar de Man Ray. Ê umverdadeiro caleidosc ópio,um armazém de curiosida-des. Nada admiro daquilo,mas me divirto loucamente,

mente na grande llbertíafcsua juventude dlficil, de suibreza, de privações sem níupor que passou ( e sonha ceudesejo tanto mais ardente mto o sabe irrealtzavci.

As ruas dos bairros popisos de Londres suo para eijquadro de cenas extremai^alegres c de aventuras exirjgantes. Desses recantos cm*um realisnlo que não possijamais as belas avenidas, lconservadas, marginadas cieilacetes. Imagino-o entraiicio'sua casa é perguntando a rade sua presença numa "vaitão luxuosa. Suponho-o, de bagrado, a sonhar sempre compequeno apartamento pcrcl]no fundo de Kennington Ro;único lugar onde se pocteraver em paz.

Uma tarde, passeava eu cêele em Los Angeles e nosso; úsos nos conduziram para uni cíbairros mais pobres da citíalSó se*viam casas esbüracat}a|tabérnas de muros leprosos, èpondo mercadorias de mau g(to que a gente humildei rtee ali, comprava. O rosto de Chplin ilumihou-se, sua voz |nhou uma entonação cheiaalegria quando ele exclamou!

— Eis a verdadeira vida, icjo resto é factício.

fez representar em Paris "Roi Bombanee"; sua «nica \\*ude era mostrar que tinira

do demais liabclais".Diz em seguida Lima Bar:

to haver recebido o "KlSxotipensando, a principio, que ltratava da propaganda de urfnova marca americana de aítomovel; leu a revista e icomo os moços estão, atrados: «ma novidade de vi:anos atras. Acaba declaram«ão representar o ãzèduBie Jsua nota nenhuma bpstilidalaos moços, apenas uma sistra manifestação de ántípal^contra o grotesco "Futurisií-iJq«e no fundo não passa m"brutalidade, grosseria e esMtologia". m

¦

Ora, em julho de 1D22. úãcompreensível a confusão eiifo modernismo brasileiro e o Iturismo de Mavinetíi. Pr:ceu cia ainda durante unitesnpo, tendo sido umanrcociipaçoos do grupo pauli]ta csíaboíecer desde íogo a íi|ferenciação entre ad duas eflrentes. E se um espirito unaquico e rebelde., como LinjBarreto, via com maus olhosindisciplina dos moços, eiporque julgava tratar-seuma simples adaptação das terias de Marinetti, cujo scnli«reacionário evidentemente ni|lhe escapava.

"Klaxon", no numero de 1|de agosto de 1922, respondeu|ataque, começando por cons|derar Lima Barreto "um escátor de bairro que desemboco|numa viela da Saúde!', pensado dar mna rasteira nos ra|dernistas. Acusa-lhe a coni«são grosseira do "espirito t!atualidade" de "Kiaxon" com.futurismo italiano e teniinidizendo que, ao menos, U^Barreto assinara o artigo cortra os modernos, coisa até cijtão só feita por Mario Pi"íServa. A quase totalidade wataques vinha sob a caya fanonimato (alusão, de çertojvários artigos nessas condí':"!publicados anteriormente f|mesma "Careta"),

oe Lima Barreto vivesse 3-"tempo qual seria, finàimeni1]sua atitude com relação ai;jmodernistas? Que o diga o sibiografo, Francisco de A=-Barbosa. Acredito que o rmancista de "Policarpo Q;íresma" nunca veria no mov ¦mento uma legitima manif1-.!tação de espírito revolucionar^;ta! como cie compreendia cs^íultimo, ¦ y

mSBJmUSmim* - . ¦|Ví-hi-MÍM'i'«««ii»i~~ÇÍ'-{J.J~"' "" ~>\~;~ .L M

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Domingo, 16-31952 E ET RAS E rA RT E S Página — 11

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O cinqüentenário dos "Sertões"&3M&!

