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UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LINGUÍSTICA MÔNICA CÂMARA Uma Gramática Visual para o fotojornalismo JOÃO PESSOA 2010

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UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LINGUÍSTICA

MÔNICA CÂMARA

Uma Gramática Visual para o fotojornalismo

JOÃO PESSOA

2010

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MÔNICA CÂMARA

Uma Gramática Visual para o fotojornalismo

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Linguística da Universidade Federal da Paraíba como requisito parcial à obtenção do grau de Mestre em Linguística.

Orientadora: Profª Drª María del Pilar Roca Escalante

JOÃO PESSOA

2010

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MÔNICA CÂMARA

Uma Gramática Visual para o fotojornalismo

Dissertação apresentada como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em

Linguística, do Programa de Pós-Graduação em Linguística - PROLING, da Universidade

Federal da Paraíba - UFPB.

Orientadora:

_____________________________________________________ PROFª DRª MARÍA DEL PILAR ROCA ESCALANTE - UFPB

Examinadores:

______________________________________________________________ PROFª DRª HÉRICA PAIVA PEREIRA - EAD - UFPB

______________________________________________________________ PROFº DRº JOSÉ DAVID CAMPOS FERNANDES - UFPB

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Não se entra duas vezes no mesmo rio. HERÁCLITO

Ao instante decisivo.

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Agradecimentos

Às sensações

leituras tateis sonoras

olfativas palatáveis

das imagens possíveis

Os nomes... ah, os nomes... vieram todos depois.

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O amor é um leão e o amor começa com “t”.

MARIANA BEZERRA CAVALCANTE, 3 ANOS

(Através das palavras de Mariana,

agradeço a todos e cada um pela luz, pelo caos

que ao longo dessa existência dá-me sentido e calor.)

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Resumo Este trabalho envolve a presença da linguagem no discurso das imagens fotográficas, mais especificamente as fotografias de informação. Corroborando a tese de que as imagens falam, narram fatos, provocam nossos sentidos, tomaremos de empréstimo as imagens fotojornalísticas produzidas pela autora desta pesquisa, para o diário paraibano O Norte (entre 2001 e 2006), mostrando suas implicações semióticas, através da teoria dos signos de Peirce (1995); sua estruturação sintático-imagética, compreendida e instrumentalizada pela Gramática Visual de Kress e van Leeuwen (1996); possíveis formalizações sobre a experiência estética também presente nesse tipo de texto (BARILLI, 1994; SILVA, 2010); bem com evidenciando performances discursivas de efeito sintático e estético (KRESS e van LEEUWEN, 1996; BARILLI, 1994; SILVA, 2010). PALAVRAS-CHAVE: Imagem. Linguagem fotojornalística. Semiótica. Gramática Visual. Experiência Estética.

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Abstract This work is about the presence of language in the discourse of photographic images, photographs of information, specifically. By supporting the idea that images can speak, narrate facts, provoke our senses. We will analyze some photojournalistic images produced by the author of this research for the Diário Paraibano O Norte (2001 through 2006), showing its semiotic implications through Peirce’s theory of signs (1995); its syntactic-imagery structure, understood and manipulated by the Visual Grammar of Kress and van Leeuwen (1996); possible formalizations on the aesthetic experience which is also covered in this type of text (BARILLI, 1994; SILVA, 2010); as well as showing discursive performances with syntactic and aesthetic effect (KRESS and van LEEUWEN, 1996; BARILLI, 1994; SILVA, 2010). KEYWORDS: Image. Photojournalistic Language. Semiotics. Visual Grammar. Aesthetic Experience.

Resumen Este trabajo analiza la presencia del lenguaje en el discurso de las imágenes fotográficas, en particular, las fotografías de información. Apoyando la idea de que las imágenes hablan, narran hechos, provocan nuestros sentidos. Analizamos las imágenes fotoperiodísticas producidas por la autora de esta investigación para el Diario Paraibano O Norte (entre 2001 y 2006), mostrando sus implicaciones semióticas, a través de la teoría de los signos de Peirce (1995), su estructura sintáctico-imagética comprendida y manipulada por la Gramática Visual de Kress y van Leeuwen (1996); posibles formalizaciones sobre la experiencia estética también presentes en este tipo de texto (BARILLI, 1994; SILVA, 2010); así como mostrando performances discursivas de efecto sintáctico y estético (KRESS y van LEEUWEN, 1996; BARILLI, 1994; SILVA, 2010). PALABRAS CLAVE: Imagen. Lenguaje fotoperiodística. Semiótica. Gramática Visual. Experiencia estética.

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Sumário Introdução .................................................................................................................................. 15

Capítulo 1 – Da fotografia ao fotojornalismo ............................................................................ 24

1.1 – Inícios do Fotojornalismo .................................................................................................. 32

1.2 – O fotojornalismo na engrenagem midiática da notícia .................................................... 41

Capítulo 2 – Elementos da semiótica ......................................................................................... 45

2.1 – Modelos de signos triádicos .............................................................................................. 49

Capítulo 3 – Uma gramática para a fotografia .......................................................................... 55

3.1 – Metafunção representacional .......................................................................................... 65

3.1.1 – Representações narrativas ............................................................................................. 65

3.1.2 – Representações conceituais .......................................................................................... 73

3.2 – Metafunção interativa ....................................................................................................... 77

3.2.1 – Contato ........................................................................................................................... 77

3.2.2 – Distância social ............................................................................................................... 79

3.2.2.1 – Plano fechado (close-up) ............................................................................................ 79

3.2.2.2 – Plano médio (medium shot) ........................................................................................ 79

3.2.2.3 – Plano aberto (long shot) ............................................................................................. 80

3.3.3 – Perspectiva ...................................................................................................................... 81

3.3.3.1 – Ângulo frontal .............................................................................................................. 81

3.3.3.2 – Ângulo oblíquo ............................................................................................................ 82

3.3.3.3 – Ângulos verticais .......................................................................................................... 83

3.3.4 – Modalidade ..................................................................................................................... 86

3.4 – Metafunção composicional ............................................................................................... 88

3.4.1 – Valor de informação ....................................................................................................... 88

3.4.2 – Saliência .......................................................................................................................... 91

3.4.3 – Estruturação (ou enquadramento) ................................................................................. 93

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Capítulo 4 – Para além do óbvio: o contato estético ................................................................. 95

4.1 – A experiência estética ....................................................................................................... 96

4.2 – Categorias estéticas ........................................................................................................... 98

Capítulo 5 – Entre outras palavras: o discurso imagético ........................................................ 103

5.1 – Urubu Rei: uma análise .................................................................................................... 105

5.1.1 – Representação .............................................................................................................. 106

5.1.2 – Interação ....................................................................................................................... 108

5.1.3 – Composição ................................................................................................................... 110

5.2 – Recreio: uma análise ........................................................................................................ 114

5.2.1 – Representação .............................................................................................................. 115

5.2.2 – Interação ....................................................................................................................... 117

5.2.3 – Composição ................................................................................................................... 119

5.3 – A Padroeira: uma análise ................................................................................................. 123

5.3.1 – Representação .............................................................................................................. 124

5.3.2 – Interação ....................................................................................................................... 126

5.3.3 – Composição ................................................................................................................... 128

Capítulo 6 – Para além das palavras: o estético no espaço fotojornalístico ........................... 132

6.1 – Sob as asas do Urubu Rei ................................................................................................. 134

6.2 – A leveza de Recreio .......................................................................................................... 137

6.3 – A Padroeira ...................................................................................................................... 139

Conclu...indo ............................................................................................................................. 142

Referências ............................................................................................................................... 147

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Lista de figuras

Figura 1 Pintura rupestre do período paleolítico 24

Figura 2 Primeiras imagens feitas pelo homem 25

Figura 3 Primeiras imagens feitas pelo homem 25

Figura 4 Cueva de las manos 25

Figura 5 Vista de Le Gras a partir de uma janela 25

Figura 6 Primeira ilustração gráfica publicada da Câmara Obscura, 1544 26

Figura 7 Câmara obscura (Leonardo Da Vinci) 27

Figura 8 Mahe, um bravo, 1841, fotógrafo desconhecido, Daguerreótipo 28

Figura 9 Carreta fotográfica de Roger Fenton na Guerra da Criméia, 1855 29

Figura 10 Foto de Roger Fenton, 1885, na guerra da Criméia 29

Figura 11 Foto de Roger Fenton, 1885, na guerra da Criméia 29

Figura 12 A Colheita da Morte, Timothy H. O’Sullivan, Gettysburg, julho de 1863 30

Figura 13 Imagem de Jacob A. Riis, subúrbio de Nova Iorque, 1889 30

Figura 14 Imagem de Jacob A. Riis, subúrbio de Nova Iorque, 1890 30

Figura 15 Trabalho infantil, na cidade, registrado por Lewis W. Hine, 1911 31

Figura 16 Trabalho infantil, no campo, registrado por Lewis W. Hine, 1916 31

Figura 17 Drº Erich Salomon 33

Figura 18 Bastidores da segunda conferência de Haia Foto: Erich Salomon (1930)

33

Figura 19 Parte da reportagem coberta por Felix H. Man sobre Mussolini, em 1931 34

Figura 20 Cândido Portinari, em seu ateliê Foto: Thomas Mac Avoy

35

Figura 21 Bresson e sua inseparável Leica 35

Figura 22 Hitler Foto: Heinrich Hoffman (1939)

36

Figura 23 Hitler Foto: Heinrich Hoffman (1939)

36

Figura 24 Hitler e seu staff Foto: Heinrich Hoffman (1941)

36

Figura 25 Foto de André Kertesz 37

Figura 26 Foto de André Kertesz 37

Figura 27 Foto de André Kertesz 37

Figura 28 Foto de Brassäi 37

Figura 29 Foto de Brassäi 37

Figura 30 Foto de Brassäi 37

Figura 31 Guerra Civil Espanhola (1936-39) Foto: Robert Capa

38

Figura 32 Segunda Guerra Mundial (1938-45) Foto: Robert Capa

38

Figura 33 Foto de Henri Cartier-Bresson 38

Figura 34 Foto de Henri Cartier-Bresson 38

Figura 35 Foto de Henri Cartier-Bresson 38

Figura 36 Capa da revista L'Illustration, Setembro 1931 39

Figura 37 Páginas da Revista Vu sob fotomontagens de Alexander Liberman 39

Figura 38 Algumas capas da revista Life 40

Figura 39 Signo linguístico-semiológico: significante e significado 46

Figura 40a Triângulo semiótico de Peirce (baseado em Fernandes, 2009) 48

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Figura 40b Representação gráfica inexata do signo triádico (baseada em Puppi, 2009) 48

Figura 41 Representação gráfica ainda inexata do signo triádico (baseada em Puppi, 2009)

50

Figura 42 Representação gráfica do signo triádico genuíno (baseada em Puppi, 2009) 50

Figura 43 Signo triádico genuíno: significante (baseado em Puppi, 2009) 51

Figura 44 Signo triádico genuíno: significado (baseado em Puppi, 2009) 51

Figura 45 Signo triádico genuíno: significação (baseado em Puppi, 2009) 52

Figura 46 quadro ou caixa: participante (NOVELLINO, 2007) 66

Figura 47 quadro – seta – quadro: participante – vetor – meta (NOVELLINO, 2007) 66

Figura 48 seta – quadro: vetor – meta (NOVELLINO, 2007) 66

Figura 49 quadro – seta – quadro bidirecional (NOVELLINO, 2007) 66

Figura 50 Estrutura básica da gramática visual Fonte: Mônica Câmara (O Norte, 17/01/2002)

67

Figura 51 Sujeito oculto Fonte: Mônica Câmara (O Norte, 23/11/2001)

67

Figura 52 Estrutura transacional Fonte: Mônica Câmara (O Norte 26/10/2001)

68

Figura 53 Estrutura não-transacional Fonte: Mônica Câmara (O Norte 04/06/2003)

68

Figura 54 Interatores – bidirecional. Estrutura transacional Fonte: Mônica Câmara (O Norte 10/08/2003)

69

Figura 55 Reator – Transacional Fonte: Mônica Câmara (O Norte 19/09/2001)

69

Figura 56 Reator – Não-transacional Fonte: Mônica Câmara (O Norte 02/04/2002)

70

Figura 57 Reator – Processo transacional Fonte: Mônica Câmara (O Norte 13/12/2002)

70

Figura 58 Reatores – bidirecional – Processo transacional Fonte: Mônica Câmara (O Norte 14/04/2001)

71

Figura 59 Processo verbal Fonte: Mônica Câmara (O Norte 13/12/2002)

71

Figura 60 Processo mental Fonte: Mônica Câmara (O Norte 10/10/2002)

72

Figura 61 Classificacional – taxonomia evidente Fonte: Mônica Câmara (O Norte 26/09/2002)

73

Figura 62 Classificacional – taxonomia coberta Fonte: Mônica Câmara (O Norte 03/03/2004)

73

Figura 63 Processo simbólico – atributivo Fonte: Mônica Câmara (O Norte 02/10/2005)

74

Figura 64 Processo simbólico – sugestivo Fonte: Mônica Câmara (O Norte 22/12/2001)

75

Figura 65 Processo simbólico – sugestivo Fonte: Mônica Câmara (O Norte 15/02/2005)

75

Figura 66 Processo analítico estruturado Fonte: Mônica Câmara (O Norte 02/08/2001)

76

Figura 67 Processo analítico desestruturado Fonte: Mônica Câmara (O Norte 12/12/2003)

76

Figura 68 Contato – Demanda Fonte: Mônica Câmara (O Norte 17/02/2002)

77

Figura 69 Contato – Demanda Fonte: Mônica Câmara (O Norte 06/05/2003)

78

Figura 70 Contato – Oferta Fonte: Mônica Câmara (O Norte 30/01/2004)

78

Figura 71 Contato – Oferta Fonte: Mônica Câmara (O Norte 14/11/2003)

79

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Figura 72 Distância social – plano fechado ou close-up Fonte: Mônica Câmara (O Norte 28/05/2002)

80

Figura 73 Distância média Fonte: Mônica Câmara (O Norte 29/01/2004)

80

Figura 74 Distância longa Fonte: Mônica Câmara (O Norte 11/01/2005)

81

Figura 75 Ângulo Frontal Fonte: Mônica Câmara (O Norte 17/02/2004)

81

Figura 76 Ângulo Frontal Fonte: Mônica Câmara (O Norte 06/01/2002)

82

Figura 77 Ângulo Oblíquo Fonte: Mônica Câmara (O Norte 19/06/2005)

82

Figura 78 Ângulo Oblíquo Fonte: Mônica Câmara (O Norte 19/11/2002)

82

Figura 79 Ângulo Oblíquo Fonte: Mônica Câmara (O Norte 18/10/2001)

83

Figura 80 Câmara alta ou ângulo alto Fonte: Mônica Câmara (O Norte 13/10/2001)

83

Figura 81 Câmara alta ou ângulo alto Fonte: Mônica Câmara (O Norte 14/05/2001)

84

Figura 82 Câmara baixa ou ângulo baixo Fonte: Mônica Câmara (O Norte 08/01/2002)

84

Figura 83 Câmara baixa ou ângulo baixo Fonte: Mônica Câmara (O Norte 16/08/2002)

84

Figura 84 Câmara nivelada ao olhar do observador Fonte: Mônica Câmara

85

Figura 85 Câmara nivelada ao olhar do observador Fonte: Mônica Câmara (O Norte 17/07/2002)

85

Figura 86 Câmara nivelada ao olhar do observador Fonte: Mônica Câmara (O Norte 02/10/2003)

85

Figura 87 Utilização da cor – Saturação

Fonte: Mônica Câmara (O Norte 16/08/2002) 86

Figura 88 Contextualização

Fonte: Mônica Câmara (O Norte 08/01/2002) 87

Figura 89 Iluminação

Fonte: Mônica Câmara

87

Figura 90 Brilho

Fonte: Mônica Câmara (O Norte 17/03/2002) 87

Figura 91 Dado e novo Fonte: Mônica Câmara (O Norte 17/03/2002)

89

Figura 92 Novo e dado Fonte: Mônica Câmara (O Norte 15/08/2005)

89

Figura 93 Valor de Informação – ideal x real Fonte: Mônica Câmara (O Norte 14/08/2001)

90

Figura 94 Valor de Informação – Tríptico Fonte: Mônica Câmara (2001)

90

Figura 95 Valor de Informação – Circular Fonte: Mônica Câmara (O Norte 15/02/2002)

91

Figura 96 Saliência Fonte: Mônica Câmara (O Norte 13/07/2004)

92

Figura 97 Saliência Fonte: Mônica Câmara (O Norte 26/01/2002)

92

Figura 98 Saliência Fonte: Mônica Câmara (O Norte 27/08/2003)

92

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Figura 99 Conexão – Estruturação Fraca Fonte: Mônica Câmara (1999)

93

Figura 100 Conexão – Estruturação Fraca Fonte: Mônica Câmara (O Norte 07/10/2001)

94

Figura 101 Desconexão – Estruturação Forte Fonte: Mônica Câmara (O Norte 06/08/2005)

94

Figura 102 Desconexão – Estruturação Forte Fonte: Mônica Câmara (O Norte 25/03/2002)

94

Figura 103 Diagrama de Étiene Souriau 100

Figura 104 Urubu Rei Fonte: Mônica Câmara (O Norte 19/10/2001)

105

Figura 105 Recreio Fonte: Mônica Câmara (O Norte 13/07/2003)

114

Figura 106 A Padroeira Fonte: Mônica Câmara (O Norte 06/08/2005)

123

Lista de quadros

Quadro 01 Gramática visual (baseado em Fernandes, 2009) 57

Quadro 02 As metafunções 60

Quadro 03 Estrutura básica da gramática do design visual (baseado em Petermann, 2006)

64

Quadro 04 Valores de informação (baseado em Barbosa, 2008) 88

Quadro 05 Metafunção representacional de Urubu Rei 111/112

Quadro 06 Metafunção interacional de Urubu Rei 112

Quadro 07 Metafunção composicional de Urubu Rei 112/113

Quadro 08 Metafunção representacional de Recreio 120/121

Quadro 09 Metafunção interacional de Recreio 121

Quadro 10 Metafunção composicional de Recreio 121/122

Quadro 11 Metafunção representacional de A Padroeira 129

Quadro 12 Metafunção interacional de A Padroeira 129/130

Quadro 13 Metafunção composicional de A Padroeira 130

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Introdução

Uma fotografia é o reconhecimento simultâneo, numa fração de segundos, da significação de um

fato e de uma organização rigorosa das formas percebidas visualmente que exprimem esse fato.

HENRI CARTIER-BRESSON

Esta pesquisa toma como objeto de sua atenção peças fotojornalísticas

publicadas em jornais da cidade de João Pessoa, Paraíba, e tem a pretensão de expor e

analisar os seus mecanismos de produção de sentidos e de geração de efeitos

estéticos. Entendemos, assim, que as imagens produzidas e veiculadas em espaços

noticiosos não só consubstanciam os fatos e eventos submetidos ao tratamento

jornalístico, como também apresentam condições de gerar estados estéticos.

Portanto, o estudo que aqui se inicia parte do pressuposto de que o exercício

fotojornalístico é uma preciosa fonte de informações desdobráveis em diversas

direções, que se oferece às leituras e avaliações semióticas.

O advento do fotojornalismo desponta como uma das consequências dos

processos de sofisticação das técnicas de reprodução iniciada pelo jornalismo

impresso. O papel da imagem nos processos jornalísticos alterou, substancialmente, as

relações que os jornais estabeleciam com seus leitores. A imagem é um suporte

imprescindível à atividade jornalística porque por seu intermédio se criaram as

condições para dar maior grau de veracidade, e de confiabilidade, àquilo que se

veiculava.

No âmbito do jornalismo – e essa é uma das crenças presentes no setor –

admite-se que a imagem é “a cópia fiel dos acontecimentos”, e que, portanto, com a

presença do suporte fotográfico, a tão pretendida objetividade jornalística ganharia

um forte aliado. Segundo Burmester (2006),

Durante a maior parte de sua história, a imagem fotográfica foi observada através de uma postura conceitual carregada de uma forte preocupação com a objetividade e o realismo. Isto fez com que a subjetividade e a ficcionalidade da fotografia ficassem em segundo plano (BURMESTER, 2006, p. 01).

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Ocorre, porém, que o trabalho fotojornalístico não é um mero substituto do

mundo, como pretendem alguns, mas exercício de linguagem, e, como tal, impregnado

das percepções de seu realizador, de suas ideologias e de suas convicções. Distante de

ser cópia do existente, este tipo de texto condiciona e redireciona a realidade de

acordo com a modalização contextual e conceitual de quem o produz. Nele há uma

realidade simulada, em que a verdade é resultante de variáveis situacionais e escolhas

adequadas às intenções comunicativas do seu produtor. Desta forma, assim como na

linguagem verbal, a não-verbal irá dispor de uma sintaxe, uma morfologia e um léxico,

cada qual com suas peculiaridades e funções (KRESS & VAN LEEUWEN, 1996).

Ao admitirmos que o processo de leitura é uma atividade interativa que se

estabelece entre interlocutores que constroem fatos e sentidos através de dado

discurso, consideramos que este processo se dá sob certas regras e princípios que

garantem ao discurso sua legibilidade – uma vez que, como produto da comunicação,

o discurso circula na malha social e gera sempre outros sentidos.

Todo dizer instaura uma história discursiva ao mesmo tempo em que formula,

no momento presente de sua construção, a sua resposta antecipada. Isso quer dizer

que os textos imagéticos também preveem respostas de seus eventuais

leitores/observadores, porque elas antecipam representações linguísticas ou não-

linguísticas (BAKHTIN, 2006).

Mediante tal raciocínio, quando lemos textos imagéticos não só constatamos

fatos ou acontecimentos, comumente reagimos a eles, sensibilizamo-nos diante de

registros do flagelo da seca, da miséria, do abandono; indignamo-nos face à violência e

a insegurança; chegamos mesmo a salivar diante de um prato suculento.

Embora, quando falamos em texto ou linguagem, normalmente os associamos

à escrita e à linguagem verbal, à capacidade humana, ligada ao pensamento, que se

concretiza e se manifesta numa determinada língua, por meio de palavras, há outras

formas de linguagem. Impressas nos gestos, nas vozes ou no silêncio, artes como a

pintura, o teatro, a música, a dança, a fotografia, representam bem essas

manifestações culturais expressas de maneira não linear.

Se na linguagem verbal, os signos, escritos ou oralizados, não se superpõem,

mas se sucedem destacadamente um depois do outro no tempo do espaço da linha

escrita ou da fala, e que cada signo e cada som é usado num momento distinto do

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outro, na linguagem não-verbal, ao contrário, vários signos se lançam

simultaneamente à nossa observação (BAKHTIN, 2006).

Em seus Ensayos sobre fotografia, Raúl Beceyro aponta recursos que a

fotografia, e somente ela, é capaz de utilizar para falar, através de seu “ponto de

câmara, altura da câmara, luz, linhas, volumes, enquadramento, para que assim a foto

possa começar a ‘viver’ independentemente, relacionando eixos reais da fotografia e

seus elementos” (BECEYRO apud LENK, 2000). Assim, cada imagem contém variáveis

situacionais aliadas às variáveis técnicas e composicionais que proporão leituras

particulares, em que cada leitor/observador elegerá um elemento ou vários elementos

em detrimento de outros.

Desta forma, existe também na produção de uma imagem fotojornalística um

construto simbólico, vinculado ao ambiente sócio-cultural-político-ideológico de quem

a constrói, bem como de quem a lê/vê. E cada vez que esse universo simbólico

representado por cores, ângulos, disposição de elementos na cena, tipo de iluminação,

profundidade de campo, se dispõem num texto imagético, favorece um ordenamento

de significados, em que cada tema proposto pela pauta jornalística acaba tendo

concepções distintas, narrativas semiolinguísticas convergentes ou não.

Se, de um lado, as imagens fotojornalísticas “narram”, contam episódios,

significam o mundo, por outro lado elas também afetam sensivelmente os leitores,

fazendo com que com elas interajam esteticamente. As imagens trazidas pelos jornais

podem, sim, instituir estados estéticos – e esta é uma das preocupações que nos

acompanham nesta pesquisa.

Deste modo, tomamos como ideia nuclear nesta pesquisa que as peças do

fotojornalismo são, sim, práticas discursivas, e como tais podem ser submetidas à

apreensão e análise de seus instrumentos de comunicação, que orientam e

determinam não só os seus sentidos, como também as reações estéticas que podem

produzir.

O universo do fotojornalismo, portanto, em se nos revelando um mundo de

imagens oferece-se à atividade de leitura e interpretação investigativa para se

perceber os seus modos específicos de estabelecer comunicação. É dessa experiência

midiática, de sua força e impacto social, que desponta o nosso propósito de submeter

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os materiais fotojornalísticos ao exame mais atento de seus mecanismos de produção

de semiose.

Reconhecendo que o fotojornalístico é linguagem, e que, portanto, cumpre

exigências próprias da comunicação humana, quais são os elementos que estruturam a

produção de seus sentidos e de seus efeitos de natureza estética?

Neste ponto, é preciso situar alguns pontos específicos, a serem verificados ao

longo da investigação: É possível estabelecer correlações entre estrutura linguística e

estrutura icônica, como a que se encontra em peças fotojornalísticas? Que elementos

integram seu léxico e sua sintaxe visual? De que maneira a imagem fotojornalística

interage no processo de elaboração de sentidos? Quais os elementos intrínsecos ao

fotojornalismo que lhe garantem legibilidade? E, por fim, que operações estéticas aí se

evidenciam decorrentes dos efeitos produzidos através do contato com a imagem

fotojornalística?

A realização desta pesquisa se justifica, em primeiro lugar, pela escassez de

estudos que contemplem esta temática. Ao analisarmos a bibliografia nacional sobre

fotojornalismo, com aporte de teorias de bases sistêmicas, nos deparamos com a

grave inexistência de títulos na área, e principalmente sobre o assunto no âmbito

regional.

Em segundo lugar, quando consideramos os estudos relacionados à imagem, na

área da linguística, percebemos uma tendência majoritária de esforço dirigida a

pesquisas assentadas em plataformas de linguagem verbal (escrita e falada).

Lúcia Santaella (2001) diz que uma das causas da ausência de teorias visuais

pode ser encontrada nas observações de Émile Benveniste, para quem as imagens

constituem um sistema semiótico que carece de uma metassemiótica, em outras

palavras, não dispõe de recursos para explicar a si mesmo, diferentemente do sistema

verbal. Isso traz complicações para o trabalho de análise dos sistemas imagéticos,

como a pintura, a fotografia, o cinema, entre outros.

De outra parte, tal situação motiva para que despontem novas iniciativas de

estudo na área. Ao mesmo tempo, servem de estímulo para que descubramos

processos que lhe são específicos, e que justificam a iniciativa da realização do estudo

aqui proposto.

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A escolha deste tema de pesquisa é efeito, também, de uma série de

questionamentos ligados à nossa experiência em fotografia. Foi trabalhando nessa

área, como fotojornalista e designer gráfica desde 2001 que observamos tal carência.

As inquietações surgidas de nossa atividade profissional com a imagem e com a

fotografia ganharam forma e se refinaram através do contato provocativo com

mestres e estudantes do Programa de Pós-graduação em Linguística, da UFPB.

