Uma Gramática Visual - UFPB...Gramática Visual de Kress e van Leeuwen (1996); possíveis...
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UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LINGUÍSTICA
MÔNICA CÂMARA
Uma Gramática Visual para o fotojornalismo
JOÃO PESSOA
2010
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MÔNICA CÂMARA
Uma Gramática Visual para o fotojornalismo
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Linguística da Universidade Federal da Paraíba como requisito parcial à obtenção do grau de Mestre em Linguística.
Orientadora: Profª Drª María del Pilar Roca Escalante
JOÃO PESSOA
2010
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MÔNICA CÂMARA
Uma Gramática Visual para o fotojornalismo
Dissertação apresentada como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em
Linguística, do Programa de Pós-Graduação em Linguística - PROLING, da Universidade
Federal da Paraíba - UFPB.
Orientadora:
_____________________________________________________ PROFª DRª MARÍA DEL PILAR ROCA ESCALANTE - UFPB
Examinadores:
______________________________________________________________ PROFª DRª HÉRICA PAIVA PEREIRA - EAD - UFPB
______________________________________________________________ PROFº DRº JOSÉ DAVID CAMPOS FERNANDES - UFPB
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Não se entra duas vezes no mesmo rio. HERÁCLITO
Ao instante decisivo.
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Agradecimentos
Às sensações
leituras tateis sonoras
olfativas palatáveis
das imagens possíveis
Os nomes... ah, os nomes... vieram todos depois.
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O amor é um leão e o amor começa com “t”.
MARIANA BEZERRA CAVALCANTE, 3 ANOS
(Através das palavras de Mariana,
agradeço a todos e cada um pela luz, pelo caos
que ao longo dessa existência dá-me sentido e calor.)
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Resumo Este trabalho envolve a presença da linguagem no discurso das imagens fotográficas, mais especificamente as fotografias de informação. Corroborando a tese de que as imagens falam, narram fatos, provocam nossos sentidos, tomaremos de empréstimo as imagens fotojornalísticas produzidas pela autora desta pesquisa, para o diário paraibano O Norte (entre 2001 e 2006), mostrando suas implicações semióticas, através da teoria dos signos de Peirce (1995); sua estruturação sintático-imagética, compreendida e instrumentalizada pela Gramática Visual de Kress e van Leeuwen (1996); possíveis formalizações sobre a experiência estética também presente nesse tipo de texto (BARILLI, 1994; SILVA, 2010); bem com evidenciando performances discursivas de efeito sintático e estético (KRESS e van LEEUWEN, 1996; BARILLI, 1994; SILVA, 2010). PALAVRAS-CHAVE: Imagem. Linguagem fotojornalística. Semiótica. Gramática Visual. Experiência Estética.
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Abstract This work is about the presence of language in the discourse of photographic images, photographs of information, specifically. By supporting the idea that images can speak, narrate facts, provoke our senses. We will analyze some photojournalistic images produced by the author of this research for the Diário Paraibano O Norte (2001 through 2006), showing its semiotic implications through Peirce’s theory of signs (1995); its syntactic-imagery structure, understood and manipulated by the Visual Grammar of Kress and van Leeuwen (1996); possible formalizations on the aesthetic experience which is also covered in this type of text (BARILLI, 1994; SILVA, 2010); as well as showing discursive performances with syntactic and aesthetic effect (KRESS and van LEEUWEN, 1996; BARILLI, 1994; SILVA, 2010). KEYWORDS: Image. Photojournalistic Language. Semiotics. Visual Grammar. Aesthetic Experience.
Resumen Este trabajo analiza la presencia del lenguaje en el discurso de las imágenes fotográficas, en particular, las fotografías de información. Apoyando la idea de que las imágenes hablan, narran hechos, provocan nuestros sentidos. Analizamos las imágenes fotoperiodísticas producidas por la autora de esta investigación para el Diario Paraibano O Norte (entre 2001 y 2006), mostrando sus implicaciones semióticas, a través de la teoría de los signos de Peirce (1995), su estructura sintáctico-imagética comprendida y manipulada por la Gramática Visual de Kress y van Leeuwen (1996); posibles formalizaciones sobre la experiencia estética también presentes en este tipo de texto (BARILLI, 1994; SILVA, 2010); así como mostrando performances discursivas de efecto sintáctico y estético (KRESS y van LEEUWEN, 1996; BARILLI, 1994; SILVA, 2010). PALABRAS CLAVE: Imagen. Lenguaje fotoperiodística. Semiótica. Gramática Visual. Experiencia estética.
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Sumário Introdução .................................................................................................................................. 15
Capítulo 1 – Da fotografia ao fotojornalismo ............................................................................ 24
1.1 – Inícios do Fotojornalismo .................................................................................................. 32
1.2 – O fotojornalismo na engrenagem midiática da notícia .................................................... 41
Capítulo 2 – Elementos da semiótica ......................................................................................... 45
2.1 – Modelos de signos triádicos .............................................................................................. 49
Capítulo 3 – Uma gramática para a fotografia .......................................................................... 55
3.1 – Metafunção representacional .......................................................................................... 65
3.1.1 – Representações narrativas ............................................................................................. 65
3.1.2 – Representações conceituais .......................................................................................... 73
3.2 – Metafunção interativa ....................................................................................................... 77
3.2.1 – Contato ........................................................................................................................... 77
3.2.2 – Distância social ............................................................................................................... 79
3.2.2.1 – Plano fechado (close-up) ............................................................................................ 79
3.2.2.2 – Plano médio (medium shot) ........................................................................................ 79
3.2.2.3 – Plano aberto (long shot) ............................................................................................. 80
3.3.3 – Perspectiva ...................................................................................................................... 81
3.3.3.1 – Ângulo frontal .............................................................................................................. 81
3.3.3.2 – Ângulo oblíquo ............................................................................................................ 82
3.3.3.3 – Ângulos verticais .......................................................................................................... 83
3.3.4 – Modalidade ..................................................................................................................... 86
3.4 – Metafunção composicional ............................................................................................... 88
3.4.1 – Valor de informação ....................................................................................................... 88
3.4.2 – Saliência .......................................................................................................................... 91
3.4.3 – Estruturação (ou enquadramento) ................................................................................. 93
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Capítulo 4 – Para além do óbvio: o contato estético ................................................................. 95
4.1 – A experiência estética ....................................................................................................... 96
4.2 – Categorias estéticas ........................................................................................................... 98
Capítulo 5 – Entre outras palavras: o discurso imagético ........................................................ 103
5.1 – Urubu Rei: uma análise .................................................................................................... 105
5.1.1 – Representação .............................................................................................................. 106
5.1.2 – Interação ....................................................................................................................... 108
5.1.3 – Composição ................................................................................................................... 110
5.2 – Recreio: uma análise ........................................................................................................ 114
5.2.1 – Representação .............................................................................................................. 115
5.2.2 – Interação ....................................................................................................................... 117
5.2.3 – Composição ................................................................................................................... 119
5.3 – A Padroeira: uma análise ................................................................................................. 123
5.3.1 – Representação .............................................................................................................. 124
5.3.2 – Interação ....................................................................................................................... 126
5.3.3 – Composição ................................................................................................................... 128
Capítulo 6 – Para além das palavras: o estético no espaço fotojornalístico ........................... 132
6.1 – Sob as asas do Urubu Rei ................................................................................................. 134
6.2 – A leveza de Recreio .......................................................................................................... 137
6.3 – A Padroeira ...................................................................................................................... 139
Conclu...indo ............................................................................................................................. 142
Referências ............................................................................................................................... 147
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Lista de figuras
Figura 1 Pintura rupestre do período paleolítico 24
Figura 2 Primeiras imagens feitas pelo homem 25
Figura 3 Primeiras imagens feitas pelo homem 25
Figura 4 Cueva de las manos 25
Figura 5 Vista de Le Gras a partir de uma janela 25
Figura 6 Primeira ilustração gráfica publicada da Câmara Obscura, 1544 26
Figura 7 Câmara obscura (Leonardo Da Vinci) 27
Figura 8 Mahe, um bravo, 1841, fotógrafo desconhecido, Daguerreótipo 28
Figura 9 Carreta fotográfica de Roger Fenton na Guerra da Criméia, 1855 29
Figura 10 Foto de Roger Fenton, 1885, na guerra da Criméia 29
Figura 11 Foto de Roger Fenton, 1885, na guerra da Criméia 29
Figura 12 A Colheita da Morte, Timothy H. O’Sullivan, Gettysburg, julho de 1863 30
Figura 13 Imagem de Jacob A. Riis, subúrbio de Nova Iorque, 1889 30
Figura 14 Imagem de Jacob A. Riis, subúrbio de Nova Iorque, 1890 30
Figura 15 Trabalho infantil, na cidade, registrado por Lewis W. Hine, 1911 31
Figura 16 Trabalho infantil, no campo, registrado por Lewis W. Hine, 1916 31
Figura 17 Drº Erich Salomon 33
Figura 18 Bastidores da segunda conferência de Haia Foto: Erich Salomon (1930)
33
Figura 19 Parte da reportagem coberta por Felix H. Man sobre Mussolini, em 1931 34
Figura 20 Cândido Portinari, em seu ateliê Foto: Thomas Mac Avoy
35
Figura 21 Bresson e sua inseparável Leica 35
Figura 22 Hitler Foto: Heinrich Hoffman (1939)
36
Figura 23 Hitler Foto: Heinrich Hoffman (1939)
36
Figura 24 Hitler e seu staff Foto: Heinrich Hoffman (1941)
36
Figura 25 Foto de André Kertesz 37
Figura 26 Foto de André Kertesz 37
Figura 27 Foto de André Kertesz 37
Figura 28 Foto de Brassäi 37
Figura 29 Foto de Brassäi 37
Figura 30 Foto de Brassäi 37
Figura 31 Guerra Civil Espanhola (1936-39) Foto: Robert Capa
38
Figura 32 Segunda Guerra Mundial (1938-45) Foto: Robert Capa
38
Figura 33 Foto de Henri Cartier-Bresson 38
Figura 34 Foto de Henri Cartier-Bresson 38
Figura 35 Foto de Henri Cartier-Bresson 38
Figura 36 Capa da revista L'Illustration, Setembro 1931 39
Figura 37 Páginas da Revista Vu sob fotomontagens de Alexander Liberman 39
Figura 38 Algumas capas da revista Life 40
Figura 39 Signo linguístico-semiológico: significante e significado 46
Figura 40a Triângulo semiótico de Peirce (baseado em Fernandes, 2009) 48
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Figura 40b Representação gráfica inexata do signo triádico (baseada em Puppi, 2009) 48
Figura 41 Representação gráfica ainda inexata do signo triádico (baseada em Puppi, 2009)
50
Figura 42 Representação gráfica do signo triádico genuíno (baseada em Puppi, 2009) 50
Figura 43 Signo triádico genuíno: significante (baseado em Puppi, 2009) 51
Figura 44 Signo triádico genuíno: significado (baseado em Puppi, 2009) 51
Figura 45 Signo triádico genuíno: significação (baseado em Puppi, 2009) 52
Figura 46 quadro ou caixa: participante (NOVELLINO, 2007) 66
Figura 47 quadro – seta – quadro: participante – vetor – meta (NOVELLINO, 2007) 66
Figura 48 seta – quadro: vetor – meta (NOVELLINO, 2007) 66
Figura 49 quadro – seta – quadro bidirecional (NOVELLINO, 2007) 66
Figura 50 Estrutura básica da gramática visual Fonte: Mônica Câmara (O Norte, 17/01/2002)
67
Figura 51 Sujeito oculto Fonte: Mônica Câmara (O Norte, 23/11/2001)
67
Figura 52 Estrutura transacional Fonte: Mônica Câmara (O Norte 26/10/2001)
68
Figura 53 Estrutura não-transacional Fonte: Mônica Câmara (O Norte 04/06/2003)
68
Figura 54 Interatores – bidirecional. Estrutura transacional Fonte: Mônica Câmara (O Norte 10/08/2003)
69
Figura 55 Reator – Transacional Fonte: Mônica Câmara (O Norte 19/09/2001)
69
Figura 56 Reator – Não-transacional Fonte: Mônica Câmara (O Norte 02/04/2002)
70
Figura 57 Reator – Processo transacional Fonte: Mônica Câmara (O Norte 13/12/2002)
70
Figura 58 Reatores – bidirecional – Processo transacional Fonte: Mônica Câmara (O Norte 14/04/2001)
71
Figura 59 Processo verbal Fonte: Mônica Câmara (O Norte 13/12/2002)
71
Figura 60 Processo mental Fonte: Mônica Câmara (O Norte 10/10/2002)
72
Figura 61 Classificacional – taxonomia evidente Fonte: Mônica Câmara (O Norte 26/09/2002)
73
Figura 62 Classificacional – taxonomia coberta Fonte: Mônica Câmara (O Norte 03/03/2004)
73
Figura 63 Processo simbólico – atributivo Fonte: Mônica Câmara (O Norte 02/10/2005)
74
Figura 64 Processo simbólico – sugestivo Fonte: Mônica Câmara (O Norte 22/12/2001)
75
Figura 65 Processo simbólico – sugestivo Fonte: Mônica Câmara (O Norte 15/02/2005)
75
Figura 66 Processo analítico estruturado Fonte: Mônica Câmara (O Norte 02/08/2001)
76
Figura 67 Processo analítico desestruturado Fonte: Mônica Câmara (O Norte 12/12/2003)
76
Figura 68 Contato – Demanda Fonte: Mônica Câmara (O Norte 17/02/2002)
77
Figura 69 Contato – Demanda Fonte: Mônica Câmara (O Norte 06/05/2003)
78
Figura 70 Contato – Oferta Fonte: Mônica Câmara (O Norte 30/01/2004)
78
Figura 71 Contato – Oferta Fonte: Mônica Câmara (O Norte 14/11/2003)
79
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Figura 72 Distância social – plano fechado ou close-up Fonte: Mônica Câmara (O Norte 28/05/2002)
80
Figura 73 Distância média Fonte: Mônica Câmara (O Norte 29/01/2004)
80
Figura 74 Distância longa Fonte: Mônica Câmara (O Norte 11/01/2005)
81
Figura 75 Ângulo Frontal Fonte: Mônica Câmara (O Norte 17/02/2004)
81
Figura 76 Ângulo Frontal Fonte: Mônica Câmara (O Norte 06/01/2002)
82
Figura 77 Ângulo Oblíquo Fonte: Mônica Câmara (O Norte 19/06/2005)
82
Figura 78 Ângulo Oblíquo Fonte: Mônica Câmara (O Norte 19/11/2002)
82
Figura 79 Ângulo Oblíquo Fonte: Mônica Câmara (O Norte 18/10/2001)
83
Figura 80 Câmara alta ou ângulo alto Fonte: Mônica Câmara (O Norte 13/10/2001)
83
Figura 81 Câmara alta ou ângulo alto Fonte: Mônica Câmara (O Norte 14/05/2001)
84
Figura 82 Câmara baixa ou ângulo baixo Fonte: Mônica Câmara (O Norte 08/01/2002)
84
Figura 83 Câmara baixa ou ângulo baixo Fonte: Mônica Câmara (O Norte 16/08/2002)
84
Figura 84 Câmara nivelada ao olhar do observador Fonte: Mônica Câmara
85
Figura 85 Câmara nivelada ao olhar do observador Fonte: Mônica Câmara (O Norte 17/07/2002)
85
Figura 86 Câmara nivelada ao olhar do observador Fonte: Mônica Câmara (O Norte 02/10/2003)
85
Figura 87 Utilização da cor – Saturação
Fonte: Mônica Câmara (O Norte 16/08/2002) 86
Figura 88 Contextualização
Fonte: Mônica Câmara (O Norte 08/01/2002) 87
Figura 89 Iluminação
Fonte: Mônica Câmara
87
Figura 90 Brilho
Fonte: Mônica Câmara (O Norte 17/03/2002) 87
Figura 91 Dado e novo Fonte: Mônica Câmara (O Norte 17/03/2002)
89
Figura 92 Novo e dado Fonte: Mônica Câmara (O Norte 15/08/2005)
89
Figura 93 Valor de Informação – ideal x real Fonte: Mônica Câmara (O Norte 14/08/2001)
90
Figura 94 Valor de Informação – Tríptico Fonte: Mônica Câmara (2001)
90
Figura 95 Valor de Informação – Circular Fonte: Mônica Câmara (O Norte 15/02/2002)
91
Figura 96 Saliência Fonte: Mônica Câmara (O Norte 13/07/2004)
92
Figura 97 Saliência Fonte: Mônica Câmara (O Norte 26/01/2002)
92
Figura 98 Saliência Fonte: Mônica Câmara (O Norte 27/08/2003)
92
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Figura 99 Conexão – Estruturação Fraca Fonte: Mônica Câmara (1999)
93
Figura 100 Conexão – Estruturação Fraca Fonte: Mônica Câmara (O Norte 07/10/2001)
94
Figura 101 Desconexão – Estruturação Forte Fonte: Mônica Câmara (O Norte 06/08/2005)
94
Figura 102 Desconexão – Estruturação Forte Fonte: Mônica Câmara (O Norte 25/03/2002)
94
Figura 103 Diagrama de Étiene Souriau 100
Figura 104 Urubu Rei Fonte: Mônica Câmara (O Norte 19/10/2001)
105
Figura 105 Recreio Fonte: Mônica Câmara (O Norte 13/07/2003)
114
Figura 106 A Padroeira Fonte: Mônica Câmara (O Norte 06/08/2005)
123
Lista de quadros
Quadro 01 Gramática visual (baseado em Fernandes, 2009) 57
Quadro 02 As metafunções 60
Quadro 03 Estrutura básica da gramática do design visual (baseado em Petermann, 2006)
64
Quadro 04 Valores de informação (baseado em Barbosa, 2008) 88
Quadro 05 Metafunção representacional de Urubu Rei 111/112
Quadro 06 Metafunção interacional de Urubu Rei 112
Quadro 07 Metafunção composicional de Urubu Rei 112/113
Quadro 08 Metafunção representacional de Recreio 120/121
Quadro 09 Metafunção interacional de Recreio 121
Quadro 10 Metafunção composicional de Recreio 121/122
Quadro 11 Metafunção representacional de A Padroeira 129
Quadro 12 Metafunção interacional de A Padroeira 129/130
Quadro 13 Metafunção composicional de A Padroeira 130
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Introdução
Uma fotografia é o reconhecimento simultâneo, numa fração de segundos, da significação de um
fato e de uma organização rigorosa das formas percebidas visualmente que exprimem esse fato.