Homenagem a Genolino Amado Paul Fort completa 84 anosi

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Comcmcra-so este ano o clnquçnle-narlo de um dos maiores livros daliteratura brasileira "Os Sertões", doEuclldes da Cunha, Sabe-so do êxitoextraordinário alcançado por essaobra que, de um momento para ou-tro empolgou todo o país. Os edito-res Laemmort, que lançaram a obrucuidaram logo de fazer uma segun-da edtçfio, enquanto Euclldes ganha*va uma quantia quase Irrisória comodireitos autorais. Mas na realidade,ele nfio esperava ganhar coisa algu-ma, pois receava enormemente oíracasso do livro.

Por motivo dn sua nomeação para diretor da Agen-cia Nacional,- o escritor Genolino Amado vnl ser honv1-nageado por um grupo do amigos c admiradores a írentedos qual; se encontra a Sociedade Brasileira de AutoresTeatrais. As adesões poderão sor feitas na secretaria des-sa Sociedade e na sue Soç&o Comercial, a avenida Alml-rante Barroso, 97, 2fl andar,

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' "Escrita Brasileira1'

A prof. Ormlnda I. Marques planejou e executou, em5 Interessantes cadern03 (Edições Melhoramentos), "Es-crlta Brasileira", em moldes que atendem ao ritmo daprópria mfio do aluno. Trabalho original o de incontes-tável valor prático.

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Í»ÊC

Encerrou-se no dia 15 do corrente a exposição de pl:vtura do Scpp Baendereck, no Ministério da Educação.Despertou essa mostra de arte o maior Interesse da cri-tica, sendo muito visitado. Trata-se de um artista real-mente original e cuja obra ô marcada por uma íorte per-«onalidade.

Faleceu Emile Brehie- >

Faleceu, ha pouco, em Paris, o escritor Emlle Brehierhistoriador da filosofia e membro do Instituto de Françaonde ocupa, desde 1941 a cadeira de Bergson. Nascidocm 1876, Brehier lecionou nas Faculdades de Rennes tBordeaux e depois na Sorbonno. Em 1936, Brehier douum curso no Rio de Janeiro. E' ele autor de uma "Hlstoriitia Filosofia", em 4 volumes, de traduções e comentáriosda obra do Fllon e de substanciosos estudos sobre oobra do Clotlno.

Revista de Folclore

istilidaHa si;tntèpafurismtfcilssa m

e csrn1ao eiil» e o |fPrsviJ; í-niiilma

pauii]ro ;n âias cc|:o sina]o Liaolhos

OS, Cl•-sedas le;

sentidfite ná;

o dcpnãcu.lr co/vn escí|mifeocl

egressou do norte o Teatro do Estudante Encerrou-se a exposição Sepp BaendereckRegressou do norte do país, no dia 13 do corrente,

caravana do Teatro do Eetudanto do Brasil, depoisi haver feito uma brilhante temporada nas seguintespitais: Manaus, Belém, São Luis, Fortaleza, Tere^i-

i, Natal, João Pessoa e Recife, despertando sempro onior interesse e recebendo expressivas homenagens fias'jsses estudantis, dos grupos teatrais e autoridades lo-

X Em João Pessoa, a estréia constou da representaçãotragédia "Hecuba", de Eurípedes,- em homenagem. a

é Lins do Rego, que compareceu, Juntamente com o,/ernador José Américo.

Em cada capital, sob os auspícios da Recreação Ope-ria, do Ministério do Trabalho, foi realizado um espe-

ulo gratuito para os filhos dos operários.

A América e o BrasilFestejado autor de obras didáticas, R. Haddock Lobo

m sido apresentado, através de ótimos livros ilustrados»lias Edições Melhoramentos; Jã em harmonia com as*odernas exigências do programa oficial para 1952. As--i é que acabam de aparecer, de sua autoria, "Histórias

América" e "História do Brasil", esta para a li» sé-e aquela para a 2.a, ambas do curso glnaslal.

