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    ORGANIZAÇÕES EMPRESARIAIS, TRAJETÓRIAS

    ESPACIAIS E RACIONALIDADE: ESPAÇO E TEMPO

    DE

    UMA EMPRESA

    DE

    CELULOSE

    Gi sel a Aqui no Pi res do Ri o*

    Entr epr eneur i al or gani zati ons, spati al paths and r ati onal ity:

    Space and ti me of a cel lul ose company

    Co r por ate str at egi es ar e both

    cause an d ef feet o f spat ial or ga ni r at ion.

    Based

    OI

    th e case of C el ul ose N ipo- Br a-

    sileira

    S

    A. C ENI BRA) , C ompanhi a Val e

    d o Ri o D o ce s C VRD ) cel l ul ose co mp an y,

    this

    paper

    focuses

    011 t he l i nks bet ween

    ma na gen ten t p r act i ces a nd t he h i st or i ca l

    evol uti on of spati al or gani zati on i n the

    Ri o D oce val ley.

     

    l he l ast t wen ty- fi ve

    y ea r s, l he g r ow th o f C EN I BRA : ~ a ct i vi t ies

    w as cl osel y r el at ed t o a ser i es of st r at egi c

    deci si ons whi ch have modi fi ed CVRD s

    t er r i tor i al management pr act ices. C VRD

    was pr ivati zed i n 1997 and i ts st ra tegi c

    deci si ons have bem further changed.

    A ft er maki ng cont ext ual rem rks about

    the cor por ati on s expansi on i n the Ri o

    D o ce va ll ey . t he p ap er d iscu sses p ossi bl e

    [ utur e di r ecti ons for the company and

    thei r i mpact on spai ial or gani zati on.

    Introdução

    De uma maneira geral, podemos estabelecer a década de cinqüenta

    como um divisor entre os estudos que privilegiavam a .málise das estratégias

    industriais como resultantes de iniciativas individuais, efetuando uma corres-

    pondência entre unidade fabril/unidade gerencial/única atividade, e aqueles que

    compreendiam tais estratégias como resultantes das relações recíprocas entre

    condições de base (nível de desenvolvimento da economia, características da

    oferta e da demanda) e estrutura. A primeira perspectiva é, na atualidade,

    pouco adequada para a análise da organização de grupos industriais ou finan-

    ceiros, ou mesmo parte deles, aqui considerados como subsistemas. A segunda

    perspectiva possui, na atualidade, maior aceitação pelos elementos explicativos

    que contemplam as relações entre as estruturas locacional e organizacional.

    A complexidade crescente da produção industrial exige que a análise

    das estratégias de crescimento de grupos industriais leve em consideração o

      Professora do Departamento de Geografia da UFRJ.

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    irão fundamentar a periodização que caracteriza a trajetória espacial da

    CENIBRA, e que constitui o objeto da quarta seção. Por fim, apontamos alguns

    elementos que, no nosso entender, podem ser temas de pesquisas futuras.

    1. A racional idade de uma organização

    As alterações na arquitetura organizacional de uma empresa estão inti-

    mamente relacionadas às estratégias de crescimento como ampliação do mer-

    cado, aumento da escala de operações, investimentos em novos negócios,

    adoção de novas tecnologias e padrões de administração. Com efeito, as es-

    tratégias de crescimento foram analisadas por correntes distintas que privile-

    giaram, ao longo do tempo, os requerimentos necessários para uma governança

    corporativa mais eficiente: quadro técnico melhor capacitado, arquitetura téc-

    nico-produtiva, administrativa e financeira capaz de fornecer organicidade ao

    projeto estratégico da empresa e mecanismos de tomada de decisão e nego-

    ciação.

    Podemos caracterizar, grosso

    modo

    duas abordagens distintas que bus-

    cam compreender as alterações na arquitetura organizacional das empresas ..

    De um lado, a análise weberiana associa empresa à uma forma de organização

    burocrática e racional cujo funcionamento requer determinadas características

    para a realização dos objetivos. Desse ponto de vista, a empresa emerge como

    lugar de práticas, de ações e da organização do capital e do trabalho. Deve-

    se notar, todavia, que o controle e a hierarquia assim estabelecidos geram

    movimentos contraditórios que podem solapar as bases da própria organização:

    as regras, como técnica de processo de decisão e delegação da autoridade,

    podem conduzir à departamentalização, e trazer, como conseqüência, divergên-

    cia de interesses e aumento dos conflitos (BERNOUX, 1995).

    De maneira diferente, a análise histórica descreve, por outro lado, uma

    situação de decisões seqüenciais constituídas no domínio da alta direção: espe-

    cialização, integração e diversificação. A cada momento, os vetores de cres-

    cimento são acompanhados por mudanças organizacionais mais ou menos

    amplas (CHANDLER, 1962). A complexidade crescente das empresas foi

    acompanhada por uma ampliação do grupo no tocante

    à

    divisão técnica e

    social do trabalho e por um maior controle sobre as atividades produtivas

    localizadas em diversas regiões. Esta perspectiva pressupõe o entendimen-

    to de uma empresa como organização movida por uma racionalidade que

    redefine constantemente objetivos e meios (CASTELLS, 1991), impondo

    arranjos organizacionais que lhe são próprios e indutores de especializações

    produtivas, em várias escalas.