HENRI CARTIER-BRESSON
Esta pesquisa toma como objeto de sua atenção peças fotojornalísticas
publicadas em jornais da cidade de João Pessoa, Paraíba, e tem a pretensão de expor e
analisar os seus mecanismos de produção de sentidos e de geração de efeitos
estéticos. Entendemos, assim, que as imagens produzidas e veiculadas em espaços
noticiosos não só consubstanciam os fatos e eventos submetidos ao tratamento
jornalístico, como também apresentam condições de gerar estados estéticos.
Portanto, o estudo que aqui se inicia parte do pressuposto de que o exercício
fotojornalístico é uma preciosa fonte de informações desdobráveis em diversas
direções, que se oferece às leituras e avaliações semióticas.
O advento do fotojornalismo desponta como uma das consequências dos
processos de sofisticação das técnicas de reprodução iniciada pelo jornalismo
impresso. O papel da imagem nos processos jornalísticos alterou, substancialmente, as
relações que os jornais estabeleciam com seus leitores. A imagem é um suporte
imprescindível à atividade jornalística porque por seu intermédio se criaram as
condições para dar maior grau de veracidade, e de confiabilidade, àquilo que se
veiculava.
No âmbito do jornalismo – e essa é uma das crenças presentes no setor –
admite-se que a imagem é “a cópia fiel dos acontecimentos”, e que, portanto, com a
presença do suporte fotográfico, a tão pretendida objetividade jornalística ganharia
um forte aliado. Segundo Burmester (2006),
Durante a maior parte de sua história, a imagem fotográfica foi observada através de uma postura conceitual carregada de uma forte preocupação com a objetividade e o realismo. Isto fez com que a subjetividade e a ficcionalidade da fotografia ficassem em segundo plano (BURMESTER, 2006, p. 01).
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Ocorre, porém, que o trabalho fotojornalístico não é um mero substituto do
mundo, como pretendem alguns, mas exercício de linguagem, e, como tal, impregnado
das percepções de seu realizador, de suas ideologias e de suas convicções. Distante de
ser cópia do existente, este tipo de texto condiciona e redireciona a realidade de
acordo com a modalização contextual e conceitual de quem o produz. Nele há uma
realidade simulada, em que a verdade é resultante de variáveis situacionais e escolhas
adequadas às intenções comunicativas do seu produtor. Desta forma, assim como na
linguagem verbal, a não-verbal irá dispor de uma sintaxe, uma morfologia e um léxico,
cada qual com suas peculiaridades e funções (KRESS & VAN LEEUWEN, 1996).
Ao admitirmos que o processo de leitura é uma atividade interativa que se
estabelece entre interlocutores que constroem fatos e sentidos através de dado
discurso, consideramos que este processo se dá sob certas regras e princípios que
garantem ao discurso sua legibilidade – uma vez que, como produto da comunicação,
o discurso circula na malha social e gera sempre outros sentidos.
Todo dizer instaura uma história discursiva ao mesmo tempo em que formula,
no momento presente de sua construção, a sua resposta antecipada. Isso quer dizer
que os textos imagéticos também preveem respostas de seus eventuais
leitores/observadores, porque elas antecipam representações linguísticas ou não-
linguísticas (BAKHTIN, 2006).
Mediante tal raciocínio, quando lemos textos imagéticos não só constatamos
fatos ou acontecimentos, comumente reagimos a eles, sensibilizamo-nos diante de
registros do flagelo da seca, da miséria, do abandono; indignamo-nos face à violência e
a insegurança; chegamos mesmo a salivar diante de um prato suculento.
Embora, quando falamos em texto ou linguagem, normalmente os associamos
à escrita e à linguagem verbal, à capacidade humana, ligada ao pensamento, que se
concretiza e se manifesta numa determinada língua, por meio de palavras, há outras
formas de linguagem. Impressas nos gestos, nas vozes ou no silêncio, artes como a
pintura, o teatro, a música, a dança, a fotografia, representam bem essas
manifestações culturais expressas de maneira não linear.
Se na linguagem verbal, os signos, escritos ou oralizados, não se superpõem,
mas se sucedem destacadamente um depois do outro no tempo do espaço da linha
escrita ou da fala, e que cada signo e cada som é usado num momento distinto do
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outro, na linguagem não-verbal, ao contrário, vários signos se lançam
simultaneamente à nossa observação (BAKHTIN, 2006).
Em seus Ensayos sobre fotografia, Raúl Beceyro aponta recursos que a
fotografia, e somente ela, é capaz de utilizar para falar, através de seu “ponto de
câmara, altura da câmara, luz, linhas, volumes, enquadramento, para que assim a foto
possa começar a ‘viver’ independentemente, relacionando eixos reais da fotografia e
seus elementos” (BECEYRO apud LENK, 2000). Assim, cada imagem contém variáveis
situacionais aliadas às variáveis técnicas e composicionais que proporão leituras
particulares, em que cada leitor/observador elegerá um elemento ou vários elementos
em detrimento de outros.
Desta forma, existe também na produção de uma imagem fotojornalística um
construto simbólico, vinculado ao ambiente sócio-cultural-político-ideológico de quem
a constrói, bem como de quem a lê/vê. E cada vez que esse universo simbólico
representado por cores, ângulos, disposição de elementos na cena, tipo de iluminação,
profundidade de campo, se dispõem num texto imagético, favorece um ordenamento
de significados, em que cada tema proposto pela pauta jornalística acaba tendo
concepções distintas, narrativas semiolinguísticas convergentes ou não.
Se, de um lado, as imagens fotojornalísticas “narram”, contam episódios,
significam o mundo, por outro lado elas também afetam sensivelmente os leitores,
fazendo com que com elas interajam esteticamente. As imagens trazidas pelos jornais
podem, sim, instituir estados estéticos – e esta é uma das preocupações que nos
acompanham nesta pesquisa.
Deste modo, tomamos como ideia nuclear nesta pesquisa que as peças do
fotojornalismo são, sim, práticas discursivas, e como tais podem ser submetidas à
apreensão e análise de seus instrumentos de comunicação, que orientam e
determinam não só os seus sentidos, como também as reações estéticas que podem
produzir.
O universo do fotojornalismo, portanto, em se nos revelando um mundo de
imagens oferece-se à atividade de leitura e interpretação investigativa para se
perceber os seus modos específicos de estabelecer comunicação. É dessa experiência
midiática, de sua força e impacto social, que desponta o nosso propósito de submeter
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os materiais fotojornalísticos ao exame mais atento de seus mecanismos de produção
de semiose.
Reconhecendo que o fotojornalístico é linguagem, e que, portanto, cumpre
exigências próprias da comunicação humana, quais são os elementos que estruturam a
produção de seus sentidos e de seus efeitos de natureza estética?
Neste ponto, é preciso situar alguns pontos específicos, a serem verificados ao
longo da investigação: É possível estabelecer correlações entre estrutura linguística e
estrutura icônica, como a que se encontra em peças fotojornalísticas? Que elementos
integram seu léxico e sua sintaxe visual? De que maneira a imagem fotojornalística
interage no processo de elaboração de sentidos? Quais os elementos intrínsecos ao
fotojornalismo que lhe garantem legibilidade? E, por fim, que operações estéticas aí se
evidenciam decorrentes dos efeitos produzidos através do contato com a imagem
fotojornalística?
A realização desta pesquisa se justifica, em primeiro lugar, pela escassez de
estudos que contemplem esta temática. Ao analisarmos a bibliografia nacional sobre
fotojornalismo, com aporte de teorias de bases sistêmicas, nos deparamos com a
grave inexistência de títulos na área, e principalmente sobre o assunto no âmbito
regional.
Em segundo lugar, quando consideramos os estudos relacionados à imagem, na
área da linguística, percebemos uma tendência majoritária de esforço dirigida a
pesquisas assentadas em plataformas de linguagem verbal (escrita e falada).
Lúcia Santaella (2001) diz que uma das causas da ausência de teorias visuais
pode ser encontrada nas observações de Émile Benveniste, para quem as imagens
constituem um sistema semiótico que carece de uma metassemiótica, em outras
palavras, não dispõe de recursos para explicar a si mesmo, diferentemente do sistema
verbal. Isso traz complicações para o trabalho de análise dos sistemas imagéticos,
como a pintura, a fotografia, o cinema, entre outros.
De outra parte, tal situação motiva para que despontem novas iniciativas de
estudo na área. Ao mesmo tempo, servem de estímulo para que descubramos
processos que lhe são específicos, e que justificam a iniciativa da realização do estudo
aqui proposto.
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A escolha deste tema de pesquisa é efeito, também, de uma série de
questionamentos ligados à nossa experiência em fotografia. Foi trabalhando nessa
área, como fotojornalista e designer gráfica desde 2001 que observamos tal carência.
As inquietações surgidas de nossa atividade profissional com a imagem e com a
fotografia ganharam forma e se refinaram através do contato provocativo com
mestres e estudantes do Programa de Pós-graduação em Linguística, da UFPB.
Sabemos que ao se selecionar uma imagem para publicá-la estamos
considerando, além dos seus aspectos técnicos, seu conteúdo sócio-político-cultural-
ideológico.
Por isso mesmo, é coerente dizer que a imagem – a imagem fotojornalística,
em especial – é um texto; e é como um texto que a semiótica peirceana a percebe.
Como teoria geral dos signos, a semiótica investiga a o universo dos materiais sígnicos,
as relações e processos semióticos presentes nas inúmeras e complexas relações e
situações comunicativas.
Bense (2000, p. 85) destaca que toda e qualquer atividade inteligente, em toda
“atividade espiritual, um meio utilizável ou utilizado, que, uma vez referido a qualquer
fato ou acontecimento material ou não material, não pertença à teoria geral dos
signos”. É sabido que todo e qualquer signo pode ser analisado per si, nos seus
elementos constituintes, na sua capacidade de significar algo para alguém.
A semiótica peirceana traz um quadro teórico-metodológico que fornece
instrumentos capazes de permitir a interpretação e análise de nosso material de
pesquisa, em seus processos específicos de engendrar comunicação. As amplas
dimensões da semiótica de Peirce – que se inclina, podemos dizer, sobre a extensa
realidade sígnica – possibilita estabelecer articulações com outros estudos mais
pontuais, como é o caso, aqui, da Gramática Visual de Gunther Kress e Theo van
Leeuwen.
Em termos específicos, a proposta de Gunther Kress e Theo van Leeuwen se
inclinam sobre os elementos funcionais da imagem, articuláveis dentro de uma
sintaxe. A proposta de Gramática Visual de Kress e van Leeuwen estabelece
interessantes relações entre língua e ícone, e interpõem um corpo de formalizações
que demonstram que os índices visuais são, sim, elementos de composição de uma
gramática.
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Por isso mesmo, levaremos em consideração as propostas de uso e
contextualização da Gramática Visual, sistematizadas por Kress e van Leeuwen (1996),
através de suas multimodalidades sintático-visuais, baseadas nas metafunções de
Halliday (1994), em que a maior função de uma linguagem encontra-se no uso e ajuste
às circunstâncias que determinam essa ação linguística. Por relações multimodais
entenda-se um conjunto de disposições presentes nesta prática fotográfica que se
entrecruzam e que, aqui, serão recortados em termos representacionais, interativos e
composicionais, como propõe a Gramática Visual de Gunther Kress e Theo van
Leeuwen (1996).
É justo pelos elementos que integram tal gramática, que a imagem (produto
social e linguístico) apresenta os meios de interagir com os públicos, produzindo e
estruturando significados e efeitos de natureza sensível.
Sendo assim, ler imagens, pela GV se constitui na resposta de variáveis
cognitivas que podem ser assimiladas por um de seus aspectos (representacionais,
interativos e composicionais) ou pela combinação destes, gerando multimodalidade
discursiva.
Por meio da conjunção entre a Semiótica peirceana e a Gramática Visual
buscaremos verificar e analisar de que modo, e por quais caminhos, as peças
fotojornalísticas produzem sentidos, e encaminham reações de natureza estética.
Além da complementaridade entre esses dois recortes teóricos, há outro elemento
que merece destaque: a perspectiva pragmática que os alimenta. O viés pragmático,
comum a esses autores, concebe a produção sígnica como elemento que executa uma
ação.
É ínsita a qualquer edifício teórico de viés pragmático a compreensão de que os
signos, em se manifestando, executam o movimento de ação e a reação, em que
pressupõe que há um agente que “diz” e um reagente que “recepciona” e reage. É
próprio de a investigação semiótica pragmática avaliar os signos considerando-se 3
(três) dimensões ou componentes: um produtor (ou o que põe em funcionamento
uma semiose), um texto (que constitui a própria materialidade sígnica, o seu suporte
significante) e o leitor (que é muito mais que simples receptor ou decifrador, porque
interage com o texto, e de certa forma a ele responde). Desta maneira, o texto é o
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elemento que reflete tanto as intenções de seu enunciador, quanto irá constituir o seu
leitor.
O texto, então – porque material socialmente construído – faz, a previsão de
sua própria leitura, como também traz internalizadas as reações que procurará
desencadear em seu leitor. Como afirmado, um texto (quer seja som, imagem,
pantomima) não apenas “diz”, mas também “diz para que alguém reaja a este dizer”,
conforme previsões inscritas no próprio signo.
De outra parte, e em sintonia com os encaminhamentos possibilitados pela
Semiótica e pela Gramática Visual, a pesquisa se inclina, também, para colher as
reações estéticas produzidas pelas imagens fotojornalísticas. Dimensão diferenciada
do exercício da linguagem, mas associada às significações e sentidos, a experiência
estética referencia um tipo especial de contato, que introduz o sujeito num mundo de
relações dominado pelo sentimento de excesso produzido pelos materiais simbólicos.
A experiência estética caracteriza um tipo de contágio, em que o indivíduo se
desliga – nem que seja por instantes – de sua realidade, para viver as reações
sensíveis, impactos e tramas significações de uma narrativa ou material simbólico.
Nesta situação em que o indivíduo está aderido ou “fusionado” à matéria
significante, o indivíduo experimenta um mundo de sensações e de significados, em
que se misturam dispositivos como a imaginação, os valores, as crenças, as convicções
ideológicas etc.
Para dar conta desse impreciso, porém importante setor ou dimensão da
linguagem, recorremos às chamadas categorias estéticas. As categorias estéticas são
conformações que sintetizam as experiências estéticas, através de seus elementos
estruturantes.
É bom salientar, que as categorias estéticas têm presença longa na história da
arte, e são excelentes descritores das experiências sensíveis, pelos menos as que têm
maior vitalidade social. Assim, após as análises, que procurarão caracterizar o jogo
sintático presente nas imagens, e de recortar os sentidos que surgem de seus
dispositivos gramaticais, verificaremos o teor estético que daí desponta, através de
projeções sobre as possíveis reações sensíveis diante das peças fotojornalísticas.
Sendo assim, no capítulo 1 apresentamos uma breve trajetória da fotografia e
do surgimento do trabalho fotojornalístico. Destacando, aí, a presença do trabalho
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fotojornalístico de quase um organismo vivo, que confere credibilidade ao trabalho
jornalístico a setor indispensável à atividade noticiosa e ao sistema midiático.
No capítulo 2 exporemos alguns breves delineamentos da teoria semiótica
peirceana, suficientes, porém, para demarcar a composição teórica que irá
fundamentar as análises de nosso corpus, que é constituído por imagens
fotojornalísticas. Aqui se expõe o conceito de semiótica, de signo propriamente dito,
as relações que funda com seu objeto e seu interpretante, e os processos de
significação que decorrem das diferentes configurações semióticas.
Ao capítulo 3 estará reservado à aplicabilidade dos aspectos e elementos
sintáticos da Gramática Visual, e como estes encaminham os processos de sentido –
fatores importantes na observação da imagem fotojornalística e seus efeitos
significacionais e estéticos. Outrossim, salientamos que todas as fotografias aplicadas
nessa seção bem como as analisadas nos capítulos 5 e 6 são registros fotojornalísticos
produzidos pela autora desta pesquisa.
O capítulo 4 discute a experiência estética, apresenta as suas categorias,
evidenciando particularmente as que irão instrumentalizar as nossas avaliações sobre
os efeitos de natureza sensível produzidos pelas peças fotojornalísticas de nosso
corpus. Aqui, se delineia a forma de contágio que a experiência estética proporciona,
bem como se expõe alguns critérios que permitem enquadrar o estético dentro de
formalizações razoavelmente consistentes.
Reservamos ao capítulo 5 a análise e interpretação das imagens que fazem
parte do corpus de nossa pesquisa. Nesta seção, à luz da Semiótica e da Gramática
Visual, demonstraremos como os elementos da estrutura visual atuam nas peças
fotojornalísticas, bem como os seus sentidos mais salientes. Ainda neste setor,
exploramos a forma específica trabalhada pela produtora da imagem, a partir de
escolhas e critérios semiolinguísticos para a construção do seu discurso visual, onde
cada um dos elementos sígnicos dispostos na composição imagética proporá uma
legibilidade específica.
Ao efetuarmos tal abordagem da Gramática Visual (1996), através de imagens
fotojornalísticas, buscaremos evidenciar como a aplicação da Semiótica e da GV,
tomando como exercício interativo a produção de imagens jornalísticas e seus
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observadores, suscitam, assim, a formação crítica de leitores visuais, a partir da leitura
composicional dos fatos registrados e narrados em imagens num jornal.