Conferências sobre o modernismo^Bor iniciativa de José Semeão Leal, diretor do Ser-

go dè\ Documentação do Ministério da Educação deve-. ser realizado muito breve um curso de conferênciasibre o movimento modernista no Brasil. Vários escri-|res já foram convidados para pronunciar palestras so-ro diversos aspectos do movimento, e entre eles, o criú-p de arte Mario Pedrosa, a escritora Lucla Miguel Pe-jpira e o escritor Sérgio Milllet, que como se sp.be íoltu dos elementos de destaque do modernismo.

Biógrafo sacro

O poeta e escritor Jorge de Lima se vem dedicando,ltimamente, a biografias de santos. No gênero, segun-

-o se anuncia, já tem dois livros prontos para o prelo,rata-se da biografia de São Francisco de Assis, e de San-i Antônio-de Pádua. No intervalo dessas novas ativlda-ís, dedica-se a sua grande obra, uma eDopéla de algunslilhares de xerw

O museu particular de Sacha Guitry

'%,Uma das curiosidades do ambien-

te parisiense é o museu que SachaGuitry mantém em sua residênciaparticular. De ha muito que o çonlié-cido ator e autor vem reunindo alitoda sorte de preciosidades 110.3 maisdiversos ramos artisticos. Uma desuas peças mais notáveis, por èxeni-pio, é o original do testamento doaGcncourts. È como alguém, visitan-do o museu, lhe perguntasse quantovaliam teclas aquelas coleções, res-pondeu Sacha Guitry: — Sou co-lecionador, mas não sou contabilista.

¦Job a direção de Rossinl Tavares de Lima e secretariada por Hernanl Donato, foi lançado em São Paulo o primeiro número de "Folclore", revista editada pela Comissão Paulista de Folclore e pelo Centro de Pesquisas Foiclórlcas Mario de Andrade.

Prêmio científico

O maior prêmio cientifico outorgado pelo Governo es-pnnhol, o Prêmio Ramon y Cayal, vem de ser conquistado,este ano, por José Manuel Rodrlguez, professor da Uni-versidàde üe Madrid, que se encontra há dois anos realí-zando investigações de ílslologia na Universidade de Yale.

"Letras da Província" n.° 38

Publlca-se em Limeira, no interior do Estado de SãoPaulo sob a direção de João do Sousa Ferraz, o jornaldo literatura e arte "Letras da Província". A aludida pu-tallcação, que se. encontra já, em seu quarto ano de êxis-tência, tem promovido grande e utílísslma campanha dedifusão cultural, especialmente no interior do país, man-fmdo, ainda, intercâmbio com os centros literários de na-cães americanas e européias. O 38.° número da excelentepübíicação interiorana publica, entre outras, colaboraçõesde Luís Washington, Gastón Figueira, Mareei Carnétes,Martim Ruiz, José de Sá Nunes, Henrl-Simon Fauro e Re-nato Kehl.

Teatro de Marionetes

O Serviço de Documentação, do Ministério da Educa-ção o Saúde, vem de publicar, em sua coleção Cadernosde Cultura, o "Teatro dc Marionetes", de Heinrich vonKlelst famoso novelista e dramaturgo alemão do SéculoXVIIl' Do mesmo autor, considerado por muitos comopertencente à categoria intelectual de Qoethe, as EdiçõesMelhoramentos publicaram, recentemente, a novela Avingança de Michael Kohlhaas", cm excelente traduçãode Otto Schneider.

Pode-se dizer quo bem conpld*nv«6 o numero do cscritore.-j frónoôseíque Já completaram olttnta nnos.Ainda ha pouco Colctte, com toda avlvacldade do seu espirito criador,ntlnglu essa Idade super-pr ovocta.Agora, é o poeta Paul Fort que com •plcta não apenas oitenta, min olten-tu o quatro anos. Paul Fort vive mo-rlcstamcnte num subúrbio de Pariso os escritores da geração moderai;-ta devem se lembrar dtlo que aquiostove em 1921. íazondo conforonolas:peregrino Júnior, então no começode uma carreira literária que Ia '«orbrilhante, chamou n atenção do pu-bileo, escrevendo Importante estudosobro o poeta nté então desconhecidotio Brasil.