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    Revista Território, Rio de Janeiro, ano V, n 8, pp. 101-119, jan./jun., 2000

    Em que pesem as diferentes perspectivas no tocante à racionalidade das

    empresas, é possível considerar zonas de contato no que diz respeito aos

    aspectos constitutivos das estratégias que resultariam em inflexões das traje-

    tórias (espaciais, tecnológicas) de uma organização particular. Tais inflexões

    podem ser compreendidas como resultado de contingências e determinações

    que permitem à empresa mobilizar a cada momento um conjunto de meios e

    redefinir seus objetivos de expansão e de reestruturação. Nesse sentido, é

    oportuno chamar a atenção para a argumentação de CASTELLS (1999: 173)

    que entende organizações como sistemas específicos de meios voltados para

    a execução de objetivos específicos . Fazendo uma adaptação pessoal da

    teoria desenvolvida por Touraine, Castells acrescenta: sob uma perspectiva

    evolucionária dinâmica, há uma diferença fundamental entre dois tipos de or-

    ganizações: organizações para as quais a reprodução de seu sistema de meios

    transforma-se em seu objetivo organizacional fundamental; e organizações nas

    quais os objetivos e as mudanças de objetivos modelam e remodelam de forma

    infinita a estrutura dos meios. ° primeiro tipo de organizações, chamo de

    burocracias; o segundo, de empresas (CASTELLS, 1999:191).

    Interessa-nos, todavia, entender as empresas como organizações e por-

    tadoras de uma racionalidade que se manifesta como lógica organizacional,

    compreendendo, ao mesmo tempo, inovação técnico-produtiva, administrativa e

    financeira que, em se cristalizando como tal, tende a prevalecer como nexo

    estruturante sobre as demais lógicas, num tempo e espaço determinados. A

    expressão lógica organizacional significa, portanto, um princípio estruturador

    com base no qual se constrói a racionalidade da organização. Cada fase da

    história de uma organização acha-se estruturada por lógica específica que

    interfere na vida da empresa. A dominação de uma lógica sobre as outras

    durante uma certa fase, ou de duas sobre uma terceira, provoca desequilíbrios

    e instabilidades que podem levar a pontos de bifurcação. A introdução e de-

    senvolvimento de uma nova lógica da organização corresponde a uma ruptura

    na história da organização (COELHO, 1996).

    As transformações na arquitetura da CVRD foram múltiplas e a

    compreensão de suas conseqüências sobre a gestão do território ainda não

    estão bem esclarecidas. Há dois níveis distintos que conduziram essas mudan-

    ças na lógica organizacional dessa empresa. De um lado, as influências diretas

    e indiretas das políticas públicas sobre a CVRD: o papel estratégico do setor

    ferro na consolidação do processo de substituição de importações e as mudan-

    ças no padrão de concorrência internacional, abrindo perspectivas para a inser-

    ção do país na comercialização de commodities minerais. Por outro lado, a

    própria CVRD, organização dinâmica, estabeleceu, internamente, várias refor-

    mas administrativas que, de um modo geral, antecederam, ou foram

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    concomitantes, às mudanças de sua trajetória espacial, refletindo a

    implementação das estratégias de integração vertical e de diversificação.

    A coesão do projeto estratégico pressupôs, assim, reformas administra-

    tivas que estabeleceram alterações nos níveis hierárquicos e funcionais,

    objetivando assegurar a integração das atividades por meio de divisões

    especializadas (financeira, de operação comercial, de desenvolvimento de no-

    vos produtos e processos, e novos ramos de negócios). Em outros termos, a

    conjugação desses elementos traduziram pontos de bifurcação no processo de

    espacialização da empresa.

    Os pontos de bifurcação, previsíveis ou imprevisíveis, tendem a criar

    situações novas e redefinir a trajetória de uma empresa. No que diz respeito

    à história da CVRD, destacam-se dois pontos principais: a diversificação (ver-

    tical e horizontal) e a privatização. A diversificação, viabilizada pelas contin-

    gências nacionais e internacionais, levaram a empresa, nas décadas de 70 e 80,

    a implementar novas formas de investimentos e a expandir-se para a Amazô-

    nia. A privatização, de conseqüências ainda incertas, está modificando as prá-

    ticas da empresa, bem como sua arquitetura organizacional. Ilustraremos estes

    aspectos tomando como referência sua área-berço, o vaie do rio Doce, enfocando

    com maior detalhe a empresa coligada Celulose Nipo Brasileira (CENIBRA).

    2. Uma região, múltiplos sistemas

    A análise das relações sócio-espaciais de uma empresa requer a con-

    sideração de dimensões ordenadoras que permitam compreendê-las como pro-

    cessos que expressam formas, estruturas, movimento e conexão espaciais.

    Nesse sentido, as transformações espaciais que podem ser observadas nas

    mais diferentes áreas do país indicam o efeito, ao mesmo tempo, cumulativo e

    descontínuo, do processo de produção do espaço. Durante as décadas de 50 e

    70, este processo gerou profundas modificações na articulação econômica

    e espacial das diferentes regiões. Como atores privilegiados na condução

    do processo, as corporações estatais e os grupos industriais, de capital

    pri vado nacional e empresas multinacionais, concentraram a maior parte

    dos investimentos em determinados setores da economia. Em que pesem a

    diversidade e as características intrínsecas dos diferentes ramos de atividades,

    a base material implantada, nessa época, intensificou a concentração das ati-

    vidades econômicas e, posteriormente, condicionou o desenvolvimento de ca-

    deias produtivas em determinadas regiões. Trata-se, portanto, de uma seletividade

    espacial, através da qual determinados grupos puderam apropriar-se de parce-

    las importantes do território.

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    Revista

    Terr-itór-io, Rio

    de Janeiro, ano V, n° 8, pp.