Até porque como afirma Paul Zumthor, comunicar “não consiste somente em
fazer passar uma informação; é tentar mudar aquele a quem se dirige; receber uma
comunicação é necessariamente sofrer uma transformação” (ZUMTHOR, 2000, p. 61).
Já no Capítulo 6 analisaremos os efeitos estéticos e de sentido, produzidos
pelas silenciosas imagens falantes que integram o corpus, acabando por revelar o
universo do fotojornalístico um campo semiolinguístico dialógico e polissêmico,
propício à atividade de leitura e interpretação investigativa, que redimensiona e
amplifica, inclusive, os modos de se estabelecer comunicação.
Defendendo essa dinâmica de signos e sentidos, produzidos pela fotografia,
Joly (1996) atenta para o fato de que “as imagens não são as coisas que representam,
elas se servem das coisas para falar de outra coisa” (JOLY, 1996, p. 84), isto é, a
imagem não é uma reprodução da realidade, mas por meio da subjetividade, tal meio
de expressão e comunicação confere aos elementos representados um sentido
singular e plural ao mesmo tempo. São essas metáforas visuais que constroem a
multimodalidade implícita no discurso fotojornalístico, que circunscreve o sujeito na
história e que servirá de instrumentos para nossas análises.
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CAPÍTULO 1
Da fotografia ao fotojornalismo
A fotografia preserva para todo o sempre uma fração finita do tempo infinito do Universo.
MARVIN KRONE
A fotografia é a única “linguagem” entendida em toda parte do mundo e que, ao interligar todas as
nações e culturas, une a família humana. Independente da influência política – onde as
pessoas forem livres – , ela reflete fielmente a vida e os fatos, permite-nos compartilhar as esperanças e
o desespero dos outros e esclarece as condições políticas e sociais. Tornamo-nos testemunhas
oculares da humanidade e da desumanidade da espécie humana[...]
HELMUT GERNSHEIM
Este capítulo traça uma breve história do fazer fotográfico, e da atividade
fotojornalística, destacando os momentos decisivos que a dimensionaram como área
ou setor relevante do sistema midiático.
Muitas são as fomes dos homens...
A engenhosidade que ajudou o homem a criar fomes, também o ajudou a saciá-
las. Quando ela foi de comida, aprendeu a caçar; quando foi de entendimento, criou os
mais complexos e complementares códigos linguísticos, e quando a fome ultrapassou
territórios, inventou do espelho ao mito, às máquinas de reprodução e extermínio.
Figura 1 – Pintura rupestre do período paleolítico, de aproximadamente 25.000 anos atrás
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Figura 2 e 3 – Primeiras imagens, feitas pelo homem do período paleolítico, há cerca de 25.000 anos nas cavernas de Altamira, Lascaux e Castilho
Figura 4 – Cueva de las manos (cova das mãos) – Arte rupestre dos índios tehuelches há aproximadamente 9.000 anos
Se as primeiras imagens mostravam um tipo de homem e de sociedade
elementares, a fotografia, por sua vez, filha das evoluções óticas e revoluções sociais
que emergiam de novo sistema político e econômico do século XIX, o capitalismo,
reproduzia um novo tipo de homem, que era, agora, produtor e produto social, ao
mesmo tempo.
Figura 5 – Vista de Le Gras a partir de uma janela, considerada a primeira fotografia tomada com êxito por Nicéphore Niépce em 1826. Para tanto, foram precisas oito horas de exposição.
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A vista da janela de Le Gras, captada por Niépce, nos arredores de Chalon-sur-
Saône, entre 1826 e 1827, mesmo quase só manchas que tentam mostrar a visão de
“um trivial conjunto de casas, um par de janelas e uma vaga linha de horizonte”, dá a
nítida noção do que a fotografia se tornaria desde então.
Não só Niépce, mas todos os que se filiaram à prática fotográfica ao longo dos
anos tornaram o cotidiano visível. Todo e qualquer gesto do dia-a-dia, por mais
comum e repetitivo, ganharia nova aura, através da fotografia. Não era só ver a
realidade, mas percebê-la, alcançá-la, tocá-la.
De certa forma, as primeiras fotos não revelavam qualquer primor técnico ou
artístico, como acontecia com as invenções neste momento da história, mas só o fato
de se congelar o momento, retê-lo para a posteridade imprimia à fotografia certa
magia como o próprio nome camera obscura já sugeriria.
Figura 6 – Primeira ilustração gráfica publicada da Câmara Obscura, 1544. Fonte: http://www.unimep.br/phpg/editora/revistaspdf/imp24art04.pdf
Dos estudos e experimentos da ótica descritos por gregos e chineses 500 a.C.
até se obter um resultado satisfatório da imagem, tivemos aproximadamente 1.300
anos de maturação.
O princípio da camera obscura remonta à Antiguidade, quando Aristóteles (384
e 322 a.C.) se referiu a sua utilização em seus estudos astronômicos e observou que,
quanto menor o orifício, mais nítida a imagem projetada. Mas só na Renascença, com
Leonardo da Vinci (1452-1519), que tal fenômeno físico e seu funcionamento tiveram
sua primeira descrição completa e ilustrada.
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Figura 7 – "Quando as imagens dos objectos iluminados penetram num compartimento escuro através de um pequeno orifício e se recebem sobre um papel branco situado a uma certa distância desse
orifício, vêem-se no papel, os objectos invertidos com as suas formas e cores próprias" (DA VINCI).
A princípio, as cameras obscuras ou "quartos escuros" - ambientes totalmente
escuros, com um pequeno orifício - foram utilizados durante séculos, como suporte ao
registro de imagens (uma espécie de carbono) para pintores e desenhistas da época,
no desenvolvimento da perspectiva realista de sua arte. Só a partir do século XVII,
depois de ser acoplado ao orifício um sistema óptico para melhorar a qualidade da
imagem observada, é que as cameras obscuras tornam-se “portáteis”, sendo, então,
chamadas de Câmara Óptica ou Câmara Fotográfica.
Apesar de, em 1832, o fotógrafo francês, radicado no Brasil, Antoine Hercule
Romuald Florence (1804-1879) ter desenvolvido pesquisas sobre a reprodução de
imagens mediante processos químicos que ele próprio designou de photographie,
sendo o primeiro a usar o termo fotografia na história da mesma, oficialmente, a
fotografia teria nascido de um conterrâneo de Florence, em 19 de agosto de 1839,
após o astrônomo e deputado francês François Arago revelar publicamente, na
Academia de Ciências e Belas Artes de Paris, os detalhes do primeiro método prático
de fotografia, conhecido como daguerreótipo.
O nome da técnica é proveniente de seu criador, outro francês Louis-Jacques
Mandé Daguerre (1789-1851), pintor e desenhista de cenários para peças de teatro,
que vendeu seu invento ao governo da França no mês anterior à sua divulgação
pública. Tal procedimento do método foi publicado no manual Historique et
description des procédés du daguerréotype et du diorama e até 1855 foi o processo
mais utilizado pelos fotógrafos ditos profissionalizados.
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É importante lembrarmos que, já em 1841, o tempo mínimo necessário para
captação de um objeto ou cena, ficava em torno de cinco minutos ou infindos 300
segundos de exposição, o que não deixava de ser bastante avançado para aquela
época.
Figura 8 – Mahe, um bravo, 1841, fotógrafo desconhecido, Daguerreótipo. Fonte: http://www.unimep.br/phpg/editora/revistaspdf/imp24art04.pdf
Nos relatos do filósofo alemão Walter Benjamin (1985), referentes ao impacto
do retrato fotográfico em seus primórdios, está as observações feitas por um fotógrafo
chamado Dauthendey:
As pessoas não ousavam a princípio olhar por muito tempo as primeiras imagens produzidas. A nitidez dessas fisionomias assustava, e tinha-se a impressão de que os pequenos rostos humanos que apareciam na imagem eram capazes de ver-nos, tão surpreendente era para todos a nitidez insólita dos primeiros daguerreótipos (BENJAMIN, 1985, p. 95).
Graças à engenhosidade de inventores americanos, ingleses e austríacos, em
menos de uma década, já era possível obter uma imagem em aproximados 40
segundos. O que possibilitou aos fotógrafos registrar temas não tão somente restritos
às naturezas mortas, arquitetura e paisagens estáticas.
Fato marcante se dá no início de 1855, com as aventuras de Roger Fenton, um
antigo advogado licenciado em artes, que servia aos interesses da coroa britânica, e
seus engenhosos experimentos para registrar a guerra da Criméia.
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Em fevereiro de 1855, Fenton embarca com quatro assistentes e uma pesada
carruagem puxada por dois cavalos. Consigo levava trinta e seis grandes caixas, os
arreios dos cavalos e a comida. A carreta fotográfica que já servira no comércio de
bebida agora lhe serve de laboratório e ambiente de repouso.
Figura 9 – A carreta fotográfica de Roger Fenton na Guerra da Criméia, 1855. Fonte: GERNSHEIM, 1954, prancha 14.
Com Fenton conhecemos a face tendenciosa das imagens de guerra. Já que
este “optava por retratar os vencedores das guerras em poses onde expunham suas
armas e medalhas nos uniformes” (SANTOS, 2008, p. 06). Tais imagens, mais que um
registro do conflito, “respondiam” à opinião pública britânica quanto às condições de
vida dos soldados no front.
Figuras 10 e 11: Fotos de Roger Fenton, 1885, na guerra da Criméia. Fontes: http://www.studium.iar.unicamp.br/cinco/helio/pages/m198112330001.htm
http://www.19thfoot.co.uk/images/fenton_piling_arms.jpg.
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Em contrapartida, iríamos ter os momentos nada gloriosos dos campos de
batalhas registrados através das lentes e pontos de vista dos fotógrafos Alexander
Gardner e Timothy H. O´Sullivan. Gardner e O´Sullivan retrataram guerras, entretanto,
as descreveram sem retoques.
Figura 12 – A Colheita da Morte, Timothy H. O’Sullivan, campo de batalha de Gettysburg, julho de 1863. Fonte: http://www.studium.iar.unicamp.br/cinco/3.htm?main=index.html
Tamanha fidelidade realística é atribuída a imagens fotográficas como essas
que, Mathew B. Brady, responsável pela equipe de fotógrafos que fez a cobertura
deste conflito, passou a considerar a câmara fotográfica, como “o olho da história”.
Em 1870, o dinamarquês de apenas 21 anos, Jacob A. Riis seria o primeiro a
fazer uso da fotografia como “instrumento de crítica social”, ilustrando seus artigos
sobre as reais condições dos imigrantes nas periferias de Nova Iorque e também no
seu primeiro livro “How the Other Half Lives” (Como Vive a Outra Metade), de 1890.
Figuras 13 e 14 – Imagens de Jacob A. Riis, utilizadas em seus artigos e em seu livro “How the Other Half Lives” (1890).
Fonte: http://www.masters-of-photography.com/R/riis/riis.html
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Mais tarde, entre 1908 e 1916, um sociólogo, Lewis W. Hine irá registrar
possivelmente as primeiras imagens sobre o trabalho infantil, na América. E será a
primeira vez que a fotografia se torna uma importante ferramenta na transformação e
melhoria da sociedade. Sob a égide de tais imagens mudanças são discutidas na
legislação sobre o trabalho infantil, da época.
Figuras 15 e 16 – Trabalho infantil na cidade (1911) e no campo (1916), registrados por Lewis W. Hine. Fonte: Biblioteca do Congresso, Washington, D.C.
http://www.britannica.com/bps/image/266474/60934/
Daí, então, a fotografia se tornaria, um forte instrumento de registro do real,
assumindo definitivamente seu caráter social e histórico, quer trazendo à baila as
condições de existência em zonas rurais assoladas por crises financeiras, quer por
desnudar os problemas suburbanos na “luminosa” Paris.
Fato curioso é que os primeiros fotógrafos, nos primórdios do fotojornalismo
(conhecidos como fotodocumentaristas), e engajados com as causas sociais, são tidos
como fotógrafos amadores, enquanto os ditos fotógrafos de imprensa (escolhidos mais
pela força física que pelo intelecto) sofriam descaso em sua função porque
considerados meros ilustradores e não agentes sociais diante de uma ferramenta
avassaladora de divulgação.
Tomando de empréstimo as palavras de Freund (1995, p. 110),
Mesmo nos nossos dias, este ofício é ainda desconsiderado por muita gente e os seus representantes tratados com um certo desdém e desconfiança. Como nos primeiros tempos de sua invenção, a fotografia atrai grande número de pessoas sem cultura que acreditam ter encontrado um meio de ganhar a vida com este ofício de aprendizagem fácil, mas para cujo exercício nada os preparou. A estes últimos acrescenta-se uma nova raça de repórteres, nascida em Itália nos anos cinquenta, os paparazzi.
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Em parte, é para estes desavisados de plantão que este trabalho se volta. Até
porque como acreditamos, a imagem fotojornalística é um dos recursos de
comunicação mais eficazes, por sua capacidade de captar a dinâmica da vida
associada, revelando, de forma sintética, os múltiplos eventos sociais – quer
denunciando, surpreendendo, emocionando, tamanha a força e extensão daquilo que
as lentes, através de seus responsáveis, são capazes de captar.
1.1 Inícios do Fotojornalismo
Considera-se fotografia jornalística ou fotojornalística aquela imagem ou
conjunto de imagens, capturadas por câmera fotográfica que retratam e relatam
acontecimentos sociais, que pode vir acompanhadas de textos e legendas.
Se de um lado temos uma Alemanha devastada pela Primeira Grande Guerra,
do outro lado temos o vigor da Bauhaus do arquiteto Walter Gropius (1919); a física de
Einstein e o Nobel (1921); a literatura, de Thomas Mann em sua Montanha Mágica
(1924); Kafka e a sua obra póstuma, O Processo, romance inacabado, em que profetiza
os horrores do período nazista; a pintura de Franc Marc, Kandinsky, Paul Klee e tantos
outros; o teatro de Bertolt Brecht; o cinema de Fritz Lang.
Se o berço da fotografia é considerado a França, o do fotojornalismo é a
Alemanha, a mesma da depressão pós-guerra, a mesma de tantos talentos, dentre eles
os primeiros e notáveis fotojornalistas.
O mais célebre fotógrafo da época, o Doutor Erich Salomon (1886 -1944),
conhecido por “Herr Doktor” ou simplesmente “o psicólogo de seus concidadãos”, era
mais um advogado na fotografia que havia aprendido a fazer as imagens “deporem”
em seu favor.
Depois de anos em uma prisão francesa, volta para Berlim (1918) num período
bastante instável econômica e politicamente. Curiosamente, a primeira vez que
Salomon manuseou uma máquina fotográfica, seus registros funcionaram como
documentos testemunhais frente aos tribunais, onde atuara.
Como é bem sabido, as primeiras experiências fotográficas exigiam menos
domínio técnico e mais empenho físico para conseguir carregar desde imensos
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contêineres de pólvora (para um tipo de flash bem antigo) a mantimentos até uma
parafernália entre máquina, placas de vidro e tripés.
Salomon foi, sem dúvidas, um dos pioneiros do fotojornalismo moderno. Foi o
primeiro a adotar o termo fotojornalista ao de foto repórter, termo, aliás, que
reprovava. Considerado o fundador do fotojornalismo político moderno, inteligente,
astuto, bem humorado, Salomon ainda conseguia manipular seu equipamento de
maneira única em sua época. Infelizmente, tamanhas habilidades não o livraram do
campo de concentração de Auschwitz, onde veio a morrer em 1944, com 58 anos.
Figura 17 – Drº Erich Salomon e sua Ermanox, antecessora da Leica. Fonte: http://global-metropolis.net/wp-content/uploads/2006/09/salomon1.jpg
Dele, é a célebre foto feita após se infiltrar nos bastidores da segunda conferência
de Haia, em 1930, em que flagrou ministros alemães e franceses cochilando enquanto
ainda não tinham definido questões sobre a dívida da guerra alemã.
Figura 18 – Bastidores da segunda conferência de Haia. Foto: Erich Salomon (1930)
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Naquela época, reconhecia-se uma boa foto pelo quão secreta ela fosse. É
assim que, de certa forma, Salomon também antecipa a atividade que mais tarde dará
origem aos paparazzi.
A partir de Dr. Erich Salomon desdobra-se uma rede de fotógrafos
independentes (free-lancers) que além de escolher quais assuntos registrar, tem seus
registros assinados e respeitados. Hans Baumann, filho de um banqueiro alemão, em
meio à crise financeira que abalou o mundo, inclusive, a Alemanha durante e após a
Primeira Guerra Mundial, teve que abandonar os estudos para sobreviver.
Para isso, primeiramente tornou-se desenhista do Jornal B. Z. AM Mittag, em
Berlim. Em 1929, Hans Baumann torna-se Felix H. Man e “um dos primeiros repórteres
fotográficos a realizar, em colaboração com Stefan Lorant, a fórmula moderna de
reportagem” (FREUND, 1995, p. 120). Dele, é o ensaio sobre o Duce italiano Benito
Mussolini (1883 -1945), abaixo.
Figura 19 – Parte da reportagem coberta por Felix H. Man sobre Mussolini e que viera a influenciar gerações de fotojornalistas (1931)
Fonte: http://iconicphotos.wordpress.com/2009/06/page/4/
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Fato marcante e decisivo para a consolidação do fotojornalismo moderno foi o
aparecimento da Leica1, em 1925, criada por Oskar Barnak, apaixonado por fotografia
e por mecanismos de precisão. Também é fato que quando a Leica surgiu poucos lhe
deram a devida atenção, dadas suas pequenas dimensões.
Como sempre, foi preciso contrariar a regra. Principalmente num mundo em
que a aparência de ser grande é que parece conter grandeza. “Nem mesmo uma
revista como a Life, fundada em 1936, queria, nos seus inícios, que os seus repórteres
se servissem da Leica” (FREUND, 1995, p. 122).