Três momentos do existencialismo

O sr E Vitor Vlscontl, autor de "Slnarqula", "Evo-

lucão dò Pensamento dialético", "Dialético trnnscenden-tal e suas conseqüências", etc, acaba de publicar emedição dos Irmãos Pongetti Editores, seu novo livro, T.'Wmomentos do existencialismo".

O 'Teatro de Cervantes"

Uma das "plaquettes" mais Interessante que acabamdo ser publicadas pelos "Cadernos Cultura" é o .ensaioc?itico-h?storico de José Caries Lisboa sobre o; "Teatro

S reVvantcs" O autor, professor dc lingua e literaturaesoanSohvSs Faculdades de Filosofia da Universidade donmsil e na de Belo Horizonte é igualmente um dos grau-88!conhecedores de literatura dramática setor em queia trm Dublicado vários trabalhes de mérito. O Tcair>

tte CcTvaSS» da-nS uma visão sintética e lúcida.da obra

dramSa do autor do "Qulxote". em que »e mUa. «»-

mo a sua tragédia mais bem. realizada, a Numancta .baseada num tema da antigüidade.

Nova edição de 'Fronteira"

Editado há cerca de 15 anos; o romance "Fl'ont;^'''

rlA cornéllo Pena se achava de há muito esgotado. E to-

dosÇãÉmda maneira pela qual a «itleu aeo.n.u c sa

obra que constituiu a verdadeira consagração de um ro

manCita de feltio particular em nossa 1 teiatu.a. J ron-

E^vai ser agora apresentado novamente ao publico p.

ias edições "Cruzeiro"

*i

"Areádia"

Está circulando o 39° número, correspondente a 1951,

Aparecerá breve em livro o diário de Hum-'verto de Campos

JDéverá aparecer dentro em pouco,e--n 'íbis/ volumes, apresentado pelasedições "bruzèiro'', o diário s<wr» o deHumberto rio Campe?, que, púbica-lo na revista "Ó Crussciro'\ úçw&Xoao maior interesse, suscitando todasurto de escândalos; Em livro, o ií'fe-

apresentado com p seu

cosrespoiidenciaLYGIA VIANNA BARBOSA

— Porto Alegre (Rio Grandedo Sul) — Muito lhe agrade-cemos as referências elogiosasao suplemúnlü. A melhor solu-ção para o caso será tomar umaassinatura dominical de A MA-NHA, cujo preço é de cinquen-ta cruzeiros;. Dirija-se, para is-so, diretamente à gerencia.

) tttpVJ ;StfiifriBÍonawlia cSjt

RUY BRANDÃO — Nova Era(Minas Gerais) — Os "Caâer-nos Cultura" são dirigidos pe-lo escritor José Simões Leal.Qualquer correspondência a, êleiestlnada poderá ser dirigidapara o Serviço ãé Documenta-ção do Ministério da Educaçãoe Saúde.

—o—

LÜA ASSUMFCÃO - JUIZ VEZFORA _ (MINAS) — Os livros}4e Menolti Del Picchia, cm pa-pel especial e em formato gi-gante, podem ser pedidos « Eüi-íôra A Noite: Avenida Rodri-gues AlvcSs 4.35 — Rio de janci-ro.

"LE CONOUL", ÓPERA MODERNAa Está sendo representada com grande êxi-to no Theatre champs Elysées a opera moder-na de G. C. Menotti k'Le Conoul", em ada-ntacão francesa de Tony Mayer. & esse real-mente um trabalho artístiçp notável, de gran-de intensidade dramática. ^ ^„A.,Pe^BA CASA DE GIDE SERÁ TRANSFOR-

MADA EM MUSEUA A municipalidade de Cunerville cogita detransformar a casa de André Gide em museu.Trata-se de uma mansão rural de família, on-de o escritor vinha sempre passar longas tem-

poradas depois-de suas andanças por diversosrecantos da Europa e por vezes do mundo.