Sabemos que ao se selecionar uma imagem para publicá-la estamos

considerando, além dos seus aspectos técnicos, seu conteúdo sócio-político-cultural-

ideológico.

Por isso mesmo, é coerente dizer que a imagem – a imagem fotojornalística,

em especial – é um texto; e é como um texto que a semiótica peirceana a percebe.

Como teoria geral dos signos, a semiótica investiga a o universo dos materiais sígnicos,

as relações e processos semióticos presentes nas inúmeras e complexas relações e

situações comunicativas.

Bense (2000, p. 85) destaca que toda e qualquer atividade inteligente, em toda

“atividade espiritual, um meio utilizável ou utilizado, que, uma vez referido a qualquer

fato ou acontecimento material ou não material, não pertença à teoria geral dos

signos”. É sabido que todo e qualquer signo pode ser analisado per si, nos seus

elementos constituintes, na sua capacidade de significar algo para alguém.

A semiótica peirceana traz um quadro teórico-metodológico que fornece

instrumentos capazes de permitir a interpretação e análise de nosso material de

pesquisa, em seus processos específicos de engendrar comunicação. As amplas

dimensões da semiótica de Peirce – que se inclina, podemos dizer, sobre a extensa

realidade sígnica – possibilita estabelecer articulações com outros estudos mais

pontuais, como é o caso, aqui, da Gramática Visual de Gunther Kress e Theo van

Leeuwen.

Em termos específicos, a proposta de Gunther Kress e Theo van Leeuwen se

inclinam sobre os elementos funcionais da imagem, articuláveis dentro de uma

sintaxe. A proposta de Gramática Visual de Kress e van Leeuwen estabelece

interessantes relações entre língua e ícone, e interpõem um corpo de formalizações

que demonstram que os índices visuais são, sim, elementos de composição de uma

gramática.

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Por isso mesmo, levaremos em consideração as propostas de uso e

contextualização da Gramática Visual, sistematizadas por Kress e van Leeuwen (1996),

através de suas multimodalidades sintático-visuais, baseadas nas metafunções de

Halliday (1994), em que a maior função de uma linguagem encontra-se no uso e ajuste

às circunstâncias que determinam essa ação linguística. Por relações multimodais

entenda-se um conjunto de disposições presentes nesta prática fotográfica que se

entrecruzam e que, aqui, serão recortados em termos representacionais, interativos e

composicionais, como propõe a Gramática Visual de Gunther Kress e Theo van

Leeuwen (1996).

É justo pelos elementos que integram tal gramática, que a imagem (produto

social e linguístico) apresenta os meios de interagir com os públicos, produzindo e

estruturando significados e efeitos de natureza sensível.

Sendo assim, ler imagens, pela GV se constitui na resposta de variáveis

cognitivas que podem ser assimiladas por um de seus aspectos (representacionais,

interativos e composicionais) ou pela combinação destes, gerando multimodalidade

discursiva.

Por meio da conjunção entre a Semiótica peirceana e a Gramática Visual

buscaremos verificar e analisar de que modo, e por quais caminhos, as peças

fotojornalísticas produzem sentidos, e encaminham reações de natureza estética.

Além da complementaridade entre esses dois recortes teóricos, há outro elemento

que merece destaque: a perspectiva pragmática que os alimenta. O viés pragmático,

comum a esses autores, concebe a produção sígnica como elemento que executa uma

ação.

É ínsita a qualquer edifício teórico de viés pragmático a compreensão de que os

signos, em se manifestando, executam o movimento de ação e a reação, em que

pressupõe que há um agente que “diz” e um reagente que “recepciona” e reage. É

próprio de a investigação semiótica pragmática avaliar os signos considerando-se 3

(três) dimensões ou componentes: um produtor (ou o que põe em funcionamento

uma semiose), um texto (que constitui a própria materialidade sígnica, o seu suporte

significante) e o leitor (que é muito mais que simples receptor ou decifrador, porque

interage com o texto, e de certa forma a ele responde). Desta maneira, o texto é o

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elemento que reflete tanto as intenções de seu enunciador, quanto irá constituir o seu

leitor.

O texto, então – porque material socialmente construído – faz, a previsão de

sua própria leitura, como também traz internalizadas as reações que procurará

desencadear em seu leitor. Como afirmado, um texto (quer seja som, imagem,

pantomima) não apenas “diz”, mas também “diz para que alguém reaja a este dizer”,

conforme previsões inscritas no próprio signo.

De outra parte, e em sintonia com os encaminhamentos possibilitados pela

Semiótica e pela Gramática Visual, a pesquisa se inclina, também, para colher as

reações estéticas produzidas pelas imagens fotojornalísticas. Dimensão diferenciada

do exercício da linguagem, mas associada às significações e sentidos, a experiência

estética referencia um tipo especial de contato, que introduz o sujeito num mundo de

relações dominado pelo sentimento de excesso produzido pelos materiais simbólicos.

A experiência estética caracteriza um tipo de contágio, em que o indivíduo se

desliga – nem que seja por instantes – de sua realidade, para viver as reações

sensíveis, impactos e tramas significações de uma narrativa ou material simbólico.

Nesta situação em que o indivíduo está aderido ou “fusionado” à matéria

significante, o indivíduo experimenta um mundo de sensações e de significados, em

que se misturam dispositivos como a imaginação, os valores, as crenças, as convicções

ideológicas etc.

Para dar conta desse impreciso, porém importante setor ou dimensão da

linguagem, recorremos às chamadas categorias estéticas. As categorias estéticas são

conformações que sintetizam as experiências estéticas, através de seus elementos

estruturantes.

É bom salientar, que as categorias estéticas têm presença longa na história da

arte, e são excelentes descritores das experiências sensíveis, pelos menos as que têm

maior vitalidade social. Assim, após as análises, que procurarão caracterizar o jogo

sintático presente nas imagens, e de recortar os sentidos que surgem de seus

dispositivos gramaticais, verificaremos o teor estético que daí desponta, através de

projeções sobre as possíveis reações sensíveis diante das peças fotojornalísticas.

Sendo assim, no capítulo 1 apresentamos uma breve trajetória da fotografia e

do surgimento do trabalho fotojornalístico. Destacando, aí, a presença do trabalho

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fotojornalístico de quase um organismo vivo, que confere credibilidade ao trabalho

jornalístico a setor indispensável à atividade noticiosa e ao sistema midiático.

No capítulo 2 exporemos alguns breves delineamentos da teoria semiótica

peirceana, suficientes, porém, para demarcar a composição teórica que irá

fundamentar as análises de nosso corpus, que é constituído por imagens

fotojornalísticas. Aqui se expõe o conceito de semiótica, de signo propriamente dito,

as relações que funda com seu objeto e seu interpretante, e os processos de

significação que decorrem das diferentes configurações semióticas.

Ao capítulo 3 estará reservado à aplicabilidade dos aspectos e elementos

sintáticos da Gramática Visual, e como estes encaminham os processos de sentido –

fatores importantes na observação da imagem fotojornalística e seus efeitos

significacionais e estéticos. Outrossim, salientamos que todas as fotografias aplicadas

nessa seção bem como as analisadas nos capítulos 5 e 6 são registros fotojornalísticos

produzidos pela autora desta pesquisa.

O capítulo 4 discute a experiência estética, apresenta as suas categorias,

evidenciando particularmente as que irão instrumentalizar as nossas avaliações sobre

os efeitos de natureza sensível produzidos pelas peças fotojornalísticas de nosso

corpus. Aqui, se delineia a forma de contágio que a experiência estética proporciona,

bem como se expõe alguns critérios que permitem enquadrar o estético dentro de

formalizações razoavelmente consistentes.

Reservamos ao capítulo 5 a análise e interpretação das imagens que fazem

parte do corpus de nossa pesquisa. Nesta seção, à luz da Semiótica e da Gramática

Visual, demonstraremos como os elementos da estrutura visual atuam nas peças

fotojornalísticas, bem como os seus sentidos mais salientes. Ainda neste setor,

exploramos a forma específica trabalhada pela produtora da imagem, a partir de

escolhas e critérios semiolinguísticos para a construção do seu discurso visual, onde

cada um dos elementos sígnicos dispostos na composição imagética proporá uma

legibilidade específica.

Ao efetuarmos tal abordagem da Gramática Visual (1996), através de imagens

fotojornalísticas, buscaremos evidenciar como a aplicação da Semiótica e da GV,

tomando como exercício interativo a produção de imagens jornalísticas e seus

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observadores, suscitam, assim, a formação crítica de leitores visuais, a partir da leitura

composicional dos fatos registrados e narrados em imagens num jornal.

Até porque como afirma Paul Zumthor, comunicar “não consiste somente em

fazer passar uma informação; é tentar mudar aquele a quem se dirige; receber uma

comunicação é necessariamente sofrer uma transformação” (ZUMTHOR, 2000, p. 61).

Já no Capítulo 6 analisaremos os efeitos estéticos e de sentido, produzidos

pelas silenciosas imagens falantes que integram o corpus, acabando por revelar o

universo do fotojornalístico um campo semiolinguístico dialógico e polissêmico,

propício à atividade de leitura e interpretação investigativa, que redimensiona e

amplifica, inclusive, os modos de se estabelecer comunicação.

Defendendo essa dinâmica de signos e sentidos, produzidos pela fotografia,

Joly (1996) atenta para o fato de que “as imagens não são as coisas que representam,

elas se servem das coisas para falar de outra coisa” (JOLY, 1996, p. 84), isto é, a

imagem não é uma reprodução da realidade, mas por meio da subjetividade, tal meio

de expressão e comunicação confere aos elementos representados um sentido

singular e plural ao mesmo tempo. São essas metáforas visuais que constroem a

multimodalidade implícita no discurso fotojornalístico, que circunscreve o sujeito na

história e que servirá de instrumentos para nossas análises.

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CAPÍTULO 1

Da fotografia ao fotojornalismo

A fotografia preserva para todo o sempre uma fração finita do tempo infinito do Universo.

MARVIN KRONE

A fotografia é a única “linguagem” entendida em toda parte do mundo e que, ao interligar todas as

nações e culturas, une a família humana. Independente da influência política – onde as

pessoas forem livres – , ela reflete fielmente a vida e os fatos, permite-nos compartilhar as esperanças e

o desespero dos outros e esclarece as condições políticas e sociais. Tornamo-nos testemunhas

oculares da humanidade e da desumanidade da espécie humana[...]

HELMUT GERNSHEIM

Este capítulo traça uma breve história do fazer fotográfico, e da atividade

fotojornalística, destacando os momentos decisivos que a dimensionaram como área

ou setor relevante do sistema midiático.

Muitas são as fomes dos homens...

A engenhosidade que ajudou o homem a criar fomes, também o ajudou a saciá-

las. Quando ela foi de comida, aprendeu a caçar; quando foi de entendimento, criou os

mais complexos e complementares códigos linguísticos, e quando a fome ultrapassou

territórios, inventou do espelho ao mito, às máquinas de reprodução e extermínio.

Figura 1 – Pintura rupestre do período paleolítico, de aproximadamente 25.000 anos atrás

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Figura 2 e 3 – Primeiras imagens, feitas pelo homem do período paleolítico, há cerca de 25.000 anos nas cavernas de Altamira, Lascaux e Castilho

Figura 4 – Cueva de las manos (cova das mãos) – Arte rupestre dos índios tehuelches há aproximadamente 9.000 anos

Se as primeiras imagens mostravam um tipo de homem e de sociedade

elementares, a fotografia, por sua vez, filha das evoluções óticas e revoluções sociais

que emergiam de novo sistema político e econômico do século XIX, o capitalismo,

reproduzia um novo tipo de homem, que era, agora, produtor e produto social, ao

mesmo tempo.

Figura 5 – Vista de Le Gras a partir de uma janela, considerada a primeira fotografia tomada com êxito por Nicéphore Niépce em 1826. Para tanto, foram precisas oito horas de exposição.

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A vista da janela de Le Gras, captada por Niépce, nos arredores de Chalon-sur-

Saône, entre 1826 e 1827, mesmo quase só manchas que tentam mostrar a visão de

“um trivial conjunto de casas, um par de janelas e uma vaga linha de horizonte”, dá a

nítida noção do que a fotografia se tornaria desde então.

Não só Niépce, mas todos os que se filiaram à prática fotográfica ao longo dos

anos tornaram o cotidiano visível. Todo e qualquer gesto do dia-a-dia, por mais

comum e repetitivo, ganharia nova aura, através da fotografia. Não era só ver a

realidade, mas percebê-la, alcançá-la, tocá-la.

De certa forma, as primeiras fotos não revelavam qualquer primor técnico ou

artístico, como acontecia com as invenções neste momento da história, mas só o fato

de se congelar o momento, retê-lo para a posteridade imprimia à fotografia certa

magia como o próprio nome camera obscura já sugeriria.

Figura 6 – Primeira ilustração gráfica publicada da Câmara Obscura, 1544. Fonte: http://www.unimep.br/phpg/editora/revistaspdf/imp24art04.pdf

Dos estudos e experimentos da ótica descritos por gregos e chineses 500 a.C.

até se obter um resultado satisfatório da imagem, tivemos aproximadamente 1.300

anos de maturação.

O princípio da camera obscura remonta à Antiguidade, quando Aristóteles (384

e 322 a.C.) se referiu a sua utilização em seus estudos astronômicos e observou que,

quanto menor o orifício, mais nítida a imagem projetada. Mas só na Renascença, com

Leonardo da Vinci (1452-1519), que tal fenômeno físico e seu funcionamento tiveram

sua primeira descrição completa e ilustrada.

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Figura 7 – "Quando as imagens dos objectos iluminados penetram num compartimento escuro através de um pequeno orifício e se recebem sobre um papel branco situado a uma certa distância desse

orifício, vêem-se no papel, os objectos invertidos com as suas formas e cores próprias" (DA VINCI).

A princípio, as cameras obscuras ou "quartos escuros" - ambientes totalmente

escuros, com um pequeno orifício - foram utilizados durante séculos, como suporte ao

registro de imagens (uma espécie de carbono) para pintores e desenhistas da época,

no desenvolvimento da perspectiva realista de sua arte. Só a partir do século XVII,

depois de ser acoplado ao orifício um sistema óptico para melhorar a qualidade da

imagem observada, é que as cameras obscuras tornam-se “portáteis”, sendo, então,

chamadas de Câmara Óptica ou Câmara Fotográfica.

Apesar de, em 1832, o fotógrafo francês, radicado no Brasil, Antoine Hercule

Romuald Florence (1804-1879) ter desenvolvido pesquisas sobre a reprodução de

imagens mediante processos químicos que ele próprio designou de photographie,

sendo o primeiro a usar o termo fotografia na história da mesma, oficialmente, a

fotografia teria nascido de um conterrâneo de Florence, em 19 de agosto de 1839,

após o astrônomo e deputado francês François Arago revelar publicamente, na

Academia de Ciências e Belas Artes de Paris, os detalhes do primeiro método prático

de fotografia, conhecido como daguerreótipo.

O nome da técnica é proveniente de seu criador, outro francês Louis-Jacques

Mandé Daguerre (1789-1851), pintor e desenhista de cenários para peças de teatro,

que vendeu seu invento ao governo da França no mês anterior à sua divulgação

pública. Tal procedimento do método foi publicado no manual Historique et

description des procédés du daguerréotype et du diorama e até 1855 foi o processo

mais utilizado pelos fotógrafos ditos profissionalizados.

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É importante lembrarmos que, já em 1841, o tempo mínimo necessário para

captação de um objeto ou cena, ficava em torno de cinco minutos ou infindos 300

segundos de exposição, o que não deixava de ser bastante avançado para aquela

época.

Figura 8 – Mahe, um bravo, 1841, fotógrafo desconhecido, Daguerreótipo. Fonte: http://www.unimep.br/phpg/editora/revistaspdf/imp24art04.pdf

Nos relatos do filósofo alemão Walter Benjamin (1985), referentes ao impacto

do retrato fotográfico em seus primórdios, está as observações feitas por um fotógrafo

chamado Dauthendey:

As pessoas não ousavam a princípio olhar por muito tempo as primeiras imagens produzidas. A nitidez dessas fisionomias assustava, e tinha-se a impressão de que os pequenos rostos humanos que apareciam na imagem eram capazes de ver-nos, tão surpreendente era para todos a nitidez insólita dos primeiros daguerreótipos (BENJAMIN, 1985, p. 95).

Graças à engenhosidade de inventores americanos, ingleses e austríacos, em

menos de uma década, já era possível obter uma imagem em aproximados 40

segundos. O que possibilitou aos fotógrafos registrar temas não tão somente restritos

às naturezas mortas, arquitetura e paisagens estáticas.

Fato marcante se dá no início de 1855, com as aventuras de Roger Fenton, um

antigo advogado licenciado em artes, que servia aos interesses da coroa britânica, e

seus engenhosos experimentos para registrar a guerra da Criméia.

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Em fevereiro de 1855, Fenton embarca com quatro assistentes e uma pesada

carruagem puxada por dois cavalos. Consigo levava trinta e seis grandes caixas, os

arreios dos cavalos e a comida. A carreta fotográfica que já servira no comércio de

bebida agora lhe serve de laboratório e ambiente de repouso.

Figura 9 – A carreta fotográfica de Roger Fenton na Guerra da Criméia, 1855. Fonte: GERNSHEIM, 1954, prancha 14.

Com Fenton conhecemos a face tendenciosa das imagens de guerra. Já que

este “optava por retratar os vencedores das guerras em poses onde expunham suas

armas e medalhas nos uniformes” (SANTOS, 2008, p. 06). Tais imagens, mais que um

registro do conflito, “respondiam” à opinião pública britânica quanto às condições de

vida dos soldados no front.

Figuras 10 e 11: Fotos de Roger Fenton, 1885, na guerra da Criméia. Fontes: http://www.studium.iar.unicamp.br/cinco/helio/pages/m198112330001.htm

http://www.19thfoot.co.uk/images/fenton_piling_arms.jpg.

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Em contrapartida, iríamos ter os momentos nada gloriosos dos campos de

batalhas registrados através das lentes e pontos de vista dos fotógrafos Alexander

Gardner e Timothy H. O´Sullivan. Gardner e O´Sullivan retrataram guerras, entretanto,

as descreveram sem retoques.

Figura 12 – A Colheita da Morte, Timothy H. O’Sullivan, campo de batalha de Gettysburg, julho de 1863. Fonte: http://www.studium.iar.unicamp.br/cinco/3.htm?main=index.html

Tamanha fidelidade realística é atribuída a imagens fotográficas como essas

que, Mathew B. Brady, responsável pela equipe de fotógrafos que fez a cobertura

deste conflito, passou a considerar a câmara fotográfica, como “o olho da história”.

Em 1870, o dinamarquês de apenas 21 anos, Jacob A. Riis seria o primeiro a

fazer uso da fotografia como “instrumento de crítica social”, ilustrando seus artigos

sobre as reais condições dos imigrantes nas periferias de Nova Iorque e também no

seu primeiro livro “How the Other Half Lives” (Como Vive a Outra Metade), de 1890.

Figuras 13 e 14 – Imagens de Jacob A. Riis, utilizadas em seus artigos e em seu livro “How the Other Half Lives” (1890).

Fonte: http://www.masters-of-photography.com/R/riis/riis.html

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Mais tarde, entre 1908 e 1916, um sociólogo, Lewis W. Hine irá registrar

possivelmente as primeiras imagens sobre o trabalho infantil, na América. E será a

primeira vez que a fotografia se torna uma importante ferramenta na transformação e

melhoria da sociedade. Sob a égide de tais imagens mudanças são discutidas na

legislação sobre o trabalho infantil, da época.

Figuras 15 e 16 – Trabalho infantil na cidade (1911) e no campo (1916), registrados por Lewis W. Hine. Fonte: Biblioteca do Congresso, Washington, D.C.

http://www.britannica.com/bps/image/266474/60934/

Daí, então, a fotografia se tornaria, um forte instrumento de registro do real,

assumindo definitivamente seu caráter social e histórico, quer trazendo à baila as

condições de existência em zonas rurais assoladas por crises financeiras, quer por

desnudar os problemas suburbanos na “luminosa” Paris.

Fato curioso é que os primeiros fotógrafos, nos primórdios do fotojornalismo

(conhecidos como fotodocumentaristas), e engajados com as causas sociais, são tidos

como fotógrafos amadores, enquanto os ditos fotógrafos de imprensa (escolhidos mais

pela força física que pelo intelecto) sofriam descaso em sua função porque

considerados meros ilustradores e não agentes sociais diante de uma ferramenta

avassaladora de divulgação.

Tomando de empréstimo as palavras de Freund (1995, p. 110),

Mesmo nos nossos dias, este ofício é ainda desconsiderado por muita gente e os seus representantes tratados com um certo desdém e desconfiança. Como nos primeiros tempos de sua invenção, a fotografia atrai grande número de pessoas sem cultura que acreditam ter encontrado um meio de ganhar a vida com este ofício de aprendizagem fácil, mas para cujo exercício nada os preparou. A estes últimos acrescenta-se uma nova raça de repórteres, nascida em Itália nos anos cinquenta, os paparazzi.

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Em parte, é para estes desavisados de plantão que este trabalho se volta. Até

porque como acreditamos, a imagem fotojornalística é um dos recursos de

comunicação mais eficazes, por sua capacidade de captar a dinâmica da vida

associada, revelando, de forma sintética, os múltiplos eventos sociais – quer

denunciando, surpreendendo, emocionando, tamanha a força e extensão daquilo que

as lentes, através de seus responsáveis, são capazes de captar.

1.1 Inícios do Fotojornalismo

Considera-se fotografia jornalística ou fotojornalística aquela imagem ou

conjunto de imagens, capturadas por câmera fotográfica que retratam e relatam

acontecimentos sociais, que pode vir acompanhadas de textos e legendas.

Se de um lado temos uma Alemanha devastada pela Primeira Grande Guerra,

do outro lado temos o vigor da Bauhaus do arquiteto Walter Gropius (1919); a física de

Einstein e o Nobel (1921); a literatura, de Thomas Mann em sua Montanha Mágica

(1924); Kafka e a sua obra póstuma, O Processo, romance inacabado, em que profetiza

os horrores do período nazista; a pintura de Franc Marc, Kandinsky, Paul Klee e tantos

outros; o teatro de Bertolt Brecht; o cinema de Fritz Lang.

Se o berço da fotografia é considerado a França, o do fotojornalismo é a

Alemanha, a mesma da depressão pós-guerra, a mesma de tantos talentos, dentre eles

os primeiros e notáveis fotojornalistas.

O mais célebre fotógrafo da época, o Doutor Erich Salomon (1886 -1944),

conhecido por “Herr Doktor” ou simplesmente “o psicólogo de seus concidadãos”, era

mais um advogado na fotografia que havia aprendido a fazer as imagens “deporem”

em seu favor.

Depois de anos em uma prisão francesa, volta para Berlim (1918) num período

bastante instável econômica e politicamente. Curiosamente, a primeira vez que

Salomon manuseou uma máquina fotográfica, seus registros funcionaram como

documentos testemunhais frente aos tribunais, onde atuara.

Como é bem sabido, as primeiras experiências fotográficas exigiam menos

domínio técnico e mais empenho físico para conseguir carregar desde imensos

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contêineres de pólvora (para um tipo de flash bem antigo) a mantimentos até uma

parafernália entre máquina, placas de vidro e tripés.

Salomon foi, sem dúvidas, um dos pioneiros do fotojornalismo moderno. Foi o

primeiro a adotar o termo fotojornalista ao de foto repórter, termo, aliás, que

reprovava. Considerado o fundador do fotojornalismo político moderno, inteligente,

astuto, bem humorado, Salomon ainda conseguia manipular seu equipamento de

maneira única em sua época. Infelizmente, tamanhas habilidades não o livraram do

campo de concentração de Auschwitz, onde veio a morrer em 1944, com 58 anos.

Figura 17 – Drº Erich Salomon e sua Ermanox, antecessora da Leica. Fonte: http://global-metropolis.net/wp-content/uploads/2006/09/salomon1.jpg

Dele, é a célebre foto feita após se infiltrar nos bastidores da segunda conferência

de Haia, em 1930, em que flagrou ministros alemães e franceses cochilando enquanto

ainda não tinham definido questões sobre a dívida da guerra alemã.

Figura 18 – Bastidores da segunda conferência de Haia. Foto: Erich Salomon (1930)

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Naquela época, reconhecia-se uma boa foto pelo quão secreta ela fosse. É

assim que, de certa forma, Salomon também antecipa a atividade que mais tarde dará

origem aos paparazzi.

A partir de Dr. Erich Salomon desdobra-se uma rede de fotógrafos

independentes (free-lancers) que além de escolher quais assuntos registrar, tem seus

registros assinados e respeitados. Hans Baumann, filho de um banqueiro alemão, em

meio à crise financeira que abalou o mundo, inclusive, a Alemanha durante e após a

Primeira Guerra Mundial, teve que abandonar os estudos para sobreviver.

Para isso, primeiramente tornou-se desenhista do Jornal B. Z. AM Mittag, em

Berlim. Em 1929, Hans Baumann torna-se Felix H. Man e “um dos primeiros repórteres

fotográficos a realizar, em colaboração com Stefan Lorant, a fórmula moderna de

reportagem” (FREUND, 1995, p. 120). Dele, é o ensaio sobre o Duce italiano Benito

Mussolini (1883 -1945), abaixo.

Figura 19 – Parte da reportagem coberta por Felix H. Man sobre Mussolini e que viera a influenciar gerações de fotojornalistas (1931)

Fonte: http://iconicphotos.wordpress.com/2009/06/page/4/

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Fato marcante e decisivo para a consolidação do fotojornalismo moderno foi o

aparecimento da Leica1, em 1925, criada por Oskar Barnak, apaixonado por fotografia

e por mecanismos de precisão. Também é fato que quando a Leica surgiu poucos lhe

deram a devida atenção, dadas suas pequenas dimensões.

Como sempre, foi preciso contrariar a regra. Principalmente num mundo em

que a aparência de ser grande é que parece conter grandeza. “Nem mesmo uma

revista como a Life, fundada em 1936, queria, nos seus inícios, que os seus repórteres

se servissem da Leica” (FREUND, 1995, p. 122).

Coube a Thomas Mc Avoy desobedecer a proibição do uso da aparentemente

frágil - e até hoje reconhecidamente incomparável – Leica. É claro que após a

desobediência de Mc Avoy nem seus trabalhos nem os que eram produzidos pela Life,

revista para a qual trabalhara e que, na época, era especializada em “foto-

reportagem”, foram os mesmos. Podemos dizer, que o fotojornalismo foi um antes e

outro depois da Leica.

Figura 20 – Cândido Portinari, em seu ateliê Figura 21 – Bresson e sua inseparável Leica Foto: Thomas Mac Avoy Fonte: http://alucinogenodramatico.blogspot.com

1 Câmera fotográfica de “pequeno porte” que dispensava o uso de flash, agilizando e valorizando o efeito de

realidade.

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Curiosamente, é graças ao nazismo e à ascensão de Hitler ao poder, em 1933,

que a imprensa ilustrada na França, Inglaterra e Estados Unidos irá sofrer as suas

maiores influências e mudanças.