Coube a Thomas Mc Avoy desobedecer a proibição do uso da aparentemente
frágil - e até hoje reconhecidamente incomparável – Leica. É claro que após a
desobediência de Mc Avoy nem seus trabalhos nem os que eram produzidos pela Life,
revista para a qual trabalhara e que, na época, era especializada em “foto-
reportagem”, foram os mesmos. Podemos dizer, que o fotojornalismo foi um antes e
outro depois da Leica.
Figura 20 – Cândido Portinari, em seu ateliê Figura 21 – Bresson e sua inseparável Leica Foto: Thomas Mac Avoy Fonte: http://alucinogenodramatico.blogspot.com
1 Câmera fotográfica de “pequeno porte” que dispensava o uso de flash, agilizando e valorizando o efeito de
realidade.
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Curiosamente, é graças ao nazismo e à ascensão de Hitler ao poder, em 1933,
que a imprensa ilustrada na França, Inglaterra e Estados Unidos irá sofrer as suas
maiores influências e mudanças.
Não obstante, graças a Heinrich Hoffman, mais conhecido no Terceiro Heich
por “Herr Professor”, a quem Hitler deposita sua confiança e confia a sua imagem e do
seu staf que possivelmente tenhamos chegado a ter conhecimento dessa técnica
aplicada ao registro fotográfico, antes mesmo dela vir a ser utilizada pela primeira vez,
no cinema, em 1941, com Orson Welles, na sua obra-prima Cidadã Kane. Trata-se de
uma das mais célebres tomadas baixas reconhecida como contra-plongée.
Fatalmente, mais tarde, o arquivo de Hoffman servirá ao exército americano
para o reconhecimento dos criminosos de guerra.
Figuras 22 e 23 – Hitler e suas clássicas poses em contra-plongée Figura 24 – Hitler e seu staff Fotos: Heinrich Hoffman (1939) Foto: Heinrich Hoffman (1941)
A Vu, revista francesa, criada em 1928, por Lucien Vogel (1886-1954), sucedeu
os modelos de espírito liberal das revistas germânicas. O período de entre-guerras não
foi fácil pra ninguém, mas a Alemanha, mesmo em anos difíceis, conseguiu criar um
clima ideal para o fotojornalismo moderno.
Com a chegada de Hitler ao poder, em 1933, essa configuração mudaria, e
todos aqueles que faziam o melhor fotojornalismo do mundo, tiveram literalmente
que abandonar seus lares e assumir outra identidade noutras pátrias. Os ideais de
Hitler tornaram a Alemanha o berço da mediocridade e intolerância. Os gênios que
sobreviveram à tamanha insensatez pulverizaram o mundo do que havia de melhor do
engenho intelectual. Muitos desses engenhos foram parar diante de Vogel, homem de
raro talento para as ideias.
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Antes de ser perseguido e morto pelos algozes do nazismo, Solomon não foi só
pioneiro no exercício de testemunhar e registrar fatos sem ser notado, também é de
sua responsabilidade a idealização e fundação da primeira agência de fotógrafos, em
1930, a Dephot, garantindo, assim não só o direito autoral dos fotógrafos sobre seus
trabalhos bem como autoridade destes sobre o que e como fotografar. Associados à
Solomon, em sua agência, estavam: Felix H. Man, além de André Kertesz e Brassäi.
Figuras 25, 26 e 27 – Fotos de André Kertesz Fonte: http://www.chrishorner.net
Figuras 28, 29 e 30 – Fotos de Brassäi Fonte: http://graphia.files.wordpress.com
Em 1947, seria a vez da Magnum, criada por Robert Capa, Bill Vandivert,
George Rodger e David Seymour "Chim" e Cartier-Bresson.
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Figura 31 – Guerra Civil Espanhola (1936-39) Figura 32 – Segunda Guerra Mundial (1938-45) Foto: Robert Capa Foto: Robert Capa
Figuras 33, 34 e 35 – Fotos de Henri Cartier-Bresson Fonte: http://www.henricartierbresson.org/
Sob diferentes critérios e percepções distintas, cada um desses fotógrafos
imprimirá um novo ritmo às narrativas visuais, transformando suas experiências
estéticas em arte fotojornalística.
Na primeira publicação de Vu, que já continha os mais notáveis fotógrafos, e
porque não dizer fotojornalistas, de então - André Kertesz, Man Ray, Brassaï, Martin
Munkacsi, Felix H. Man, Robert Capa, entre outros, anunciava:
Concebido num espírito novo e realizado por meios, Vu vem trazer à França uma nova fórmula: a reportagem ilustrada de informações mundiais... De todos os pontos em que um acontecimento marcante se produza, fotografias, telegramas e artigos chegarão a Vu que assim ligará o público ao Mundo inteiro... e porá ao alcance do olho a vida universal... (FREUND, 1995, p. 127)
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Rompia-se um padrão clássico vigente nas revistas da Europa, da fotografia
isolada, como até então era praticada pela influente L’Illustration.
Figura 36 – L'Illustration, setembro 1931, Figura 37 – Páginas da Revista Vu sob fotomontagens fotos de Erich Salomon de Alexander Liberman
Fontes: http://saisdeprata-e-pixels.blogspot.com/2007/01/revista-vu.html
Desta forma, em abril de 1932 L’Énigme Allemande sairá uma edição composta
de 125 páginas contendo exatas 438 imagens, através das quais o público francês toma
conhecimento do nazismo. Em 1933, será a vez da Itália.
A simpatia de Vogel pelo partido republicano espanhol, as reportagens que
edita a seu favor e a liberdade de imprensa assim como todos os princípios
democráticos que sempre repousaram muito bem sob tinta e papeis velhos, levam no
final de 1936 Vogel a demitir-se. A revista só resistiria mais dois anos.
Em 1954, Vogel morre fulminado na mesa de trabalho. Henri Luce, fundador da
revista americana Life em 1936, presta homenagem ao homem de ideias fartas e
generosas, que havia criado a primeira e mais importante revista ilustrada na França,
com base na fotografia, enviando telegrama à família, com o seguinte texto: “Sem Vu,
Life nunca teria visto a luz do dia.” (FREUND, 1995, p. 127)
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Figura 38 – Algumas capas da revista Life que, entre idas e vindas, resistiu até abril de 2007 Fonte: http://www.fayerwayer.com.br/wp-content/uploads/2008/12/life_magazine_covers.jpg
De 1936 a 1972, Life foi uma revista semanal. Sanados alguns problemas
financeiros, Life retorna em 1978, desta vez como revista mensal. De volta os
problemas com anunciantes em 2000, Life volta a parar. Seu último retorno ao
mercado ocorreu em outubro de 2004, como suplemento de 103 jornais. Sem fôlego,
seu último número saiu em março de 2007. Durante seu apogeu, Life chegou a ocupar
cinco andares do Time & Life Building, no centro de Manhattan.
Com todo o desenvolvimento da engenharia e mecanismos fotográficos
impulsionou-se a cobertura dos acontecimentos feita eminentemente por fotografias
que por si só continha o aspecto da verossimilhança em suas narrativas.
O novo estilo de fotojornalismo introduzido pelas revistas alemãs no princípio dos anos trinta, parcialmente retomado um pouco mais tarde em França pela revista Vu, influenciou profundamente os criadores da Life, que se inspiram nele para contar histórias inteiramente por sequências de fotografias. As fotografias do doutor Erich Salomon e de Felix H. Man eram conhecidas, e já tinham aparecido nas revistas americanas. A Life contratou os excelentes fotógrafos que tinham escapado ao hitlerianismo. (FREUND, 1995, p. 135)
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O fato de a América ser vultosa em dimensões territoriais e de estar passando
de uma nação agrícola para uma nação industrial, através, inclusive, de um imenso
investimento publicitário que perdura até os dias de hoje, fez da América não só um
dos maiores parques gráficos como um dos maiores consumidores de todo tipo de
produto, dentre eles, a notícia.
Os anunciantes cada vez mais interessados em ter sua imagem associada a
“grandeza” de seu país, passaram cada vez mais a investir em semanários e revistas
mensais as quais atingiam um número maior de leitores.
1.2 O fotojornalismo na engrenagem midiática da notícia
A produção fotojornalística se insere no fluxo da engrenagem da produção
midiática, como um de seus mecanismos testemunhais, que revelam aos leitores os
acontecimentos, colhidos no exato momento em que estes acontecem.
É preciso ter-se em conta que a mídia apresenta características de um sistema,
e como tal é regulado por princípios que ordenam e orientam o seu fazer, segundo
regras muito específicas de uma área cuja principal característica é difundir informação
em ritmo contínuo.
Neste sentido, as concepções de Niklas Luhmann (2005) nos ajudam a perceber
o papel da fotojornalismo no conjunto da esfera midiática da difusão organizada de
informação. Segundo Luhmann, o mediático é um sistema orientado por uma lógica
própria, que mantém relação com outros sistemas sociais (o político, o econômico, o
artístico, o direito), e que são entendidos, por ele, como galáxias de comunicação –
amplas, socialmente necessárias, e reguladas por códigos próprios.
Para este estudioso alemão, a sociedade moderna traz, como uma de suas
características principais, diferentes sistemas sociais, e todos surgiram como
consequência da incapacidade de os sistemas existentes responderem a necessidades
incessantes e socialmente relevantes (LUHMANN, 2005).
Os chamados media modernos (jornais, revistas, programas de TV etc.) são um
desses sistemas, assim como a política, a saúde, a educação, a arte, a religião, a
economia, o direito. E o sistema que tem maior possibilidade de alcançar sucesso
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comunicativo no meio social é justamente aquele que consegue articular-se com
alguns dos sistemas sociais.
Assim, cada sistema, possui um código específico com que irá selecionar,
processar e estabelecer comunicação. Então, cada sistema é uma galáxia de
comunicação que, ao negociar com os demais, retrabalha informações,
transformando-as de maneira peculiar, segundo suas próprias características de
funcionamento.
Luhmann destaca que há um duplo movimento no sistema mediático: o de
abertura a outros setores importantes do social, e o de clausura operacional
(LUHMANN, 2005, p. 27). Ele entende que os meios massivos são um universo
específico, em razão de sua tecnologia de difusão, e suas operações se processam de
maneira diferenciada. Isso porque eles levam adiante experiências comunicativas que
não dependem da interação direta, da participação olho-no-olho de agentes, e por
expandirem enormemente as possibilidades de comunicação.
Assim, o sistema midiático desenvolve e consolida formas comunicativas
próprias, menos ou mais complexas, pois este é um sistema “autopoiético, que se
reproduz a si mesmo e que já não está orientado à comunicação entre presentes”
(LUHMANN, 2005, p. 46).
Todos os demais sistemas sociais, as informações dos outros sistemas sociais,
são processados e retrabalhados pelos media massivos. Por tal motivo, os processos
midiáticos instituem um modo diferenciado de comunicação universal.
O critério maior utilizado pelo sistema midiático é aquilo que é passível de ser
informado, aquilo que é capaz de causar, no tecido social, certa polêmica, de provocá-
lo, movê-lo, “irritá-lo”. Ele é organizado por um código específico: o informável/o não
informável. Esse sistema seleciona tanto o que se pode ou não informar como também
o feitio da informação, sempre atento à maior capacidade de produzir impacto:
Os meios de comunicação mantêm, pode-se dizer assim, a sociedade em vigília, desperta. Produzem uma sempre renovada disposição para contar com a surpresa, com o irritante. Daí que os meios massivos se ajustem à dinâmica acelerada própria de outros sistemas de funções como a economia, a ciência, e a política, que estão permanentemente confrontando a sociedade com novos problemas (LUHMANN, 2005, p. 35).
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Neste sentido, a função do sistema midiático é “vender novidade”, e é também
por isso que o fotojornalismo cumpre papel de destaque na dimensão das ações
noticiosas: graças a seus recursos tecnológicos, a imagem é gerada no instante da sua
ocorrência, a face de uma realidade é mostrada quase que instantaneamente e em
cores. Este instante de flagrante, de captura de uma passagem nova, de um evento, de
um acontecimento que faz do fotojornalismo peça indispensável na arquitetura do
sistema midiático de difusão da informação.
Mesmo com o avanço vertiginoso da tecnologia, o fotojornalista não pode
“reescrever” uma imagem, dada as circunstâncias, condições climáticas, geográficas,
até psicológicas. Isso é o que faz uma fotografia tão rica e instigante para uma
pesquisa de cunho semiótico. Na fotografia publicitária, a imagem pode ser repetida
até a exaustão. No fotojornalismo, o momento é o instante exato a que tanto se
referia Cartier-Bresson.
Lidamos com o que desaparece e que é impossível reviver. Daí, nossa angústia e também a originalidade essencial de nosso trabalho. Não se retoca o acontecimento. Pode-se, quando muito, escolher entre as imagens recolhidas aquelas que melhor representarão a reportagem. (Henri Cartier-Bresson, Cadernos de jornalismo e comunicação, edições Jornal do Brasil n. 27)
Por causa de sua referencialidade (BARTHES, 1984) e indicialidade, a imagem
pode dar a impressão de ser um texto pronto. Até imutável. Mas, como qualquer outro
discurso, e mesmo que esteja a serviço de um sistema particular que veicula
informação, sempre estará aberto a múltiplas leituras. Também é bom ressaltar que,
mesmo que variem as formas de observação e de interpretação, ainda assim haverá,
numa construção imagética, o reconhecimento e cumprimento de algumas regras
inteligíveis.
Considerando que “todo fato é uma interpretação” (PÊCHEUX, 2008, p. 44), o
que quer que leiamos/vejamos é configuração particular de cada sujeito. Mas essa
ação interpretativa diferenciada é, também, resultado de uma série complexa de
relações de comunicação, construída no convívio social.
Apesar de uma imagem de uma ave de rapina pairando sob o céu de
determinado lixão ser estrutural e objetivamente o registro de uma ave de rapina
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pairando sob o céu de determinado lixão, como cada um internaliza e concebe essa
imagem será o resultado dos possíveis desdobramentos interpretativos de cada um
em contato com essa materialidade discursiva (determinada pelo contexto).
O fluxo de interpretação isolada do indivíduo, que constrói significados diante
da imagem em questão, advém da aprendizagem social, e corresponde ao contato
(inter)subjetivo com outras mentalidades. Portanto, a ação interpretativa, mesmo
pessoal, é, antes e prioritariamente, social.
As considerações estabelecidas aqui, acerca do trajeto do fotojornalismo e de
seu papel no conjunto do aparato midiático moderno, procuraram situar aspectos
importantes desta atividade de registro e, também, de construção do real.
A etapa seguinte, e articulada a esta, esboça aspectos da Semiótica, delineando
alguns fatores responsáveis pela produção de sentido na linguagem fotojornalística,
expondo o que de específico tem a imagem, o ícone, como também a sua maneira de
estabelecer significação.
| 45
CAPÍTULO 2
Elementos da semiótica
A fotografia enuncia o seu próprio relato. Plana, imóvel, granulada, manietada, espelho de si
e receptáculo de ondas, a fotografia consegue, ao mesmo tempo, criar leis, apontar para mundos concretos
e praticar ou desafiar a semelhança, o verossímil. A fotografia cria um quadro, uma encenação,
uma disposição ilusória onde o momento, de tão compactamente fragmentado, se desfaz numa miragem de infinitude.
A fotografia estabelece a contiguidade entre o reino fantasmático do agora perdido e um qualquer além,
ao sabor do arquétipo ancestral da imortalidade. Puro desengano.
A fotografia é antes um brevíssimo rio de luz a contracenar com o desejo, com o eros, com a maquinação
do olhar inquieto. LUÍS CARMELO
Não existe linguagem sem engano.
ÍTALO CALVINO
Esse capítulo tem por objetivo discutir, de modo sucinto, a teoria semiótica de
Peirce (1995) naquilo que traz de contributos à presente investigação, e que nos dará
as margens conceituais indispensáveis para que, em momento subsequente,
enfrentemos as tarefas de análise das peças fotojornalísticas.
A teoria dos signos, ou ciência dos signos, é chamada de semiótica2 ou
semiologia de acordo com a escola a que se refere. Ela apresenta duas tradições
aparentemente divergentes: a primeira, apresentada por C. S. Peirce no final do séc.
XIX e a segunda proposta por Ferdinand de Saussure no início do século XX, e mais
tarde retomada por Roland Barthes e outros.
Quando se fala da concepção derivada dos trabalhos de Saussure, considerado
o pai do estruturalismo linguístico, e principalmente numa tradição mais ligada à
linguística verbal, se usa o termo semiologia. Seu trabalho se desenvolveu
2 A semiótica (do inglês semiotics) é essencialmente americana e se origina da lógica; a semiologia (do francês
semiologie) é dominantemente europeia, continental, e fundada na Linguística. Ambas as palavras vêm da raiz grega semeion (σημειον), que significa sinal, marca, presságio, imagem, letra.
| 46
paralelamente ao de Peirce, sem que os dois tivessem qualquer ligação, e de forma
completamente independente uma da outra.
A contribuição de Saussure para a semiótica é essencialmente o projeto de uma
teoria geral de sistemas de signos. O primeiro elemento básico dessa teoria é o
modelo de signo. O segundo é o conceito de arbitrariedade do signo, além da inserção
dos conceitos de estrutura e sistema de linguagem.
Saussure (2006) já concebia, na sua teoria, a noção de que o significado muda
de acordo com o contexto e regras da língua, embora esse não tenha sido o foco
principal do seu tratado linguístico.
Sua obra de publicação póstuma Curso de Linguística Geral deu início ao
estruturalismo europeu e tornou-se o documento fundador da linguística estrutural e
do estruturalismo nas ciências humanas e culturais do século XX. Saussure considerava
a língua como um sistema de significação, localizado em nossa mente, e formado por
signos, que são arbitrários, frutos de uma convenção.