O ÊXSTO DE "LES AMBASSADES"t* £iLes Ambassades", o romance de Rogerde Pierreíitc, em que o autor apresenta umquadro sátiro de certos ambientes da diplomaciafrancesa, continua a ser um dos maiores suces-sos do dia. /

SIMENON PUBLICA O 150.° ROMANCE

a Georges Simenon, o popular romancistapolicial deverá chegar a Paris por tedo estemês de março. Depois de haver pronunciadoseu discurso de recepções na Academia Real,da. Bélgica, para a qual foi recentemente elei-to, passará alguns dias na capital francesa,assistindo então ãp lançamento do um ISO,0 rn-mance.

A ENCICLOPÉDIA DE 1952

a As edições Gallimard, comemorando o bl-centenário de Diderot e d'Alembert, vão cdl-editar uma grande "Enciclopédia" do século20. O primeiro volume, que deverá aparecerainda este mês será uma História das Ciên-cias, composta por nove colaboradores. Quaseao mesmo tempo aparecerá uma "História dasLiteraturas", em que a parte da literaturafrancesa estará a cargo de Kaymond Queneau.

rido diário S—. •-.-¦texto completo, contendo grande ».u-riérò do indiscrições que na publica-cíio em revlata foram censuradas. Pre-¦¦'•¦>r-ie-sc, naturalmente, o sensaciona-'•'"mo

que tal ediçâò vai provocar.

RAUL DEVEZAA noticia da morte dc Raul

Deveza, cú conc:q:iência 1Í2 umdesastre de aiitytióoel no nor-te do Pais, Ic/oe, no me o ar-tisticó, unia profunda reperms-são.

O conhecido artista, cultor daUnha acadêmica, na pintura,era muito querido e admirado.Nos embates da luta estética,jamais os modernos deixaramde prezar c acatar o dedicadocolega, por suas evidentes qua-lidades pessoais. Ds uma Uniade conduta certa e de una TAÔ-bidade de caráter altamenterespeitável tieveia su\i;e im-por a su-a figura no amóienieartístico do País.

Como membro da ComissãoOrganizadora ou membro deJúri. d) Salvo Nacional de Be-Ias Artes, Deveza sempre sehouve acima de preferências,pugridrido por uma meníalida-üe mais idealista.

Lamentamos a perna de umcolega que cavo Raul Deveza.trabalhou para uma moraliza-cão dos nossos costumes ar tis-ticos,;

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POR CERTO QUE AMO AS COISAS, OS OBJETOS,QUE ME ACOMPANHAM, NESTE FIM DE VIAGEM.SÃO ELAS, COISAS, MINHAS CÚMPLICES, À HORAEM QUE, Ó LUA, ME CONTAS TEUS SEGREDOS,

SÃO ELES, OS OBJETOS, OS MEUS SÍMBOLOSPARA UMA ÚLTIMA FOTOMONTAGEM.MAS, COMO SÃO - COISAS E OBJETOS - TRISTES,POR JÁ NÃO SEREM MAIS OS MEUS BRINQUEDOS.

EM VÃO O CALOR FÍSICO OS DILATAEM VÃO MEU PENSAMENTO LHES DILUIO ACRE CONTORNO, EM PROUSTIANÂ SONDAGEM.

SÓ, CONTRA O SOL, A SOMBRA DELES FLUI!NO CHÃO, NA MESA, OU - COLORIDA IMAGEM -NO CRISTAL ONDE NUNCA SOU QUEM FUI.

CASSIANO RICARDOBliÉHinpÉBM»wguuBBBraCT^ i lawMgaapiB éeBà68a>KaaiBBaa3pBtta8»waaBaBBBaBÉ^

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