Não obstante, graças a Heinrich Hoffman, mais conhecido no Terceiro Heich

por “Herr Professor”, a quem Hitler deposita sua confiança e confia a sua imagem e do

seu staf que possivelmente tenhamos chegado a ter conhecimento dessa técnica

aplicada ao registro fotográfico, antes mesmo dela vir a ser utilizada pela primeira vez,

no cinema, em 1941, com Orson Welles, na sua obra-prima Cidadã Kane. Trata-se de

uma das mais célebres tomadas baixas reconhecida como contra-plongée.

Fatalmente, mais tarde, o arquivo de Hoffman servirá ao exército americano

para o reconhecimento dos criminosos de guerra.

Figuras 22 e 23 – Hitler e suas clássicas poses em contra-plongée Figura 24 – Hitler e seu staff Fotos: Heinrich Hoffman (1939) Foto: Heinrich Hoffman (1941)

A Vu, revista francesa, criada em 1928, por Lucien Vogel (1886-1954), sucedeu

os modelos de espírito liberal das revistas germânicas. O período de entre-guerras não

foi fácil pra ninguém, mas a Alemanha, mesmo em anos difíceis, conseguiu criar um

clima ideal para o fotojornalismo moderno.

Com a chegada de Hitler ao poder, em 1933, essa configuração mudaria, e

todos aqueles que faziam o melhor fotojornalismo do mundo, tiveram literalmente

que abandonar seus lares e assumir outra identidade noutras pátrias. Os ideais de

Hitler tornaram a Alemanha o berço da mediocridade e intolerância. Os gênios que

sobreviveram à tamanha insensatez pulverizaram o mundo do que havia de melhor do

engenho intelectual. Muitos desses engenhos foram parar diante de Vogel, homem de

raro talento para as ideias.

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Antes de ser perseguido e morto pelos algozes do nazismo, Solomon não foi só

pioneiro no exercício de testemunhar e registrar fatos sem ser notado, também é de

sua responsabilidade a idealização e fundação da primeira agência de fotógrafos, em

1930, a Dephot, garantindo, assim não só o direito autoral dos fotógrafos sobre seus

trabalhos bem como autoridade destes sobre o que e como fotografar. Associados à

Solomon, em sua agência, estavam: Felix H. Man, além de André Kertesz e Brassäi.

Figuras 25, 26 e 27 – Fotos de André Kertesz Fonte: http://www.chrishorner.net

Figuras 28, 29 e 30 – Fotos de Brassäi Fonte: http://graphia.files.wordpress.com

Em 1947, seria a vez da Magnum, criada por Robert Capa, Bill Vandivert,

George Rodger e David Seymour "Chim" e Cartier-Bresson.

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Figura 31 – Guerra Civil Espanhola (1936-39) Figura 32 – Segunda Guerra Mundial (1938-45) Foto: Robert Capa Foto: Robert Capa

Figuras 33, 34 e 35 – Fotos de Henri Cartier-Bresson Fonte: http://www.henricartierbresson.org/

Sob diferentes critérios e percepções distintas, cada um desses fotógrafos

imprimirá um novo ritmo às narrativas visuais, transformando suas experiências

estéticas em arte fotojornalística.

Na primeira publicação de Vu, que já continha os mais notáveis fotógrafos, e

porque não dizer fotojornalistas, de então - André Kertesz, Man Ray, Brassaï, Martin

Munkacsi, Felix H. Man, Robert Capa, entre outros, anunciava:

Concebido num espírito novo e realizado por meios, Vu vem trazer à França uma nova fórmula: a reportagem ilustrada de informações mundiais... De todos os pontos em que um acontecimento marcante se produza, fotografias, telegramas e artigos chegarão a Vu que assim ligará o público ao Mundo inteiro... e porá ao alcance do olho a vida universal... (FREUND, 1995, p. 127)

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Rompia-se um padrão clássico vigente nas revistas da Europa, da fotografia

isolada, como até então era praticada pela influente L’Illustration.

Figura 36 – L'Illustration, setembro 1931, Figura 37 – Páginas da Revista Vu sob fotomontagens fotos de Erich Salomon de Alexander Liberman

Fontes: http://saisdeprata-e-pixels.blogspot.com/2007/01/revista-vu.html

Desta forma, em abril de 1932 L’Énigme Allemande sairá uma edição composta

de 125 páginas contendo exatas 438 imagens, através das quais o público francês toma

conhecimento do nazismo. Em 1933, será a vez da Itália.

A simpatia de Vogel pelo partido republicano espanhol, as reportagens que

edita a seu favor e a liberdade de imprensa assim como todos os princípios

democráticos que sempre repousaram muito bem sob tinta e papeis velhos, levam no

final de 1936 Vogel a demitir-se. A revista só resistiria mais dois anos.

Em 1954, Vogel morre fulminado na mesa de trabalho. Henri Luce, fundador da

revista americana Life em 1936, presta homenagem ao homem de ideias fartas e

generosas, que havia criado a primeira e mais importante revista ilustrada na França,

com base na fotografia, enviando telegrama à família, com o seguinte texto: “Sem Vu,

Life nunca teria visto a luz do dia.” (FREUND, 1995, p. 127)

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Figura 38 – Algumas capas da revista Life que, entre idas e vindas, resistiu até abril de 2007 Fonte: http://www.fayerwayer.com.br/wp-content/uploads/2008/12/life_magazine_covers.jpg

De 1936 a 1972, Life foi uma revista semanal. Sanados alguns problemas

financeiros, Life retorna em 1978, desta vez como revista mensal. De volta os

problemas com anunciantes em 2000, Life volta a parar. Seu último retorno ao

mercado ocorreu em outubro de 2004, como suplemento de 103 jornais. Sem fôlego,

seu último número saiu em março de 2007. Durante seu apogeu, Life chegou a ocupar

cinco andares do Time & Life Building, no centro de Manhattan.

Com todo o desenvolvimento da engenharia e mecanismos fotográficos

impulsionou-se a cobertura dos acontecimentos feita eminentemente por fotografias

que por si só continha o aspecto da verossimilhança em suas narrativas.

O novo estilo de fotojornalismo introduzido pelas revistas alemãs no princípio dos anos trinta, parcialmente retomado um pouco mais tarde em França pela revista Vu, influenciou profundamente os criadores da Life, que se inspiram nele para contar histórias inteiramente por sequências de fotografias. As fotografias do doutor Erich Salomon e de Felix H. Man eram conhecidas, e já tinham aparecido nas revistas americanas. A Life contratou os excelentes fotógrafos que tinham escapado ao hitlerianismo. (FREUND, 1995, p. 135)

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O fato de a América ser vultosa em dimensões territoriais e de estar passando

de uma nação agrícola para uma nação industrial, através, inclusive, de um imenso

investimento publicitário que perdura até os dias de hoje, fez da América não só um

dos maiores parques gráficos como um dos maiores consumidores de todo tipo de

produto, dentre eles, a notícia.

Os anunciantes cada vez mais interessados em ter sua imagem associada a

“grandeza” de seu país, passaram cada vez mais a investir em semanários e revistas

mensais as quais atingiam um número maior de leitores.

1.2 O fotojornalismo na engrenagem midiática da notícia

A produção fotojornalística se insere no fluxo da engrenagem da produção

midiática, como um de seus mecanismos testemunhais, que revelam aos leitores os

acontecimentos, colhidos no exato momento em que estes acontecem.

É preciso ter-se em conta que a mídia apresenta características de um sistema,

e como tal é regulado por princípios que ordenam e orientam o seu fazer, segundo

regras muito específicas de uma área cuja principal característica é difundir informação

em ritmo contínuo.

Neste sentido, as concepções de Niklas Luhmann (2005) nos ajudam a perceber

o papel da fotojornalismo no conjunto da esfera midiática da difusão organizada de

informação. Segundo Luhmann, o mediático é um sistema orientado por uma lógica

própria, que mantém relação com outros sistemas sociais (o político, o econômico, o

artístico, o direito), e que são entendidos, por ele, como galáxias de comunicação –

amplas, socialmente necessárias, e reguladas por códigos próprios.

Para este estudioso alemão, a sociedade moderna traz, como uma de suas

características principais, diferentes sistemas sociais, e todos surgiram como

consequência da incapacidade de os sistemas existentes responderem a necessidades

incessantes e socialmente relevantes (LUHMANN, 2005).

Os chamados media modernos (jornais, revistas, programas de TV etc.) são um

desses sistemas, assim como a política, a saúde, a educação, a arte, a religião, a

economia, o direito. E o sistema que tem maior possibilidade de alcançar sucesso

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comunicativo no meio social é justamente aquele que consegue articular-se com

alguns dos sistemas sociais.

Assim, cada sistema, possui um código específico com que irá selecionar,

processar e estabelecer comunicação. Então, cada sistema é uma galáxia de

comunicação que, ao negociar com os demais, retrabalha informações,

transformando-as de maneira peculiar, segundo suas próprias características de

funcionamento.

Luhmann destaca que há um duplo movimento no sistema mediático: o de

abertura a outros setores importantes do social, e o de clausura operacional

(LUHMANN, 2005, p. 27). Ele entende que os meios massivos são um universo

específico, em razão de sua tecnologia de difusão, e suas operações se processam de

maneira diferenciada. Isso porque eles levam adiante experiências comunicativas que

não dependem da interação direta, da participação olho-no-olho de agentes, e por

expandirem enormemente as possibilidades de comunicação.

Assim, o sistema midiático desenvolve e consolida formas comunicativas

próprias, menos ou mais complexas, pois este é um sistema “autopoiético, que se

reproduz a si mesmo e que já não está orientado à comunicação entre presentes”

(LUHMANN, 2005, p. 46).

Todos os demais sistemas sociais, as informações dos outros sistemas sociais,

são processados e retrabalhados pelos media massivos. Por tal motivo, os processos

midiáticos instituem um modo diferenciado de comunicação universal.

O critério maior utilizado pelo sistema midiático é aquilo que é passível de ser

informado, aquilo que é capaz de causar, no tecido social, certa polêmica, de provocá-

lo, movê-lo, “irritá-lo”. Ele é organizado por um código específico: o informável/o não

informável. Esse sistema seleciona tanto o que se pode ou não informar como também

o feitio da informação, sempre atento à maior capacidade de produzir impacto:

Os meios de comunicação mantêm, pode-se dizer assim, a sociedade em vigília, desperta. Produzem uma sempre renovada disposição para contar com a surpresa, com o irritante. Daí que os meios massivos se ajustem à dinâmica acelerada própria de outros sistemas de funções como a economia, a ciência, e a política, que estão permanentemente confrontando a sociedade com novos problemas (LUHMANN, 2005, p. 35).

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Neste sentido, a função do sistema midiático é “vender novidade”, e é também

por isso que o fotojornalismo cumpre papel de destaque na dimensão das ações

noticiosas: graças a seus recursos tecnológicos, a imagem é gerada no instante da sua

ocorrência, a face de uma realidade é mostrada quase que instantaneamente e em

cores. Este instante de flagrante, de captura de uma passagem nova, de um evento, de

um acontecimento que faz do fotojornalismo peça indispensável na arquitetura do

sistema midiático de difusão da informação.

Mesmo com o avanço vertiginoso da tecnologia, o fotojornalista não pode

“reescrever” uma imagem, dada as circunstâncias, condições climáticas, geográficas,

até psicológicas. Isso é o que faz uma fotografia tão rica e instigante para uma

pesquisa de cunho semiótico. Na fotografia publicitária, a imagem pode ser repetida

até a exaustão. No fotojornalismo, o momento é o instante exato a que tanto se

referia Cartier-Bresson.

Lidamos com o que desaparece e que é impossível reviver. Daí, nossa angústia e também a originalidade essencial de nosso trabalho. Não se retoca o acontecimento. Pode-se, quando muito, escolher entre as imagens recolhidas aquelas que melhor representarão a reportagem. (Henri Cartier-Bresson, Cadernos de jornalismo e comunicação, edições Jornal do Brasil n. 27)

Por causa de sua referencialidade (BARTHES, 1984) e indicialidade, a imagem

pode dar a impressão de ser um texto pronto. Até imutável. Mas, como qualquer outro

discurso, e mesmo que esteja a serviço de um sistema particular que veicula

informação, sempre estará aberto a múltiplas leituras. Também é bom ressaltar que,

mesmo que variem as formas de observação e de interpretação, ainda assim haverá,

numa construção imagética, o reconhecimento e cumprimento de algumas regras

inteligíveis.

Considerando que “todo fato é uma interpretação” (PÊCHEUX, 2008, p. 44), o

que quer que leiamos/vejamos é configuração particular de cada sujeito. Mas essa

ação interpretativa diferenciada é, também, resultado de uma série complexa de

relações de comunicação, construída no convívio social.

Apesar de uma imagem de uma ave de rapina pairando sob o céu de

determinado lixão ser estrutural e objetivamente o registro de uma ave de rapina

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pairando sob o céu de determinado lixão, como cada um internaliza e concebe essa

imagem será o resultado dos possíveis desdobramentos interpretativos de cada um

em contato com essa materialidade discursiva (determinada pelo contexto).

O fluxo de interpretação isolada do indivíduo, que constrói significados diante

da imagem em questão, advém da aprendizagem social, e corresponde ao contato

(inter)subjetivo com outras mentalidades. Portanto, a ação interpretativa, mesmo

pessoal, é, antes e prioritariamente, social.

As considerações estabelecidas aqui, acerca do trajeto do fotojornalismo e de

seu papel no conjunto do aparato midiático moderno, procuraram situar aspectos

importantes desta atividade de registro e, também, de construção do real.

A etapa seguinte, e articulada a esta, esboça aspectos da Semiótica, delineando

alguns fatores responsáveis pela produção de sentido na linguagem fotojornalística,

expondo o que de específico tem a imagem, o ícone, como também a sua maneira de

estabelecer significação.

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CAPÍTULO 2

Elementos da semiótica

A fotografia enuncia o seu próprio relato. Plana, imóvel, granulada, manietada, espelho de si

e receptáculo de ondas, a fotografia consegue, ao mesmo tempo, criar leis, apontar para mundos concretos

e praticar ou desafiar a semelhança, o verossímil. A fotografia cria um quadro, uma encenação,

uma disposição ilusória onde o momento, de tão compactamente fragmentado, se desfaz numa miragem de infinitude.

A fotografia estabelece a contiguidade entre o reino fantasmático do agora perdido e um qualquer além,

ao sabor do arquétipo ancestral da imortalidade. Puro desengano.

A fotografia é antes um brevíssimo rio de luz a contracenar com o desejo, com o eros, com a maquinação

do olhar inquieto. LUÍS CARMELO

Não existe linguagem sem engano.

ÍTALO CALVINO

Esse capítulo tem por objetivo discutir, de modo sucinto, a teoria semiótica de

Peirce (1995) naquilo que traz de contributos à presente investigação, e que nos dará

as margens conceituais indispensáveis para que, em momento subsequente,

enfrentemos as tarefas de análise das peças fotojornalísticas.

A teoria dos signos, ou ciência dos signos, é chamada de semiótica2 ou

semiologia de acordo com a escola a que se refere. Ela apresenta duas tradições

aparentemente divergentes: a primeira, apresentada por C. S. Peirce no final do séc.

XIX e a segunda proposta por Ferdinand de Saussure no início do século XX, e mais

tarde retomada por Roland Barthes e outros.

Quando se fala da concepção derivada dos trabalhos de Saussure, considerado

o pai do estruturalismo linguístico, e principalmente numa tradição mais ligada à

linguística verbal, se usa o termo semiologia. Seu trabalho se desenvolveu

2 A semiótica (do inglês semiotics) é essencialmente americana e se origina da lógica; a semiologia (do francês

semiologie) é dominantemente europeia, continental, e fundada na Linguística. Ambas as palavras vêm da raiz grega semeion (σημειον), que significa sinal, marca, presságio, imagem, letra.

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paralelamente ao de Peirce, sem que os dois tivessem qualquer ligação, e de forma

completamente independente uma da outra.

A contribuição de Saussure para a semiótica é essencialmente o projeto de uma

teoria geral de sistemas de signos. O primeiro elemento básico dessa teoria é o

modelo de signo. O segundo é o conceito de arbitrariedade do signo, além da inserção

dos conceitos de estrutura e sistema de linguagem.

Saussure (2006) já concebia, na sua teoria, a noção de que o significado muda

de acordo com o contexto e regras da língua, embora esse não tenha sido o foco

principal do seu tratado linguístico.

Sua obra de publicação póstuma Curso de Linguística Geral deu início ao

estruturalismo europeu e tornou-se o documento fundador da linguística estrutural e

do estruturalismo nas ciências humanas e culturais do século XX. Saussure considerava

a língua como um sistema de significação, localizado em nossa mente, e formado por

signos, que são arbitrários, frutos de uma convenção.

O seu modelo de signo linguístico não é “um elo entre uma coisa e um nome,

mas entre um conceito – significado – e uma imagem acústica – significante”

(SAUSSURE, 2006). Esta última não é o som material, puramente físico, mas a marca

psíquica desse som, a sua representação fornecida pelo testemunho dos sentidos.

SIGNIFICADOconceito

SIGNIFICANTEimagem - som

Figura 39 – Signo linguístico-semiológico: significante e significado.

Essa definição que Saussure propõe para o signo linguístico o apresenta como uma

entidade dúplice e mentalista, associando uma ideia (conceito e significado) a uma

imagem acústica (significante) por via totalmente arbitrária, ou seja, na relação

significado/significante o sujeito falante não exerce qualquer domínio conceito-

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referencial. O significante por ser imotivado não mantém qualquer relação com o seu

significado.

Além disso, este autor rejeita a ideia da existência de um mundo “objetivo”.

Ideias, para ele, não são “pré-existentes às palavras. Tudo passa a existir dentro do

sistema semiológico. O pensamento anterior à língua “não passa de uma massa

amorfa e indistinta” (SAUSSURE, 2006, p. 130), só as estruturas (formas) do sistema,

não a substância dos signos, permitem-nos pensar e comunicar sobre o mundo.

Saussure propõe, portanto, um mundo abstrato, onde os falantes são

desprovidos de suas características históricas, pessoais, culturais, isto é, falantes sem

psiquismo, sem inserção na sociedade e sem individualidade. Para ressalvar esses

fatores, posteriormente propôs a categoria da fala. Saussure trabalhou com pares

dicotômicos: língua/fala; significante/significado; denotativo/conotativo;

sintagma/paradigma, entre outros termos, que vem a tornar-se uma destacada

característica do estruturalismo.

Quando se analisam produções imagéticas com o concurso do pensamento

estruturalista, observamos a não aceitação da presença de qualquer fator de

motivação ou ligação material entre o que é significante e o que é significado: o signo,

qualquer sistema de signos, para construir linguagem, terá de ser convencional e,

portanto, arbitrário. Neste sentido, na perspectiva estruturalista, o significante não

está por um dado objeto, existente, antecipado ou construído, mas por uma imagem

mental ou conceito. Para o pensamento estruturalista, o objeto, o real, externo à

consciência e, portanto, independente desta, são categorias periféricas.

Roland Barthes em Elementos de semiologia, retomando os conceitos de

Saussure, afirma que qualquer sistema de significação comporta um plano de

expressão e um plano de conteúdo e que a significação coincide com a relação entre

esses dois planos. A significação pode ser concebida como um processo: é o ato que

une a expressão e o conteúdo (BARTHES, 1999).

Para entender como se constrói a significação de um texto, é preciso entender

como se constitui a palavra, ou o signo linguístico, o qual resulta de junção de duas

partes distintas, mas inseparáveis. SIGNIFICANTE – SIGNIFICADO. A relação entre

significante e significado denomina-se denotação. Às palavras, porém, além do seu

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significado denotativo podem se sobrepor significados paralelos, impressões, valores

afetivos, negativos e positivos. Esses conceitos agregados denominam-se conotação.

INTERPRETANTE

REPRESENTAMEN OBJETODESIGNATUM

INTERPRETANTE

VEÍCULO SÍGNICO

Figura 40a – Triângulo semiótico de Peirce, baseado em Fernandes, 2009, p. 36.

Para Peirce, o conceito de signo, diferente do proposto por Saussure, envolve

três elementos distintos, em uma espécie de mecânica progressiva que os agrega e os

interrelaciona. Signo “é algo que está no lugar de alguma coisa para alguém, em

alguma relação ou alguma qualidade”. Basicamente, ele une “alguma coisa” a “algo”

(signo) para “alguém”. Esta a primeira grande diferença entre os modelos sígnicos das

duas correntes.

Alguma coisa AlguémSIGNO(ALGO)

Figura 40b – Representação gráfica inexata do signo triádico, baseada em Puppi, 2009, p. 107.

Outra diferença que podemos observar está em relação ao significante. “O

signo semiótico pode ser algo individualizado, não mais apenas uma ‘imagem

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acústica’, ou nem mesmo uma ‘palavra’ ou ‘forma convencional’ qualquer” (PUPPI,

2009, p. 107).

Trata-se de um grande salto para a linguagem não-verbal, pois tudo que

pertencia ao mundo das artes, e antes era excluído por ser considerado desprovido de

formas significantes convencionais, arbitrárias, imotivadas, “agora encontra abrigo

neste algo do significante semiótico que acolhe o natural, o não-arbitrário, o

motivado” (PUPPI, 2009, p. 107).

Em relação ao significado, outra diferença essencial: “o signo semiótico pode

ser alguma coisa, qualquer “alguma coisa” e não apenas um conceito” (PUPPI, 2009,

p. 108). E o terceiro termo adicionado por Peirce, em oposição ao dualismo, é um

alguém, que toma parte ativa no processo de construção do significado do signo.3

Para Peirce (apud NOVELLINO, 2007, p. 46), “linguagem e pensamento são

processos de interpretação do signo”. Se em Saussure temos destacada a

arbitrariedade do signo, em Peirce essa arbitrariedade dos signos será relativa. Afinal,

tudo que sofre intermediação do indivíduo, sofre também suas influências e

motivações.

2.1 Modelos de signos triádicos

Em uma das formulações, Peirce (apud FERNANDES, 2009, p. 31) diz que

um signo é um primeiro, que mantém com um segundo, chamado seu objeto, uma relação tão verdadeira que é capaz de determinar um terceiro, denominado seu interpretante, para que este assuma a mesma relação triádica com respeito ao mencionado objeto que é reinante entre o signo e o objeto.

3 No modelo de signo saussuriano há um terceiro elemento, mas ele não é centrado no individuo ativo, que toma

parte no processo de significação, e sim na coletividade social que determina os dois lados do signo e ainda prescreve seu uso – mas mesmo assim, nem de longe esse terceiro elemento linguístico-semiológico desempenha o papel de terceiro elemento dos modelos semióticos de signo.

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Objeto dosigno

InterpretanteSIGNO

Figura 41 – Representação gráfica ainda inexata do signo triádico, baseada em Puppi, 2009, p. 109.

Ao substituir os termos “alguma coisa” por objeto do signo e “alguém” por

interpretante do signo, temos uma aproximação terminológica mais adequada no

tocante às intenções fenomenológicas do signo semiótico idealizado pelo lógico e

filósofo americano. Afinal, Peirce “nunca limitou sua concepção de signo a um

fenômeno antropológico, meramente. Sua concepção de signo se estende para o

âmbito da própria natureza e dela para todos os recantos do universo” (PUPPI, 2009,

p. 110). Ou seja, tudo o que se manifeste na sua materialidade ou imaterialidade é

constituído de significação.

Na figura a seguir, adaptação do diagrama triangular que sempre representou a

relação triádica do signo peirciano criado por Ogden e Richards em 1923 (apud PUPPI,

2009, p. 113), teremos a representação do signo triádico genuíno, “a qual conecta seus

três elementos de um modo tal que este já não pode ser explicado como uma

complicação de relações diádicas” (2009, p. 113).

Objeto dosigno

SIGNORepresentamen

Interpretante

Figura 42 – Representação gráfica do signo triádico genuíno, baseada em Puppi, 2009, p. 113.

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Nesta configuração,

o objeto corresponde ao referente, à coisa (pragma), ou ao denotatum em outros modelos de signo. O objeto pode ser uma coisa material do mundo, do qual se tem um conhecimento perceptivo, mas também pode ser uma conformação puramente mental, ou imaginária (FERNANDES, 2009, p. 41).

Desta forma, “o signo pode denotar qualquer objeto: fruto de sonho, produzido

pela alucinação, real, esperado etc” (2009, p. 41). Quando ele não é signo, ou seja,

quando é algo real (e não fruto de objetivação semiótica), ele é chamado de objeto real,

ou dinâmico. E “quando é uma cognição produzida na mente do intérprete como

representação mental de tal objeto, ele é denominado de objeto imediato” (2009, p. 41).

Peirce chama de Representamen ao objeto perceptível que serve como signo

para o receptor. Ele é, então, o veículo que leva à mente algo ou alguma coisa que está

fora. “O interpretante é a significação do signo, é o efeito do signo” (2009, p. 41).

SIGNORepresentamen

O é um primeirosigno

Figura 43 – Signo triádico genuíno: significante – baseado em Puppi, 2009, p. 118.

O é um segundoobjeto

Objeto do signo

SIGNORepresentamen

Figura 44 – Signo triádico genuíno: significado – baseado em Puppi, 2009, p. 119.

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InterpretanteObjeto do signo

SIGNORepresentamen

E o terceiro é o interpretante

Figura 45 – Signo triádico genuíno: significação – baseado em Puppi, 2009, p. 120.

A ação que o signo executa é a de determinar um interpretante, termo aqui não

equivalente a intérprete (“meio através do qual o interpretante é produzido”), nem a

interpretação (“processo de produzir um interpretante”). O interpretante é “o efeito

que o signo está apto a produzir ou que efetivamente produz numa mente

interpretadora” (FERNANDES, 2009, p. 31).

Assim, o signo é, de fato e em substância, “uma mediação entre o objeto

(aquilo que ele representa) e o interpretante (o efeito que ele produz), assim como o

interpretante é uma mediação entre o signo e um outro signo futuro” (FERNANDES,

2009, p. 32).

O esquema de triangulação estabelecido por Peirce também dá bem a ideia da

dinâmica de qualquer signo como processo semiótico, cuja significação vai depender

do contexto de seu aparecimento, assim como da expectativa de seu receptor.

Peirce (1995) assinala, também, que a semiose – que é, substancialmente, a

produção de pensamentos – vai se desenrolar em três instâncias que se sucedem e se

interrelacionam.

Assim, para Peirce (apud FERNANDES, 2009, p. 42):

1) A categoria primeiridade, que é o domínio do sensível, do possível, do qualitativo (do “emocional”). Tais termos designam aquilo que é apresentado aos sentidos, de maneira imediata e integral, e diante da qual captamos as suas qualidades de uma só vez, e que precede qualquer elaboração posterior;

2) A categoria secundidade é a que designa o âmbito da experiência, da realidade, da ação da coisa ou evento (do “energético”). Assim, depois da primeiridade, que é a imediata impressão, vem a consciência de algo concreto, dada pela secundidade.