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    No Brasil, o processo de ocupação do território caracterizou-se, de um

    modo geral, pela coexistência de dois grandes conjuntos de áreas: as de fron-

    teira? e as de ocupação consolidada. As áreas de fronteira podem ser consi-

    deradas como espaço de projeção para o futuro, espaço para implantar novas

    estruturas (BECKER, 1997). Neste trabalho, nosso interesse volta-se para as

    áreas de ocupação consolidada. Estas últimas correspondem, grosso modo, aos

    espaços já estruturados pelo processo de apropriação econômica, política e

    social. Em outros termos, estas áreas foram historicamente construídas por

    processos de apropriação e exploração do espaço, sendo efetivamente incor-

    poradas ao espaço nacional por força da expansão de formas distintas da

    atividade econômica (GALV ÃO, 1990). A região do vale do rio Doce ilustra

    particularmente esta evolução. Área de reserva de mão-de-obra indígena para

    os colonos portugueses, de exploração de metais preciosos, de fronteira agrí-

    cola e de colonização impulsionada pelo governo central e, finalmente, área de

    exploração do minério de ferro traduzem, em linhas gerais, cinco séculos de

    ocupação nesta região.

    Os sucessivos sistemas econômicos que aí se desenvolveram e articu-

    laram esta região às escalas nacional e internacional expressam o sentido das

    transformações de sua organização espacial; assume-se, assim, que a região

    teve na mobilização dos recursos nela existentes seu elemento estruturador.

    Não se pode, todavia, negligenciar o fato de que, após a criação da CVRD,

    na década de 40, houve uma

    imbricação

    entre a evolução do Vale do rio Doce

    e as opções estratégicas adotadas pela companhia.

    Convém lembrar que desde os primórdios de sua ocupação, as atividades

    econômicas que se sucederam na região do Vale do rio Doce deixaram como

    herança um quadro natural extremamente degradado. Não obstante os traços

    e cicatrizes das antigas explorações de ouro e minerações nos séculos XVIII

    e XIX, as primeiras décadas deste século marcaram uma aceleração importan-

    te no que diz respeito à escala e à intensidade dessa degradação. Nesse

    período, a atividade siderúrgica, implantada no médio vale, alimentava seus

    altos-fornos com carvão vegetal. A siderúrgica Belga Mineira, instalada na

    região desde a década de 20, constituiu um dos grandes agentes do

    desmatamento e da conseqüente degradação das condições ambientais que a

    ele sucedeu. Este processo, que se repetiu com a entrada em operaçãp da

    Acesita, constituiu a essência daquilo que DEAN (1997) denominou de

     Cabe notar que as diferentes áreas de fronteira apresentaram características bastante distintas

    no que diz respeito

    à

    sua determinação espaço-temporal como também às origens do capital

    que aí se instalou, o grau de controle do Estado nos diferentes projetos de assentamento e

    exploração dos recursos. A fronteira como projeção do futuro está diretamente relacionada

    à

    Amazônia (BECKER, 1997).

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    nomadismo industrial e industrialismo predatório. Neste quadro bastante altera-

    do, a CVRD irá esboçar sua estratégia de diversificação com a criação, em

    1967, da empresa Florestas Rio Doce S.A. (FRDSA).

    O quadro sintético que acabamos de descrever fornece uma imagem

    que ressalta os traços gerais da organização espacial das atividades econômi-

    cas na região, quando da criação da CVRD, em 1942. Este quadro permite,

    assim, melhor compreender as diferentes fases da própria empresa bem como

    suas práticas na e para a região. Inicialmente área-berço da empresa, o vale

    do rio Doce transformou-se em área estratégica para a expansão da CVRD,

    durante as décadas de 60 e 70 e, atualmente, constitui um sub-sistema, isto é,

    centro operacional e área de sustentação logística, com vistas ao aproveita-

    mento de sinergias ' Uma tal segmentação espaço-temporal busca refletir os

    pontos de bifurcação que provocam alterações e rupturas nas estruturas

    preexistentes, pela introdução de novos ritmos de produção, pela criação de

    novas conexões e pelo impulso à implantação completa ou parcial de cadeias

    produtivas. A privatização da Companhia Vale do Rio Doce tornou, no entanto,

    menos evidente os objetivos estratégicos da empresa. Até então era possível

    identificar uma continuidade das decisões estratégicas que conferiram à CVRD

    uma capacidade em pesquisa e desenvolvimento, economias de escala e de

    escopo, controle de fluxos, organização em domínios de negócios e funciona-

    mento em rede.

    3. As pr incipai s diret rizes da CVRD para sua área berço

    As origens da CVRD não podem ser compreendidas sem referência à

    matriz nacionalista que assumiu formas específicas no país. O ideal naciona-

    lista mostrou uma capacidade de fundamentar e sustentar medidas concretas

    de construção de um projeto nacional, mesmo que caracterizado enquanto tal

      posteriori do qual a constituição de um setor produtivo estatal representa

    um ponto essencial. A constituição deste setor foi, ao mesmo tempo, estruturante

    e transformadora e imprimiu um ritmo diferenciado à dinâmica sócio-espacial

    do território.

    O nacionalismo, em sua vertente produtiva, privilegiou setores conside-

    rados estratégicos, sem que isso constituísse, nos anos 30, uma situação de

    monopólio. Esta perspectiva traduz, na realidade, uma disputa de interesses

    cujas origens remontam ao governo de Artur Bernardes, responsável por catalisar

    .1 Parte dessa capacidade é tributária das administrações de Eliezer Batista (1961-64 e 1979-

    86) e Antonio Dias Leite Junior (1967-69).