O seu modelo de signo linguístico não é “um elo entre uma coisa e um nome,
mas entre um conceito – significado – e uma imagem acústica – significante”
(SAUSSURE, 2006). Esta última não é o som material, puramente físico, mas a marca
psíquica desse som, a sua representação fornecida pelo testemunho dos sentidos.
SIGNIFICADOconceito
SIGNIFICANTEimagem - som
Figura 39 – Signo linguístico-semiológico: significante e significado.
Essa definição que Saussure propõe para o signo linguístico o apresenta como uma
entidade dúplice e mentalista, associando uma ideia (conceito e significado) a uma
imagem acústica (significante) por via totalmente arbitrária, ou seja, na relação
significado/significante o sujeito falante não exerce qualquer domínio conceito-
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referencial. O significante por ser imotivado não mantém qualquer relação com o seu
significado.
Além disso, este autor rejeita a ideia da existência de um mundo “objetivo”.
Ideias, para ele, não são “pré-existentes às palavras. Tudo passa a existir dentro do
sistema semiológico. O pensamento anterior à língua “não passa de uma massa
amorfa e indistinta” (SAUSSURE, 2006, p. 130), só as estruturas (formas) do sistema,
não a substância dos signos, permitem-nos pensar e comunicar sobre o mundo.
Saussure propõe, portanto, um mundo abstrato, onde os falantes são
desprovidos de suas características históricas, pessoais, culturais, isto é, falantes sem
psiquismo, sem inserção na sociedade e sem individualidade. Para ressalvar esses
fatores, posteriormente propôs a categoria da fala. Saussure trabalhou com pares
dicotômicos: língua/fala; significante/significado; denotativo/conotativo;
sintagma/paradigma, entre outros termos, que vem a tornar-se uma destacada
característica do estruturalismo.
Quando se analisam produções imagéticas com o concurso do pensamento
estruturalista, observamos a não aceitação da presença de qualquer fator de
motivação ou ligação material entre o que é significante e o que é significado: o signo,
qualquer sistema de signos, para construir linguagem, terá de ser convencional e,
portanto, arbitrário. Neste sentido, na perspectiva estruturalista, o significante não
está por um dado objeto, existente, antecipado ou construído, mas por uma imagem
mental ou conceito. Para o pensamento estruturalista, o objeto, o real, externo à
consciência e, portanto, independente desta, são categorias periféricas.
Roland Barthes em Elementos de semiologia, retomando os conceitos de
Saussure, afirma que qualquer sistema de significação comporta um plano de
expressão e um plano de conteúdo e que a significação coincide com a relação entre
esses dois planos. A significação pode ser concebida como um processo: é o ato que
une a expressão e o conteúdo (BARTHES, 1999).
Para entender como se constrói a significação de um texto, é preciso entender
como se constitui a palavra, ou o signo linguístico, o qual resulta de junção de duas
partes distintas, mas inseparáveis. SIGNIFICANTE – SIGNIFICADO. A relação entre
significante e significado denomina-se denotação. Às palavras, porém, além do seu
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significado denotativo podem se sobrepor significados paralelos, impressões, valores
afetivos, negativos e positivos. Esses conceitos agregados denominam-se conotação.
INTERPRETANTE
REPRESENTAMEN OBJETODESIGNATUM
INTERPRETANTE
VEÍCULO SÍGNICO
Figura 40a – Triângulo semiótico de Peirce, baseado em Fernandes, 2009, p. 36.
Para Peirce, o conceito de signo, diferente do proposto por Saussure, envolve
três elementos distintos, em uma espécie de mecânica progressiva que os agrega e os
interrelaciona. Signo “é algo que está no lugar de alguma coisa para alguém, em
alguma relação ou alguma qualidade”. Basicamente, ele une “alguma coisa” a “algo”
(signo) para “alguém”. Esta a primeira grande diferença entre os modelos sígnicos das
duas correntes.
Alguma coisa AlguémSIGNO(ALGO)
Figura 40b – Representação gráfica inexata do signo triádico, baseada em Puppi, 2009, p. 107.
Outra diferença que podemos observar está em relação ao significante. “O
signo semiótico pode ser algo individualizado, não mais apenas uma ‘imagem
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acústica’, ou nem mesmo uma ‘palavra’ ou ‘forma convencional’ qualquer” (PUPPI,
2009, p. 107).
Trata-se de um grande salto para a linguagem não-verbal, pois tudo que
pertencia ao mundo das artes, e antes era excluído por ser considerado desprovido de
formas significantes convencionais, arbitrárias, imotivadas, “agora encontra abrigo
neste algo do significante semiótico que acolhe o natural, o não-arbitrário, o
motivado” (PUPPI, 2009, p. 107).
Em relação ao significado, outra diferença essencial: “o signo semiótico pode
ser alguma coisa, qualquer “alguma coisa” e não apenas um conceito” (PUPPI, 2009,
p. 108). E o terceiro termo adicionado por Peirce, em oposição ao dualismo, é um
alguém, que toma parte ativa no processo de construção do significado do signo.3
Para Peirce (apud NOVELLINO, 2007, p. 46), “linguagem e pensamento são
processos de interpretação do signo”. Se em Saussure temos destacada a
arbitrariedade do signo, em Peirce essa arbitrariedade dos signos será relativa. Afinal,
tudo que sofre intermediação do indivíduo, sofre também suas influências e
motivações.
2.1 Modelos de signos triádicos
Em uma das formulações, Peirce (apud FERNANDES, 2009, p. 31) diz que
um signo é um primeiro, que mantém com um segundo, chamado seu objeto, uma relação tão verdadeira que é capaz de determinar um terceiro, denominado seu interpretante, para que este assuma a mesma relação triádica com respeito ao mencionado objeto que é reinante entre o signo e o objeto.
3 No modelo de signo saussuriano há um terceiro elemento, mas ele não é centrado no individuo ativo, que toma
parte no processo de significação, e sim na coletividade social que determina os dois lados do signo e ainda prescreve seu uso – mas mesmo assim, nem de longe esse terceiro elemento linguístico-semiológico desempenha o papel de terceiro elemento dos modelos semióticos de signo.
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Objeto dosigno
InterpretanteSIGNO
Figura 41 – Representação gráfica ainda inexata do signo triádico, baseada em Puppi, 2009, p. 109.
Ao substituir os termos “alguma coisa” por objeto do signo e “alguém” por
interpretante do signo, temos uma aproximação terminológica mais adequada no
tocante às intenções fenomenológicas do signo semiótico idealizado pelo lógico e
filósofo americano. Afinal, Peirce “nunca limitou sua concepção de signo a um
fenômeno antropológico, meramente. Sua concepção de signo se estende para o
âmbito da própria natureza e dela para todos os recantos do universo” (PUPPI, 2009,
p. 110). Ou seja, tudo o que se manifeste na sua materialidade ou imaterialidade é
constituído de significação.
Na figura a seguir, adaptação do diagrama triangular que sempre representou a
relação triádica do signo peirciano criado por Ogden e Richards em 1923 (apud PUPPI,
2009, p. 113), teremos a representação do signo triádico genuíno, “a qual conecta seus
três elementos de um modo tal que este já não pode ser explicado como uma
complicação de relações diádicas” (2009, p. 113).
Objeto dosigno
SIGNORepresentamen
Interpretante
Figura 42 – Representação gráfica do signo triádico genuíno, baseada em Puppi, 2009, p. 113.
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Nesta configuração,
o objeto corresponde ao referente, à coisa (pragma), ou ao denotatum em outros modelos de signo. O objeto pode ser uma coisa material do mundo, do qual se tem um conhecimento perceptivo, mas também pode ser uma conformação puramente mental, ou imaginária (FERNANDES, 2009, p. 41).
Desta forma, “o signo pode denotar qualquer objeto: fruto de sonho, produzido
pela alucinação, real, esperado etc” (2009, p. 41). Quando ele não é signo, ou seja,
quando é algo real (e não fruto de objetivação semiótica), ele é chamado de objeto real,
ou dinâmico. E “quando é uma cognição produzida na mente do intérprete como
representação mental de tal objeto, ele é denominado de objeto imediato” (2009, p. 41).
Peirce chama de Representamen ao objeto perceptível que serve como signo
para o receptor. Ele é, então, o veículo que leva à mente algo ou alguma coisa que está
fora. “O interpretante é a significação do signo, é o efeito do signo” (2009, p. 41).
SIGNORepresentamen
O é um primeirosigno
Figura 43 – Signo triádico genuíno: significante – baseado em Puppi, 2009, p. 118.
O é um segundoobjeto
Objeto do signo
SIGNORepresentamen
Figura 44 – Signo triádico genuíno: significado – baseado em Puppi, 2009, p. 119.
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InterpretanteObjeto do signo
SIGNORepresentamen
E o terceiro é o interpretante
Figura 45 – Signo triádico genuíno: significação – baseado em Puppi, 2009, p. 120.
A ação que o signo executa é a de determinar um interpretante, termo aqui não
equivalente a intérprete (“meio através do qual o interpretante é produzido”), nem a
interpretação (“processo de produzir um interpretante”). O interpretante é “o efeito
que o signo está apto a produzir ou que efetivamente produz numa mente
interpretadora” (FERNANDES, 2009, p. 31).
Assim, o signo é, de fato e em substância, “uma mediação entre o objeto
(aquilo que ele representa) e o interpretante (o efeito que ele produz), assim como o
interpretante é uma mediação entre o signo e um outro signo futuro” (FERNANDES,
2009, p. 32).
O esquema de triangulação estabelecido por Peirce também dá bem a ideia da
dinâmica de qualquer signo como processo semiótico, cuja significação vai depender
do contexto de seu aparecimento, assim como da expectativa de seu receptor.
Peirce (1995) assinala, também, que a semiose – que é, substancialmente, a
produção de pensamentos – vai se desenrolar em três instâncias que se sucedem e se
interrelacionam.
Assim, para Peirce (apud FERNANDES, 2009, p. 42):
1) A categoria primeiridade, que é o domínio do sensível, do possível, do qualitativo (do “emocional”). Tais termos designam aquilo que é apresentado aos sentidos, de maneira imediata e integral, e diante da qual captamos as suas qualidades de uma só vez, e que precede qualquer elaboração posterior;
2) A categoria secundidade é a que designa o âmbito da experiência, da realidade, da ação da coisa ou evento (do “energético”). Assim, depois da primeiridade, que é a imediata impressão, vem a consciência de algo concreto, dada pela secundidade.
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3) A categoria terceiridade compreende tudo o que depende do pensamento, da consciência. A terceiridade referencia a inteligibilidade (racionalidade). Nesta etapa, o agente (sujeito da semiose), e através de progressivos níveis de consciência, passa de um estádio de pensamento – que é uma impressão pura e instantânea de algo (primeiridade) – para um pensamento marcado pela verificação, dado pela sensação da presença concreta de algo (secundidade), e que o leva à percepção da realidade exterior.
Todas as alternativas mencionadas anteriormente parecem possíveis se
considerarmos a generalidade de cada uma das definições de signo feitas por Peirce,
das quais elegeu as seguintes: o signo é qualquer coisa que é determinada por alguma
outra coisa, seu objeto, e assim, determina um efeito sobre outra pessoa, seu
interpretante, e este último vem determinado pelo anterior, “numa cadeia que se não
é infinita, ao menos é indefinida, visto que o significado de uma representação não
pode ser mais que uma representação” (FERNANDES, 2009, p. 36).
A partir desta definição, alguns dos aspectos desta tríade devem ser pontuados:
(a) o signo está determinado pelo objeto, isto é, o objeto causa o signo, mas (b) o signo representa o objeto, e é por isto que é um signo; (c) o signo só pode representar o objeto parcialmente; (d) pode representá-lo de uma maneira falseada; (e) representar o objeto significa que o signo é capaz de afetar a mente, quer dizer, de produzir um efeito nela, (f) a este efeito chamamos interpretante do signo; (g) o interpretante estará imediatamente determinado pelo signo e mediatamente pelo objeto, isto é, (h) o objeto também determina o interpretante mediante o signo (SANTAELLA, 2001, p. 418).
Para Peirce, o pensamento é semiótico e vive em constante processamento de
formação e conformação de signos. Tudo o que existe é intermediado por uma
representação. Dessa maneira, fenômenos, eventos e objetos só existem através dos
signos, contínuos elementos representacionais da consciência.
A semiótica por seu aporte conceitual e instrumental nos permite avançar para
uma análise pragmática dos signos em si mesmos, valorizando determinados aspectos
que não o são em outras conceituações, como no caso da semiologia saussureana.
Como observado, ela é uma teoria dos signos, da representação e do conhecimento,
“que elabora uma extensão da lógica no território da cognição e da experiência dos
fenômenos” (FERNANDES, 2009, p. 53-54), propondo novos encaminhamentos sobre
aspectos da significação e da elaboração de sentido.
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Concluindo, a partir da teoria geral dos signos, podemos estudar o não-verbal
do ponto de vista da sua constituição enquanto linguagem ou, pelo menos, enquanto
um conjunto de sistemas de signos que tendem a querer se conformar em linguagens.
Temos um conceito de signo que parece dar conta de toda a variedade observada no
mundo das linguagens não-verbais e, pelo menos, um esboço de método analítico que
pode ser utilizado para o estudo dos elementos estruturais mais significativos de todos
os signos semiolinguísticos.
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CAPÍTULO 3
Uma gramática para a fotografia
O mundo é o que vemos e que, contudo,
precisamos aprender a vê-lo. M. MERLEAU-PONTY
(...) toda imagem é polissêmica e pressupõe,
subjacente a seus significantes, uma “cadeia flutuante” de significados,
podendo o leitor escolher alguns e ignorar outros. ROLAND BARTHES
Neste setor de nosso estudo introduzimos os elementos nucleares da gramática
do design visual (Kress e van Leeuwen, 1996), e que emprestam os elementos
funcionais ao trabalho de análise das peças fotojornalísticas. Kress e van Leeuwen
(1996) apresentam em seus trabalhos abordagens sócio-semióticas utilizando
fundamentos da teoria sistêmico-funcional de Michael Halliday (1994).
Esses pesquisadores consideram que o sistema semiótico, que tem o signo
como noção central, explica o funcionamento da linguagem. Para Halliday, a semiótica
é mais do que um estudo de signos, é um estudo do significado dos sistemas de signos,
ou seja, “um estudo geral do significado”. Desta maneira, é a linguística um tipo de
semiótica (HASAN apud NOVELLINO, 1996, p. 48). Kress e van Leeuwen por sua vez,
consideram que os sistemas visuais também são semióticos, e como qualquer “modo
semiótico, devem servir a vários requisitos de comunicação (e de representação) a fim
de funcionarem como um sistema completo de comunicação” (1996, p. 40).
Sendo esse trabalho sobre fotografia e sobre as representações que podem ser
encontradas nessas imagens fotográficas, a teoria semiótica se torna um importante
suporte para a compreensão do que vem a ser representação, pois problematiza e
focaliza seu estudo no processo da representação.
Dessa maneira, a realidade que se forma é relativa, a interpretação que damos
a ela é que a constrói. “O significado não é transmitido, mas criado de acordo com a
interação entre o complexo sistema de códigos e as convenções que normalmente
ignoramos” (CHANDLER apud NOVELLINO, 2007, p. 45).
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Ao entendermos o fato de que o mundo ao nosso redor é composto por signos,
e que para compreender esse mundo nós só o poderemos fazer através dos signos e
códigos que os organizam, devemos ficar atentos então à importância que esses signos
exercem na maneira como os construímos e como interpretamos o mundo ao nosso
redor.
A Gramática do Design Visual ou GV (Kress e van Leeuwen, 1996) parte da
Gramática Sistêmico-Funcional ou GSF (Halliday, 1994). Partindo a GV dos estudos
propostos por Halliday (1994, p. 101), a gramática será entendida como indo “além de
regras formais de correção”. Será ela “um meio de representar padrões da
experiência”. Deste modo, tanto a Gramática Sistêmico-Funcional (Halliday, 1994)
como a Gramática do Design Visual (Kress e van Leeuwen, 1996) acreditam que as
construções de sentidos partem do uso pragmático e contextual das elaborações
linguísticas próprias a cada indivíduo.
Ao tomar o texto como objeto de investigação, Halliday (1994) observa sua
funcionalidade ou “inarbitrariedade” sígnica intrínseca à linguagem em suas relações
sociais. Kress e van Leeuwen (1996) fazem o mesmo, só que tomando a funcionalidade
dos textos visuais, respeitando as particularidades dessa estrutura linguística.
Desta forma, assim como podemos dizer “o menino é bonito”, ou “o moleque é
bem apanhado” ou ainda o “pirralho é ‘feio’” e estaremos dizendo a mesma coisa,
afinal o sentido enunciativo das proposições é o mesmo, o que faz com que venhamos
a utilizar uma proposição e desprezar as outras? Possivelmente, o ambiente, a situação
ou simplesmente o contexto social. Partindo dessa observação, recorrente dos textos
orais e escritos, o que não podemos extrair dos textos visuais, repletos de signos
sensoriais ainda mais complexos, apesar de menos investigados?
Halliday (1994), em sua GSF, dispõe três metafunções (ideacional, interpessoal
e textual) para o seu sistema de significação linguístico, através das quais é possível
observar os propósitos de uso e contexto de uma língua. Por sua vez, Kress e van
Leeuwen (1996) adaptaram da GSF para GV três metafunções (representacional,
interativa e composicional) para os quais tais metafunções se constituem no código
semiótico da imagem.