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3) A categoria terceiridade compreende tudo o que depende do pensamento, da consciência. A terceiridade referencia a inteligibilidade (racionalidade). Nesta etapa, o agente (sujeito da semiose), e através de progressivos níveis de consciência, passa de um estádio de pensamento – que é uma impressão pura e instantânea de algo (primeiridade) – para um pensamento marcado pela verificação, dado pela sensação da presença concreta de algo (secundidade), e que o leva à percepção da realidade exterior.

Todas as alternativas mencionadas anteriormente parecem possíveis se

considerarmos a generalidade de cada uma das definições de signo feitas por Peirce,

das quais elegeu as seguintes: o signo é qualquer coisa que é determinada por alguma

outra coisa, seu objeto, e assim, determina um efeito sobre outra pessoa, seu

interpretante, e este último vem determinado pelo anterior, “numa cadeia que se não

é infinita, ao menos é indefinida, visto que o significado de uma representação não

pode ser mais que uma representação” (FERNANDES, 2009, p. 36).

A partir desta definição, alguns dos aspectos desta tríade devem ser pontuados:

(a) o signo está determinado pelo objeto, isto é, o objeto causa o signo, mas (b) o signo representa o objeto, e é por isto que é um signo; (c) o signo só pode representar o objeto parcialmente; (d) pode representá-lo de uma maneira falseada; (e) representar o objeto significa que o signo é capaz de afetar a mente, quer dizer, de produzir um efeito nela, (f) a este efeito chamamos interpretante do signo; (g) o interpretante estará imediatamente determinado pelo signo e mediatamente pelo objeto, isto é, (h) o objeto também determina o interpretante mediante o signo (SANTAELLA, 2001, p. 418).

Para Peirce, o pensamento é semiótico e vive em constante processamento de

formação e conformação de signos. Tudo o que existe é intermediado por uma

representação. Dessa maneira, fenômenos, eventos e objetos só existem através dos

signos, contínuos elementos representacionais da consciência.

A semiótica por seu aporte conceitual e instrumental nos permite avançar para

uma análise pragmática dos signos em si mesmos, valorizando determinados aspectos

que não o são em outras conceituações, como no caso da semiologia saussureana.

Como observado, ela é uma teoria dos signos, da representação e do conhecimento,

“que elabora uma extensão da lógica no território da cognição e da experiência dos

fenômenos” (FERNANDES, 2009, p. 53-54), propondo novos encaminhamentos sobre

aspectos da significação e da elaboração de sentido.

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Concluindo, a partir da teoria geral dos signos, podemos estudar o não-verbal

do ponto de vista da sua constituição enquanto linguagem ou, pelo menos, enquanto

um conjunto de sistemas de signos que tendem a querer se conformar em linguagens.

Temos um conceito de signo que parece dar conta de toda a variedade observada no

mundo das linguagens não-verbais e, pelo menos, um esboço de método analítico que

pode ser utilizado para o estudo dos elementos estruturais mais significativos de todos

os signos semiolinguísticos.

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CAPÍTULO 3

Uma gramática para a fotografia

O mundo é o que vemos e que, contudo,

precisamos aprender a vê-lo. M. MERLEAU-PONTY

(...) toda imagem é polissêmica e pressupõe,

subjacente a seus significantes, uma “cadeia flutuante” de significados,

podendo o leitor escolher alguns e ignorar outros. ROLAND BARTHES

Neste setor de nosso estudo introduzimos os elementos nucleares da gramática

do design visual (Kress e van Leeuwen, 1996), e que emprestam os elementos

funcionais ao trabalho de análise das peças fotojornalísticas. Kress e van Leeuwen

(1996) apresentam em seus trabalhos abordagens sócio-semióticas utilizando

fundamentos da teoria sistêmico-funcional de Michael Halliday (1994).

Esses pesquisadores consideram que o sistema semiótico, que tem o signo

como noção central, explica o funcionamento da linguagem. Para Halliday, a semiótica

é mais do que um estudo de signos, é um estudo do significado dos sistemas de signos,

ou seja, “um estudo geral do significado”. Desta maneira, é a linguística um tipo de

semiótica (HASAN apud NOVELLINO, 1996, p. 48). Kress e van Leeuwen por sua vez,

consideram que os sistemas visuais também são semióticos, e como qualquer “modo

semiótico, devem servir a vários requisitos de comunicação (e de representação) a fim

de funcionarem como um sistema completo de comunicação” (1996, p. 40).

Sendo esse trabalho sobre fotografia e sobre as representações que podem ser

encontradas nessas imagens fotográficas, a teoria semiótica se torna um importante

suporte para a compreensão do que vem a ser representação, pois problematiza e

focaliza seu estudo no processo da representação.

Dessa maneira, a realidade que se forma é relativa, a interpretação que damos

a ela é que a constrói. “O significado não é transmitido, mas criado de acordo com a

interação entre o complexo sistema de códigos e as convenções que normalmente

ignoramos” (CHANDLER apud NOVELLINO, 2007, p. 45).

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Ao entendermos o fato de que o mundo ao nosso redor é composto por signos,

e que para compreender esse mundo nós só o poderemos fazer através dos signos e

códigos que os organizam, devemos ficar atentos então à importância que esses signos

exercem na maneira como os construímos e como interpretamos o mundo ao nosso

redor.

A Gramática do Design Visual ou GV (Kress e van Leeuwen, 1996) parte da

Gramática Sistêmico-Funcional ou GSF (Halliday, 1994). Partindo a GV dos estudos

propostos por Halliday (1994, p. 101), a gramática será entendida como indo “além de

regras formais de correção”. Será ela “um meio de representar padrões da

experiência”. Deste modo, tanto a Gramática Sistêmico-Funcional (Halliday, 1994)

como a Gramática do Design Visual (Kress e van Leeuwen, 1996) acreditam que as

construções de sentidos partem do uso pragmático e contextual das elaborações

linguísticas próprias a cada indivíduo.

Ao tomar o texto como objeto de investigação, Halliday (1994) observa sua

funcionalidade ou “inarbitrariedade” sígnica intrínseca à linguagem em suas relações

sociais. Kress e van Leeuwen (1996) fazem o mesmo, só que tomando a funcionalidade

dos textos visuais, respeitando as particularidades dessa estrutura linguística.

Desta forma, assim como podemos dizer “o menino é bonito”, ou “o moleque é

bem apanhado” ou ainda o “pirralho é ‘feio’” e estaremos dizendo a mesma coisa,

afinal o sentido enunciativo das proposições é o mesmo, o que faz com que venhamos

a utilizar uma proposição e desprezar as outras? Possivelmente, o ambiente, a situação

ou simplesmente o contexto social. Partindo dessa observação, recorrente dos textos

orais e escritos, o que não podemos extrair dos textos visuais, repletos de signos

sensoriais ainda mais complexos, apesar de menos investigados?

Halliday (1994), em sua GSF, dispõe três metafunções (ideacional, interpessoal

e textual) para o seu sistema de significação linguístico, através das quais é possível

observar os propósitos de uso e contexto de uma língua. Por sua vez, Kress e van

Leeuwen (1996) adaptaram da GSF para GV três metafunções (representacional,

interativa e composicional) para os quais tais metafunções se constituem no código

semiótico da imagem.

A seguir, a figura traça sintética e paritariamente os desdobramentos de cada

código semiótico e suas metafunções:

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GRAMÁTICA SISTÊMICO-FUNCIONAL (1978)

HALLIDAY

GRAMÁTICA DO DESIGN VISUAL (1996)

KRESS E VAN LEEWEN

CÓDIGO SEMIÓTICO DA LINGUAGEM CÓDIGO SEMIÓTICO DA IMAGEM

METAFUNÇÕES

IDEACIONAL /

REPRESENTACIONAL

INTERPESSOAL /

INTERATIVO

TEXTUAL / COMPOSICIONAL

RELAÇÃO ENTRE PARTICIPANTES

RELAÇÃO ENTRE IMAGEM E OBSERVADOR

RELAÇÃO ENTRE ELEMENTOS DA IMAGEM

NARRATIVA

AÇÃO REAÇÃO VERBAL MENTAL

CONCEITUAL

CLASSIFICACIONAL SIMBÓLICO ANALÍTICO

CONTATO

DISTÂNCIA SOCIAL PERSPECTIVA MODALIDADE

VALOR INFORMATIVO

ENQUADRAMENTO SALIÊNCIA

Quadro 01 – A gramática visual (adaptação de FERNANDES, 2009, p. 90).

Outrossim, a Gramática Sistêmico-Funcional, desenvolvida por Halliday

(1994), concebe a linguagem como um sistema de significados, que serve de suporte

para analisar as ocorrências linguísticas, apresentando uma gramática baseada no

conceito de uso da língua para dar forma ao sistema, sendo cada elemento explicado

em relação ao seu papel no sistema linguístico. A GSF estuda a língua nos diferentes

papéis sociais que ela exerce, na qual cada indivíduo realiza e constrói significados

através das funções e relações disponíveis nos sistemas.

Um texto é feito para fixar ideias. Tudo o que é escrito é escrito para durar.

Uma palavra ou uma imagem tem por finalidade fixar o que não escapa à retina das

gramáticas. Em toda palavra ou “despalavra” (imagem) existe um “inventário

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polifônico” e polissêmico que precede e que empresta à gramática um inventário de

sentidos.

Podemos considerar uma fotografia, em princípio, predominantemente

descritiva, pois representa uma certa realidade concreta, mesmo que particular, num

ponto estático do tempo. Podemos ler/ver o texto não-verbal como uma cópia fiel da

realidade, porém, esta realidade é modulada no ato do registro fotográfico, de acordo

com os recursos de que dispõe o fotógrafo, seja pelo enquadramento, jogo de luz,

ângulo, perspectiva, profundidade, dentre outros.

Kossoy (1999), em seu livro Realidades e ficções na trama fotográfica, já aponta

para essa diversidade de discursos implícitos numa imagem, enfocando as condições

históricas e sociais que marcam os significados da fotografia. Para ele,

a realidade da fotografia não corresponde (necessariamente) à verdade histórica, apenas ao registro expressivo da aparência. (...) A realidade da fotografia reside nas múltiplas interpretações, nas diferentes leituras que cada receptor faz dela num dado momento, tratamos, pois, de uma expressão peculiar que suscita inúmeras interpretações (KOSSOY, 1999, p. 37-38).

Existe na imagem uma mensagem simbólica, vinculada à sociedade, à história, à

ideologia de quem a produz e de quem a vê, o que retrata um universo simbólico,

favorecendo a construção de significados, conhecimentos e valores, cuja diversidade

de temas oferece espaço para a reorganização e construção de conceitos.

Desse modo, partimos de uma perspectiva da linguagem visual como uma

atividade social que envolve estruturas e discursos em contextos específicos. Aqui,

cada uma de suas funções, quer sejam representacionais (representações do mundo,

através de personagens, vetores, metas, crença e valores), interacionais (interações

sociais entre participantes, objetos, observadores e produtores da imagem) e

composicionais (modo como se representa o mundo visualmente) contribuirão para a

leitura das relações entre fatos narrados e elementos representados. Neste sentido,

a dimensão representacional tem a ver com o conteúdo das imagens e com seus efeitos em termos de conhecimento e de crenças; a interacional tem a ver com as relações sociais que são ativadas através da imagem visual e com os seus efeitos, em termos de poder e de controle; e a dimensão composicional relaciona-se com o modo como os elementos representados formam um todo coerente (PINTO-COELHO; MOTA-RIBEIRO, 2006, p. 04).

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Não por acaso, buscamos as teorias da imagem, balizadas pelos pesquisadores

Gunther Kress e Theo van Leeuwen (1996), em sua Gramática do Design Visual, que ao

desenvolverem um sistema sócio-linguístico-comunicacional enveredam pelo universo

da significação e da cognição, tendo a imagem como veículo e relevante signo de

investigação. Sua natureza depende do tipo de sintaxe visual empregada, isto é, como

o produtor do registro fotográfico dispõe cada elemento no espaço semiótico:

participantes, formas e objetos, conexões realizadas ou não através de vetores (linhas

invisíveis que podem apontar um direcionamento entre participantes interativos e

representados4), atributos simbólicos, saturação das cores, proporcionalidade, planos

de fundo (backgrounds), enfim, um conjunto de fatores visuais que podem ser

analisados independentemente a partir de alguma das metafunções, ou

conjuntamente, estabelecendo maior legibilidade junto à cena observada.

Sob esses aspectos, cada item na cena registrada vai responder a um

ordenamento de representações que, combinadas, significarão diferenças ou

convergências entre os elementos ali constituídos, podendo, assim, explicar o que as

imagens denotam ou conotam. A forma como a imagem é lida, o modo como o

observador/leitor cria relações particulares com o mundo interior da imagem, podem

indicar novas construções de significados, questionamentos, podendo sugerir novas

análises e discussões semióticas.

Baseada nos aspectos funcionais da linguagem e tomando de empréstimo os

pressupostos teóricos de Halliday (1994) em sua Gramática Sistêmico-Funcional, Kress

e van Leeuwen mostrarão como as metafunções (representacional, interacional e

composicional) na Gramática do design visual se relacionam com as suas

correspondentes hallidayanas (ideacional, interpessoal e textual) e refletem na

estrutura do discurso imagético os mesmos efeitos léxico-gramaticais presentes numa

língua, sendo que composta por uma sintaxe de signos não-verbais.

Advinda da metafunção ideacional, a representacional refere-se às

representações do mundo, através de personagens, vetores, metas, crenças e valores;

a metafunção interpessoal relaciona-se com a interacional e como se dá as interações

sociais entre participantes, objetos, observadores e produtores da imagem; já a

4 Os chamados participantes interativos são caracterizados pelos que falam, ouvem, escrevem, leem, e/ou

produzem imagens ou as visualizam Os participantes representados, por sua vez, são aqueles sobre os quais falamos, escrevemos e/ou produzimos imagens. (KRESS & VAN LEEUWEN apud ALMEIDA, 2008).

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metafunção textual que, em Halliday (1994), está para o modo de operacionalidade de

uma língua, na composicional, de Kress e van Leeuwen (1996), essa operacionalidade

diz respeito ao modo como se compõe o todo visualmente.

Vejamos as relações de equivalência entre as metafunções da Gramática

do Design Visual (1996) e a GSF proposta por Halliday (1994):

HALLIDAY KRESS e

VAN LEEUWEN

IDEACIONAL REPRESENTACIONAL responsável pelas estruturas que constroem visualmente a natureza dos eventos, objetos e participantes envolvidos, e as circunstâncias em que ocorrem. Indica, em outras palavras, o que nos está sendo mostrado, o que se supõe esteja “ali”, o que está acontecendo, ou quais relações estão sendo construídas entre os elementos apresentados.

INTERPESSOAL INTERATIVA responsável pela relação entre os participantes, é analisada dentro da função denominada de função interativa (Kress e van Leeuwen, 2006), onde recursos visuais constroem "a natureza das relações de quem vê e o que é visto"

TEXTUAL COMPOSICIONAL responsável pela estrutura e formato do texto, é realizada na função composicional na proposição para análise de imagens de Kress e van Leeuwen, e se refere aos significados obtidos através da "distribuição do valor da informação ou ênfase relativa entre os elementos da imagem"

Quadro 02 – As metafunções.

Na Gramática do Design Visual, de Kress e van Leeuwen (1996), podemos ler

uma imagem a partir das metafunções representacional, interativa e/ou

composicional. As imagens que apresentam função representacional podem ser

narrativas ou conceituais. Nas estruturas narrativas, teremos ações ou reações

realizadas por participantes interativos ou representados na cena. Nos processos em

que há ação, o que liga um ator a uma meta (objeto da ação) é chamado de vetor.

Quando ocorre essa conexão, temos uma representação narrativa transacional.

Quando não identificamos essa conexão dentro da cena, temos uma representação

narrativa não-transacional. Os reatores, por sua vez, são participantes em que sua

única ação é olhar. Assim como um ator se dirige a uma meta, um reator dirige-se a

um fenômeno. O(s) reator(es) pode(m) olhar para algo dentro da cena, sendo assim

considerada uma reação transacional ou olhar para fora da cena, constituindo uma

reação não-transacional.

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No caso de imagens com processos de estrutura conceitual, não há presença de

vetores. Os participantes da cena registrada não agem, posam. Nesse processo, os

participantes representados estão subordinados a uma certa hierarquia. Podem ser

classificacionais, analíticos ou simbólicos. São classificacionais, quando os

participantes representados são apresentados como se estivessem subordinados a

uma categoria superior. Se há uma relação entre participantes superordinados e

subordinados esta taxonomia é evidente. Quando não há essa relação, a taxonomia é

coberta.

Os processos conceituais simbólicos atributivos contêm um portador e um

atributo simbólico. O portador é o participante que tem sua identidade definida na

relação representada ou associada por um atributo simbólico, quer seja por cores,

tamanhos ou enquadramentos que remetam a outras configurações visuais, vinculadas

às nossas leituras, associadas pelas nossas experiências individuais ou coletivas. Por

sua vez, o atributo simbólico representa a identidade por ela mesma de um objeto,

idéia ou ser “transferindo” seus significados ao portador.

Na metafunção interativa teremos as relações sócio-interacionais estabelecidas

através do contato, distância social, perspectiva e modalidade. O contato relaciona-se

com a construção visual de participantes com olhar direto ou não aos espectadores. O

sistema de contato é configurado em discurso visual por meio do olhar do participante

principal. Se o participante olha diretamente para o observador, estabelece com este

maior proximidade, uma certa “afinidade social”, denominada na GV de demanda.

Não havendo esse contato direto, estabelecido pelo olhar, dirigido ao observador,

haverá um contato de oferta, em que os participantes representados se deixam

observar.

Na distância social, os planos tomados pelo produtor da imagem, na

construção visual, proporão significados distintos. Participantes retratados em plano

fechado ou close-up, apresentam-se mais próximos do que estão na realidade. O

corte/isolamento proposto por esse tipo de plano confere ao observador uma maior

intimidade com as características de expressão do participante retratado.

Diferentemente ao que ocorre no plano aberto ou long shot, em que os participantes

representados aparecem mais distanciados, são mais impessoais, alheios. No plano

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médio ou medium shot, os participantes aparecerem retratados até a cintura ou o

joelho. Os planos médios estabelecem uma relação do tipo social com o leitor.

A seleção do ângulo, ou seja, da perspectiva ou ponto de vista, e as

possibilidades de expressar subjetivamente atitudes em relação ao participante

representado, seja ele humano ou não, também faz parte do processo de construção e

leitura imagéticas.

Na perspectiva ou ponto de vista o produtor da imagem trabalhará com os

ângulos frontais, oblíquos e verticais, reforçando assim as condições ou atitudes

empreendidas, numa determinada cena, pelos participantes retratados ou

representados.

O ângulo frontal sugere envolvimento entre o observador e o participante na

cena registrada. No ângulo oblíquo, o participante é apresentado de perfil ou tendo o

olhar desviado da direção do leitor/observador, gerando um certo grau de

distanciamento e impessoalidade à cena. Imagens tomadas em ângulo oblíquo

sugerem que o que vemos pertence aos elementos internos da composição visual.

Quanto ao ângulo vertical é através dele que serão indicadas as relações de poder

entre quem participa da cena fotográfica e quem a observa. Se a cena for registrada de

um ângulo alto (plongée5), ou seja, captada de cima para baixo, esta imagem estará

conferindo maior poder ao observador. Se, ao contrário, essa mesma cena for

registrada de um ângulo baixo (contra-plongée6) promoverá ao participante retratado

maior poder sobre o observador. Em imagens sob mesmo nível ocular do

leitor/observador haverá uma equivalência de poder.

A modalidade ou valor de realidade se dará pelo maior ou menor grau de

proximidade e contextualização da imagem com o real. Contribuem para a

identificação da modalidade naturalista, a presença de cor e o plano de fundo

(background). Quanto mais cores, saturações ou modulações, maior a sua modalidade

naturalista.

Kress e van Leeuwen também argumentam que a posição em que os elementos

ocupam na composição visual lhes confere “valores informativos específicos” (KRESS &

VAN LEEUWEN, 1996, p. 181). Para isso, eles propõem que se observe a posição dos

5 Termo derivado do francês, significa mergulho. É usado em cinema e fotografia para indicar uma imagem tomada

de cima para baixo. 6 Ângulo tomado de baixo para cima, conferindo ao participante representado superioridade na cena.

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elementos na imagem, pois cada um deles significa, diz alguma coisa. A integração de

todos esses elementos compõe o discurso visual, que não obstante está permeado de

vários outros discursos, de natureza social, cultural ou ideológica.

Em nossa cultura ocidental, normalmente lemos uma informação da esquerda

para a direita e de cima para baixo. Isso se tornou para nós base para o entendimento

de nossas decodificações e leituras. Isto não impede que toda regra seja devida e,

muitas vezes, necessariamente contrariada.

Em princípio, Kress e van Leeuwen (1996) defendem que numa sociedade

ocidental, diante de seus valores próprios, os elementos posicionados do lado

esquerdo contêm informações já fornecidas e compartilhadas, são dados já

familiarizados pelos participantes. A esses elementos, eles chamarão de informação

dada. Já os elementos posicionados do lado direito, normalmente, oferecerão dados a

que devemos prestar mais atenção: o que vier desse lado será apresentado como

informação nova.

Por sua vez, os elementos que estão posicionados na parte superior da imagem

são chamados de informação ideal, pois estes, normalmente, se apresentam apelando

à nossa subjetividade e sugerem ser a parte “mais ideologicamente saliente” da

imagem. O elemento real se apresenta do lado oposto do ideal, portanto, na parte

inferior da imagem, e traz aquilo que podemos considerar como informações

concretas, práticas e reais.

Para mediar elementos tão polarizados como novo e dado, e ideal e real,

teremos ainda o elemento central, que Kress e van Leeuwen consideram como núcleo

da informação, ficando aos elementos marginais (aqueles que rodeiam a cena) a

serviço do elemento central.

É a natureza do ato da imagem que determina o seu conteúdo, e este, por sua

vez, é determinado parcialmente pela escolha composicional ou de sintaxe visual. A

forma como os elementos representacionais e interacionais se relacionam e como são

integrados num todo coerente, segundo Kress e van Leeuwen (1996), é o que vai

complementar, reforçar os efeitos das estruturas composicionais, dando-lhes sentido.

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Abaixo, baseada em PETERMANN (2006), apresentamos uma tabela da

estrutura básica das metafunções e seus principais processos:

FUNÇÃO REPRESENTACIONAL

Representação das experiências de

mundo por meio da linguagem

Estrutura narrativa (Ação transacional, Ação

não-transacional, Reação transacional, Reação

não-transacional, Processo mental, Processo

verbal);

Estrutura conceitual (Processo

classificacional, Processo analítico, Processo

simbólico).

FUNÇÃO INTERATIVA

Estratégias de

aproximação/afastamento

para com o leitor

Contato (Pedido – Interpelação ou Oferta);

Distância Social (social, pessoal, íntimo);

Perspectiva (objetividade ou subjetividade);

Modalidade (valor de verdade).

FUNÇÃO COMPOSICIONAL

Modos de organização do texto

Valor de Informação (Ideal – Real, Dado –

Novo);

Saliência (elementos mais salientes que

definem o caminho de leitura);

Estruturação (o modo como os elementos

estão conectados na imagem).

Quadro 03 – Estrutura básica da gramática do design visual (PETERMANN, 2006).

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3.1 METAFUNÇÃO REPRESENTACIONAL

Na função representacional os participantes representados podem ser

pessoas, objetos ou lugares. Na ação semiótica, os participantes ainda podem ser

interativos ou representados. Os participantes interativos são “aqueles que falam,

ouvem ou escrevem e lêem, produzem imagens ou as visualizam” (KRESS e van

LEEUWEN, 1996, p. 44) e os participantes representados, “aqueles que são o sujeito

da comunicação, ou seja, as pessoas, lugares ou coisas (...) representados na ou pela

fala, ou escrita, ou imagem, os participantes sobre os quais falamos ou escrevemos ou

produzimos imagens” (ALMEIDA, 2008, p. 1). Esta metafunção é subdividida em

estrutura narrativa, quando há a presença de ator(es), reator(es), meta(s),

fenômeno(s) e vetor(es) que indicam ações sendo realizadas, ou conceitual, quando

não existe(m) vetor(es), onde os participantes da cena não agem, são representados

subordinados a uma categoria superior. Enquanto na narrativa lemos ações e eventos,

na conceitual os participantes são representados taxonomicamente.

3.1.1 Representações narrativas

Para ser narrativa, a representação imagética tem que conter uma ação,

um evento. Esta ação ou evento é identificado através de vetores.

Novellino (2007), baseada na GV, ilustra tal procedimento a partir de

linhas, setas e caixas, exemplificando, assim, como tal direcionalidade dos

participantes ocorrem num processo narrativo de ação numa imagem.

Para indicar o direcionamento do movimento entre ator(es) e meta(s),

reator(es) e fenômenos, eis:

ou

O vetor é o traço invisível que indica a conexão entre participante(s), meta(s)

e fenômeno(s). Os participantes (elementos representados na cena ou fora dela –

pessoas, lugares, coisas concretas ou abstratas) são identificados por um quadro ou caixa.

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Figura 46 – quadro ou caixa: participante (NOVELLINO, 2007).

Dessa maneira, baseados em Novellino (2007), temos como modelos gráficos

um quadro conectado a outro por uma seta, representando um ator conectado a uma

meta por um vetor. Para onde aponta a seta (ou vetor) determina quem pratica a ação

e quem ou a que ela é dirigida.

Abaixo, podemos visualizar como se dá a representação de algumas estruturas

visuais narrativas.

Figura 47 – quadro – seta – quadro (NOVELLINO, 2007) ou

participante – vetor – meta ou ainda

processo narrativo de estrutura transacional

Figura 48 – seta – quadro (NOVELLINO, 2007) ou

vetor – meta ou ainda

processo narrativo de estrutura não-transacional

Figura 49 – quadro – seta – quadro (NOVELLINO, 2007) ou

interator (ora ator/meta) – vetor – interator (ora ator/meta) ou ainda

processo narrativo de estrutura bidirecional

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No processo de ação, o ator aparece fazendo alguma coisa (dirigindo-se a

alguma coisa) e para esta coisa que ele se dirige é dado o nome de meta. Quando há

ator(es) e meta(s) essa estrutura é transacional. Quando só há ator(es) sem meta(s),

temos uma estrutura não-transacional.

Vetor Ator

Meta

Figura 50 – Estrutura básica da gramática visual Fonte: Mônica Câmara (O Norte, 17/01/2002)

Meta

A arma usada nesta ação é o Vetor entre Participante e Meta

Figura 51 – nesta imagem o participante (Meta) sofre uma ação.

O Ator, que provavelmente praticou a ação, está fora do enquadramento, é um sujeito oculto. Fonte: Mônica Câmara (O Norte, 23/11/2001)

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Quando há dois participantes na cena, aquele a quem a ação é dirigida é a meta, havendo uma ação de estrutura transacional. Por sua vez, quando há um ou vários participantes sem meta aparente, trata-se de um processo narrativo de estrutura não-transacional.

Meta Ator Vetor

Figura 52 – AtorMeta – Estrutura transacional O alicate é o vetor desta ação.