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    a oposiçao à concessão das minas de ferro de Itabira aos grupos de estran-

    geiros ' que adquiriram as jazidas recém descobertas.

    A especificidade de empresa pertencente ao setor produtivo estatal, sem

    constituir monopólio, ao mesmo tempo merece ser ressaltada na constituição

    e consolidação da CVRD. A afirmação dos ideais nacionalistas contribuiu para

    definir as atribuições da empresa como motor do desenvolvimento regional. A

    conquista paulatina de autonomia gerencial e financeira imprimiu, como carac-

    terística constitutiva da empresa, uma lógica bifronte: a face estatal, orientada

    para a realização de objetivos políticos e de ordem macroeconômica, e a face

    empresarial, orientada para a realização de objetivos de natureza microeconômica

    (ABRANCHES, 1981; ALVEAL, 1994). Não constitui exagero argumentar

    que esta lógica bifronte conduziu, em diferentes momentos, as decisões estra-

    tégicas da CVRD: do conflito entre os objetivos macroeconômicos e

    microeconôrnicos a empresa definiu seu nexo estruturante. Assim, as decisões

    estratégicas, em vários momentos, se confundiram com decisões da esfera

    pública e transcenderam o âmbito da Companhia. Esta característica, que de

    modo algum lhe

    é

    exclusiva, não impediu que a CVRD desenvolvesse uma

    capacidade técnica e organizacional que possibilitou, mais tarde, sua expansão

    geográfica, diversificação e exploração de sinergias. Um tal processo alternou,

    evidentemente, momentos de forte crescimento com períodos de crise e retração.

    Em que pese a enorme diversidade de grandes empresas ou corporações,

    conforme os ramos de atividade nos quais estão envolvidas, é possível consi-

    derar algumas características comuns que acompanham os respectivos proces-

    sos de expansão espacial. Essas características gerais, sistematizadas por

    CORRÊA (1991), comportam os seguintes aspectos: a) ampla escala de ope-

    rações, b) natureza multifuncional, c) segmentação segundo áreas de negócios,

    d) multilocalização, e e) grande poder de pressão econômica e política. Todas

    estas características estão presentes na expansão espacial da CVRD. Deve-

    se notar que estes aspectos traduzem um processo de transformação que

    envolve desestruturação/reestruturação sócio-espacial pela confrontação e

    imbricação entre a lógica da empresa e as lógicas sócio-espaciais.

    O crescimento da Companhia Vale do Rio Doce, desde sua fundação,

    no início da década de 40, até sua privatização (maio de 1997), pode ser

    resumido em três períodos distintos: a) integração vertical a jusante da explo-

    ração de minério de ferro, b) diversificação geográfica e horizontal e c) explo-

    ração de sinergias, Criada por decreto-lei de  de junho de 1942 como soeie-

      Os grupos de interesse eram formados em torno das seguintes organizações: ltabira lron

    Cornpany (GB), Brazilian IrOI1 and Steel (EUA). Deutsche Luxemburgisch Bewaerk in Huten

    Aktiengcsellschaü (Alemanha), Société Civile des Mines de Fer (França), Bracuhy Falls

    (França), The Saint Jarnes d'EI Rey Mining Cornpany (GB) (CVRD, 1982; DINIZ, 1981).

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    dade anônima de economia mista para exploração, comércio, transporte e

    exportação de minério de ferro de Itabira, a CVRD possuía, desde sua cons-

    tituição, o controle da Estrada de Ferro Vitória-Minas' . Esta última caracterís-

    tica conferiu à empresa uma experiência particular que foi, posteriormente,

    reproduzida no projeto Carajás.

    A base operacional e espacial da CVRD apoiou-se, desde o início, no

    sistema mina-ferrovia-porto. Esta articulação viabilizou, no vale do rio Doce, a

    posterior estratégia de diversificação horizontal. A localização das unidades

    industriais que materializaram essas estratégias buscou, desde o início, a pro-

    ximidade do eixo ferroviário. A CVRD iniciou, assim, a expansão horizontal

    que transformaria a EFVM em espinha dorsal de um sistema de logística. Até

    o momento de sua

    privatização,

    a CVRD congregava 17 empresas controladas

    e 26 coligadas, atuando em diversos ramos de atividades como mineração de

    ferrosos e não-ferrosos, siderurgia, papel e celulose, transportes e operações

    portuárias, pesquisa mineral e comércio internacional.

    A estrutura espacial da CVRD pode ser apresentada como sendo com-

    posta de dois grandes sistemas: o sistema sul e o sistema norte. Ao primeiro

    denominamos área-berço, pois constitui a área na qual a CVRD iniciou suas

    atividades. O sistema norte compreende as unidades integrantes do projeto

    Carajás (mineração, EFC, atividades portuárias, AIbrásl Alunorte etc), Atual-

    mente, o sistema sul engloba o conjunto de unidades produtivas localizadas ao

    longo da EFVM, que corresponde ao eixo Itabira- Vitória, além dos investimen-

    tos no sul do estado da Bahia (PIRES DO RIO, 1997). Neste eixo, os inves-

    timentos que representam a materialização das estratégias de integração ver-

    tical e de diversificação horizontal são representados pelos investimentos de

    aquisição e de participação acionária em siderúrgicas (USIMINAS, CST e

    Aços Minas), e a construção da usina de pelotização (KOBRASCO), próxima

    ao porto de Tubarão. Os investimentos em celulose e a aquisição de partici-

    pação na antiga RFFSA, exemplificam a diversificação horizontal. Este último

    aspecto constituiu um vetor importante da ampliação do seu próprio sistema de

    transporte, em proveito de uma malha ferroviária integrada cujos nós permitem

    sinergias entre vários usuários.