A seguir, a figura traça sintética e paritariamente os desdobramentos de cada
código semiótico e suas metafunções:
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GRAMÁTICA SISTÊMICO-FUNCIONAL (1978)
HALLIDAY
GRAMÁTICA DO DESIGN VISUAL (1996)
KRESS E VAN LEEWEN
CÓDIGO SEMIÓTICO DA LINGUAGEM CÓDIGO SEMIÓTICO DA IMAGEM
METAFUNÇÕES
IDEACIONAL /
REPRESENTACIONAL
INTERPESSOAL /
INTERATIVO
TEXTUAL / COMPOSICIONAL
RELAÇÃO ENTRE PARTICIPANTES
RELAÇÃO ENTRE IMAGEM E OBSERVADOR
RELAÇÃO ENTRE ELEMENTOS DA IMAGEM
NARRATIVA
AÇÃO REAÇÃO VERBAL MENTAL
CONCEITUAL
CLASSIFICACIONAL SIMBÓLICO ANALÍTICO
CONTATO
DISTÂNCIA SOCIAL PERSPECTIVA MODALIDADE
VALOR INFORMATIVO
ENQUADRAMENTO SALIÊNCIA
Quadro 01 – A gramática visual (adaptação de FERNANDES, 2009, p. 90).
Outrossim, a Gramática Sistêmico-Funcional, desenvolvida por Halliday
(1994), concebe a linguagem como um sistema de significados, que serve de suporte
para analisar as ocorrências linguísticas, apresentando uma gramática baseada no
conceito de uso da língua para dar forma ao sistema, sendo cada elemento explicado
em relação ao seu papel no sistema linguístico. A GSF estuda a língua nos diferentes
papéis sociais que ela exerce, na qual cada indivíduo realiza e constrói significados
através das funções e relações disponíveis nos sistemas.
Um texto é feito para fixar ideias. Tudo o que é escrito é escrito para durar.
Uma palavra ou uma imagem tem por finalidade fixar o que não escapa à retina das
gramáticas. Em toda palavra ou “despalavra” (imagem) existe um “inventário
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polifônico” e polissêmico que precede e que empresta à gramática um inventário de
sentidos.
Podemos considerar uma fotografia, em princípio, predominantemente
descritiva, pois representa uma certa realidade concreta, mesmo que particular, num
ponto estático do tempo. Podemos ler/ver o texto não-verbal como uma cópia fiel da
realidade, porém, esta realidade é modulada no ato do registro fotográfico, de acordo
com os recursos de que dispõe o fotógrafo, seja pelo enquadramento, jogo de luz,
ângulo, perspectiva, profundidade, dentre outros.
Kossoy (1999), em seu livro Realidades e ficções na trama fotográfica, já aponta
para essa diversidade de discursos implícitos numa imagem, enfocando as condições
históricas e sociais que marcam os significados da fotografia. Para ele,
a realidade da fotografia não corresponde (necessariamente) à verdade histórica, apenas ao registro expressivo da aparência. (...) A realidade da fotografia reside nas múltiplas interpretações, nas diferentes leituras que cada receptor faz dela num dado momento, tratamos, pois, de uma expressão peculiar que suscita inúmeras interpretações (KOSSOY, 1999, p. 37-38).
Existe na imagem uma mensagem simbólica, vinculada à sociedade, à história, à
ideologia de quem a produz e de quem a vê, o que retrata um universo simbólico,
favorecendo a construção de significados, conhecimentos e valores, cuja diversidade
de temas oferece espaço para a reorganização e construção de conceitos.
Desse modo, partimos de uma perspectiva da linguagem visual como uma
atividade social que envolve estruturas e discursos em contextos específicos. Aqui,
cada uma de suas funções, quer sejam representacionais (representações do mundo,
através de personagens, vetores, metas, crença e valores), interacionais (interações
sociais entre participantes, objetos, observadores e produtores da imagem) e
composicionais (modo como se representa o mundo visualmente) contribuirão para a
leitura das relações entre fatos narrados e elementos representados. Neste sentido,
a dimensão representacional tem a ver com o conteúdo das imagens e com seus efeitos em termos de conhecimento e de crenças; a interacional tem a ver com as relações sociais que são ativadas através da imagem visual e com os seus efeitos, em termos de poder e de controle; e a dimensão composicional relaciona-se com o modo como os elementos representados formam um todo coerente (PINTO-COELHO; MOTA-RIBEIRO, 2006, p. 04).
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Não por acaso, buscamos as teorias da imagem, balizadas pelos pesquisadores
Gunther Kress e Theo van Leeuwen (1996), em sua Gramática do Design Visual, que ao
desenvolverem um sistema sócio-linguístico-comunicacional enveredam pelo universo
da significação e da cognição, tendo a imagem como veículo e relevante signo de
investigação. Sua natureza depende do tipo de sintaxe visual empregada, isto é, como
o produtor do registro fotográfico dispõe cada elemento no espaço semiótico:
participantes, formas e objetos, conexões realizadas ou não através de vetores (linhas
invisíveis que podem apontar um direcionamento entre participantes interativos e
representados4), atributos simbólicos, saturação das cores, proporcionalidade, planos
de fundo (backgrounds), enfim, um conjunto de fatores visuais que podem ser
analisados independentemente a partir de alguma das metafunções, ou
conjuntamente, estabelecendo maior legibilidade junto à cena observada.
Sob esses aspectos, cada item na cena registrada vai responder a um
ordenamento de representações que, combinadas, significarão diferenças ou
convergências entre os elementos ali constituídos, podendo, assim, explicar o que as
imagens denotam ou conotam. A forma como a imagem é lida, o modo como o
observador/leitor cria relações particulares com o mundo interior da imagem, podem
indicar novas construções de significados, questionamentos, podendo sugerir novas
análises e discussões semióticas.
Baseada nos aspectos funcionais da linguagem e tomando de empréstimo os
pressupostos teóricos de Halliday (1994) em sua Gramática Sistêmico-Funcional, Kress
e van Leeuwen mostrarão como as metafunções (representacional, interacional e
composicional) na Gramática do design visual se relacionam com as suas
correspondentes hallidayanas (ideacional, interpessoal e textual) e refletem na
estrutura do discurso imagético os mesmos efeitos léxico-gramaticais presentes numa
língua, sendo que composta por uma sintaxe de signos não-verbais.
Advinda da metafunção ideacional, a representacional refere-se às
representações do mundo, através de personagens, vetores, metas, crenças e valores;
a metafunção interpessoal relaciona-se com a interacional e como se dá as interações
sociais entre participantes, objetos, observadores e produtores da imagem; já a
4 Os chamados participantes interativos são caracterizados pelos que falam, ouvem, escrevem, leem, e/ou
produzem imagens ou as visualizam Os participantes representados, por sua vez, são aqueles sobre os quais falamos, escrevemos e/ou produzimos imagens. (KRESS & VAN LEEUWEN apud ALMEIDA, 2008).
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metafunção textual que, em Halliday (1994), está para o modo de operacionalidade de
uma língua, na composicional, de Kress e van Leeuwen (1996), essa operacionalidade
diz respeito ao modo como se compõe o todo visualmente.
Vejamos as relações de equivalência entre as metafunções da Gramática
do Design Visual (1996) e a GSF proposta por Halliday (1994):
HALLIDAY KRESS e
VAN LEEUWEN
IDEACIONAL REPRESENTACIONAL responsável pelas estruturas que constroem visualmente a natureza dos eventos, objetos e participantes envolvidos, e as circunstâncias em que ocorrem. Indica, em outras palavras, o que nos está sendo mostrado, o que se supõe esteja “ali”, o que está acontecendo, ou quais relações estão sendo construídas entre os elementos apresentados.
INTERPESSOAL INTERATIVA responsável pela relação entre os participantes, é analisada dentro da função denominada de função interativa (Kress e van Leeuwen, 2006), onde recursos visuais constroem "a natureza das relações de quem vê e o que é visto"
TEXTUAL COMPOSICIONAL responsável pela estrutura e formato do texto, é realizada na função composicional na proposição para análise de imagens de Kress e van Leeuwen, e se refere aos significados obtidos através da "distribuição do valor da informação ou ênfase relativa entre os elementos da imagem"
Quadro 02 – As metafunções.
Na Gramática do Design Visual, de Kress e van Leeuwen (1996), podemos ler
uma imagem a partir das metafunções representacional, interativa e/ou
composicional. As imagens que apresentam função representacional podem ser
narrativas ou conceituais. Nas estruturas narrativas, teremos ações ou reações
realizadas por participantes interativos ou representados na cena. Nos processos em
que há ação, o que liga um ator a uma meta (objeto da ação) é chamado de vetor.
Quando ocorre essa conexão, temos uma representação narrativa transacional.
Quando não identificamos essa conexão dentro da cena, temos uma representação
narrativa não-transacional. Os reatores, por sua vez, são participantes em que sua
única ação é olhar. Assim como um ator se dirige a uma meta, um reator dirige-se a
um fenômeno. O(s) reator(es) pode(m) olhar para algo dentro da cena, sendo assim
considerada uma reação transacional ou olhar para fora da cena, constituindo uma
reação não-transacional.
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No caso de imagens com processos de estrutura conceitual, não há presença de
vetores. Os participantes da cena registrada não agem, posam. Nesse processo, os
participantes representados estão subordinados a uma certa hierarquia. Podem ser
classificacionais, analíticos ou simbólicos. São classificacionais, quando os
participantes representados são apresentados como se estivessem subordinados a
uma categoria superior. Se há uma relação entre participantes superordinados e
subordinados esta taxonomia é evidente. Quando não há essa relação, a taxonomia é
coberta.
Os processos conceituais simbólicos atributivos contêm um portador e um
atributo simbólico. O portador é o participante que tem sua identidade definida na
relação representada ou associada por um atributo simbólico, quer seja por cores,
tamanhos ou enquadramentos que remetam a outras configurações visuais, vinculadas
às nossas leituras, associadas pelas nossas experiências individuais ou coletivas. Por
sua vez, o atributo simbólico representa a identidade por ela mesma de um objeto,
idéia ou ser “transferindo” seus significados ao portador.
Na metafunção interativa teremos as relações sócio-interacionais estabelecidas
através do contato, distância social, perspectiva e modalidade. O contato relaciona-se
com a construção visual de participantes com olhar direto ou não aos espectadores. O
sistema de contato é configurado em discurso visual por meio do olhar do participante
principal. Se o participante olha diretamente para o observador, estabelece com este
maior proximidade, uma certa “afinidade social”, denominada na GV de demanda.
Não havendo esse contato direto, estabelecido pelo olhar, dirigido ao observador,
haverá um contato de oferta, em que os participantes representados se deixam
observar.
Na distância social, os planos tomados pelo produtor da imagem, na
construção visual, proporão significados distintos. Participantes retratados em plano
fechado ou close-up, apresentam-se mais próximos do que estão na realidade. O
corte/isolamento proposto por esse tipo de plano confere ao observador uma maior
intimidade com as características de expressão do participante retratado.
Diferentemente ao que ocorre no plano aberto ou long shot, em que os participantes
representados aparecem mais distanciados, são mais impessoais, alheios. No plano
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médio ou medium shot, os participantes aparecerem retratados até a cintura ou o
joelho. Os planos médios estabelecem uma relação do tipo social com o leitor.
A seleção do ângulo, ou seja, da perspectiva ou ponto de vista, e as
possibilidades de expressar subjetivamente atitudes em relação ao participante
representado, seja ele humano ou não, também faz parte do processo de construção e
leitura imagéticas.
Na perspectiva ou ponto de vista o produtor da imagem trabalhará com os
ângulos frontais, oblíquos e verticais, reforçando assim as condições ou atitudes
empreendidas, numa determinada cena, pelos participantes retratados ou
representados.
O ângulo frontal sugere envolvimento entre o observador e o participante na
cena registrada. No ângulo oblíquo, o participante é apresentado de perfil ou tendo o
olhar desviado da direção do leitor/observador, gerando um certo grau de
distanciamento e impessoalidade à cena. Imagens tomadas em ângulo oblíquo
sugerem que o que vemos pertence aos elementos internos da composição visual.
Quanto ao ângulo vertical é através dele que serão indicadas as relações de poder
entre quem participa da cena fotográfica e quem a observa. Se a cena for registrada de
um ângulo alto (plongée5), ou seja, captada de cima para baixo, esta imagem estará
conferindo maior poder ao observador. Se, ao contrário, essa mesma cena for
registrada de um ângulo baixo (contra-plongée6) promoverá ao participante retratado
maior poder sobre o observador. Em imagens sob mesmo nível ocular do
leitor/observador haverá uma equivalência de poder.
A modalidade ou valor de realidade se dará pelo maior ou menor grau de
proximidade e contextualização da imagem com o real. Contribuem para a
identificação da modalidade naturalista, a presença de cor e o plano de fundo
(background). Quanto mais cores, saturações ou modulações, maior a sua modalidade
naturalista.
Kress e van Leeuwen também argumentam que a posição em que os elementos
ocupam na composição visual lhes confere “valores informativos específicos” (KRESS &
VAN LEEUWEN, 1996, p. 181). Para isso, eles propõem que se observe a posição dos
5 Termo derivado do francês, significa mergulho. É usado em cinema e fotografia para indicar uma imagem tomada
de cima para baixo. 6 Ângulo tomado de baixo para cima, conferindo ao participante representado superioridade na cena.
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elementos na imagem, pois cada um deles significa, diz alguma coisa. A integração de
todos esses elementos compõe o discurso visual, que não obstante está permeado de
vários outros discursos, de natureza social, cultural ou ideológica.
Em nossa cultura ocidental, normalmente lemos uma informação da esquerda
para a direita e de cima para baixo. Isso se tornou para nós base para o entendimento
de nossas decodificações e leituras. Isto não impede que toda regra seja devida e,
muitas vezes, necessariamente contrariada.
Em princípio, Kress e van Leeuwen (1996) defendem que numa sociedade
ocidental, diante de seus valores próprios, os elementos posicionados do lado
esquerdo contêm informações já fornecidas e compartilhadas, são dados já
familiarizados pelos participantes. A esses elementos, eles chamarão de informação
dada. Já os elementos posicionados do lado direito, normalmente, oferecerão dados a
que devemos prestar mais atenção: o que vier desse lado será apresentado como
informação nova.
Por sua vez, os elementos que estão posicionados na parte superior da imagem
são chamados de informação ideal, pois estes, normalmente, se apresentam apelando
à nossa subjetividade e sugerem ser a parte “mais ideologicamente saliente” da
imagem. O elemento real se apresenta do lado oposto do ideal, portanto, na parte
inferior da imagem, e traz aquilo que podemos considerar como informações
concretas, práticas e reais.
Para mediar elementos tão polarizados como novo e dado, e ideal e real,
teremos ainda o elemento central, que Kress e van Leeuwen consideram como núcleo
da informação, ficando aos elementos marginais (aqueles que rodeiam a cena) a
serviço do elemento central.
É a natureza do ato da imagem que determina o seu conteúdo, e este, por sua
vez, é determinado parcialmente pela escolha composicional ou de sintaxe visual. A
forma como os elementos representacionais e interacionais se relacionam e como são
integrados num todo coerente, segundo Kress e van Leeuwen (1996), é o que vai
complementar, reforçar os efeitos das estruturas composicionais, dando-lhes sentido.
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Abaixo, baseada em PETERMANN (2006), apresentamos uma tabela da
estrutura básica das metafunções e seus principais processos:
FUNÇÃO REPRESENTACIONAL
Representação das experiências de
mundo por meio da linguagem
Estrutura narrativa (Ação transacional, Ação
não-transacional, Reação transacional, Reação
não-transacional, Processo mental, Processo
verbal);
Estrutura conceitual (Processo
classificacional, Processo analítico, Processo
simbólico).
FUNÇÃO INTERATIVA
Estratégias de
aproximação/afastamento
para com o leitor
Contato (Pedido – Interpelação ou Oferta);
Distância Social (social, pessoal, íntimo);
Perspectiva (objetividade ou subjetividade);
Modalidade (valor de verdade).
FUNÇÃO COMPOSICIONAL
Modos de organização do texto
Valor de Informação (Ideal – Real, Dado –
Novo);
Saliência (elementos mais salientes que
definem o caminho de leitura);
Estruturação (o modo como os elementos
estão conectados na imagem).
Quadro 03 – Estrutura básica da gramática do design visual (PETERMANN, 2006).
| 65
3.1 METAFUNÇÃO REPRESENTACIONAL
Na função representacional os participantes representados podem ser
pessoas, objetos ou lugares. Na ação semiótica, os participantes ainda podem ser
interativos ou representados. Os participantes interativos são “aqueles que falam,
ouvem ou escrevem e lêem, produzem imagens ou as visualizam” (KRESS e van
LEEUWEN, 1996, p. 44) e os participantes representados, “aqueles que são o sujeito
da comunicação, ou seja, as pessoas, lugares ou coisas (...) representados na ou pela
fala, ou escrita, ou imagem, os participantes sobre os quais falamos ou escrevemos ou
produzimos imagens” (ALMEIDA, 2008, p. 1). Esta metafunção é subdividida em
estrutura narrativa, quando há a presença de ator(es), reator(es), meta(s),
fenômeno(s) e vetor(es) que indicam ações sendo realizadas, ou conceitual, quando
não existe(m) vetor(es), onde os participantes da cena não agem, são representados
subordinados a uma categoria superior. Enquanto na narrativa lemos ações e eventos,
na conceitual os participantes são representados taxonomicamente.
3.1.1 Representações narrativas
Para ser narrativa, a representação imagética tem que conter uma ação,
um evento. Esta ação ou evento é identificado através de vetores.
Novellino (2007), baseada na GV, ilustra tal procedimento a partir de
linhas, setas e caixas, exemplificando, assim, como tal direcionalidade dos
participantes ocorrem num processo narrativo de ação numa imagem.
Para indicar o direcionamento do movimento entre ator(es) e meta(s),
reator(es) e fenômenos, eis:
ou
O vetor é o traço invisível que indica a conexão entre participante(s), meta(s)
e fenômeno(s). Os participantes (elementos representados na cena ou fora dela –
pessoas, lugares, coisas concretas ou abstratas) são identificados por um quadro ou caixa.
| 66
Figura 46 – quadro ou caixa: participante (NOVELLINO, 2007).