Fonte: Mônica Câmara (O Norte 26/10/2001)

Figura 53 – Atores – Estrutura não-transacional Os participantes (pedestres e veículos) se deslocam, mas sem uma direção definida.

Fonte: Mônica Câmara (O Norte 04/06/2003)

Em alguns processos de estruturas transacionais em que há alternância entre

participantes, em que um ora assume o papel de ator, ora de meta, esses

participantes recebem o nome de interatores e a estrutura é transacional

bidirecional.

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Figura 55 – Reator –Transacional O alvo do olhar da palhaça é o carro dirigido por alguém (um condutor), o fenômeno.

Fonte: Mônica Câmara (O Norte 19/09/2001)

Nesse processo, os participantes não são atores, e sim reatores. E a direção

para onde se lança o seu olhar é chamado de fenômeno, ao invés de meta. Se

identificamos para o que ou quem o reator dirige seu olhar, o consideraremos como

uma reação transacional. Se seu olhar foge do campo composicional da imagem,

fazendo-nos ignorar para quem ou o que o reator olha, então teremos um processo de

reação não-transacional. Quando ainda há participantes, ora assumindo o papel de

reator, ora de fenômeno, a reação será transacional bidirecional.

Figura 54 – Interatores – bidirecional. Estrutura transacional Cada participante ora representa o papel de Ator, ora de Meta.

Fonte: Mônica Câmara (O Norte 10/08/2003)

Quando a ação envolvida na cena se dá através do olhar de algum dos

participantes em direção a alguém ou algo (dentro ou fora da cena) ocorre ao invés

de um processo de ação, um processo de reação.

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Figura 56 – Reator – Não-transacional

Não identificamos o alvo do olhar do reator. Fonte: Mônica Câmara (O Norte 02/04/2002)

Figura 57 – Reator – Processo transacional

O alvo do olhar é o leitor, o observador. Fonte: Mônica Câmara (O Norte 13/12/2002)

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Figura 58 – Reatores – bidirecional – Processo transacional Cada participante ora é Reator, ora Fenômeno.

Fonte: Mônica Câmara (O Norte 14/04/2001)

Dentro da estrutura narrativa ou acional, há ainda os processos verbais e

mentais, representados por balões de fala e de pensamento, respectivamente. Nesses

processos, o participante não será ator nem reator, mas sim dizente (processos

verbais) e experienciador (processos mentais). Aquilo que o dizente fala é o enunciado

e o que o experienciador pensa é o fenômeno.

Figura 59 – Processo verbal Quem fala é o dizente. O que está contido no balão é o enunciado.

Fonte: Mônica Câmara (O Norte 13/12/2002)

OLHA EU

AQUI!!!

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Figura 60 – Processo mental O sujeito é o experienciador, e o conteúdo do balão é o fenômeno.

Fonte: Mônica Câmara (O Norte 10/10/2002)

Vale a pena lembrar que os processos verbais e mentais são mais evidentes ou

comuns às histórias em quadrinhos e materiais didáticos ou em algumas publicidades.

No fotojornalismo, algumas situações podem vir simular tais processos em ocorrências

específicas ou especiais de edição.

“ser ou não ser...”

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3.1.2 Representações conceituais

As representações conceituais podem ser classificacionais, simbólicas ou

analíticas.

Na representação conceitual classificacional sempre encontraremos um grupo

de participantes (ou elementos) com características semelhantes e, pela maneira como

estão dispostos, julgamos pertencerem hierarquicamente a uma mesma ordem, grupo

ou classe. Quando a relação entre participante(s) subordinado(s) e superordinado(s) é

explícita, a taxonomia será evidente ou descoberta (overt). Se entre participantes

subordinado(s) e superordinado(s) sua relação é implícita temos uma taxonomia

coberta (covert).

Figura 61 – Classificacional – taxonomia evidente Os participantes subordinados (produtos de soja) fazem parte de uma categoria superior ou

superordinada (produtos naturais). Fonte: Mônica Câmara (O Norte 26/09/2002)

Figura 62 – Classificacional – taxonomia coberta

Os participantes subordinados (as pessoas e os tambores) sugerem fazer parte de categorias superiores: músicos e instrumentos musicais. Fonte: Mônica Câmara (O Norte 03/03/2004)

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Nos processos conceituais simbólicos, segundo Kress e van Leeuwen (1996), há

uma relação configurada entre portador e seus atributos possessivos (ou simbólicos),

como o portador se destaca entre os outros elementos constitutivos da imagem

(detalhamentos que começam pelo o posicionamento do portador na cena, bem como

aguçamento de cores, tamanhos, iluminação, profundidade campo etc).

Os processos conceituais simbólicos podem ser atributivos ou sugestivos.

Tanto no atributivo como no sugestivo, haverá um portador (ou participante) saliente,

que identificaremos através do excesso ou falta de cor, angulação, luminosidade, entre

outros. A diferença se dá que no processo atributivo a construção simbólica é pela

presença significativa dos elementos visuais emprestados à cena, geralmente

distorcidos pela angulação, enquadramento e saturação de cor. Já no processo

sugestivo, como o próprio nome sugere, essa presença é inferida. Nesse processo,

normalmente o portador se destaca pelo embotamento e supressão de certos

elementos visuais que acabam por conduzir-nos à assimilação de outros significados.

Grosso modo, no processo atributivo há uma certa carga de indução significativa,

enquanto que no processo sugestivo, uma certa carga dedutiva.

Figura 63 – Processo simbólico – atributivo Pelos atributos simbólicos que envolvem o Portador,

logo identificamos se tratar de uma senhora numa feira livre. Fonte: Mônica Câmara (O Norte 02/10/2005)

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Figura 64 – Processo simbólico – sugestivo Nesta imagem, o reflexo do policial na janela do carro e as marcas de sangue no banco atribuem

significados. Faz-nos deduzir que houve um grave acidente ou morte no trânsito. Cor e iluminação sugerem o que faz parte do processo, embora embotados.

Fonte: Mônica Câmara (O Norte 22/12/2001)

Figura 65 – Processo simbólico – sugestivo A matéria era sobre crimes passionais. Visto que nenhum homem ou mulher que tenham cometido tal

delito viessem, de fato, a se expor, recorremos aos elementos simbólicos pertencentes ao repertório do imaginário coletivo. Em nossa cultura, o cravo e a rosa simbolizam o sexo masculino e o sexo feminino.

Nesse caso, cravo e rosa despetalados, sugerem um desfecho não desejado mas possível em vários casos de violência doméstica.

Fonte: Mônica Câmara (O Norte 15/02/2005)

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Dentro da GV, as estruturas conceituais analíticas são identificadas, na

imagem, considerando a relação entre o todo e as partes. Nesse caso, o todo é

associado ao portador e os atributos possessivos às partes. As partes, por sua vez,

podem ser estruturadas ou desestruturadas. São estruturadas quando as partes

dispostas na imagem formam um todo. E desestruturadas quando essas partes

pertencem a uma ou várias partes de um todo.

Figura 66 – Processo analítico estruturado A boneca (o todo) é o portador.

Cada membro (partes do todo) são atributos. Fonte: Mônica Câmara (O Norte 02/08/2001)

Figura 67 – Processo analítico desestruturado Bonecos feitos e pintados a mão (portadores).

Os retalhos de pano (atributos) pertencem a uma das partes que integram esses bonecos. Fonte: Mônica Câmara (O Norte 12/12/2003)

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3.2 METAFUNÇÃO INTERATIVA

É na metafunção interativa que “dialogam”, interagem imagem e

leitor/observador da imagem. Contato, distância social, perspectiva (ou ponto de

vista) e modalidade (ou valor de realidade) são recursos que estabelecem entre o que

se vê (participante representado) e quem vê (leitor/observador) maior ou menos grau

de envolvimento, proximidade, relação de poder e contextualização.

3.2.1 Contato

O contato é identificado pelo direcionamento do olhar do participante

representado e o leitor (participante interativo). Quando o olhar do participante

representado se dirige diretamente ao olhar de quem observa a imagem, sugere com

este “afinidade social”, portanto maior proximidade ou interatividade entre quem está

“dentro” e “fora” da imagem. A essa relação Kress e van Leeuwen (1996) denominam

de demanda. Nesse caso, a intenção do produtor da imagem fotojornalística é

aproximar ao máximo o leitor do evento representado. Desta forma o que está posto

na composição imagética exige do leitor uma resposta ao que lhe é apelado. No

contato de demanda geralmente o participante retratado apresenta gestos e atitudes

imperativas do tipo, “proteja-me”, “obedeça-me!”, “venha!”, “pare!”, “sinta-me!” etc.

Figura 68 - Contato – Demanda Olhar dirigido ao observador, “afinidade social”.

Fonte: Mônica Câmara (O Norte 17/02/2002)

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Figura 69 – Contato – Demanda Imperativo = “Faça silêncio!”

Fonte: Mônica Câmara (O Norte 06/05/2003)

Caso aconteça do participante da imagem não estabelecer contato direto,

através do olhar, com o leitor/observador, não há demanda e sim, oferta. O

participante representado não interage com o leitor, é objeto passivo da mensagem

fotográfica. Nesse caso, o observador se encontra na posição que lhe favorece ler a

imagem sem ser provocado.

Figura 70 – Contato – Oferta Impessoalidade (entre observador e observados).

Fonte: Mônica Câmara (O Norte 30/01/2004)

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Figura 71 – Contato – Oferta Indiferença dos atores, na cena.

Fonte: Mônica Câmara (O Norte 14/11/2003)

3.2.2 Distância Social

A distância social é a categoria de significação das imagens, sob processo

interativo, em que cada plano tomado pelo produtor das mesmas proporá um maior

ou menor distanciamento social entre observado e observador. Os enquadramentos

mais comuns nestes eventos visuais são:

3.2.2.1 Plano fechado (Close-up) – O participante representado aparece

retratado da linha dos ombros para cima. Nesse plano, detalhes

do rosto, expressões faciais proporcionam uma leitura mais

pormenorizada do retratado, estreitando, tornando-nos íntimos

deste participante.

3.2.2.2 Plano médio (Medium shot) – Nesse plano, a distância é

intermediária. O participante representado é retratado até a

cintura ou o joelho. Esse tipo de enquadramento sugere que a

relação entre o participante da imagem e o leitor/observador é do

tipo social, não havendo tanta proximidade nem tanto

distanciamento.

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3.2.2.3 Plano aberto (Long shot) – Nesse enquadramento, a cena é mais

abrangente e os participantes da imagem são tomados mais

distanciados. Tal enquadramento torna a composição mais

impessoal. Quanto mais aberto o plano, maior o estranhamento

entre observador (participante interativo) e participante

representado.

Figura 72 – Distância social – plano fechado ou close-up Os participantes retratados parecem estar mais próximos que na realidade.

Fonte: Mônica Câmara (O Norte 28/05/2002)

Figura 73 – Distância média Nem proximidade, nem distanciamento.

Fonte: Mônica Câmara (O Norte 29/01/2004)

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Figura 74 – Distância longa Impessoalidade, distanciamento.

Fonte: Mônica Câmara (O Norte 11/01/2005)

3.3.3 Perspectiva

Todo ângulo tomado pelo produtor da imagem corresponde a uma perspectiva

(ou ponto de vista). Se frontal, oblíquo ou vertical, os ângulos reforçam condições,

atitudes, relações de poder entre participantes retratados e observador.

3.3.3.1 Ângulo frontal – Sugere envolvimento entre participante

representado e leitor. Sob este ângulo, o que ocorre na cena

registrada invoca o observador a fazer parte dela.

Figura 75 – Ângulo Frontal Envolvimento

Fonte: Mônica Câmara (O Norte 17/02/2004)

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Figura 76 – Ângulo Frontal Envolvimento

Fonte: Mônica Câmara (O Norte 06/01/2002)

3.3.3.2 Ângulo oblíquo - O participante é retratado de perfil ou quase de

perfil. Nesse ângulo, o olhar do participante é indireto ou desviado

da direção do leitor. Essa angulação sugere impessoalidade e

alheamento à cena, como se o que víssemos fizesse apenas parte

do mundo do participante da imagem e não do nosso.

Figura 77 – Ângulo Oblíquo Não-envolvimento

Personagens são retratados de perfil ou tendo o olhar desviado da direção do observador. Fonte: Mônica Câmara (O Norte 19/06/2005)

Figura 78 – Ângulo Oblíquo Não-envolvimento

Fonte: Mônica Câmara (O Norte 19/11/2002)

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Figura 79 – Ângulo Oblíquo Não-envolvimento

Fonte: Mônica Câmara (O Norte 18/10/2001)

3.3.3.3 Ângulos verticais (alto, baixo, nível ocular) – Através destes

ângulos podemos distinguir relações de poder entre o participante

e o leitor. Uma cena tomada de cima para baixo, num ângulo alto

(ou plongée) confere maior poder ao participante interativo

(observador). A mesma cena tomada pelo ângulo baixo (ou

contra-plongée) projetará o participante da imagem a deter o

poder e não quem o observa. Participantes retratados em mesmo

nível ocular promovem igualdade de poder entre participante

observado e observador.

Figura 80 – Câmara alta ou ângulo alto O observador detém o poder.

Fonte: Mônica Câmara (O Norte 13/10/2001)

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Figura 81 – Câmara alta ou ângulo alto Participantes não detêm poder.

Fonte: Mônica Câmara (O Norte 14/05/2001)

Figura 82 – Câmara baixa ou ângulo baixo Poder dos participantes representados sobre o observador.

Fonte: Mônica Câmara (O Norte 08/01/2002)

Figura 83 – Câmara baixa ou ângulo baixo Poder do participante representado.

Fonte: Mônica Câmara (O Norte 16/08/2002)

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Figura 84 – Câmara nivelada ao olhar do observador Equivalência de poder Fonte: Mônica Câmara

Figura 85 – Câmara nivelada ao olhar do observador Igualdade

Fonte: Mônica Câmara (O Norte 17/07/2002)

Figura 86 – Câmara nivelada ao olhar do observador Poder de igualdade entre observador e participante observado

Fonte: Mônica Câmara (O Norte 02/10/2003)

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3.3.4 Modalidade

Os processos modalizadores mais comuns no fotojornalismo são a modalidade

naturalista e a sensorial.

Quanto mais próximo o imagético do real, com a inclusão da diferenciação e

saturação de cor, contextualização (plano de fundo ou background), mais recursos da

modalidade naturalista contem. Tanto mais estes elementos se destaquem na

imagem, mais evidenciam uma estrutura visual de modalidade naturalista.

Por sua vez, quando o reconhecimento dos elementos na cena registrada se

encontra nos contornos, silhuetas, formas extravagantes, aludindo mais ao subjetivo

que ao real, teremos uma estrutura visual de modalidade sensorial.

Ainda existem as modalidades científica e abstrata que trabalham com

infográficos, mapas, desenhos, ilustrações, recursos visuais independentes e não

explorados pelo fotojornalismo.

É importante frisarmos que em se tratando de eventos imagéticos que incluem

ou excluem certos elementos visuais pode ocorrer de identificarmos a ocorrência de

hibridização. Nesses casos, tanto processos distintos de uma mesma metafunção

quanto de metafunções diferentes podem ser reconhecidos numa mesma imagem. O

que corrobora o mundo plurissígnico das estruturas visuais.

Figura 87 – Utilização da cor – Saturação

Modalidade naturalista.

Fonte: Mônica Câmara (O Norte 16/08/2002)

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Figura 88 – Contextualização – Profundidade, perspectiva, ceu e mar aparentemente limpos, vestígios

na areia indicam um dia de sol na praia.

Modalidade naturalista.

Fonte: Mônica Câmara (O Norte 08/01/2002)

Figura 89 – Iluminação – O jogo de luz nos dá silhuetas emergindo de uma substância aquosa.

Modalidade sensorial.

Fonte: Mônica Câmara

Figura 90 – Brilho num ponto específico da imagem, plano de fundo sem foco – caráter irreal à cena.

Modalidade sensorial.

Fonte: Mônica Câmara (O Norte 17/03/2002)

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3.4 METAFUNÇÃO COMPOSICIONAL

É nesta metafunção que a integração dos elementos contidos nas estruturas

visuais representacionais e interacionais “dialogarão”. Cada elemento contido ou

omitido na imagem, a maneira como estes estão dispostos propõe uma rede de

conexões significacionais. Para tanto, teremos o valor da informação, a saliência e a

estruturação como fatores composicionais que estabelecerão ordem e relevância

dentro do discurso visual.

3.4.1 Valor de informação

Onde cada elemento se posiciona dentro da imagem estabelece aspectos que

depreende um valor de informação. Esse valor de informação pode ser obtido a partir

da disposição dos elementos através das posições esquerda/direita; topo/base;

centro/margem. Tais posições nos fornecem informações e indicam possíveis

comprometimentos que cada elemento assume dado o seu posicionamento na

imagem.

Facilitando a apreensão do posicionamento dos elementos na imagem e seus

respectivos valores de informação, eis o quadro abaixo:

POSICIONAMENTO DOS ELEMENTOS NA

IMAGEM

VALORES DE INFORMAÇÃO

Lado esquerdo O elemento já dado, conhecido pelo leitor/observador.

Lado direto Informação-chave;

O elemento novo para o leitor/observador.

Topo Parte superior da imagem, traz Informação ideal, ou seja,

aquela que apela à imaginação do leitor/observador.

Base Local de informações reais, concretas ou o que a imagem

denota para o leitor/observador.

Central e

Marginal

Núcleo da informação;

Elementos que o margeiam, subordinados.

Quadro 04 – Baseado em Barbosa (2008).

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DADO NOVO

Figura 91 – O dado ou informação já conhecida7:

crianças perambulam numa comunidade carente da capital. O novo ou informação nova, à direita, o símbolo nazista, a suástica.

Fonte: Mônica Câmara (O Norte 17/03/2002)

NOVO DADO

Figura 92 – Contrariando a regra, nesta foto temos a informação já conhecida, do lado direito: a de um homem, ajoelhado, numa igreja, rezando.

O novo ou informação nova, vem à esquerda, supostamente, uma suástica. Fonte: Mônica Câmara (O Norte 15/08/2005)

7 Tomamos estas duas imagens como exemplos dos valores informativos (dado/novo) por conterem

supostamente um mesmo símbolo (a suástica), mas em condições e disposições de uso diametralmente opostas. O que evidencia o caráter eminentemente contextual da linguagem fotojornalística. No caso da Figura 91, mesmo num bairro com alto índice de criminalidade trata-se de um dado novo encontramos o símbolo do extermínio pichado num poste. Já no caso da Figura 92, o que contraria certa ordem discursiva diz respeito ao suposto emblema, normalmente associado a crimes contra vida e a liberdade, decorar justo a “casa de Deus”.

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IDEAL

REAL

Figura 93 – Valor de Informação Parte superior – ideal Parte inferior – real

Famílias são despejadas de moradias irregulares. Fonte: Mônica Câmara (O Norte 14/08/2001)

CENTRO

MARGENS

Figura 94 – Valor de Informação – Tríptico Centro – núcleo da informação

Margens – setores subordinados ao núcleo da informação Fonte: Mônica Câmara (2001)

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É muito comum em imagens fotojornalísticas haver combinações dado/novo,

real/ideal e centro/margem, apresentando composições trípticas ou de forma circular.

Na estrutura do tríptico, um elemento mediador – e central – forma uma

ponte entre dado e novo e/ou ideal e real, “reconciliando elementos polarizados”. Na

forma circular, “os elementos não centrais de uma composição são localizados à

margem da informação central, possuindo um valor informacional periférico”

(CARVALHO e MAGALHÃES, 2006, p. 81).

CENTRO

MARGENS

Figura 95 – Valor de Informação – Circular Centro – núcleo da informação

Margens – setores secundários e contextuais da imagem. Fonte: Mônica Câmara (O Norte 15/02/2002)

3.4.2 Saliência

Grosso modo, a saliência é o elemento da estrutura visual que mais chama a

atenção do observador. Pode haver máxima e mínima saliência respeitando a

disposição dos elementos (em primeiro ou segundo plano) na imagem, reservando

maior destaque a um elemento e menor destaque a outro. Reconhecemos maior ou

menor grau de saliência numa imagem não só pela localização dos elementos

representados na cena, mas pelas suas proporções, perspectiva, realce e contraste de

cores, brilho, superposição, contextualização etc.

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Figura 96 – Saliência A criança de bubu (chupeta), entre as canetas, se destaca.

Fonte: Mônica Câmara (O Norte 13/07/2004)

Figura 97 – Saliência A arma, metade do policial, chama a atenção. Fonte: Mônica Câmara (O Norte 26/01/2002)

Figura 98 – Saliência Vide a cobra, dentro do vidro.

Fonte: Mônica Câmara (O Norte 27/08/2003)

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3.4.3 Estruturação (ou enquadramento)

A estruturação (ou enquadramento) é reconhecida pela conexão e desconexão

dos elementos que compõem a imagem. As estruturas visuais podem conter elementos

que representam interrelações ou rupturas dentro da cena, como se pudéssemos uni-los

ou separá-los dado o grau de continuidade ou descontinuidade evocado pelas mesmas.

Para tanto, a ausência de unidade e individualidade dos elementos que compõem

o registro fotográfico estabelecem conexão e configuram uma estrutura visual de

estruturação fraca, “pois os seus componentes estão integrados em uma direção

ininterrupta, por meio de cores e formas similares, vetores conectivos, provocando um

sentido de identificação de grupo” (BARBOSA, BESSA, CÂMARA, 2008, p. 08).

Por sua vez, quando há o “recorte” de um dos elementos composicionais ou de

vários deles, como se parte da imagem estivesse separada do restante da cena, há um

processo de desconexão. Imagens que apresentam desconexão possuem estruturação

forte, pois nesse tipo de estruturação os elementos são dispostos como se

independessem uns dos outros.

Figura 99 – Estruturação Fraca Conexão

Onde começa a porta e termina o homem? Os elementos da imagem estão interligados, evocando um sentido de identidade.

Fonte: Mônica Câmara (1999)

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Figura 100 – Conexão – Estruturação Fraca O fundo ajuda a compor a imagem, a cor e o movimento interligam os elementos.

Fonte: Mônica Câmara (O Norte 07/10/2001)

Figura 101 – Desconexão – Estruturação Forte

Contraste nas cores. A santa se destaca entre as sobrinhas. Fonte: Mônica Câmara (O Norte 06/08/2005)

Figura 102 – Desconexão – Estruturação Forte O arquivo de um jornal não é bem o local para uma apresentação de emboladores.

Fonte: Mônica Câmara (O Norte 25/03/2002)

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CAPÍTULO 4

Para além do óbvio O contato estético

O nascimento da fotografia baseia-se num equívoco estranho que tem a ver com sua dupla natureza de

arte-mecânica: o de ser um instrumento preciso e infalível como uma ciência e, ao mesmo tempo,

inexato e subjetivo como a arte. A fotografia, em outras palavras, encarna a forma híbrida de uma arte-exata e, ao mesmo tempo, de uma ciência-artística, o que não tem equivalentes

na história do pensamento ocidental. FRANCESCA ALINOVI

Sempre que falamos em experiência estética associamos esta a um fenômeno

exclusivamente ligado às artes, e por meio da qual o indivíduo experimentaria prazeres

inigualáveis, fustigado pela liberdade que tal experiência promove, como também pelo

jogo livre de sua imaginação em busca dos sentidos que a obra carrega. Há um volume

enorme de pesquisas que pauta seus processos de investigação nesta convicção.

O fenômeno estético, entretanto, extrapola os limites das chamadas belas-

artes, e isso vem sendo confirmado cada vez mais por estudiosos modernos, como é o

caso de Baudrillard (1973), Bauman (1998), Zumthor (2000), Greimas (2002) entre

outros.

As conquistas tecnológicas e o amplo mercado de consumo expandiram as

possibilidades de o estético avançar sobre a sociedade moderna. Podemos dizer,

atestado por Silva (2010, p. 64), que “em nossos dias, as vendas são, em grande parte,

sustentadas e coordenadas por sensações e emoções, por disposições e operações

estéticas.” A provocação estética está nas embalagens dos perfumes, nos automóveis,

nas prateleiras de supermercado, nos vários produtos da indústria midiática, e, não

obstante, no trabalho fotojornalístico.

Mas, exatamente, o que significa a expressão experiência estética? O que este

tipo de experiência tem de específico? E que tipo de estados lhe são característicos?

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4.1 A experiência estética

A experiência estética é caracterizada por um tipo específico de reação

humana, e de operações mentais que a acompanha. Quando estamos submetidos à

experiência estética a primeira reação é a do impacto, sensorial e emocional, diante

de coisas, objetos ou mesmo situações. Alguma coisa ou propriedade presente no

objeto teve a capacidade de nos impactar, e este impacto faz com que nos

“fusionemos” àquilo que está sob efeito de nossa atenção.

O sobrechoque sensível gerado pelo material, objeto ou circunstância, leva-nos

a desligarmo-nos do ambiente em que nos encontramos, para vivermos a “narrativa”

(se for o caso), episódio, passagem, imagem, que se desenrola/apresenta diante de

nossos olhos.

Sob a “pressão” da experiência estética, mergulhamos na trama, e vivemos os

acontecimentos como se estivéssemos no seu desenrolar. Nossa vinculação com o

ambiente em que nos encontramos é interrompido, nem que seja por alguns breves

momentos, sob o impacto dos sentimentos.

Ligados à trama, acompanhamos o trajeto desta experiência impactante, dele

extraindo sentidos e significações. O que quer dizer que o pensamento não perdeu a

vigilância; pelo contrário, a experiência estética só é possível porque estamos atentos,

compreendendo os movimentos “narrativos” que temos diante dos olhos, e que foi

projetado de forma entusiástica no objeto.

Ao chamar a atenção para o fato de que a experiência estética é “uma forma

de atividade, e não apenas uma contemplação passiva (forma de leitura, de

interpretação, de fruição)”. E, que, portanto, a sensibilidade e o pensamento, a

emoção e a reflexão estão presentes no corpo desta experiência, Pareyson esclarece:

[...] não existe entre os dois termos nem uma divisão, nem uma relação de

gradação e de sucessão: por um lado, a sensibilidade não é nunca tão

imediata que não se condense, na própria espontaneidade, todo um

exercício de pensamento e toda uma série de escolhas, apreciações, juízos;

por outro lado, a atividade do pensamento que suscita e rege o movimento

consciente da interpretação e do juízo que procede a uma avaliação

refletida da obra culmina num ato de fruição e de gozo: seja que se trate de

uma primeira impressão, elementar e tosca, mas assim mesmo incoativa e

prenhe, seja que se trate da plenitude da fruição, isto é, de supremo cume

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da contemplação, este ato de sensibilidade fruitiva é sempre acompanhado,

ou melhor, constituído da vivacidade do pensamento e do exercício do juízo

[...] (PAREYSON apud SILVA, 2005, p. 52).

Assim é que ao sofrermos a experiência estética ao assistir um filme, por

exemplo, nos desligaremos do ambiente de projeção, da sala escura do cinema, para

viver, eufórica e intensamente, as tramas da narrativa, partilhando as suas peripécias.