    A expansão progressiva da CVRD apresentou características distintas

    que merecem ser examinadas com atenção, pois constituem elementos impor-

    tantes de inovação organizacional e, por extensão, faz emergir o contexto no

    , A construção da Estrada dc Ferro Vitória-Minas data de 1903, sendo, portanto, anterior à

    constituição da CVRD. Em 1995, entrevistamos Juracy Magalhães. presidente da CVRD entre

    1951 c 1952, que apontou como principal marco de sua administração a recuperação da EFVM,

    condição necessária para a mudança de patamar no qual a CVRD passou a operar. Juracy

    Magalhães já contava entre seus colaboradores com Eliezer Batista.

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    qual sua racionalidade se cristaliza. Primeiro, a imposição de uma dupla diver-

    sificação, geográfica (implantação de Carajás) e horizontal (entrada em novos

    ramos de negócios sem ligação direta com a atividade principal) e, segundo, a

    mudança na modalidade de crescimento. A diversificação, geográfica e hori-

    zontal , constitui um dos pontos de bifurcação na trajetória da Companhia. A

    abertura de novos negócios passa a ser comandada por um novo tipo de

    investimento: a associação com clientes. Esta característica representou, na-

    quela ocasião, um aspecto inovador. A expansão da CVRD, que durante os

    primeiros anos teve no crescimento interno a principal modalidade de financi-

    amento dos seus investimentos, passou a associar sua diversificação à realiza-

    ção de joint-ventures. A mudança na forma de investimento representou, sem

    dúvida alguma, um aspecto relevante do crescimento da CVRD. Deve-se

    lembrar que as joint-ventures constituídas pela CVRD abrigavam projetos de

    longo prazo, geralmente com perspectivas de extensão. Do ponto de vista do

    investimento, esta forma se diferencia da joint-venture  tradicional que, em

    geral, define um horizonte temporal para o contrato de colaboração. Podemos

    sintetizar este processo de diversificação como movimentos que se concretiza-

    ram pelo alargamento do campo de atuação da empresa, uma concepção

    organizacional e funcional em ramos de negócios e a mobilização de elementos

    de sinergia a partir da atividade principal.

    4. CENIBRA: uma trajetória em dois tempos 1973-1997)

    Conforme mencionamos anteriormente, a CVRD iniciou sua diversifica-

    ção horizontal na década de sessenta com a criação das empresas Florestas

    Rio Doce S.A (FRDSA), e Rio Doce Madeiras S.A (DOCEMADE), locali-

    zadas, respectivamente, em Minas Gerais e no Espírito Santo. Estas duas

    empresas tinham suas atividades voltadas principalmente para o reflorestamen-

    to e a produção de cavacos . Em 1974, a DOCEMADE foi incorporada à

    FRDSA, no quadro de uma reestruturação da diversificação. A entrada no

    Ó A efetivação dessas estratégias foi precedida de duas reformas administrativas. A primeira

    delas durante a primeira

    administração

    de Eliezer Batista (1961-1964). A segunda, na adminis-

    tração de Antônio Dias Leite Junior (1967-1969).

    7 Alguns autores consideram o interesse da CVRD no reflorestamento como necessidade

    imposta pela manutenção e recuperação de dormentes na EFVM (PIMENTA, 1981). Contudo,

    em trabalho de campo realizado na área, observou-se o uso generalizado de dormentes de

    concreto. Em entrevista com Eliezer Batista e Antonio Dias Leite, obtivemos a confirmação

    deste falo como sendo uma característica antiga da EFVM. Ambos insistiram que o negócio

    cuja viabilidade estudava-se. na ocasião. consistia na exportação de cavacos; a decisão de

    direcionar os investimentos para o setor de celulose foi tomada posteriormente.

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    Revista Territíirio, Rio de Janeiro, ano V, n 8,

    pp.

    101-119, jan.ljun., 2000

    (48,5%)'

    I

    para a produção e exportação de celulose branqueada de eucalipto

    (CENlBRA, 1998); trata-se, portanto, da produção e exportação de uma

    commodity

    A concretização deste projeto reforçou uma certa especialização

    da CVRD na produção, transporte e comercialização desses bens

    indiferenciados. Do ponto de vista do consórcio japonês, deve-se ressaltar a

    participação do

    Over seas Economi c C ooper ati on F und

    (OECF), braço go-

    vernamental para financiamentos de projetos que envolvem segurança de apro-

    visionamento de m atérias-prirnas 2. Na mesma época, foi assinado um segundo

    convênio entre CVRD e lBP para a produção de cavaco e celulose nos

    estados do Espírito Santo e Bahia. Este segundo projeto resultou na criação da

    empresa FLONTBRA (Empreendimentos Florestais S.A) que, posteriormente,

    foi incorporada pela CENIBRA.

    A CENIBRA foi constituída com uma estrutura relativamente simples:

    uma sede e uma unidade fabril. A sede, localizada em Belo Horizonte, concen-

    trava as funções administrativas e estratégicas. A unidade produtiva, localizada

    no município de Belo Oriente, no médio curso do rio Doce, entrou em operação

    em 1977, portanto quatro anos depois da constituição da empresa, com uma

    capacidade nominal de 255.000 tlano (CENIBRA, 1998). Vale salientar que

    esta segmentação espacial dos níveis hierárquicos da administração (HYMER,

    1978) constitui, basicamente, uma reprodução da estrutura geral da CVRD,

    cuja sede, localizada na cidade do Rio de Janeiro, concentra todas as decisões

    e exerce o controle sobre as funções de comercial ização c investimentos.