Dessa maneira, baseados em Novellino (2007), temos como modelos gráficos
um quadro conectado a outro por uma seta, representando um ator conectado a uma
meta por um vetor. Para onde aponta a seta (ou vetor) determina quem pratica a ação
e quem ou a que ela é dirigida.
Abaixo, podemos visualizar como se dá a representação de algumas estruturas
visuais narrativas.
Figura 47 – quadro – seta – quadro (NOVELLINO, 2007) ou
participante – vetor – meta ou ainda
processo narrativo de estrutura transacional
Figura 48 – seta – quadro (NOVELLINO, 2007) ou
vetor – meta ou ainda
processo narrativo de estrutura não-transacional
Figura 49 – quadro – seta – quadro (NOVELLINO, 2007) ou
interator (ora ator/meta) – vetor – interator (ora ator/meta) ou ainda
processo narrativo de estrutura bidirecional
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No processo de ação, o ator aparece fazendo alguma coisa (dirigindo-se a
alguma coisa) e para esta coisa que ele se dirige é dado o nome de meta. Quando há
ator(es) e meta(s) essa estrutura é transacional. Quando só há ator(es) sem meta(s),
temos uma estrutura não-transacional.
Vetor Ator
Meta
Figura 50 – Estrutura básica da gramática visual Fonte: Mônica Câmara (O Norte, 17/01/2002)
Meta
A arma usada nesta ação é o Vetor entre Participante e Meta
Figura 51 – nesta imagem o participante (Meta) sofre uma ação.
O Ator, que provavelmente praticou a ação, está fora do enquadramento, é um sujeito oculto. Fonte: Mônica Câmara (O Norte, 23/11/2001)
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Quando há dois participantes na cena, aquele a quem a ação é dirigida é a meta, havendo uma ação de estrutura transacional. Por sua vez, quando há um ou vários participantes sem meta aparente, trata-se de um processo narrativo de estrutura não-transacional.
Meta Ator Vetor
Figura 52 – AtorMeta – Estrutura transacional O alicate é o vetor desta ação.
Fonte: Mônica Câmara (O Norte 26/10/2001)
Figura 53 – Atores – Estrutura não-transacional Os participantes (pedestres e veículos) se deslocam, mas sem uma direção definida.
Fonte: Mônica Câmara (O Norte 04/06/2003)
Em alguns processos de estruturas transacionais em que há alternância entre
participantes, em que um ora assume o papel de ator, ora de meta, esses
participantes recebem o nome de interatores e a estrutura é transacional
bidirecional.
| 69
Figura 55 – Reator –Transacional O alvo do olhar da palhaça é o carro dirigido por alguém (um condutor), o fenômeno.
Fonte: Mônica Câmara (O Norte 19/09/2001)
Nesse processo, os participantes não são atores, e sim reatores. E a direção
para onde se lança o seu olhar é chamado de fenômeno, ao invés de meta. Se
identificamos para o que ou quem o reator dirige seu olhar, o consideraremos como
uma reação transacional. Se seu olhar foge do campo composicional da imagem,
fazendo-nos ignorar para quem ou o que o reator olha, então teremos um processo de
reação não-transacional. Quando ainda há participantes, ora assumindo o papel de
reator, ora de fenômeno, a reação será transacional bidirecional.
Figura 54 – Interatores – bidirecional. Estrutura transacional Cada participante ora representa o papel de Ator, ora de Meta.
Fonte: Mônica Câmara (O Norte 10/08/2003)
Quando a ação envolvida na cena se dá através do olhar de algum dos
participantes em direção a alguém ou algo (dentro ou fora da cena) ocorre ao invés
de um processo de ação, um processo de reação.
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Figura 56 – Reator – Não-transacional
Não identificamos o alvo do olhar do reator. Fonte: Mônica Câmara (O Norte 02/04/2002)
Figura 57 – Reator – Processo transacional
O alvo do olhar é o leitor, o observador. Fonte: Mônica Câmara (O Norte 13/12/2002)
| 71
Figura 58 – Reatores – bidirecional – Processo transacional Cada participante ora é Reator, ora Fenômeno.
Fonte: Mônica Câmara (O Norte 14/04/2001)
Dentro da estrutura narrativa ou acional, há ainda os processos verbais e
mentais, representados por balões de fala e de pensamento, respectivamente. Nesses
processos, o participante não será ator nem reator, mas sim dizente (processos
verbais) e experienciador (processos mentais). Aquilo que o dizente fala é o enunciado
e o que o experienciador pensa é o fenômeno.
Figura 59 – Processo verbal Quem fala é o dizente. O que está contido no balão é o enunciado.
Fonte: Mônica Câmara (O Norte 13/12/2002)
OLHA EU
AQUI!!!
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Figura 60 – Processo mental O sujeito é o experienciador, e o conteúdo do balão é o fenômeno.
Fonte: Mônica Câmara (O Norte 10/10/2002)
Vale a pena lembrar que os processos verbais e mentais são mais evidentes ou
comuns às histórias em quadrinhos e materiais didáticos ou em algumas publicidades.
No fotojornalismo, algumas situações podem vir simular tais processos em ocorrências
específicas ou especiais de edição.
“ser ou não ser...”
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3.1.2 Representações conceituais
As representações conceituais podem ser classificacionais, simbólicas ou
analíticas.
Na representação conceitual classificacional sempre encontraremos um grupo
de participantes (ou elementos) com características semelhantes e, pela maneira como
estão dispostos, julgamos pertencerem hierarquicamente a uma mesma ordem, grupo
ou classe. Quando a relação entre participante(s) subordinado(s) e superordinado(s) é
explícita, a taxonomia será evidente ou descoberta (overt). Se entre participantes
subordinado(s) e superordinado(s) sua relação é implícita temos uma taxonomia
coberta (covert).
Figura 61 – Classificacional – taxonomia evidente Os participantes subordinados (produtos de soja) fazem parte de uma categoria superior ou
superordinada (produtos naturais). Fonte: Mônica Câmara (O Norte 26/09/2002)
Figura 62 – Classificacional – taxonomia coberta
Os participantes subordinados (as pessoas e os tambores) sugerem fazer parte de categorias superiores: músicos e instrumentos musicais. Fonte: Mônica Câmara (O Norte 03/03/2004)
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Nos processos conceituais simbólicos, segundo Kress e van Leeuwen (1996), há
uma relação configurada entre portador e seus atributos possessivos (ou simbólicos),
como o portador se destaca entre os outros elementos constitutivos da imagem
(detalhamentos que começam pelo o posicionamento do portador na cena, bem como
aguçamento de cores, tamanhos, iluminação, profundidade campo etc).
Os processos conceituais simbólicos podem ser atributivos ou sugestivos.
Tanto no atributivo como no sugestivo, haverá um portador (ou participante) saliente,
que identificaremos através do excesso ou falta de cor, angulação, luminosidade, entre
outros. A diferença se dá que no processo atributivo a construção simbólica é pela
presença significativa dos elementos visuais emprestados à cena, geralmente
distorcidos pela angulação, enquadramento e saturação de cor. Já no processo
sugestivo, como o próprio nome sugere, essa presença é inferida. Nesse processo,
normalmente o portador se destaca pelo embotamento e supressão de certos
elementos visuais que acabam por conduzir-nos à assimilação de outros significados.
Grosso modo, no processo atributivo há uma certa carga de indução significativa,
enquanto que no processo sugestivo, uma certa carga dedutiva.
Figura 63 – Processo simbólico – atributivo Pelos atributos simbólicos que envolvem o Portador,
logo identificamos se tratar de uma senhora numa feira livre. Fonte: Mônica Câmara (O Norte 02/10/2005)
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Figura 64 – Processo simbólico – sugestivo Nesta imagem, o reflexo do policial na janela do carro e as marcas de sangue no banco atribuem
significados. Faz-nos deduzir que houve um grave acidente ou morte no trânsito. Cor e iluminação sugerem o que faz parte do processo, embora embotados.
Fonte: Mônica Câmara (O Norte 22/12/2001)
Figura 65 – Processo simbólico – sugestivo A matéria era sobre crimes passionais. Visto que nenhum homem ou mulher que tenham cometido tal
delito viessem, de fato, a se expor, recorremos aos elementos simbólicos pertencentes ao repertório do imaginário coletivo. Em nossa cultura, o cravo e a rosa simbolizam o sexo masculino e o sexo feminino.
Nesse caso, cravo e rosa despetalados, sugerem um desfecho não desejado mas possível em vários casos de violência doméstica.
Fonte: Mônica Câmara (O Norte 15/02/2005)
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Dentro da GV, as estruturas conceituais analíticas são identificadas, na
imagem, considerando a relação entre o todo e as partes. Nesse caso, o todo é
associado ao portador e os atributos possessivos às partes. As partes, por sua vez,
podem ser estruturadas ou desestruturadas. São estruturadas quando as partes
dispostas na imagem formam um todo. E desestruturadas quando essas partes
pertencem a uma ou várias partes de um todo.
Figura 66 – Processo analítico estruturado A boneca (o todo) é o portador.
Cada membro (partes do todo) são atributos. Fonte: Mônica Câmara (O Norte 02/08/2001)
Figura 67 – Processo analítico desestruturado Bonecos feitos e pintados a mão (portadores).
Os retalhos de pano (atributos) pertencem a uma das partes que integram esses bonecos. Fonte: Mônica Câmara (O Norte 12/12/2003)
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3.2 METAFUNÇÃO INTERATIVA
É na metafunção interativa que “dialogam”, interagem imagem e
leitor/observador da imagem. Contato, distância social, perspectiva (ou ponto de
vista) e modalidade (ou valor de realidade) são recursos que estabelecem entre o que
se vê (participante representado) e quem vê (leitor/observador) maior ou menos grau
de envolvimento, proximidade, relação de poder e contextualização.
3.2.1 Contato
O contato é identificado pelo direcionamento do olhar do participante
representado e o leitor (participante interativo). Quando o olhar do participante
representado se dirige diretamente ao olhar de quem observa a imagem, sugere com
este “afinidade social”, portanto maior proximidade ou interatividade entre quem está
“dentro” e “fora” da imagem. A essa relação Kress e van Leeuwen (1996) denominam
de demanda. Nesse caso, a intenção do produtor da imagem fotojornalística é
aproximar ao máximo o leitor do evento representado. Desta forma o que está posto
na composição imagética exige do leitor uma resposta ao que lhe é apelado. No
contato de demanda geralmente o participante retratado apresenta gestos e atitudes
imperativas do tipo, “proteja-me”, “obedeça-me!”, “venha!”, “pare!”, “sinta-me!” etc.
Figura 68 - Contato – Demanda Olhar dirigido ao observador, “afinidade social”.
Fonte: Mônica Câmara (O Norte 17/02/2002)
| 78
Figura 69 – Contato – Demanda Imperativo = “Faça silêncio!”
Fonte: Mônica Câmara (O Norte 06/05/2003)
Caso aconteça do participante da imagem não estabelecer contato direto,
através do olhar, com o leitor/observador, não há demanda e sim, oferta. O
participante representado não interage com o leitor, é objeto passivo da mensagem
fotográfica. Nesse caso, o observador se encontra na posição que lhe favorece ler a
imagem sem ser provocado.
Figura 70 – Contato – Oferta Impessoalidade (entre observador e observados).
Fonte: Mônica Câmara (O Norte 30/01/2004)
| 79
Figura 71 – Contato – Oferta Indiferença dos atores, na cena.
Fonte: Mônica Câmara (O Norte 14/11/2003)
3.2.2 Distância Social
A distância social é a categoria de significação das imagens, sob processo
interativo, em que cada plano tomado pelo produtor das mesmas proporá um maior
ou menor distanciamento social entre observado e observador. Os enquadramentos
mais comuns nestes eventos visuais são:
3.2.2.1 Plano fechado (Close-up) – O participante representado aparece
retratado da linha dos ombros para cima. Nesse plano, detalhes
do rosto, expressões faciais proporcionam uma leitura mais
pormenorizada do retratado, estreitando, tornando-nos íntimos
deste participante.
3.2.2.2 Plano médio (Medium shot) – Nesse plano, a distância é
intermediária. O participante representado é retratado até a
cintura ou o joelho. Esse tipo de enquadramento sugere que a
relação entre o participante da imagem e o leitor/observador é do
tipo social, não havendo tanta proximidade nem tanto
distanciamento.
| 80
3.2.2.3 Plano aberto (Long shot) – Nesse enquadramento, a cena é mais
abrangente e os participantes da imagem são tomados mais
distanciados. Tal enquadramento torna a composição mais
impessoal. Quanto mais aberto o plano, maior o estranhamento
entre observador (participante interativo) e participante
representado.
Figura 72 – Distância social – plano fechado ou close-up Os participantes retratados parecem estar mais próximos que na realidade.
Fonte: Mônica Câmara (O Norte 28/05/2002)
Figura 73 – Distância média Nem proximidade, nem distanciamento.
Fonte: Mônica Câmara (O Norte 29/01/2004)
| 81
Figura 74 – Distância longa Impessoalidade, distanciamento.
Fonte: Mônica Câmara (O Norte 11/01/2005)
3.3.3 Perspectiva
Todo ângulo tomado pelo produtor da imagem corresponde a uma perspectiva
(ou ponto de vista). Se frontal, oblíquo ou vertical, os ângulos reforçam condições,
atitudes, relações de poder entre participantes retratados e observador.
3.3.3.1 Ângulo frontal – Sugere envolvimento entre participante
representado e leitor. Sob este ângulo, o que ocorre na cena
registrada invoca o observador a fazer parte dela.
Figura 75 – Ângulo Frontal Envolvimento
Fonte: Mônica Câmara (O Norte 17/02/2004)
| 82
Figura 76 – Ângulo Frontal Envolvimento
Fonte: Mônica Câmara (O Norte 06/01/2002)
3.3.3.2 Ângulo oblíquo - O participante é retratado de perfil ou quase de
perfil. Nesse ângulo, o olhar do participante é indireto ou desviado
da direção do leitor. Essa angulação sugere impessoalidade e
alheamento à cena, como se o que víssemos fizesse apenas parte
do mundo do participante da imagem e não do nosso.
Figura 77 – Ângulo Oblíquo Não-envolvimento
Personagens são retratados de perfil ou tendo o olhar desviado da direção do observador. Fonte: Mônica Câmara (O Norte 19/06/2005)
Figura 78 – Ângulo Oblíquo Não-envolvimento
Fonte: Mônica Câmara (O Norte 19/11/2002)
| 83
Figura 79 – Ângulo Oblíquo Não-envolvimento
Fonte: Mônica Câmara (O Norte 18/10/2001)
3.3.3.3 Ângulos verticais (alto, baixo, nível ocular) – Através destes
ângulos podemos distinguir relações de poder entre o participante
e o leitor. Uma cena tomada de cima para baixo, num ângulo alto
(ou plongée) confere maior poder ao participante interativo
(observador). A mesma cena tomada pelo ângulo baixo (ou
contra-plongée) projetará o participante da imagem a deter o
poder e não quem o observa. Participantes retratados em mesmo
nível ocular promovem igualdade de poder entre participante
observado e observador.
Figura 80 – Câmara alta ou ângulo alto O observador detém o poder.
Fonte: Mônica Câmara (O Norte 13/10/2001)
| 84
Figura 81 – Câmara alta ou ângulo alto Participantes não detêm poder.
Fonte: Mônica Câmara (O Norte 14/05/2001)
Figura 82 – Câmara baixa ou ângulo baixo Poder dos participantes representados sobre o observador.
Fonte: Mônica Câmara (O Norte 08/01/2002)
Figura 83 – Câmara baixa ou ângulo baixo Poder do participante representado.
Fonte: Mônica Câmara (O Norte 16/08/2002)
| 85
Figura 84 – Câmara nivelada ao olhar do observador Equivalência de poder Fonte: Mônica Câmara
Figura 85 – Câmara nivelada ao olhar do observador Igualdade
Fonte: Mônica Câmara (O Norte 17/07/2002)
Figura 86 – Câmara nivelada ao olhar do observador Poder de igualdade entre observador e participante observado
Fonte: Mônica Câmara (O Norte 02/10/2003)
| 86
3.3.4 Modalidade
Os processos modalizadores mais comuns no fotojornalismo são a modalidade
naturalista e a sensorial.
Quanto mais próximo o imagético do real, com a inclusão da diferenciação e
saturação de cor, contextualização (plano de fundo ou background), mais recursos da
modalidade naturalista contem. Tanto mais estes elementos se destaquem na
imagem, mais evidenciam uma estrutura visual de modalidade naturalista.
Por sua vez, quando o reconhecimento dos elementos na cena registrada se
encontra nos contornos, silhuetas, formas extravagantes, aludindo mais ao subjetivo
que ao real, teremos uma estrutura visual de modalidade sensorial.
Ainda existem as modalidades científica e abstrata que trabalham com
infográficos, mapas, desenhos, ilustrações, recursos visuais independentes e não
explorados pelo fotojornalismo.
É importante frisarmos que em se tratando de eventos imagéticos que incluem
ou excluem certos elementos visuais pode ocorrer de identificarmos a ocorrência de
hibridização. Nesses casos, tanto processos distintos de uma mesma metafunção
quanto de metafunções diferentes podem ser reconhecidos numa mesma imagem. O
que corrobora o mundo plurissígnico das estruturas visuais.
Figura 87 – Utilização da cor – Saturação
Modalidade naturalista.
Fonte: Mônica Câmara (O Norte 16/08/2002)
| 87
Figura 88 – Contextualização – Profundidade, perspectiva, ceu e mar aparentemente limpos, vestígios
na areia indicam um dia de sol na praia.
Modalidade naturalista.
Fonte: Mônica Câmara (O Norte 08/01/2002)
Figura 89 – Iluminação – O jogo de luz nos dá silhuetas emergindo de uma substância aquosa.
Modalidade sensorial.
Fonte: Mônica Câmara
Figura 90 – Brilho num ponto específico da imagem, plano de fundo sem foco – caráter irreal à cena.