E isso vem estabelecer um afastamento radical de tudo que nos rodeia – mesmo que

isso ocorra por breves instantes. E esta experiência é traumática, entendendo que

traumático é tudo aquilo que produz tal estado de ânimo. A intensidade aí gerada não

será facilmente esquecida, e esta pulsação ficará ressoando em nós, fazendo com que

lembremos deste momento, pelo sentimento agradável, alegre, triste, melancólico que

experimentamos.

É importante destacar que essa experiência solicita-nos uma imersão no

universo das sensações, um tipo de exercício das faculdades humanas que nos chama

para uma situação de base, para um estado de desprendimento.

Barilli (1994, p. 33) nos ajuda a perceber como se dá essa típica forma de

experiência produzida pelo contato sensível, ao compará-la à experiência comum e à

experiência científica. A chamada experiência comum, utilitária e objetiva, está

marcada por certa passividade, porque seu curso apresenta soluções acumuladas e

adequadas às diversas situações que a vida se encarrega de produzir. Assim, ao dirigir

um automóvel, nem nos damos conta de todas as operações que fomos obrigados a

acionar, isso em razão de que esta atividade de tão comum e corriqueira, tornou-se

automática.

Já a experiência científica é instrumental, pretende superar obstáculos,

paradigmas, na tentativa de encontrar soluções viáveis, por meio de medidas de

controle e análise. A atividade científica decompõe, mede, formula para melhor

controlar os fenômenos/situações que investiga.

A experiência estética, por sua vez, nos apresenta outra natureza, porque

estabelece um afastamento radical dos domínios da segurança e da automaticidade a

que estamos habituados na resolução das situações cujos fins são práticos e utilitários

(cf. BARILLI, 2004, p. 35). Ou seja, nossa realidade física parece recuar em proporção

ao avanço da nossa atividade simbólica (cf. CASSIRER, 2005, p. 48).

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Na experiência estética ocorre uma destruição temporária da “finalidade

objetiva” das coisas, e somos lançados a uma esfera distinta da que estamos

habituados no dia-a-dia. Por isso mesmo partilhamos o que se passa diante de nós,

porque nosso envolvimento está absorvido pela aparência e formas simbólicas.

Como lembra Barilli (1994, p. 48), tudo pode produzir uma experiência estética,

dos mais sofisticados objetos criados pelo homem a uma paisagem, ou mesmo a

própria respiração ou o ato de comer. Por isso mesmo, uma imagem, como a

elaborada pelo fotojornalismo, pode nos projetar esteticamente para os conteúdos e

tramas que estão estampados, fazendo-nos partilhar, e de modo intenso, de sua

narrativa visual.

4.2 Categorias estéticas

As categorias estéticas são formalizações que fazem referência às várias

manifestações do estético ao longo da história. Elas procuram estabelecer as

características tanto de peças artísticas, a partir de sua estruturação interna, quanto

fazem referência ao tipo de sentimento, de emoção que estas são capazes de gerar no

leitor/observador. Por isso mesmo, elas fazem relação tanto com a produção e

estrutura da obra quanto indicam aspectos afetivos do espectador.

Tais categorias agrupam quatro classes de elementos, que se relacionam

internamente: um ethos – uma atmosfera afetiva específica –, um sistema de forças

estruturadas, um tipo especializado de valor e o trânsito estético.

O ethos está relacionado com as reações sentimentais ou emocionais,

produzidas ao entrarmos em contato com os objetos estéticos. Essas esferas

emocionais contêm complexidade, “pois não se pode excluir a coexistência de

sentimentos ou impressões variadas como consequência das reações ocasionadas na

leitura, na fruição” (SILVA, 2010, p. 90).

A importância do ethos é capital na conformação de uma categoria estética,

pois “a categoria estética é, em primeiro lugar, um abstrato afetivo, um certo

caractere genérico, mas, também um certo limite das sensações e sentimentos que as

obras provocam” (SOURIAU apud SILVA, 2010, p. 91).

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No sistema de forças estruturadas, as reações afetivas do espectador decorrem

da estrutura interna da obra, do modo como ela se organiza internamente. E é daí que

surge a reação emocional e os sentidos de uma obra.

Quanto ao tipo especializado de valor, nesta categoria estética, ao configurar

certo tipo de emoção vinculado à organização interna da obra, estabelecemos um

valor estético específico. Assim, o heróico, por exemplo, apresenta o ideal da

intensidade guerreira e nobre.

Já o trânsito estético, como o próprio nome já diz, faz referência à capacidade

das categorias estéticas de transitarem através de suportes expressivos diferentes. O

trágico, por exemplo, pode se dar numa peça teatral, como também num texto escrito

ou visual. É importante lembrarmos que “é próprio da categoria estética transitar

entre as diferentes formas de expressão simbólica” (SILVA, 2010, p. 91).

Utilizamos, neste estudo, as classificações de categorias estéticas elaboradas

por Étienne Souriau, que formalizou, em 1933, um diagrama com 24 ramos. Souriau

expõe as categorias estéticas a partir de três núcleos importantes da história das artes

e dos fenômenos sensíveis: os provenientes da cultura clássica greco-romana, os

saídos do romantismo e os das ocorrências estéticas menores (porque elas são

consideradas, pela crítica, inferiores às demais).

Souriau dispôs os valores do estilo clássico da seguinte maneira: o cômico, o

sublime, o belo, o trágico, o bonito e o grotesco. Os advindos do sistema romântico: o

enfático, o patético, o dramático, o irônico, o fantástico, o poético. A estas, Souriau

intercalou mais 12 categorias menores, obtendo um quadro de valores

complementares: o nobre, o grandioso, o espiritual, o pitoresco, o gracioso, o lírico, o

heróico, o pírrico, o melodramático, o caricatural, o satírico, o elegíaco.

Posteriormente, ele reviu algumas delas e mudou a configuração deste quadro, dele

retirando o poético e o sublime (PARRET, 1997, p. 151).

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Categorias românticas

Categorias clássicas

Categorias menores

Diagrama de Etiene Souriau

BELO

GROTESCO

CÔMICO

PATÉTICO

TRÁGICO

EXTRAVAGANTE

BONITO SUBLIME

NOBRE ENFÁTICO

GRANDIOSOGRACIOSO

POÉTICOELEGIACO

LÍRICO

HERÓICO

PITORESCO

PÍRRICO

IRÔNICO

ESPIRITUAL

MELODRAMÁTICO DRAMÁTICO

SATÍRICO

CARICATURAL

Figura 103 – Diagrama de Étiene Souriau

Não é nosso interesse, aqui, explicar as peculiaridades de cada categoria, mas,

apenas, daquelas que tiverem relação direta com as peças fotojornalísticas que

pusemos em análise. Assim, iremos nos deter sobre as categorias do bonito, do

patético, do grandioso e do pitoresco.

Bonito – Esta é uma das categorias advindas da vertente clássica. A presença da

alegria, a ousadia e desenvoltura marcam a categoria do bonito. Como descreve Silva

(2010, p. 97), na Antiguidade Clássica, a poesia de Anacreonte apresenta um estilo

“carregado de graça, frescor, elegância e rica imaginação”, características do bonito. A

poesia deste autor grego é hedonista, enaltece os prazeres, principalmente do vinho,

da mesa e do amor. É próprio do bonito uma atmosfera amável, o que lhe confere

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certo charme, e vem acompanhado de uma atmosfera frágil e delicada. O

leitor/espectador, quando diante do bonito, vive a sensação de soltura e de leveza,

pois a suavidade e a inexistência de tensão são-lhe comuns.

2. Patético – O patético provém da vertente romântica. Este termo foi utilizado

por Aristóteles referindo-se à pessoa que se exprime de maneira bastante

emocionada. São características do patético: o emprego de palavras fortes, voz

exagerada, discurso entrecortado, sem transições nem ligações, tendência à elevação

da voz, a formas vivas e surpreendentes, trazidas pela força da emoção (SILVA, 2010,

p. 98). Já Souriau afirma que o patético, ou expressão patética, apresenta expressão

forte, dramática, veemente, em que se faz sentir um sofrimento ou o risco de um

grande mal (SOURIAU apud SILVA, 2010, p. 98).

A categoria do patético demarca intensidade, e intensidade soturna,

semelhante à que se experimenta diante do trágico e do dramático. Só que o patético

se diferencia por sua característica dolorosa. Na situação ou trama patética, o

leitor/observador se abala dominado por um clima angustiante e tenebroso.

Existem, segundo Souriau (apud SILVA, 2010, p. 98), duas modalidades de

patético: uma, lenta, morna, depressiva, e outra, agitada e trêmula, sobretudo pela

incerteza; ele põe em curso sensações dominadas pelo irregular, pelo palpitante, ou

pelo tormento. O patético caracteriza um tipo de recepção dominado pela compaixão,

e isso porque vítimas inocentes são abandonadas à sua própria sorte, sem qualquer

possibilidade de defesa.

3. Grandioso – O grandioso é uma categoria menor. O grandioso está próximo,

mas não é idêntico ao nobre. Este estilo é marcado pelo materialmente grande,

“porque utiliza sempre dimensões muito vastas” (SILVA, 2010, p. 100). Ele se aproxima

do nobre apenas em sentido figurado, porque apela à majestade, mas não ostenta

qualquer indicativo de nobreza. O grandioso busca, acima de tudo, incitar a

imaginação do leitor/observador pela sugestão mais de poder ou de riqueza do que de

nobreza. O grandioso é, assim, superficial, porque se prevalece da aparência – que,

aliás, o alimenta e o define.

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4. Pitoresco – O pitoresco também é uma das categorias menores, e esteve

inicialmente ligado aos estudos sobre a pintura, em especial à pintura de paisagem. O

pitoresco, porém, passou também a manifestar-se (ou ser percebido) no costume, na

linguagem, na literatura, e em todas as formas de arte.

É característica do pitoresco manifestar certa rudeza, como também

irregularidade. A ideia de pitoresco surge nos espaços culturais do pré-romantismo e

do romantismo, para fazer direta oposição ao belo clássico. O pitoresco vem

manifestar a singularidade regional, a cor local. Nele se encontra “uma linguagem

pouco banal, imaginativa, expressiva e sonora” (SILVA, 2010, p. 101). Porque se opõe

ao equilíbrio e a contenção clássicas, o pitoresco surpreendente, mas sem violência e

muito menos drama.

No segmento seguinte, tomaremos as peças fotojornalísticas, observando em

suas composições ou constituições internas algumas operações de produção de

sentido. Discorreremos sobre os eventuais efeitos estéticos que as imagens feitas para

informar também propõem e buscaremos evidenciar o tipo e a consistência da

experiência estética que se desdobra a partir e com as imagens fotojornalísticas.

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CAPÍTULO 5

Entre outras palavras o discurso imagético

A árvore que o sábio vê não é a mesma árvore que o tolo vê.

WILLIAM BLAKE

Os símbolos formam uma língua, mas não aquela que você imagina conhecer.

ÍTALO CALVINO

Já sabendo do poder das imagens de influir em todas as esferas nas quais

transita, seja uma imagem cinematográfica, televisiva ou fotográfica, nenhuma

natureza ou sociedade passa imune ou impune aos “olhos” da câmera.

Falar sobre fotojornalismo é falar sobre o processo de acesso do homem ao

mundo das imagens construídas para complementar a leitura e o consumo de uma

notícia. O discurso visual fotojornalístico, por ser reconhecido como “substituto da

realidade”, parece encerrar numa imagem uma verdade indelével. O que ocorre,

porém, é que essa verdade parte de um método particular do produtor da imagem

codificar e traduzir, em signos visuais inteligíveis, o que vê.

Nesse processo de escrita, não estão dissociadas sua ideologia, suas percepções

de mundo e sua volição. Portanto, o que o fotógrafo registra é a realidade tomada por

um ângulo muito particular. O que não impede que esse ponto de vista discursivo não

se coadune com a expectativa lançada pelo meio massivo (o jornal) ou o espaço social

os quais representa.

Para isso, ele terá desde o dispositivo técnico (a câmara fotográfica), as

condições situacionais, os elementos disposto na cena, ao leitor/espectador, parcelas

do que contribuem para um efetivo processo de significação. E em cada um desses

elementos subjaz uma proposta de leitura e apreensão do mundo distintos.

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Desta forma, existe também na produção de uma imagem fotojornalística um

construto simbólico, vinculado ao ambiente sócio-cultural-político-ideológico de quem

a constrói, bem como de quem a vê/lê.

Compreendendo, assim, o caráter de uso social da língua presente no discurso

fotojornalístico, nos aportaremos nas propostas de uso e contextualização da

Gramática Visual (GV), sistematizadas por Gunther Kress e Theo van Leeuwen (1996),

através de suas multimodalidades sintático-visuais, baseadas nas metafunções de

Halliday (1994), em que a maior função de uma linguagem encontra-se no uso e ajuste

às circunstâncias que determinam essa ação linguística.

Baseada nos aspectos funcionais da linguagem e tomando de empréstimo os

pressupostos teóricos de Halliday (1994) em sua Gramática Sistêmico-Funcional, Kress

e van Leeuwen mostram-nos como as metafunções (representacional, interacional e

composicional) na GV se relacionam com as suas correspondentes hallidayanas

(ideacional, interpessoal e textual) e refletem na estrutura do discurso imagético os

mesmos efeitos léxico-gramaticais presentes numa língua, sendo que composta por

uma sintaxe de signos não-verbais.

Adiante, as análises realizadas em Urubu Rei (2001), Recreio (2003) e A

Padroeira (2005)8 nos mostrarão que a forma como estão relacionados entre si os

elementos visuais e como estes estão distribuídos no espaço visual constituem

componentes chaves para a compreensão dos discursos que medeiam a representação

dos assuntos socialmente significativos nas imagens fotojornalísticas.

8 Urubu Rei (2001), Recreio (2003) e A Padroeira (2005) são todas imagens produzidas pela autora desta pesquisa

quando de sua atuação como fotojornalista no diário paraibano O Norte (2001-2006).

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5.1 Urubu Rei: uma análise

Vi ontem um bicho Na imundície do pátio

Catando comida entre os detritos.

Quando achava alguma coisa, Não examinava nem cheirava:

Engolia com voracidade.

O bicho não era um cão, Não era um gato, Não era um rato.

O bicho, meu Deus, era um homem.

MANUEL BANDEIRA

Figura 104 – Foto publicada em 2001, no jornal O Norte, para uma matéria sobre o lixão do Roger.

A imagem Urubu Rei, primeira das três analisadas neste capítulo, faz parte da

produção fotojornalística da autora desta pesquisa e foi publicada no jornal O Norte

(19/10/2001), em matéria sobre o Lixão do Roger, naquela ocasião, um dos maiores

depósitos de lixo a céu aberto e em área urbana do país, localizado na cidade de João

Pessoa, no estado da Paraíba. Esta área ocupava aproximadamente 17 hectares e

recebia em torno de 700 toneladas de lixo diariamente.

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A fotografia, produzida em cores, num long shot (plano geral) nos mostra a

ambientação de um lixão e ao mesmo tempo o processo de sobrevivência de uma

comunidade. Apresenta-se de forma bastante saliente um urubu descendo de seu vôo.

Há ainda vários moradores catando lixo, e outros urubus cercando um amontoado de

lixo orgânico.

Como observado no capítulo anterior, Kress e van Leeuwen (2006) propõem

três estruturas de representações que ao relacionar seus distintos elementos

constituem uma Gramática Visual. Na estrutura representacional, teremos a descrição

dos participantes em uma ação; na interativa, as relações entre participantes

representados e o observador; na composicional, a combinação de todos os

elementos.

Em Urubu Rei temos uma série de processos sendo apresentados ao mesmo

tempo. Há, primeiramente, um urubu soberano, mais saliente, que domina a cena e

em torno do qual a narrativa fotográfica se dá. Existem dois grupos interativos, sendo

um grupo de catadores (ao fundo) e um grupo de urubus (à frente). Na cena, a

disposição dos participantes aponta diferenças e consensos, num ambiente impróprio

ao homem, em que, parecendo respeitar um o espaço do outro, humanos catam o lixo

que não interessa aos urubus.

5.1.1 REPRESENTAÇÃO

Ator/Reator

Ação transacional

Reação não-transacional

Fenômeno Meta Reatores Homens Ator Ação transacional

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Urubu Rei, num primeiro momento, constitui uma composição de contornos

narrativos, ou seja, há a presença de atores e vetores indicando que ações estão sendo

realizadas. Identificamos vetores conectando vários participantes (atores) aos objetos

(metas) na cena. São homens e mulheres (atores) que catam lixo (meta), urubus

(atores) que se alimentam (meta), enquanto um deles, em destaque, na parte superior

da imagem, sobrevoa o local. Nessas ações, há uma representação narrativa

transacional, embora identifiquemos na ave que paira sobre os demais o

desdobramento de uma ação (sobrevoar) e uma reação (olhar lateralmente)

configurando nesse único e destacado elemento uma ação de estrutura transacional e

uma reação de estrutura não-transacional.

Em se tratando de uma imagem híbrida, composta de tantos elementos

distintos, também iremos perceber a presença do processo reacional em outros

participantes representados, quando não conseguimos identificar para onde ou para

que fenômeno alguns desses participantes (reatores) estão dirigindo o olhar dentro da

cena. Podemos assim considerar que também se trata de uma representação narrativa

de reação não-transacional.

Observando a foto mais amiúde, iremos perceber que a forma como os

elementos estão distribuídos no quadro também pode conter processos de estrutura

conceitual, onde nestes podemos identificar processos classificacionais. Esses

processos ocorrem quando existe uma taxonomia e os participantes representados

são apresentados como se estivessem subordinados a uma categoria superior. Se os

reconhecemos subordinados a uma suposta ordem, grupo ou classe superior esta

taxonomia é denominada pela GV (1996) de coberta (covert). O que acontece no caso

dos participantes representados desta imagem, que dão a impressão de estarem todos

subordinados à classe de sujeitos que trabalham com o lixo.

Não obstante, Urubu Rei também contém representações de estrutura

conceitual simbólica, em que o urubu aparece como o portador, e o atributo

simbólico é definido pela sugestão de ser este animal selvagem mais que um mero

caçador de dejetos. Assim, tal animal como está disposto na imagem remete-nos,

numa configuração subjetiva, à outra ave de rapina (a águia), símbolo do maior país

capitalista ocidental (os EUA) e à sua selvagem e portentosa projeção sobre os países

em desenvolvimento.

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Ademais, observemos, pois, a pose para a fotografia do “urubu/águia”, a

maneira onipotente e majestosa com que paira sobre os demais, a aparente refeição

de qualidade feita, em primeiro plano, por aqueles que fazem parte do seu clã (ou

seria o G8 reunido?9) e, ao fundo, a naturalidade dos miseráveis, que, apesar de

humanos, comportam-se como bichos, mas, ainda assim, com imensa passividade: co-

relação simbólica que normalmente atribuímos ao comportamento subserviente dos

países ditos emergentes, que sofrem influência e domínio do capital estrangeiro.

Países estes produtores, mas em constantes embargos políticos, econômicos, fiscais

dos países hegemônicos. Sobreviver, nesses locais, é satisfazer-se com as sobras. Dessa

forma, sentidos que estavam ligados a ideologias e práticas de políticas antagônicas

são transferidos para o âmbito de significações referente ao lixão e sua rotina,

provocando o leitor. Não é a imagem que fala e sim a ideologia contida na imagem.

Não é o texto, mas o contexto.

5.1.2 INTERAÇÃO

Contato

Oferta

Perspectiva

Ângulo oblíquo não-envolvimento

Modalidade Plano aberto

Saturação (cor) impessoalidade

Plano de fundo

(Contextualização)

9 Grupo dos oito países mais ricos e desenvolvidos do mundo (Estados Unidos, Japão, Alemanha, Reino Unido, Itália,

Canadá, Rússia e França) liderados pelos EUA. O G8 é muito criticado pelas suas políticas globais, sociais, econômicas e ecológicas. Suas reuniões visam estreitar relações entre os países hegemônicos, buscando assegurar seus interesses sobre os interesses do resto do mundo.

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Existem vários elementos na cena, mas nenhum deles interage diretamente com

o leitor/observador. O vetor que se forma não aponta para nenhum objeto inserido na

moldura da imagem. O urubu apresenta-se como ator/reator, enquanto que o lixão é a

meta da ação que ele executa/sobrevoa, o seu olhar é a esmo. Verbalmente, através de

verbos transitivos, tal ação e reação poderiam ser descritas da seguinte maneira: ‘O

urubu (ator) sobrevoa/observa (processo) o lixão (meta/fenômeno)’.

Quanto à natureza das relações sociointeracionais, respeitando as estratégias

de aproximação/afastamento para com o leitor, estabelecidas através do contato,

distância social e perspectiva angulares, destacamos a indiferença de todos os

participantes representados na imagem em posição de oferta (offer). Nesta cena, os

participantes representados não interagem entre eles, muito menos com quem os

observa (ler/ver).

Os vetores formados pelas linhas de olhares não conectam participantes

representados e leitor/observador. Existem vários participantes na cena, mas nenhum

parece incomodado ou intimidado pelas lentes do fotógrafo/observador. Nessas

imagens, o participante representado será encontrado como objeto de contemplação

do participante interativo (observador/leitor). Os elementos exibidos são observados e

lidos “como se esses estivessem numa vitrine ou prateleira” (KRESS & VAN LEEUWEN,

1996, p. 124).

Em outras palavras, o contato que é configurado no discurso visual por meio do

olhar direto ou não entre participantes representados e observadores (produtores da

imagem, leitores) ocorreu de maneira que o elemento principal (o urubu) ignora a

presença de todos, inclusive, a da fotógrafa, tampouco nenhum dos participantes da

foto estabelece algum grau de interatividade. Nem mesmo o uso da lente grande

angular10, que permite ao fotógrafo tomar a imagem de muito próximo do assunto

fotografado, ocasionou alguma estranheza ou pareceu ter alterado qualquer ‘rotina’

naquele ambiente.

Mediante o ângulo fotográfico escolhido pela produtora da imagem, fica nítida

que, na relação de poder entre observador e participante representado, foi conferida

10

Trata-se de uma lente fotográfica que, por possuir objetiva de menor distância focal, aumenta o campo de visão do fotógrafo, abrange uma maior extensão da cena, parecendo estender, esticar a imagem, fazendo com que elementos registrados em primeiro plano, como no caso do urubu, pareçam maiores do que realmente o são. Muito usada em fotojornalismo, esse tipo de lente proporciona uma maior profundidade de campo, melhor contextualizando os fatos registrados.

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maior ascendência ao participante representado (o urubu), visivelmente destacado em

posição de superioridade, enquanto os demais, inclusive, o observador estão

claramente numa posição de inferioridade.

Também conferimos tal impessoalidade ao observarmos a angulação ou

perspectiva captada durante o sobrevôo da ‘nobre’ ave de rapina. Nela, há uma

tensão entre o frontal e o oblíquo. O urubu de asas abertas frontalmente sugere

envolvimento (quase um abraço), enquanto que o restante do corpo, inclusive os

olhos, em posição oblíqua, distancia, contraria o ângulo frontal, estabelece um não-

envolvimento, parecendo aquilo que se vê somente fazer parte do mundo dos

participantes representados, nada dizendo respeito ao espectador.

5.1.3 COMPOSIÇÃO

Eis o momento em que o posicionamento de cada elemento conjugado na

imagem compreende um valor informativo de significação. Os valores informativos

priorizados nessa imagem são a oposição ideal/real. Relativo ao valor informativo

ideal, temos localizado na parte superior da imagem, a figura de um urubu: asas

abertas, forte, imponente, parecendo enfrentar tudo sem medo. Ele é apresentado

como análogo à águia: forte, bem disposto, predador.

Dessa forma, o elemento de maior destaque neste evento visual é o Urubu Rei.

O urubu não é só o ator dessa insólita narrativa fotográfica, mas é participante e

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elemento de maior saliência na cena. Não por acaso, foi colocado na parte superior e

central do quadro. Os elementos marginais agregam ainda mais sentido e

estranhamento à composição. O que vemos no centro da imagem contraria a natureza

do ambiente, ressignificando-a.

Hierarquicamente, a ave de rapina é o elemento de maior saliência na cena,

está no topo, realçado pela envergadura de suas asas, pelo tamanho, perspectiva em

que se encontra, contraste com o fundo, que torna ainda mais salientes seus

contornos dado um céu particularmente limpo. Por outro lado, o que está na base e

refere-se aos valores reais disponíveis na composição, contrariando a natureza do

ambiente está a “sarcástica forma de reciclagem” (ARTUR, 2004) do lixo entre

humanos e bichos. Diante de tal composição imagética, surgem os questionamentos:

quem, de fato, é o bicho? Onde termina o bicho e começa o homem?

Por fim, Urubu Rei apresenta estruturação (enquadramento) composicional

forte na qual há desconexão entre os objetos que a constituem. Há pouca

neutralidade, não há desfoque de fundo e os detalhes, perspectiva e contraste das

cores destacam ainda mais os participantes na cena. Apesar de conter vários

elementos no cenário, todos são facilmente identificáveis, o que de certa forma auxilia

na leitura dos elementos incomuns, até mesmo contrários, dispostos na composição

deste texto imagético.

A seguir apresentamos resumidamente algumas das várias considerações

realizadas a partir da aplicação da Gramática do Design Visual de Kress e van Leeuwen

(1996):

Metafunção ideacional / representacional

Natureza dos eventos representados pela imagem

Participantes

Bichos, lixo, pessoas. O urubu de asas abertas é o ícone central da cena.

Processos

Pessoas catando lixo, urubus comendo lixo, outro sobrevoando: processo acional e transacional. Algumas pessoas e bichos ‘só observando’: processo reacional não-transacional.

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Circunstâncias

Lixo, outros bichos, incluindo o homem, nuvens pesadas e céu limpo, são elementos coadjuvantes que reforçam a natureza composicional desta peça.

Quadro 05 – Metafunção representacional (baseada em KRESS e VAN LEEUWEN, 1996).

Metafunção interpessoal / interativa

Natureza das relações sociointeracionais construídas pela imagem

Contato interacional

Existem vários participantes, mas nenhum parece incomodado ou intimidado pelas lentes do fotógrafo/observador. A esse tipo de imagem Kress e van Leeuwen (1996) se referem como oferta (offer), marcadamente notada pela indiferença dos atores e entre eles.

Distância social

Plano aberto (long shot) – afastamento. Impessoalidade acentuada pelo uso da lente grande-angular, pois trata-se de uma imagem tomada muito próxima dos participantes representados, de onde nem mesmo os urubus parecem estranhar a presença da fotógrafa.

Perspectiva ou poder

Predominância do ângulo oblíquo – não envolvimento. Contra-plongée – poder do participante representado.

Modalidade ou valor de realidade

Naturalista – saturação de cores, grande luminosidade e profundidade de campo.

Quadro 06 – Metafunção interativa (baseada em KRESS e VAN LEEUWEN, 1996).

Metafunção textual / composicional

Significações construídas pela imagem

Valor de informação

O urubu no centro e no topo é dado de relevância e saliência. Os elementos centrais contrariam a natureza do ambiente, “re-significando-a”. Afinal, “o lixão é o supermercado do urubu” (FRISCH, 1980) e não do homem. Na parte inferior da imagem o dado real – urubus fazem sua dileta refeição.

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Estruturação (Enquadramento) Forte – apesar de conter vários elementos na cena, todos são facilmente identificados.