    O acordo geral entre acionistas, que estabeleceu as regras g~rais da

    joint-venture

    assegurou à JBP o fornecimento de 50% da produção, com

    direito de opção de um acréscimo de 10% (CENIBRA, 1998). O restante da

    produção destina-se ao mercado externo (EUA e União Européia). A inovação

    em termos de administração consistiu na gestão compartilhada entre os dois

    acionistas, dimensão geralmente não necessária na formação

    dejoint-ventures.

    Prevalece, neste período, uma tendência à consolidação dos investimentos

    efetuados na planta industrial, mas não de modo exclusivo.

    Em 1983 foi criada a CENTBRA FLORESTAL (100% CENIBRA) com

    o objetivo de atender à administração das atividades de silvicultura da empresa.

    A entrada em operação da CENIBRA FLORESTAL, em 1984, fazia parte do

      A JBP compreende um consórcio formado por 1fi empresas privadas japonesas do setor de

    papel c celulose, pelo OECF e pela empresa de comércio internacional Itochu Corporation. Este

    tipo dejoinl venlure constituiu urna constante nas associações da CVRD com o capital japonês.

    Na realização dos projetos Albrás e Alunorte, o capital japonês participou igualmente na forma

    de consórcio através da Nippon Amazonian Aluminum (NAAC), associação entre governo

    japonês. produtores de alumínio, negociantes c transformadores.

    12

    O OECF

    é

    o principal acionista do consórcio JBP com 33.5% das ações (CENIBRA, 1998).

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      3

    redirecionamento do setor de celulose, conforme mencionado anteriormente.

    Houve, na realidade, uma operação de transferência cruzada de terras. As

    terras da FLONIBRA, localizadas principalmente no sul da Bahia e norte do

    Espírito Santo, passaram para o controle da FRDSA, enquanto as terras desta

    última, no vale do Rio Doce, passaram a integrar o patrimônio da CENIBRA

    FLORESTAL.

    4.2. Modalidades da expansão:

    a formação de uma estrutura em rede (1985-1997)

    O período compreendido entre os anos de 1985 e 1997 marca a segunda

    fase da história da CENlBRA. As ações e estratégias da empresa foram

    direcionadas para: a) integração à montante com uma política agressiva de

    aquisição de terras, b) participação na aquisição de ·um terminal marítimo

    especializado no embarque de celulose, e c) expansão da capacidade de pro-

    dução e comercialização. Com essas três medidas, a CENIBRA passa a

    controlar uma cadeia integrada que contempla produção, transformação e trans-

    porte, gerando impactos significativos na estrutura e organização espaciais.

    Em relação à integração a montante, dois aspectos devem ser ressal-

    tados. O primeiro está diretamente vinculado às estratégias de crescimento

    da própria empresa que incorporou extensas áreas para a produção de

    matéria-prima. O segundo diz respeito às modalidades de gestão empreen-

    didas pela CENIBRA que, mesmo constituindo-se parte do sistema CVRD,

    dispõe de autonomia no que se refere à exploração e controle da base

    material de produção, ao encaminhamento de negociações envolvendo di-

    versos atores que passam a integrar a cadeia produtiva por ela controlada.

    Nesta última modalidade, destaca-se o Programa do Fazendeiro Florestal. O

    estabelecimento de canais de negociação com os demais atores, institucionais

    ou não, caracterizam um processo contínuo de gestão negociada (MACHA-

    DO, 1995).

    O início das atividades da CENlBRA FLORESTAL, em 1984, constituiu

    um mudança importante em termos da formação, expansão e gestão do

    patrimônio florestal da empresa. As atividades da Florestal compreendem o

    reflorestamento com fins de exploração econômica, o corte, o transporte da

    madeira, as atividades de pesquisa com vistas ao aprimoramento genético das

    espécies de eucalipto, além de atividades ligadas à pecuária e à apicultura. A

    abrangência espacial dessas atividades traduz, de modo significativo, a capa-

    cidade da empresa em introduzir novos ritmos de produção e em modificar as

    relações sociais implicadas na produção do espaço.

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    Revista Território, Rio de Janeiro, ano V, n 8, pp. 101-119, janJjun., 2000

    A magnitude de suas atividades tem implicações diretas no recorte es-

    pacial adotado pela empresa e na especialização produtiva da região. Por um

    lado, a integração a montante adotou uma lógica administrativa que impôs uma

     regionalização das áreas destinadas à silvicultura com vistas ao controle

    sobre a produção e continuidade do fluxo de suprimento de matéria prima, vital

    para o processo de transformação e produção da celulose. São seis divisões

    administrativas   Sabinópolis, Piracicaba, Santa Bárbara, Virginópolis, Cocais e

    Rio Doce) que compreendem 51 municípios, fornecendo a dimensão da área

    de atuação da CENIBRA. Esta divisão regional tem nos critérios disponibili-

    dade de terras, distância média da fábrica, controle dos sistemas de plantio

    (clonagem e semeadura) e amadurecimento da planta para corte sua justifica-

    tiva. Por outro lado, a ampliação da capacidade de produção da unidade indus-

    trial (iniciada em 1989) tem relação direta com a expansão das áreas adqui-

    ridas pela CENIBRA para o desenvolvimento de projetos de reflorestamento.