Saliência

O urubu é, sem dúvida, elemento de maior convergência na cena, realçado pela envergadura de suas asas, perspectiva em que se encontra, contornos salientados ainda mais pela “limpeza” do céu.

Quadro 07 – Metafunção composicional (baseada em KRESS e VAN LEEUWEN, 1996).

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5.2 Recreio: uma análise

Da vez primeira em que me assassinaram, perdi um jeito de sorrir que eu tinha. Depois, a cada vez que me mataram,

foram levando qualquer coisa minha (...). MÁRIO QUINTANA

O homem só brinca enquanto é Homem no pleno sentido da palavra

e só é Homem quando brinca. FRIEDRICH SCHILLER

Figura 105 – Foto publicada, no jornal O Norte, pelos 13 anos do ECA - Estatuto da Criança e do Adolescente.

Recreio, segunda imagem a ser analisada, é também uma produção da autora

desta pesquisa e foi publicada no jornal O Norte (13/07/2003), em matéria sobre o 13º

aniversário do Estatuto da Criança e do Adolescente.

Num primeiro momento, esta foto foi feita para uma matéria especial

encomendada pelo jornal Correio Braziliense, na qual cumpríamos pauta sobre o nível

de desenvolvimento humano na cidade de Caaporã, município paraibano, em 2002.

Em 2006, Recreio foi escolhida a melhor imagem no IV Concurso Nacional de

Fotografia “Atitudes Positivas na Vida e a Prevenção do uso indevido de Drogas”,

promovido pela SENAD – Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas.

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A fotografia, produzida em cores, num plano médio (medium shot) mostra um

momento peculiar de crianças na comunidade de Santo Antônio, periferia de Caaporã,

que, mesmo em meio à chuva, à lama, e outras agruras, num ambiente aparentemente

impróprio à desenvoltura da sua brincadeira, seguem brincando com seus piões, nos

oferecendo uma imagem rica em significações.

5.2.1 REPRESENTAÇÃO

Ator/Reator

menino

Ator/Reator

menino

Reatores meninos Meta

pião

Vetor mão

Pela clara ação dos meninos jogando pião, Recreio apresenta uma composição

de estrutura narrativa. O vetor que conecta os participantes (atores) aos piões (meta)

é a própria mão dos meninos.

Nessa imagem, de forma mais definida, temos dois atores e quatro reatores.

Como visto anteriormente, um ator é um participante que pratica uma ação tendo em

vista uma meta. Por sua vez, um reator é um participante ativo em que o seu olhar é o

que dirige a cena. Para onde o reator olha recebe o nome de fenômeno (o observador,

neste caso).

Nesse caso, temos a ação praticada pelo menino em primeiro plano e o que lhe

sucede na cena, equilibrando o pião (meta) na palma da mão (vetor). Não obstante,

estes mesmos meninos, tendo ao fundo mais dois garotos olham diretamente para

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quem observa a cena (o fenômeno). Temos, então, entre ação e reação uma imagem

representacional de estrutura transacional, porque neste caso, tanto podemos

reconhecer para onde se dirige a ação (ação transacional) como para onde se dirige o

olhar (reação transacional) dos participantes na cena.

Dentro do processo representacional podemos identificar a hibridização dos

elementos de estrutura narrativa e conceitual. Da estrutura narrativa temos as ações

e reações transacionais. No caso da estrutura conceitual, vamos ter a presença do

processo classificacional de taxonomia coberta, onde as crianças e os piões

(participantes subordinados) fazem parte de categorias superiores. As crianças fazem

parte de um grupo específico (crianças que brincam) e não de crianças que estão

estudando ou recebendo socorro médico, por exemplo. Outrossim, as crianças estão a

brincar, mas não é de bola, de pipa, ou bola de gude, e sim de pião.

Ainda fazendo parte da estrutura conceitual, encontraremos o processo

simbólico entre portador (meninos que brincam) e atributos possessivos (infância,

inocência, alegria, felicidade).

Fatores contextualizadores, de ordem subjetiva, reforçaram ainda mais os

atributos simbólicos embutidos nesta composição imagética.

Sabendo do nosso país tendo aproximadamente 30 milhões de brasileiros que

sofrem com a falta de saúde bucal, sendo internacionalmente reconhecido como o

“país dos desdentados”, levando em conta que Caaporã possuía (e ainda deve possuir)

um dos mais baixos IDH (índice de desenvolvimento humano) do Brasil e

contraditoriamente sendo um dos municípios onde poucas crianças em idade escolar

estão fora da sala de aula.

Dar com aqueles meninos naquelas circunstâncias me impelia, pelo menos, a

recontextualizar aquela cena que se tinha de um lado a infeliz confirmação dos dados

estatísticos do IBGE ou qualquer outro órgão capaz de esmiuçar o grau de nossa

miserabilidade e ignorância, de outro, tinha a controversa e feliz constatação de que

justo ali crianças executavam com tamanha plenitude o mais simples, divino e

socrático princípio de felicidade.

Sabemos que tal registro pode e deve sugerir outras leituras, mas expor quais

fatores motivaram a captação desta e não de outra imagem dão uma pequena noção

do que estes venham ou não contribuir na construção de uma narrativa visual.

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5.2.2 INTERAÇÃO

Contato demanda

Perspectiva frontal

Modalidade

naturalista

Distância Social

plano médio

Segundo a GV ( KRESS e van LEEUWEN, 1996), nas relações sociointeracionais, o

contato, a distância social e a perspectiva são recursos estratégicos que estabelecem

maior ou menor grau de aproximação/afastamento com o leitor visual.

Na foto, a produtora da imagem dispõe os participantes representados em

contato de demanda. Nessa condição, os participantes têm o olhar dirigido à lente da

câmara que simula o olhar do observador, ou seja, os meninos (participantes

representados) dirigem seu olhar e ação na direção do observador/leitor

(participantes interativos). Estes não lhes são alheios. Fotos assim nos intimidam de

alguma forma, apelam para o encaramento, nos incitam à imediata repugnação ou

aprovação do que vemos.

Por sua vez, o uso da lente grande-angular11 amplificou essa contiguidade

existente no contato de demanda. A distorção ótica contida nessa lente é responsável

pela sensação que temos de estar mais perto dos participantes representados ou

elementos dispostos em cena do que de fato estamos. Sem falar, que é comum usá-la

11

Trata-se de uma lente fotográfica que possui objetiva de menor distância focal, aumentando o campo de visão do fotógrafo, fazendo com que os elementos registrados pareçam mais próximos do que na verdade são. Esse tipo de lente normalmente aproxima o produtor da cena registrada, fazendo quase co-participante da ação capturada.

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em registros fotojornalísticos quando a intenção do produtor da imagem é

contextualizar ao máximo as circunstâncias que circunscrevem a ação capturada.

A cena estampada em Recreio, feita num final de tarde quase todo tomado pela

chuva, e depois de uma jornada exaustiva de trabalho, representa mais que uma

ordem ao lazer ou uma aproximação com o que há de mais “moleque” em nós, é,

sobretudo, um apelo à desaceleração, ao não-empalidecimento e endurecimento de

nossa natureza e gestos humanos cada dia mais relegados sob o pretexto de uma vida

cada vez mais “enxuta”, “seca” e contraditoriamente irreal. Acelerado, aqui, só

movimento dos piões. Reforçando esse discurso, a produtora desta imagem, registrou

o sorriso largo e a mão estendida do garoto em primeiro plano, em perspectiva de

ângulo frontal, tornando o convite ainda mais explícito. Ou, pelo menos, o convite à

reflexão. O envolvimento conferido diante dessa perspectiva é tanto que chegamos a

ter a impressão de que ao estendermos a mão o participante representado (garoto

com pião em primeiro plano) nos repassará seu brinquedo, passando o que advier daí

também a nos dizer respeito. Até os olhares que nos são dirigidos sugerem

familiaridade, proximidade, não-alheamento, há conexão entre participantes

representados e leitor/observador, típicos de uma imagem em contato de demanda e

em ângulo frontal.

Em Recreio, os casebres, o ambiente lúgubre e enlameado contextualizam a

cena registrada, servindo, inclusive, para conferir um dado grau de realidade à ação

idílica dos meninos. Todo esse plano de fundo (background), aliado à modulação das

cores, iluminação de preenchimento (feita com a luz rebatida por um flash12), dando

contorno e certo brilho nos olhos do menino, em destaque na cena, configuram uma

imagem de modalidade ou valor de realidade naturalista.

12

Luz auxiliar utilizada em situações de baixa luminosidade ou, como nesse caso, para dar maior contorno à cena.

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5.2.3 COMPOSIÇÃO

Ideal sorriso

Real

mão

Dado Novo

Diante dos valores informativos ideal/real e novo/dado, nesta imagem, temos

o valor informativo ideal ou subjetivo, localizado na parte superior e à direita da

imagem (novo), o menino que sorri contrariando o ambiente, o momento e sua

própria condição humana. A comunidade é carente, chove, poucos têm o que vestir,

mas isso pouco parece abalar sua alegria e generosidade infanto-juvenil, gesto raro às

crianças da cidade, sempre tão cercadas por grades, cercas eletrificadas e brinquedos

eletrônicos.

Por outro lado, o que se encontra na parte inferior, local reservado aos valores

reais ou práticos, e à direita da imagem (informação dada), elementos compartilhados

e familiarizados pelo participante interativo (observador), justificam o motivo de

tamanho contentamento: se a brincadeira é a de girar o pião na palma da mão,

possivelmente, o leitor/observador esteja diante (se não) do melhor, do mais

habilidoso e aparador de piões. Neste caso, o pião, que gira solene na palma de sua

mão, não sendo destreza para muitos, lhe confere poder e certa magia. É como em se

tratando de girar um pião na palma da mão ele fosse o “rei da brincadeira”.

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Contrastando com tudo à sua volta, não bastasse a beleza de seus gestos, tudo nele é

real.

O menino sorrindo que toma o topo e a direita da imagem é elemento de maior

saliência, é ele o elemento de maior destaque e contorno na cena. Os elementos

marginais (casebres, ambiente lúgubre e enlameado) servem para compor a força

desse discurso imagético que, se por um lado tem uma construção visual dispondo

algumas crianças brincando em meio ao charco e à miséria, por outro lado tem nessa

mesma ação a não-contaminação dos meninos pelo ambiente. Sutilmente sugerindo-

nos que o que há de mais miserável não está fora de nós. E sim dentro. E que não há

gesto mais nobre que o de compartilhar. Seja o sorriso, a presença, a inocência, a

brincadeira, a beleza.

Quanto à estruturação (ou enquadramento) em Recreio, ela é forte.

Retomando o já dissemos, Recreio possui elementos composicionais bastante

destacados, desde o menino com o pião na mão em primeiro plano até os elementos

circunstanciais que o margeia. Não há conexão entre primeiro e segundo planos. O que

há em segundo plano ou plano de fundo serve para contextualizar a cena e não fundir-

se a ela. Tanto é assim que contrasta o ambiente (inclusive chuvoso) do gesto e ação

dos meninos.

Ademais, os índices visuais indicam que esta imagem fotojornalística não foi

produzida para uma página publicitária ou de cultura onde temos uma flexibilidade

maior em (con)fundir planos. Imagens assim têm uma estruturação forte porque

invoca primeiramente certo grau de verossimilhança com a realidade. Os gestos, a

cena, podem e devem compor uma imagem mais rica, mais elaborada, mas isso em

nada deve interferir no grau de verdade do registro fotojornalístico.

Metafunção ideacional / representacional

Natureza dos eventos representados pela imagem

Participantes

Meninos. O menino com o pião em primeiro plano é elemento de destaque.

Processos

Meninos com seus piões: processo narrativo acional e transacional. Os mesmos meninos mais os que estão em plano de fundo com olhar direcionado

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para o observador: processo reacional transacional. Crianças e piões (participantes subor-dinados) fazem parte de categorias superiores (crianças brincando, e não dormindo ou estudando e brinquedos infantis, que não são bolas, pipas ou bonecos): processo conceitual classifica-cional de taxonomia coberta. Relação entre portadores (meninos que brincam) e atributos possessivos (infância, inocência, alegria, felicidade): processo conceitual simbólico.

Circunstâncias

Crianças em segundo plano, casebres, chuva, lama, são elementos coadjuvantes.

Quadro 08 – Metafunção representacional (baseada em KRESS e VAN LEEUWEN, 1996).

Metafunção interpessoal / interativa

Natureza das relações sociointeracionais construídas pela imagem

Contato interacional

Todos os participantes representados interagem com maior e menor grau de intimidade com o observador (partici-pante interativo), numa típica imagem de demanda.

Distância social

Plano Médio (medium shot) – Os participantes representados são vistos numa posição de nem tanta proximidade nem tanto distanciamento em relação ao observador.

Perspectiva ou poder

ângulo frontal – envolvimento. Equivalência de poder entre participante representado e participante interativo (observador/leitor).

Modalidade ou valor de realidade

Naturalista – modulação de cores e contextualização entre primeiro plano e segundo plano, profundidade de campo.

Quadro 09 – Metafunção interativa (baseada em KRESS e VAN LEEUWEN, 1996).

Metafunção textual / composicional

Significações construídas pela imagem

Valor de informação

O menino de sorriso largo toma o topo e a direita da imagem, locais reservados, segundo à GV ao que é ideal e novo.

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Cabe ao mesmo menino, desta vez sob a ótica do que é dado e real, trazer os elementos que compõem talvez o motivo de tanta alegria: brincar de rodar pião na rua mesmo debaixo da maior chuva.

Estruturação (Enquadramento) Forte – cada elemento é facilmente identificado na cena, sejam os casebres, sejam os meninos, sejam os piões.

Saliência

O menino sorrindo com o pião na palma da mão, em primeiro plano, é elemento de maior ênfase na cena.

Quadro 10 – Metafunção composicional (baseada em KRESS e VAN LEEUWEN, 1996).

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5.3 A Padroeira: uma análise

“Olha lá vai passando a procissão...” GILBERTO GIL

Figura 106 – Foto registrada durante a procissão de N. Srª das Neves, em João Pessoa.

A Padroeira, mais uma imagem que analisaremos, é mais uma produção da

autora desta pesquisa e foi publicada no jornal O Norte (06/08/2005), em matéria

sobre o aniversário da cidade de João Pessoa, retratando a manifestação religiosa que

ocorre todos os anos no dia 05 de agosto em homenagem a Nossa Senhoras das

Neves, padroeira da cidade.

A fotografia, produzida em cores, num plano aberto (long shot) descreve a

relação de respeito não só às tradições religiosas, mas também históricas. João Pessoa

é a terceira cidade mais antiga do Brasil e foi fundada em 05 de agosto de 1585,

recebendo o nome da Santa do dia em que foi firmada a aliança com os índios locais

de origem Tabajara. A cidade também é conhecida pelo clima agradável, pela sua

gastronomia e pelos seus monumentos histórico-culturais, que revelam ares de uma

modernidade ainda barroca.

Nessa imagem, resguardado o caráter festivo da data, o que mais chama a

atenção é o fervor dos peregrinos na sua caminhada em busca de uma simbólica

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proteção de Nossa Senhora das Neves. Vemos, através de um mar de sombrinhas e

guarda-chuvas multicoloridos que margeiam a Santa e lhe conferem ainda maior

saliência, o reflexo de um povo que, acima de tudo, e mesmo debaixo d’água, crê, tem

fé.

5.3.1 REPRESENTAÇÃO

Vetor santa

Atores peregrinos

Meta procissão

A Padroeira, principal participante representado na cena, apresenta-se numa

composição de processo narrativo, ou seja, o fato de peregrinos estarem seguindo, em

procissão, a imagem da Santa indica uma ação. O vetor que identificamos conectando

os participantes (atores) à procissão (meta) na cena é a própria imagem da Padroeira.

Nesse processo, há um ator (ou no caso, um conjunto de atores, que é a

multidão que forma a procissão) que é um participante ativo, do qual emana um vetor

ou com ele se confunde. Este processo também se caracteriza pelo fato de ser

transacional, ou seja, o ator pratica uma ação projetada em algo que, por sua vez, é

denominado objetivo. O objetivo é, portanto, o participante a que o vetor (a ação) é

dirigido, conseqüentemente, é também o participante para quem a ação é feita,

dirigida. E se a ação é direcionada a apenas um objetivo, o processo é chamado de

unidirecional.

Na imagem A Padroeira, o andor motorizado é o veículo que transporta a

Santa, através do qual, seja motorizado ou carregado pela multidão é o que impele o

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processo de ação na cena observada. Sugestivamente, quem pratica a ação de carregar

o andor é a multidão, formada por vários fiéis. Estes são, portanto, atores do processo.

A ação ou vetor é dirigida pelos atores ao andor que transporta a Santa, depois a um

ambiente externo à imagem e, conseqüentemente, o destino da Santa. Sendo assim,

há dois objetivos: o andor, num primeiro momento, e o ambiente externo – que não é

mostrado, mas que pressupõe o destino da Santa, num momento final.

Por estar chovendo, a grande maioria está encoberta por um mar de

sombrinhas e guarda-chuvas. Os poucos atores percebíveis, têm seus olhares

direcionados para pontos indeterminados fora ou dentro da cena, portanto, sem uma

meta definida, indicando, por sua vez, uma ação de representação narrativa não-

transacional.

Por se tratar de uma imagem híbrida, podemos inferir, também, a presença do

processo de reação dos fiéis e da própria Padroeira, quando, na foto, não conseguimos

identificar para onde ou para quê (fenômeno) os poucos e visíveis participantes

(reatores) estão dirigindo o olhar dentro da cena. Se tratando, portanto, também de

uma representação narrativa de reação não-transacional.

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5.3.2 INTERAÇÃO

Contato oferta

Perspectiva ângulo oblíquo

Modalidade

naturalista

Distância Social social

plano aberto

Quanto à natureza das relações sócio-interacionais, temos o contato, a

distância social e a perspectiva. Através destes, estabelecemos numa composição

visual estratégias de aproximação/afastamento para com o leitor. Nesta cena

fotojornalística, encontraremos os participantes da imagem em posição de oferta

(offer), ou seja, participantes que não interagem diretamente com o observador

(leitor). Inclusive, a Santa, da maneira como foi retratada, também “se oferece” para

análise.

Neste caso, o uso de uma lente tele-objetiva13 ajudou a criar essa

impessoalidade existente no contato de oferta, tendo em vista que a fotógrafa

registrou a cena ou o fato recorrendo a uma certa distância social, através de um

enquadramento em plano aberto (long shot), buscando uma certa invisibilidade frente

ao fato narrado, procurando lhe dar a naturalidade próxima daquilo que ocorreria caso

a cena não estivesse sendo registrada pelas suas lentes.

Na fotografia apresentada, a escolha de um ângulo ou de um ponto de vista

implica a possibilidade de expressar atitudes subjetivas com relação aos participantes

13

Trata-se de uma lente fotográfica que possui objetiva de maior distância focal, diminuindo o campo de visão do fotógrafo, fazendo com que os elementos registrados pareçam achatados num mesmo plano. Esse tipo de lente normalmente proporciona ao produtor registrar a cena sem muitas vezes ser percebido, o que de certa forma confere tanto uma maior impessoalidade como uma maior espontaneidade ao que é registrado.

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representados, sejam eles humanos ou não. No esquema de A Padroeira, o ângulo não

é frontal nem baixo, mas oblíquo e alto e, portanto, o registro foi feito do ponto de

vista de alguém situado à esquerda dos objetos e acima deles. O resultado desse

recurso é um afastamento do que está sendo representado.

Não há conexão entre participantes representados e leitor/observador. Os

participantes representados serão encontrados como objetos de contemplação do

participante interativo (observador). Os elementos exibidos são observados e lidos.

Estão à apreciação do observador tanto quanto um livro ou uma obra exposta numa

galeria.

Quanto à perspectiva, ela foi realizada através de plano oblíquo, o que

também sugere um não envolvimento de quem observa e quem está sendo

observado. Quem detém o poder, diante desta imagem, não são os participantes

contidos nela, mas seus observadores, apesar daquilo que se vê parecer somente fazer

parte do mundo dos participantes representados, algo que não diz respeito ao

espectador.

A modalidade ou valor de realidade é o que aproxima e contextualiza a

imagem do real. Apesar do enlevo que as sombrinhas e guarda-chuvas dão à imagem

da Santa, esta é uma cena passível de ser captada aliada às condições do tempo e da fé

que operam sobre os sujeitos nesse tipo de situação. Cores saturadas e moduladas,

além do plano de fundo (background) dispostos na cena imprimiram um novo

contexto à procissão, que ocorre debaixo de chuva. No objeto de nossa análise, estes

fatores contribuem para a identificação da modalidade naturalista.

Por se tratar de uma imagem fotojornalística, é bom lembrarmos que, mesmo

que ela contenha contornos subjetivos, até porque está impregnada da percepção de

quem a produz, este tipo de imagem descreve fatos, portanto, lida com distintos

aspectos do real, mesmo que possamos considerar algumas deles bastante insólitos.

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5.3.3 COMPOSIÇÃO

Ideal santa

Real procissão

Dado Novo

Nessa imagem, observamos a ênfase dos valores informativos entre ideal/real.

O valor informativo ideal ou subjetivo, localizado na parte superior da imagem, é

ocupado pela Padroeira: uma pequena imagem de barro, que personifica a presença

do divino, entre mortais; vem elevada numa espécie de andor móvel, sublimada por

flores e vestes brancas, simbolizando pureza. Apesar de aparentar certa fragilidade –

tanto por suas pequenas dimensões na composição da cena, quanto por sua própria

natureza (feita de barro), é esta imagem também a personificação da Mãe ideal,

protetora, suprema e eterna.

Margeando a cena, temos as sombrinhas e guarda-chuvas, dando uma certa

uniformidade que converge nosso olhar para o centro da composição imagética. Lá,

encontraremos a imagem de uma Santa que praticamente divide a composição ao

meio. Já na base da imagem, encontramos a informação real: pessoas que se dispõem,

mesmo debaixo de chuva, a cumprir com o exercício de sua devoção.

Quanto à informação dada ou elementos que vêm do lado esquerdo do texto

visual e, portanto, como informações já compartilhadas e familiarizadas pelo

observador, temos a presença fundamental do andor (motorizado) sem o qual o

motivo maior de uma procissão, que é levar a imagem de um(a) santo(a) de uma casa

religiosa à outra, promovendo a integralização entre criaturas menores e a Unidade

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Maior, não ocorreria. Por sua vez, os elementos que se apresentam do lado direito,

trazem uma informação nova, a de que não há chuva ou obstáculo que demova a

prática da fé.

O elemento de maior saliência na imagem A Padroeira é a própria Padroeira.

Os elementos marginais como as sombrinhas e os guarda-chuvas contrastam e

reforçam o destaque dado à Santa, no alto e no centro da cena. É uma procissão, está

chovendo, o contexto pede uma certa proteção. Se não vem por completo do alto,

ainda restam as sombrinhas e guarda-chuvas tão vivos e coloridos quanto a fé que

anima esses peregrinos, em sua caminhada. Sem falar que, no contexto do divino, tudo

o que seja derramado pelos céus, são bênçãos.

Por fim, temos em A Padroeira uma estruturação (enquadramento)

composicional forte. Ela apresenta desconexão entre os objetos que a constituem. Há

pouca neutralidade, não há desfoque de fundo e os detalhes, perspectiva e contraste

das cores proporcionam uma certa individualidade aos participantes representados na

cena, destacando ainda mais a imagem da Santa. Tanto Nossa Senhora quanto as

sombrinhas e guarda-chuvas que a cercam aparentam não ter nenhuma ligação.

Mesmo contendo vários elementos no cenário, todos são facilmente identificáveis,

uma sombrinha da outra, e entre elas e a Santa.

Metafunção ideacional / representacional

Natureza dos eventos representados pela imagem

Participantes A Padroeira e os peregrinos.

Processos

Peregrinos caminham, levando a Santa para um destino não identificado na cena: processo acional e não-transacional. Fieis e Padroeira têm seus olhares absortos: processo reacional não- transacional.

Circunstâncias

A procissão, o andor móvel, possíveis casas, lojas ao fundo, a chuva, as sombrinhas e guarda-chuvas.

Quadro 11 – Metafunção representacional (baseada em KRESS e VAN LEEUWEN, 1996).

Metafunção interpessoal / interativa

Natureza das relações sociointeracionais construídas pela imagem

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Contato interacional

Os participantes representados não interagem diretamente com o partici-pante interativo (observador/leitor), se “oferecem” para a observação, conferindo contato de oferta.

Distância social

Plano Aberto (long shot) – Os participantes representados (Padroeira e peregrinos) são observados de maneira impessoal.

Perspectiva ou poder

Ângulo oblíquo e alto – não-envolvimento.

Modalidade ou valor de realidade

Naturalista – mesmo parecendo irreal, trata-se de uma cena de procissão sob impacto da chuva.

Quadro 12 – Metafunção interativa (baseada em KRESS e VAN LEEUWEN, 1996).

Metafunção textual / composicional

Significações construídas pela imagem

Valor de informação

Por aparecer no topo a Padroeira é a própria idealização da proteção divina. Os fieis que acompanham a procissão aparecem abaixo e margeando a Santa, configurando o que é informação dada e real, ou seja, é comum peregrinos seguirem imagens de santos, mesmo debaixo de chuva.

Estruturação (Enquadramento) Forte – Mesmo sendo um mar de sombrinhas e guarda-chuvas, todos são possíveis de serem identificados e, em meio a eles, a imagem da Santa.

Saliência

A Padroeira, transportada pelo andor móvel, no centro da imagem, é elemento de maior relevância e saliência na foto.

Quadro 13 – Metafunção composicional (baseada em KRESS e VAN LEEUWEN, 1996).

Diante do exposto, identificamos os estudos de Kress e van Leeuwen válidos na

disposição de um sistema funcional e pragmático para a construção e leituras de textos

visuais. Não obstante, destacamos a complexidade na tentativa de descrever imagens,

através de palavras, pois a palavra pode descrever a imagem, pode traduzi-la, mas jamais

pode revelar integralmente a sua matéria visual.

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Apesar de certos signos visuais serem identificados inteligivelmente por culturas

distintas, sempre comporão maneiras e modos de ver distintos, porque é o ato de olhar,

durante o processo de fruição, que a constitui, que a materializa e não a sua co-relação

com o verbal.

Dessa maneira, também percebemos que quando o produtor de uma fotografia

jornalística investe em determinados participantes, atributos, contatos, ângulos,

perspectivas, modalidades, saliências, estruturações, não está só procurando conectar

os elementos internos da sua construção visual, está também refletindo o discurso de

muitas vozes numa só imagem. É a linguagem não-verbal propondo vários diálogos,

conduzindo e mediando questionamentos que não se esgotam à primeira vista,

constantemente sugerindo novas leituras.

Assim considerados os aspectos próprios da linguagem iconográfica, e que

orientam os seus processos de significação, resta ainda afirmar que tais componentes

formatam, também, níveis menos evidentes de realização da linguagem, como é o

caso, aqui, dos chamados efeitos de natureza estética.

É importante considerar que tanto o conjunto de configurações funcionais que

nos auxiliaram a perceber a presença de elementos de uma “gramática da

visualidade”, quanto a experiência com a linguagem submetida às tensões da

sensibilidade e da emoção, são todos referenciais baseados, tanto num jogo de

percepções visuais, quanto de seus “relativos” efeitos sobre o(s) leitor(es).

Observemos que, ao preconizar a existência de contato interacional, os autores

em questão já investem sobre aspectos da afetação, da sensibilização que eventuais

leitores têm diante deste ou aquele artifício presente no corpo da imagem. A relação

de causa-e-efeito sensível, estético, está subentendida no acervo de configurações

trabalhadas por Kress e van Leeuwen. E isso nos abre possibilidades para iniciar a

discussão no segmento posterior, quando estaremos assinalando os possíveis efeitos

de natureza estética a partir de nosso corpus.

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CAPÍTULO 6

Para além das palavras o estético no espaço fotojornalístico

Ver bem não é ver tudo, é ver aquilo que os outros não conseguem ver.

JOSÉ AMÉRICO DE ALMEIDA

Encontrei um pintor que tinha voz vermelho-escura, e o acaso quis que ele gostasse desta cor...

O que vem a ser portanto um olhar? É talvez a soma de todos os sonhos, cuja parte de pesadelo se esquece,

quando a gente pode por-se a olhar diferentemente(...)

EVGEN BAVCAR

No segmento anterior, procuramos apresentar os artifícios de linguagem que se

fazem presentes na estruturação de composições imagéticas, aqui, fotojornalísticas.

Tais conformações, extraídas de um conjunto de regras elaboradas por Kress e van

Leeuwen, assinalaram dispositivos funcionais que demonstram o quanto as imagens

estão atravessadas por mecanismos linguísticos, que mantêm correspondências com

outros vetores da faculdade da linguagem, em especial com as baseadas na língua. O

que vem reafirmar o preceito bakhtiniano segundo o qual as linguagens encontram-se

em processos permanentes de estimulação recíprocos (BAKHTIN, 2000, p. 329).

Nesta parte de nossa investigação, daremos visibilidade ao teor estético das

peças fotojornalísticas submetidas à análise de seus componentes sintáticos, conforme

evidenciado nas páginas anteriores. Trata-se, aqui, de associar os dispositivos de

linguagem antes destacados com os efeitos sensíveis que podem produzir.

Como vimos anteriormente, toda experiência estética nos atinge em maior ou

menor grau, dado o impacto sobre nossos sentimentos e emoções diante de uma

matéria simbólica produzida para esse fim, ou diante de qualquer evento14.

14

Não existe consenso em relação a este fator da experiência estética. Há autores que limitam a existência do estético às chamadas belas-artes ou artes nobres. Porém, consideraremos experiência estética como abordada por

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O evento estético, como já dito, altera nosso estado de ânimo, através de

sobrechoques emocionais, modificando, assim, o nosso situar no mundo.

Por sua vez, a relação estética, aliada aos jogos de sentido, não deve ser

confundida com o trabalho interpretativo, como nos esclarece Silva (2010, p. 104):

A experiência estética não se limita às variações de sentido, aos jogos

interpretativos, pois que estes, por assim dizer, fixam apenas a parte mais

visível, mais saliente daquilo que o excitamento foi capaz de produzir. No

momento em que o autor [...] usa de mecanismos verbais e icônicos para

forjar comunicação, ele tanto cria as condições para a apreensão do

conteúdo, como também forja liames que permitem comunicar

sentimentos, estados de espírito, a fim de gerar excitação, algum prazer

fruitivo em interagentes [...] (SILVA, 2010, p.104).

Assim como a percepção é a “fase ótica, onde percebemos as formas e as

tonalidades de uma imagem no geral”; a identificação “combina ações óticas e mentais

que ajudam a reconhecer os componentes, e é quase sempre igual para todas as

pessoas”; a interpretação é a “ação totalmente mental e pessoal, sendo influenciada

pelas experiências e lembranças de cada observador” (TERRATACA, 2010).

Ainda baseando-nos em Silva (2010), ação interpretativa e imersão sensível são

elementos que se articulam no corpo da experiência estética, para levar-nos a

experimentar sensações e prazeres, alimentando nossa imaginação diante das coisas

do mundo. Por isso mesmo, ao expormos e avaliarmos os elementos próprios de uma

gramática da visualidade, utilizando peças fotojornalísticas, pusemos em questão tanto

partes de uma arquitetura que assegura a articulação dos sentidos, quanto

sedimentamos o terreno para a etapa que será cumprida nesta sessão, que é a de

expor o curso e as características do contato estético.

Barilli (1994, p. 49-48), a qual vai muito além das consagradas artes nobres, e que ela pode acontecer com tudo que se veja submetido à atenção humana, desde o ato de respirar, consumir uma refeição, ouvir uma música. Para tanto, basta que se cumpram as condições que caracterizam este tipo de experiência.

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6.1 SOB AS ASAS DO URUBU REI

Nossas análises da peça Urubu Rei, realizadas com o auxílio da gramática

visual e com o suporte maior da semiótica peirceana, permitiram-nos identificar os

elementos funcionais que da forma como arregimentados pela produtora das imagens

visam estabelecer comunicação. Verificamos que conjunto de dispositivos presentes

na composição imagética tendem a produzir, no leitor, uma situação emocional

aflitiva, dado o jogo dos elementos representados, as relações sócio-interacionais e as

significações construídas pela imagem. Esta última, configurando o resultado da soma

dos elementos estruturantes da imagem – e que é para onde se volta qualquer estudo

semiótico, em seu esforço de deixar esclarecido quais são os elementos responsáveis

pela comunicação humana, de que maneira se estruturam, e que peculiaridades

manifestam.

Diante de Urubu Rei, o leitor de depara com uma situação tensa, que chega ao

estado de drama – no caso, trata-se de um drama social, “pintado” com enorme

violência: homens e urubus, urubus e homens dividem os restos podres que a cidade

lhes deixou. A imagem possui alta capacidade de mexer com a nossa sensibilidade, e

dificilmente o leitor conseguirá ficar “imune” aos seus efeitos, às suas intenções.

A imagem retrata aspectos de uma realidade brutal e desconcertante, que nos

atinge pela aterradora situação de humanos que “disputam” sobras com animais

carniceiros, dependendo disto suas sobrevivências. Homens e aves se confundem

neste território de “devastação humana”, sob as asas do “imenso” e “poderoso”

urubu. A composição descreve um clima dramático, porque entre homens e animais

que vivem de dejetos não há qualquer diferença. Em termos precisos, o cenário nos

mostra a “selvageria” não de homens-urubus, homens-carniça, mas de uma situação

que agride o nosso senso de humanidade, de civilidade, porque a vida humana chega a

níveis baixíssimos de existência.

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A vida, nesta cena, aparenta não ter qualquer valor, sob as asas soturnas da

“ave soberana” que vive de restos e de matéria pútrida. Diante da imagem, o leitor se

vê incomodado, provocado por uma situação que ele sabe existir, embora ignore. O

seu estado emocional, assim, é alterado, e a imagem desconcertante o prende a esta

situação dramática, em que seres humanos correm perigo iminente. Esteticamente

preso a este cenário “fantástico”, o leitor experimenta as intensidades perceptivas e

emocionais do patético que, conforme vimos, é categoria estética de grande abalo

emocional. Atingido esteticamente pela cena aterradora, o leitor experimenta as

sensações desagradáveis que brotam da imagem que retrata o outro lado do

progresso urbano, em detrimento do humano.

Sabendo que o patético se divide de um lado em morno, lento e depressivo e

do outro agitado e trêmulo (SILVA, 2010, p. 98), e segundo Souriau (apud SILVA, 2010,

p.98) o patético traduzindo sofrimento ou um grande mal, os elementos que

compõem Urubu Rei carregam forte expressividade, dramaticidade, veemência,

lançando-nos esteticamente a uma profusão de sentimentos, que só mediante nosso

engenho intelectual ou competência cognitiva (CASSIRER, 2005, p.56) somos capazes

de decifrar os propósitos que a imagem encerra ou que ela quer dizer.

É preciso deixar claro que em qualquer material submetido à interpretação os

sentidos podem variar, mesmo que o abalo emocional produzido por uma cena

aterradora como a de Urubu Rei seja comum. Podemos dizer que, impactados, diante

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da intensidade estética desta cena, venhamos sofrer um abalo emocional

relativamente idêntico. Nossos sentidos, porém, que transitam com outros aspectos

da realidade, negociando com blocos de significados, percepções, convicções, valores

distintos e conflitantes, nos conduzem a observações e leituras relativamente

desiguais.

Não à toa, já em nossas análises sob a égide da Gramática Visual (1996),

fazemos inevitáveis associações subjetivas entre o urubu e a águia que representa, na

atualidade, o país mais predador do mundo e sua indiferente reação às demais nações.

Para isso, destacamos

a pose para a fotografia do ‘urubu/águia’, a maneira onipotente e majestosa com que paira sobre os demais, a aparente refeição de qualidade feita, em primeiro plano, por aqueles que fazem parte do seu clã (ou o G8, como sugerido anteriormente) e, ao fundo, a naturalidade dos miseráveis, que, apesar de humanos, comportam-se como bichos, mas, ainda assim, com imensa passividade: co-relação simbólica que normalmente atribuímos ao comportamento subserviente dos países ditos emergentes, que sofrem influência e domínio do capital estrangeiro (CÂMARA, 2010, p. 108).

Como observamos em nossa análise anterior, nada parece intimidar ou

incomodar os aterradores “anfitriões” desse banquete insólito. O que não foge à

postura dos EUA, país que não bastasse se comportar como “dono do mundo” parece

sempre estar sobre nossas cabeças, quer seja para nos vigiar ou intimidar, quer seja

para nos punir.

Isso que acabamos de dizer não encerra, e nem é esse o nosso propósito, os

significados que a imagem em questão é capaz de produzir. E a pesquisadora,

submetida também aos abalos emocionais produzidos pela imagem, impactada

esteticamente, imergiu em na superfície significante do ícone, alimentada pela

imaginação e por suas convicções histórico-políticas.

Urubu Rei – incomum, sob todos os sentidos – apresenta-se plasticamente

equilibrada, embora todo o arranjo composicional tenha sido construído na intenção

de instaurar um desequilíbrio, um desconforto, em quem vê/lê a imagem. Tanto

equilíbrio/desequilíbrio entre composição e ”espetáculo aterrador” chega-nos dar

impressão que tudo aquilo que ela mostra não é real.

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Justo o potencial estético desta peça fotojornalística, eleva seu caráter de

denúncia social, tornando-a mais forte e mais pulsante. Na vida, na arte, ou em cenas

corriqueiras, o potencial estético lá está, e, nos move, justamente, por causa dos

abalos emocionais e interpretativos que nos causam.

6.2 A LEVEZA DE RECREIO

Enquanto em Urubu Rei predomina a intensidade dramática do patético, com

sua acentuação pesada e tensa, em Recreio verificamos outras intensidades

emocionais.

É bom salientar que não há contato estético sem abalo emocional, sem

imersão na trama que se desenrola diante do leitor/observador e sem produção de

sentidos. A malha de intensidades emocionais, porém, é variável, e as categorias dão

corpo a diferentes tipos de contágio. Por isso mesmo, dificilmente poderemos

mensurar as reações estéticas através de formalizações seguras ou exatas, como é o

caso das categorias estéticas. Sem falar das variações existentes dentro de uma

mesma categoria, levando-a a adquirir outras qualidades ou potencialidades.

No caso da composição fotojornalística Recreio verificamos que o abalo

emocional gerado tem outra intensidade, de teor prazeroso e relaxante. A cena traz

meninos que brincam de rodar pião, numa área carente no município de Caaporã, na

Paraíba.

Em nossa análise anterior, baseada na GV (1996), ante as ebulições de

significados inerentes à composição fotográfica fica claro o marcante contraste entre a

pobreza do local (como das roupas das crianças presentes na cena) e a alegria

contagiante dos meninos, principalmente do que se encontra em primeiro plano.

Do ponto de vista das intensidades estéticas que daí emanam, outra diretriz

toma corpo, e acrescenta desdobramentos à esfuziante imagem do menino em

primeiro plano, e também para os que se acham em segundo plano.

Nesse caso, entendemos que duas categorias estéticas se articulam no

interior desta imagem, a do bonito com a do pitoresco. Conforme vimos ao tratar das

categorias estéticas, o bonito faz referência àquelas intensidades marcadas pela

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alegria, ousadia e desenvoltura. Há, no bonito, a presença de uma atmosfera amável,

envolvente, mas ao mesmo tempo trazem um clima leve e frágil. Assim é parte da

atmosfera de sensações, e de sentimentos, que Recreio suscita.

A imagem dos meninos, que brincam alegremente com piões, institui uma

“pausa” frente à aridez de um universo tão rico, cada vez mais aparentemente feito

para poucos, e o enche de graça e encantamento. O clima gerado pela imagem é

bastante frágil, e a sensação que daí surge é que a qualquer momento poderá se

romper.

Eis porque se costuma dizer que o bonito está marcado pela precariedade, ou,

conforme acentua Parret (1997, p. 153), a fragilidade “faz nascer a ideia de que o

bonito é precário, bastando um nada para destruí-lo”. É assim que a suavidade alegre

que desponta desta imagem se impõe à nossa percepção: os meninos, graciosos e

cheios de alegria, brincam diante da inexorabilidade do mundo, enchendo-o de vida e

insustentável leveza.

De outra parte, este mundo, trazido pela composição fotográfica, demarca um

território muito específico, em que ficam expostas marcas de uma territorialidade, e

que são referenciados pelo termo pitoresco. O pitoresco é uma categoria estética que

dá volume à cor local, que são aquelas que identificam aspectos da regionalidade.

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A brincadeira de pião é uma das modalidades lúdicas praticadas no Brasil, em

especial em nossa Região. É sua a característica da oposição entre o rude e o polido,

preponderando o primeiro; do domínio da irregularidade frente aos padrões regulares

e simétricos. A brincadeira do pião traduz justamente esse clima em que o lúdico se faz

com instrumentos toscos, simples, regionalizados por anos e anos de contínuo

exercício.

A fusão antes referida, entre as categorias estéticas do bonito e do pitoresco

conferem à composição um especial brilho de emocionalidade, de poeticidade,

fazendo com que o leitor, em se plasmando esteticamente à imagem, integre-se

prazerosamente a ela, pelo encontro da beleza frágil com as coisas e singularidades de

um povo de um lugar.

6.3 A PADROEIRA

Vimos nas considerações acerca dos instrumentos lexicais da linguagem

fotográfica acerca da composição A Padroeira, que os vetores maiores da análise

assinalam a presença da Santa sobre um mar de guarda-chuvas e sombrinhas. É esta,

de fato, a circunstância que se impõe à apreciação estética: há a superabundância de

guarda-chuvas e sombrinhas, e que enchem quase que totalmente o enquadramento.

É, de fato, um espetáculo de fé, em que homens, mulheres e crianças não se

intimidam diante das pressões meteorológicas, dando testemunho de fé e confiança à

Santa protetora. O mar de sombrinhas guarda-chuvas produz encanto pelo excesso,

pelo volume, ou, em termos estéticos, pela grandiosidade da cena. Há, nesta foto, o

que podemos chamar de extravagância, e é justamente esta extravagância que

mobiliza nossos sentidos, nos emocionando.

Diante desta imagem, experimentam-se as sensações estéticas do grandioso.

O grandioso é uma categoria estética que faz fronteira com o nobre, sem contudo se

confundir com ele. A categoria estética do nobre está marcada pela união da grandeza

com a medida, razão pela qual o nobre não suporta os exageros da majestade, ou da

pomposidade. Na imagem em questão o que prepondera é a absoluta desproporção

de “tamanho”; o nobre pode estar sob as sombrinhas e guarda-chuvas, mas é o

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grandioso que aí se manifesta, com todas as cores, porque suas dimensões são muito

vastas.

Como já antes dissemos, o grandioso se caracteriza por ser grande

“materialmente”, e impõe seus efeitos pelo volume, e somente por ele. O que com o

grandioso se materializa é a sugestão de poder, muito mais que o de qualquer outro

atributo.

Em termos precisos, o leitor vive a afetação causada pelo sentimento de

excesso que a imagem estampa. Diante dela, o leitor/observador sente a pressão do

volume de pessoas, que vêm render homenagens à Santa padroeira. Por isso mesmo,

as sensações e os sentidos que daí desponta vão assinalar, precisamente, o poder

exercido pela fé.

Não é, certamente, à toa que os poderosos sempre utilizaram os mecanismos

estéticos do grandioso para exercer influência, controlar situações e encantar. É

importante verificar que todo exercício de poder exige “pompa” e “circunstância”, em

termos, exige grandiosidade e evento. Não há poder que se exerça sem a concorrência

dos fatores estéticos da grandiosidade e, em certos casos, da nobreza, do nobre.

As procissões, como sabemos, exigem grande participação popular, e quanto

maior for o evento, mais evidente se torna a força, o poder que determinado santo ou

santa têm diante da comunidade de fiéis. As procissões são manifestações de massa,

sempre foram e dificilmente deixaram de sê-las.

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Do ponto de vista estético, o leitor/observador que entra em contato com

esta cena sente o impacto da grandiosidade do evento, e se fusiona à imagem, por

esse sentimento de excesso causado pelo volume e pela intensidade. Esse

arrebatamento causado pelo excesso prende o indivíduo à cena, e com ela passa a

negociar os sentidos trazidos pela composição.

O volume, a qualidade dos sentimentos estéticos experimentados através das

peças que compõem o nosso corpus, são indicativos consistentes de que o trabalho

fotojornalístico diz sempre mais do que aparenta dizer. A ação de análise estética que

aqui realizamos procurou, mais uma vez, atingir níveis que não são alcançáveis através

da análise fria e racional.

Desta forma, esperamos ter deixado evidente que a “narrativa” fotográfica

traça jogos de simpatias, de atrações, de exaltações que nos chegam tanto pelos

sentidos quanto pelos sentimentos e sensações que provocam.

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Conclu...indo

“O seu olhar (...) melhora o meu.”

PAULO TATIT e ARNALDO ANTUNES

“Lemos para fazer perguntas.”

FRANZ KAFKA

Estamos sempre lendo, relendo, coisas, fatos, nós mesmos. Uma imagem seja

ela de cunho documental, pessoal ou fotojornalístico, será sempre um re-olhar,

reconstruir, re-significar de coisas, fatos, nós mesmos, sob novas perspectivas, novos

contextos históricos. Isso porque, antes de tudo, conseguimos organizar o mundo

através de um complexo sistema de signos e sinais que se compõem ou decompõem

dadas as nossas necessidades e a do ambiente em que nos encontramos.

Outrossim, a fotografia jornalística, mesmo trabalhando com o fator

informativo da realidade, funciona “recriando” essa realidade, a interpretando, isso

associado aos valores que incidem sobre certa cultura, povo ou comunidade. Esses

valores que normalmente residem em nossa subjetividade e que podem e devem vir à

tona num texto de composição visual, propondo novos significados, novos efeitos de

sentido a quem os lê.

O que de mais relevante reconhecemos na aplicação das teorias semióticas

empregadas nesta pesquisa é que elas compreendem a imagem um texto aberto.

Mesmo que cada uma delas disponha seus perímetros de legibilidade sígnica, todas

dialogam com o que não está posto de maneira ordenada e visível, se dá, pois, no

âmbito do entretexto, da intersubjetividade.

A disposição de cada elemento interno que compõe uma imagem

fotojornalística (seja através de um participante, um atributo, um ângulo, uma

perspectiva, contendo ou não conexão) estará refletindo múltiplos olhares num só

olhar, nos convidando a ver e reler o que nos constitui mesmo estando fora de nós.

Nesse jogo de interfaces, do fato “construído” pelas vias de quem o

concebeu/produziu às desconstruções e reconstruções de quem lê/vê/observa cada

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narrativa imagética há camadas de significação que não se esgotam mediante esta ou

aquela perspectiva teórica ou metodológica.

Partindo desses pressupostos, o que fizemos até aqui foi, em síntese,

estabelecer um olhar diferenciado sobre a produção fotojornalística, auxiliados pela

semiótica peirceana, pelos vetores extraídos da Gramática visual, de Kress e van

Leeuwen e por algumas categorias da experiência estética.

As análises nos mostraram que os aspectos representacionais, interativos e

composicionais das imagens, que são a forma como os elementos visuais se

relacionam entre si e como estão distribuídos ou colocados no espaço visual,

constituem peças-chave para a compreensão dos discursos que medeiam a

representação de assuntos socialmente significativos nas imagens fotojornalísticas,

bem como estes mesmos elementos são frutos e fonte de efeitos sinestésicos e

estéticos.

Os estudos de Kress e van Leeuwen nos ajudam a entender como funcionam os

discursos imagéticos, num momento em que a análise visual, principalmente do

registro fotojornalístico, se torna cada vez mais exigente e rigoroso, por isso, os

esforços produzidos para desnudá-lo ao máximo da sua complexidade, visto que o

produtor desse tipo de imagens narram fatos, mas estes fatos são narrados a partir de

um conjunto de experiências já vividas e internalizadas. O que venham a dizer essas

imagens é implicitamente reflexo do exercício hermenêutico e técnico do profissional

que objetivamente trabalha “escrevendo com a luz”.

Ademais, não nutrimos a ideia de que nossas análises encerrem nem a semiose,

nem os sentidos, e muito menos as experiências sensíveis com as imagens

fotojornalísticas. Isso porque estamos convencidos que a linguagem é espaço da

complexidade, porque ela está sempre aberta a diferentes apropriações, a diversas

leituras.

Embora não possamos nos esquecer que a imagem fotojornalística é produção

midiática, que envolve comunicabilidade rápida e descomplicada, e que, portanto,

seus ajustes de comunicação com os públicos resultam de sua preocupação com a

eficiência e a eficácia, essa atividade profissional também busca, reivindica sua

“racionalidade imaginativa”.

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Mesmo sabendo que para os meios massivos notícia e espetáculo são faces de

uma mesma moeda, a mecânica fotojornalística para noticiar aquilo que,

efetivamente, interessa aos dados do “ibope”, causa impacto, produz polêmica, não

precisa apelar ao grotesco.

Se a imagem fotojornalística, como pretendemos ter deixado claro, produz

sentidos e provoca diferentes reações sensíveis, é preciso não esquecer que ela é

produto da faculdade humana da linguagem, e como tal “reescreve” o mundo,

reinterpreta os fatos e acontecimentos, e lança poderosas teias ideológicas sobre o

tecido social.

Também não estamos aqui cercando o fenômeno ideológico como

manipulação da consciência, como engodo ou farsa tendente à manutenção do status

quo, conforme muito já apregoou o marxismo.

Entendemos que o ideológico é inerente à vida em sociedade, e com ele e por

ele se estabelecem os fluxos de significação e de entendimento sociais. Resta

considerar, em meio a tantas e tantas manifestações da linguagem, e especialmente as

dos processos fotojornalísticos, que tipo de sentido ela está pretendendo instituir, e a

serviço de que projeto ideológico e cultural ela está a serviço.

É precisamente neste ponto que os instrumentos teóricos e o arsenal de

técnicas de análise nos ajudam a perceber com um pouco mais de clareza e acuidade

as “estratégias” de produção sígnica – o que, muitas vezes, passa despercebido aos

olhos menos familiarizados com as “astúcias” da linguagem.

As imagens fotojornalísticas trazidas para dentro desta investigação se

constituem em flashes de uma realidade que corre seu curso, ela faz dessa realidade,

ou desse instante do real, um espaço de apreensão significativa, como também um

espaço de deleite – possibilidade, esta última, jamais eliminável dos espaços da

linguagem.

Se a imagem fotojornalística consegue transcender de seu espaço informativo

jornalístico, indica-se, também, que a própria tecitura jornalística (aí considerada a

presença fotojornalística) não pode deixar de contar com aqueles impulsos que

brotam da sensibilidade humana, e que fazem do registro muito mais do que a simples

captação de um “instante decisivo”. Porque essa fração da vida, colhida através das

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lentes do fotojornalista, também vem “armada”, recoberta de sensações e de

sentimentos, e que se somam à notícia, como um seu ingrediente indispensável.

Informação e emoção, jornalismo e sensação – eis aí uma combinação de

termos que pouco tem sido percebida pela reflexão sistemática na área do jornalismo.

Esta que é uma importante fatia da engenharia de comunicação de massa muito mal

dimensionada e pouco explorada. E que está a pedir atenção da atividade de pesquisa.

Dito isso, cumpre aqui assinalar alguns possíveis desdobramentos para a

pesquisa que ora se encerra, a entendendo como espécie de primeiro passo, frente às

desafiadoras propostas que cada caminho investigativo oferece.

Ainda dentro da esfera da gramaticalidade poderemos observar e analisar quais

os processos ou estruturas visuais de maior incidência nas notícias fotojornalísticas

num determinado tempo ou que estrutura visual mais se destaca em cada um dos

setores em que a imagem jornalística transita.

Não obstante, uma das possibilidades que despontaram do processo de feitura

desta dissertação diz respeito ao tipo de contato estético promovido pelas imagens do

fotojornalismo. É absolutamente cabível prever que existam diferenças nos processos

de estimulação sensível entre uma obra de arte e entre peças do fotojornalismo,

porque são produzidas por motivações diferentes, assim como seus formatos são

também diferentes.

Uma possibilidade bastante estimulante de pesquisa seria realizar um estudo

comparativo entre esses domínios, o das chamadas artes visuais, ou plásticas,

especialmente a pintura, e das peças fotojornalísticas. Aí se apresentariam as

diferenças essenciais entre um e outro suporte, como também eventuais semelhanças.

Outro caminho a seguir em nossa investigação se refere a uma abordagem mais

detida acerca das projeções enunciativas a partir da imagem fotojornalística. Vimos

alguns sinais de enunciação no arsenal de configurações da Gramática Visual, porém,

sem nos determos a esses processos enunciativos. Um estudo interessante seria o de

demarcar as projeções de enunciação utilizando a imagem fotojornalística,

demarcando os modos como a imagem prevê o seu leitor, fazendo com ele reaja aos

seus estímulos e performances.

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Enfim, talvez uma das funções do texto fotográfico seja o de proporcionar ou

de fazer o leitor ver esse outro lado invisível das coisas e, mesmo, dos signos. O

encantamento a que nos submete uma imagem decorre, precisamente, do poder que

ela tem de conduzir nosso olhar para significações as quais suas representações

icônicas ocultam.

Pensamos que as imagens são tão instigantes porque elas, assim como alguns

textos, pedem que nós leitores formulemos sentidos e construção de uma história. A

imagem fotográfica pede participação, é intrínseca a ela essa solicitação. Se a palavra é

polissêmica, a imagem sozinha é “ultrapolissêmica”.

Ademais, tudo o que foi levantado nesse trabalho só quer dizer uma coisa: tudo

o que está aí, é e está para ser reconfigurado, reconstruído, complementado. Para isso

servem as regras da arquitetura e engenharia sígnicas. A criatividade serve para

provocar, remodelar, “redizer”, enfim, transformar o “ordinário em extraordinário”.

Afinal o que importa mais é a realidade ou o que dela podemos extrair?

Tanto mar, tanto mar... Rever/reler é preciso!

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