    Não há uma correspondência exata entre propriedade adquirida e projeto ins-

    talado. Um projeto pode compreender duas ou mais propriedades, como tam-

    bém o inverso: uma propriedade pode conter dois ou mais projetos. Para a

    empresa, um projeto de reflorestamento compreende uma unidade média de

    área na qual plantio e corte obedecem práticas de manejo mas, sobretudo, o

    ritmo da produção na unidade fabril. A tabela 1 ilustra o resultado da expansão

    das áreas plantadas, assim como a taxa média de crescimento durante o

    período 1970-1996.

    Tabela 1: CENIBRA: Áreas Plantadas e de ReseNa por Regional em 1996

    Regional

    Número de

    Area Média

    Area Média de

    Area Plantada

    Projetos

    Plantada

    Reserva

    Taxa média de

    Implantados h a)

     ha)

    crescimento

    70-96 aa)

    Sabinópolis

    66

    276,03

     

    245,73

    36,97

    Piracicaba 52 205,07

     

    232,65 22,65

    S. Bárbara

    75

    211,57

    193,88

    26,81

    Virglnópolis

     

    73

    212,46

    118,86

    33,72

    Cocais

    69

    298,35

    246,00

    24,80

    Rio Doce

    57

    317,17 246,44

    41,41

    Total

    392

    252,36

    208,78

    26,44

    Fonte CENIBRA

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    A aquisição de propriedades rurais para a implantação dos projetos de

    reflorestamento tem origem em dois tipos de estabelecimentos: aqueles desti-

    nados à pecuária e/ou lavoura pertencentes a antigos proprietários da região e

    aqueles destinados

    à

    monocultura de eucalipto de propriedade das empresas

    siderúrgicas (Belgo Mineira e ACESITA). A compra de terras de proprietários

    rurais tradicionais constituiu a principal modalidade de aquisição no início da

    formação do patrimônio da empresa que, em 1996, estava em tomo de 99 000

    ha. A expansão e a intensificação da atividade monocultora representam uma

    modificação importante no uso do solo e na estrutura fundiária I 3 O significado

    dessa transformação é identificável em termos da redução da área destinada

    à produção de alimentos e da elevada concentração de terras, sob controle da

    empresa.

    A segunda forma de aquisição tem sido intensificada em anos mais

    recentes, principalmente após 1994. Deve-se lembrar que, na região, as side-

    rúrgicas Belgo Mineira e Acesita estão promovendo a desativação dos fornos

    a carvão vegetal. Tal procedimento vem sendo seguido de perto pela CENIBRA,

    principal interessada nessas terras. Exemplo deste fato foi a aquisição, pela

    CENIBRA FLORESTAL, em 1994, de 44 mil ha da CAF (Cia, Agro-Florestal

    Santa Bárbara), braço silvicultor da Belgo Mineira. Na implantação de flores-

    tas plantadas, parte das terras é deixada como área de reserva, ocupada com

    mata nativa (vestígio de mata secundária e capoeira) e/ou utilizada para a

    formação de pastagens para o desenvol vimento da pecuária de corte. As áreas

    ocupadas com mata secundária obedecem à legislação em vigor que obriga o

    produtor a destinar 20% das terras para esta finalidade. Não se pode negligen-

    ciar, contudo, o fato daquelas constituírem importante reserva para expansão

    da própria monocultura.

    Além da aquisição de terras, uma segunda modalidade de expansão da

    monocultura (não indicada na tabela) constitui o programa de fomento. O

    Programa Fazendeiro Florestal I 4, existente desde a década de 70, passou, nos

    anos 80, a ser incorporado à política de aprovisionamento da CENIBRA. O

    programa consiste no fornecimento de insumos pela CENIBRA aos produtores

    que se disponham a destinar parte de suas terras ao plantio de eucalipto. A

    contrapartida, além dos insumos e da assistência técnica, consiste na garantia

    de compra da produção no primeiro corte. O programa conta ainda com a

    11

    O prosseguimento dessa pesquisa irá contemplar uma avaliação do índice de concentração

    fundiária na região.

     

    Cerca de 690 produtores foram integrados neste programa entre 1985 e 1993. A área

    reflorestada com eucalipto atingiu em torno de 8.500 ha, distribuídos em 28 municfpios

    (CENIBRA, 1998). Os produtores que podem integrar o programa devem estar localizados num

    raio de até 75 Km de distância da unidade industrial.

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    Revista Território, Rio de Janeiro, ano V, n 8, pp, 101-119, jan.ljun., 2000

    participação do Instituto Estadual de Florestas (IEF, MG), base institucional

    que confere legitimidade ao Programa. O fomento representa uma coordena-

    ção de conjunto mediada por um instrumento jurídico: o contrato de produção.

    A introdução da agricultura contratual constitui, assim, um aspecto do processo

    de gestão que, na escala regional, representa a expansão territorial da empresa

    num sistema complementar e submetido à sua racionalidade. O fornecimento

    de madeira oriunda de terceiros para a planta de celulose é relativamente

    pouco representativo no volume total de matéria-prima (em torno de 10%);

    todavia, este programa tornou-se o mecanismo através do qual a empresa

    incorpora os pequenos e médios agricultores e os atores institucionais em sua

    cadeia produtiva. A CENIBRA, competindo pela apropriação e exploração do

    espaço, utiliza o instrumento contratual para assegurar parte do seu suprimento

    em matéria-prima, ampliando, por essa via, seu espaço de gestão.

    No que diz respeito à participação no terminal portuário, especializado no

    embarque de celulose, a CENIBRA optou pela realização de um investimento

    em associação com outra empresa do setor, caracterizando um crescimento de

    tipo externo. A PORTOCEL, empresa inicialmente administrada pela Petrobras,

    entrou em operação em 1978, porém, em 1985 passou a ser controlada pelas

    empresas CENIBRA (49%) e ARACRUZ Celulose (51%). Localizada em

    Barra do Riacho, Espírito Santo, a PORTOCEL tem como principal atribuição

    a administração do terminal especializado no embarque de fardos de celulose,

    derivados da madeira, insumos, peças e equipamentos para as unidades pro-

    dutivas da CENIBRA e da ARACRUZ (CENIBRA, 1998). A PORTOCEL

    integra, assim, o subsistema CENIBRA, que escoa 99% de sua produção por

    este terminal. Consolida-se, nesta fase, uma organização espacial que compre-

    ende amplas frações do espaço especializadas na produção de matérias-primas

    que, por sua vez, estão conectadas à planta industrial por uma rede de estradas

    vicinais. A EFVM integra a unidade fabril ao terminal marítimo ampliando,

    assim, o alcance espacial dos fluxos materiais, de controle e de informação.

    Entre 1990 e 1997, a estratégia da CENIBRA concentrou-se na expan-

    são da capacidade de produção e de comercialização. Os investimentos foram

    direcionados para as obras de ampliação da unidade de celulose, de

    descongestionamento do terminal portuário e pela criação de uma representa-

    ção comercial no exterior. Os investimentos na ampliação da unidade de ce-

    lulose de Belo Oriente possibilitaram aumentar sua capacidade de produção de

    255 mil toneladas/ano para 350 mil toneladas/ano. A CENIBRA INTERNA-

    CIONAL (100% CENIBRA), criada em setembro de 1991, com sede nas

    Ilhas Cayman, tem por objetivos administrar as atividades comerciais interna-

    cionais e ampliar a atuação da CENIBRA nos mercados externos. Esta loca-

    lização permite que a empresa disponha de um braço internacional exercendo

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      7

    a função de ponta de lança para estratégias financeiras de diversificação de

    seu portfólio.

    Durante esse período, completa-se a estrutura em rede da empresa que

    articula funcionalmente áreas e pontos para garantir sua produção e reprodu-

    ção enquanto organização. Esta estrutura, mais complexa do que aquela do

    período inicial, projeta-se espacialmente pela integração e conexão entre luga-

    res e em escalas mais amplas. Trata-se de conexões de natureza técnica,

    econômica, financeira e estratégica. Nesse sentido, a CENIBRA apresenta

    uma coordenação de conjunto que lhe permite criar novas conexões (ou, ao

    contrário, eliminar), modificando os objetivos da organização. Tais conexões

    têm importância particular no entendimento da dinâmica espacial, pois são

    portadoras de ordem e rupturas.

    Considerações Finais

    As considerações que acabam de ser expostas ressaltaram o médio vale

    do Rio Doce como espaço de interdependências setoriais cuja origem e valo-

    rização estiveram associadas ao processo de ocupação do território. Reconhe-

    cendo-se que as estratégias da CENIBRA, em sua área de atuação imediata,

    não podem estar desvinculadas dos processos de mobilização e exploração do

    espaço que aí ocorreram, as práticas e estratégias adotadas por esta empresa

    permitiram qualificá-la como um agente da gestão do

    território.

    A escala de ocorrência da atividade econômica expressa-se em termos

    da configuração espacial da região, isto é, frações do espaço criadas por força

    da divisão do trabalho; sob o comando da empresa, define-se o nexo da espe-

    cialização produtiva. Trata-se, assim, de grandes extensões do espaço que

    passam a integrar uma cadeia produtiva vinculada à produção e exportação de

    commodities, sendo, portanto, subordinadas ao ritmo de processos industriais e

    ao mercado internacional. A magnitude, natureza, intensidade e direção dos

    fluxos por ela controlados retratam interações espaciais intrinsecamente asso-

    ciadas à estrutura em rede.

    É,

    pois, nesse sentido que a trajetória da empresa

    engendra recomposições de atividades econômicas, imposições normativas,

    econômicas e territoriais, mudancas da natureza das relações sócio-espaciais

    intra e extra-firma (economias de escala, cooperação, associação, cooptação

    e negociação). O controle sobre fluxos produtivos, o modo de produzir daqueles

    diretamente vinculados à sua cadeia produtiva e sobre frações consideráveis

    do território, impondo sua racionalidade e criando sinergias técnico-produtivas,

    constituem elementos de conflito com as estruturas preexistentes. É pois,

    neste sentido, que as práticas e estratégias, conduzidas de modo a encontrar

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      8

    Revista Território, Rio de Janeiro, ano V,n 8, pp. 101-119,jan.ljun., 2000

    uma solução negociada, fazem desta empresa um importante agente da gestão

    do território.

    A

    privatização

    da CVRD marca, no nosso entender, uma nova fase na

    sua própria trajetória e na da CENIBRA. Ainda de modo preliminar, algumas

    mudanças no que se refere à CENIBRA puderam ser observadas: enxugamento

    do corpo técnico e administrativo, transferência da sede de Belo Horizonte

    para Belo Oriente, agrupamento das divisões de operação, intensificação da

    terceirização das atividades de plantio, colheita e transporte da madeira. Além

    desses aspectos, o controle da empresa pelo grupo dirigido por Benjamin

    Steinbruch tomou as definições estratégicas menos claras. Uma perspectiva

    que vem sendo mencionada com freqüência refere-se à fusão das empresas

    Bahia Sul e CENIBRA. Tal decisão deverá provocar novas reduções no qua-

    dro de funcionários, além daquelas já efetuadas. Esses elementos constituem,

    no nosso entendimento, indícios de uma ruptura cuja extensão necessita ser

    melhor avaliada.

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