Modalidade sensorial.
Fonte: Mônica Câmara (O Norte 17/03/2002)
| 88
3.4 METAFUNÇÃO COMPOSICIONAL
É nesta metafunção que a integração dos elementos contidos nas estruturas
visuais representacionais e interacionais “dialogarão”. Cada elemento contido ou
omitido na imagem, a maneira como estes estão dispostos propõe uma rede de
conexões significacionais. Para tanto, teremos o valor da informação, a saliência e a
estruturação como fatores composicionais que estabelecerão ordem e relevância
dentro do discurso visual.
3.4.1 Valor de informação
Onde cada elemento se posiciona dentro da imagem estabelece aspectos que
depreende um valor de informação. Esse valor de informação pode ser obtido a partir
da disposição dos elementos através das posições esquerda/direita; topo/base;
centro/margem. Tais posições nos fornecem informações e indicam possíveis
comprometimentos que cada elemento assume dado o seu posicionamento na
imagem.
Facilitando a apreensão do posicionamento dos elementos na imagem e seus
respectivos valores de informação, eis o quadro abaixo:
POSICIONAMENTO DOS ELEMENTOS NA
IMAGEM
VALORES DE INFORMAÇÃO
Lado esquerdo O elemento já dado, conhecido pelo leitor/observador.
Lado direto Informação-chave;
O elemento novo para o leitor/observador.
Topo Parte superior da imagem, traz Informação ideal, ou seja,
aquela que apela à imaginação do leitor/observador.
Base Local de informações reais, concretas ou o que a imagem
denota para o leitor/observador.
Central e
Marginal
Núcleo da informação;
Elementos que o margeiam, subordinados.
Quadro 04 – Baseado em Barbosa (2008).
| 89
DADO NOVO
Figura 91 – O dado ou informação já conhecida7:
crianças perambulam numa comunidade carente da capital. O novo ou informação nova, à direita, o símbolo nazista, a suástica.
Fonte: Mônica Câmara (O Norte 17/03/2002)
NOVO DADO
Figura 92 – Contrariando a regra, nesta foto temos a informação já conhecida, do lado direito: a de um homem, ajoelhado, numa igreja, rezando.
O novo ou informação nova, vem à esquerda, supostamente, uma suástica. Fonte: Mônica Câmara (O Norte 15/08/2005)
7 Tomamos estas duas imagens como exemplos dos valores informativos (dado/novo) por conterem
supostamente um mesmo símbolo (a suástica), mas em condições e disposições de uso diametralmente opostas. O que evidencia o caráter eminentemente contextual da linguagem fotojornalística. No caso da Figura 91, mesmo num bairro com alto índice de criminalidade trata-se de um dado novo encontramos o símbolo do extermínio pichado num poste. Já no caso da Figura 92, o que contraria certa ordem discursiva diz respeito ao suposto emblema, normalmente associado a crimes contra vida e a liberdade, decorar justo a “casa de Deus”.
| 90
IDEAL
REAL
Figura 93 – Valor de Informação Parte superior – ideal Parte inferior – real
Famílias são despejadas de moradias irregulares. Fonte: Mônica Câmara (O Norte 14/08/2001)
CENTRO
MARGENS
Figura 94 – Valor de Informação – Tríptico Centro – núcleo da informação
Margens – setores subordinados ao núcleo da informação Fonte: Mônica Câmara (2001)
| 91
É muito comum em imagens fotojornalísticas haver combinações dado/novo,
real/ideal e centro/margem, apresentando composições trípticas ou de forma circular.
Na estrutura do tríptico, um elemento mediador – e central – forma uma
ponte entre dado e novo e/ou ideal e real, “reconciliando elementos polarizados”. Na
forma circular, “os elementos não centrais de uma composição são localizados à
margem da informação central, possuindo um valor informacional periférico”
(CARVALHO e MAGALHÃES, 2006, p. 81).
CENTRO
MARGENS
Figura 95 – Valor de Informação – Circular Centro – núcleo da informação
Margens – setores secundários e contextuais da imagem. Fonte: Mônica Câmara (O Norte 15/02/2002)
3.4.2 Saliência
Grosso modo, a saliência é o elemento da estrutura visual que mais chama a
atenção do observador. Pode haver máxima e mínima saliência respeitando a
disposição dos elementos (em primeiro ou segundo plano) na imagem, reservando
maior destaque a um elemento e menor destaque a outro. Reconhecemos maior ou
menor grau de saliência numa imagem não só pela localização dos elementos
representados na cena, mas pelas suas proporções, perspectiva, realce e contraste de
cores, brilho, superposição, contextualização etc.
| 92
Figura 96 – Saliência A criança de bubu (chupeta), entre as canetas, se destaca.
Fonte: Mônica Câmara (O Norte 13/07/2004)
Figura 97 – Saliência A arma, metade do policial, chama a atenção. Fonte: Mônica Câmara (O Norte 26/01/2002)
Figura 98 – Saliência Vide a cobra, dentro do vidro.
Fonte: Mônica Câmara (O Norte 27/08/2003)
| 93
3.4.3 Estruturação (ou enquadramento)
A estruturação (ou enquadramento) é reconhecida pela conexão e desconexão
dos elementos que compõem a imagem. As estruturas visuais podem conter elementos
que representam interrelações ou rupturas dentro da cena, como se pudéssemos uni-los
ou separá-los dado o grau de continuidade ou descontinuidade evocado pelas mesmas.
Para tanto, a ausência de unidade e individualidade dos elementos que compõem
o registro fotográfico estabelecem conexão e configuram uma estrutura visual de
estruturação fraca, “pois os seus componentes estão integrados em uma direção
ininterrupta, por meio de cores e formas similares, vetores conectivos, provocando um
sentido de identificação de grupo” (BARBOSA, BESSA, CÂMARA, 2008, p. 08).
Por sua vez, quando há o “recorte” de um dos elementos composicionais ou de
vários deles, como se parte da imagem estivesse separada do restante da cena, há um
processo de desconexão. Imagens que apresentam desconexão possuem estruturação
forte, pois nesse tipo de estruturação os elementos são dispostos como se
independessem uns dos outros.
Figura 99 – Estruturação Fraca Conexão
Onde começa a porta e termina o homem? Os elementos da imagem estão interligados, evocando um sentido de identidade.
Fonte: Mônica Câmara (1999)
| 94
Figura 100 – Conexão – Estruturação Fraca O fundo ajuda a compor a imagem, a cor e o movimento interligam os elementos.
Fonte: Mônica Câmara (O Norte 07/10/2001)
Figura 101 – Desconexão – Estruturação Forte
Contraste nas cores. A santa se destaca entre as sobrinhas. Fonte: Mônica Câmara (O Norte 06/08/2005)
Figura 102 – Desconexão – Estruturação Forte O arquivo de um jornal não é bem o local para uma apresentação de emboladores.
Fonte: Mônica Câmara (O Norte 25/03/2002)
| 95
CAPÍTULO 4
Para além do óbvio O contato estético
O nascimento da fotografia baseia-se num equívoco estranho que tem a ver com sua dupla natureza de
arte-mecânica: o de ser um instrumento preciso e infalível como uma ciência e, ao mesmo tempo,
inexato e subjetivo como a arte. A fotografia, em outras palavras, encarna a forma híbrida de uma arte-exata e, ao mesmo tempo, de uma ciência-artística, o que não tem equivalentes
na história do pensamento ocidental. FRANCESCA ALINOVI
Sempre que falamos em experiência estética associamos esta a um fenômeno
exclusivamente ligado às artes, e por meio da qual o indivíduo experimentaria prazeres
inigualáveis, fustigado pela liberdade que tal experiência promove, como também pelo
jogo livre de sua imaginação em busca dos sentidos que a obra carrega. Há um volume
enorme de pesquisas que pauta seus processos de investigação nesta convicção.
O fenômeno estético, entretanto, extrapola os limites das chamadas belas-
artes, e isso vem sendo confirmado cada vez mais por estudiosos modernos, como é o
caso de Baudrillard (1973), Bauman (1998), Zumthor (2000), Greimas (2002) entre
outros.
As conquistas tecnológicas e o amplo mercado de consumo expandiram as
possibilidades de o estético avançar sobre a sociedade moderna. Podemos dizer,
atestado por Silva (2010, p. 64), que “em nossos dias, as vendas são, em grande parte,
sustentadas e coordenadas por sensações e emoções, por disposições e operações
estéticas.” A provocação estética está nas embalagens dos perfumes, nos automóveis,
nas prateleiras de supermercado, nos vários produtos da indústria midiática, e, não
obstante, no trabalho fotojornalístico.
Mas, exatamente, o que significa a expressão experiência estética? O que este
tipo de experiência tem de específico? E que tipo de estados lhe são característicos?
| 96
4.1 A experiência estética
A experiência estética é caracterizada por um tipo específico de reação
humana, e de operações mentais que a acompanha. Quando estamos submetidos à
experiência estética a primeira reação é a do impacto, sensorial e emocional, diante
de coisas, objetos ou mesmo situações. Alguma coisa ou propriedade presente no
objeto teve a capacidade de nos impactar, e este impacto faz com que nos
“fusionemos” àquilo que está sob efeito de nossa atenção.
O sobrechoque sensível gerado pelo material, objeto ou circunstância, leva-nos
a desligarmo-nos do ambiente em que nos encontramos, para vivermos a “narrativa”
(se for o caso), episódio, passagem, imagem, que se desenrola/apresenta diante de
nossos olhos.
Sob a “pressão” da experiência estética, mergulhamos na trama, e vivemos os
acontecimentos como se estivéssemos no seu desenrolar. Nossa vinculação com o
ambiente em que nos encontramos é interrompido, nem que seja por alguns breves
momentos, sob o impacto dos sentimentos.
Ligados à trama, acompanhamos o trajeto desta experiência impactante, dele
extraindo sentidos e significações. O que quer dizer que o pensamento não perdeu a
vigilância; pelo contrário, a experiência estética só é possível porque estamos atentos,
compreendendo os movimentos “narrativos” que temos diante dos olhos, e que foi
projetado de forma entusiástica no objeto.
Ao chamar a atenção para o fato de que a experiência estética é “uma forma
de atividade, e não apenas uma contemplação passiva (forma de leitura, de
interpretação, de fruição)”. E, que, portanto, a sensibilidade e o pensamento, a
emoção e a reflexão estão presentes no corpo desta experiência, Pareyson esclarece:
[...] não existe entre os dois termos nem uma divisão, nem uma relação de
gradação e de sucessão: por um lado, a sensibilidade não é nunca tão
imediata que não se condense, na própria espontaneidade, todo um
exercício de pensamento e toda uma série de escolhas, apreciações, juízos;
por outro lado, a atividade do pensamento que suscita e rege o movimento
consciente da interpretação e do juízo que procede a uma avaliação
refletida da obra culmina num ato de fruição e de gozo: seja que se trate de
uma primeira impressão, elementar e tosca, mas assim mesmo incoativa e
prenhe, seja que se trate da plenitude da fruição, isto é, de supremo cume
| 97
da contemplação, este ato de sensibilidade fruitiva é sempre acompanhado,
ou melhor, constituído da vivacidade do pensamento e do exercício do juízo
[...] (PAREYSON apud SILVA, 2005, p. 52).
Assim é que ao sofrermos a experiência estética ao assistir um filme, por
exemplo, nos desligaremos do ambiente de projeção, da sala escura do cinema, para
viver, eufórica e intensamente, as tramas da narrativa, partilhando as suas peripécias.
E isso vem estabelecer um afastamento radical de tudo que nos rodeia – mesmo que
isso ocorra por breves instantes. E esta experiência é traumática, entendendo que
traumático é tudo aquilo que produz tal estado de ânimo. A intensidade aí gerada não
será facilmente esquecida, e esta pulsação ficará ressoando em nós, fazendo com que
lembremos deste momento, pelo sentimento agradável, alegre, triste, melancólico que
experimentamos.
É importante destacar que essa experiência solicita-nos uma imersão no
universo das sensações, um tipo de exercício das faculdades humanas que nos chama
para uma situação de base, para um estado de desprendimento.
Barilli (1994, p. 33) nos ajuda a perceber como se dá essa típica forma de
experiência produzida pelo contato sensível, ao compará-la à experiência comum e à
experiência científica. A chamada experiência comum, utilitária e objetiva, está
marcada por certa passividade, porque seu curso apresenta soluções acumuladas e
adequadas às diversas situações que a vida se encarrega de produzir. Assim, ao dirigir
um automóvel, nem nos damos conta de todas as operações que fomos obrigados a
acionar, isso em razão de que esta atividade de tão comum e corriqueira, tornou-se
automática.
Já a experiência científica é instrumental, pretende superar obstáculos,
paradigmas, na tentativa de encontrar soluções viáveis, por meio de medidas de
controle e análise. A atividade científica decompõe, mede, formula para melhor
controlar os fenômenos/situações que investiga.
A experiência estética, por sua vez, nos apresenta outra natureza, porque
estabelece um afastamento radical dos domínios da segurança e da automaticidade a
que estamos habituados na resolução das situações cujos fins são práticos e utilitários
(cf. BARILLI, 2004, p. 35). Ou seja, nossa realidade física parece recuar em proporção
ao avanço da nossa atividade simbólica (cf. CASSIRER, 2005, p. 48).
| 98
Na experiência estética ocorre uma destruição temporária da “finalidade
objetiva” das coisas, e somos lançados a uma esfera distinta da que estamos
habituados no dia-a-dia. Por isso mesmo partilhamos o que se passa diante de nós,
porque nosso envolvimento está absorvido pela aparência e formas simbólicas.
Como lembra Barilli (1994, p. 48), tudo pode produzir uma experiência estética,
dos mais sofisticados objetos criados pelo homem a uma paisagem, ou mesmo a
própria respiração ou o ato de comer. Por isso mesmo, uma imagem, como a
elaborada pelo fotojornalismo, pode nos projetar esteticamente para os conteúdos e
tramas que estão estampados, fazendo-nos partilhar, e de modo intenso, de sua
narrativa visual.
4.2 Categorias estéticas
As categorias estéticas são formalizações que fazem referência às várias
manifestações do estético ao longo da história. Elas procuram estabelecer as
características tanto de peças artísticas, a partir de sua estruturação interna, quanto
fazem referência ao tipo de sentimento, de emoção que estas são capazes de gerar no
leitor/observador. Por isso mesmo, elas fazem relação tanto com a produção e
estrutura da obra quanto indicam aspectos afetivos do espectador.
Tais categorias agrupam quatro classes de elementos, que se relacionam
internamente: um ethos – uma atmosfera afetiva específica –, um sistema de forças
estruturadas, um tipo especializado de valor e o trânsito estético.
O ethos está relacionado com as reações sentimentais ou emocionais,
produzidas ao entrarmos em contato com os objetos estéticos. Essas esferas
emocionais contêm complexidade, “pois não se pode excluir a coexistência de
sentimentos ou impressões variadas como consequência das reações ocasionadas na
leitura, na fruição” (SILVA, 2010, p. 90).
A importância do ethos é capital na conformação de uma categoria estética,
pois “a categoria estética é, em primeiro lugar, um abstrato afetivo, um certo
caractere genérico, mas, também um certo limite das sensações e sentimentos que as
obras provocam” (SOURIAU apud SILVA, 2010, p. 91).
| 99
No sistema de forças estruturadas, as reações afetivas do espectador decorrem
da estrutura interna da obra, do modo como ela se organiza internamente. E é daí que
surge a reação emocional e os sentidos de uma obra.
Quanto ao tipo especializado de valor, nesta categoria estética, ao configurar
certo tipo de emoção vinculado à organização interna da obra, estabelecemos um
valor estético específico. Assim, o heróico, por exemplo, apresenta o ideal da
intensidade guerreira e nobre.
Já o trânsito estético, como o próprio nome já diz, faz referência à capacidade
das categorias estéticas de transitarem através de suportes expressivos diferentes. O
trágico, por exemplo, pode se dar numa peça teatral, como também num texto escrito
ou visual. É importante lembrarmos que “é próprio da categoria estética transitar
entre as diferentes formas de expressão simbólica” (SILVA, 2010, p. 91).
Utilizamos, neste estudo, as classificações de categorias estéticas elaboradas
por Étienne Souriau, que formalizou, em 1933, um diagrama com 24 ramos. Souriau
expõe as categorias estéticas a partir de três núcleos importantes da história das artes
e dos fenômenos sensíveis: os provenientes da cultura clássica greco-romana, os
saídos do romantismo e os das ocorrências estéticas menores (porque elas são
consideradas, pela crítica, inferiores às demais).
Souriau dispôs os valores do estilo clássico da seguinte maneira: o cômico, o
sublime, o belo, o trágico, o bonito e o grotesco. Os advindos do sistema romântico: o
enfático, o patético, o dramático, o irônico, o fantástico, o poético. A estas, Souriau
intercalou mais 12 categorias menores, obtendo um quadro de valores
complementares: o nobre, o grandioso, o espiritual, o pitoresco, o gracioso, o lírico, o
heróico, o pírrico, o melodramático, o caricatural, o satírico, o elegíaco.
Posteriormente, ele reviu algumas delas e mudou a configuração deste quadro, dele
retirando o poético e o sublime (PARRET, 1997, p. 151).
| 100
Categorias românticas
Categorias clássicas
Categorias menores
Diagrama de Etiene Souriau
BELO
GROTESCO
CÔMICO
PATÉTICO
TRÁGICO
EXTRAVAGANTE
BONITO SUBLIME
NOBRE ENFÁTICO
GRANDIOSOGRACIOSO
POÉTICOELEGIACO
LÍRICO
HERÓICO
PITORESCO
PÍRRICO
IRÔNICO
ESPIRITUAL
MELODRAMÁTICO DRAMÁTICO
SATÍRICO
CARICATURAL
Figura 103 – Diagrama de Étiene Souriau
Não é nosso interesse, aqui, explicar as peculiaridades de cada categoria, mas,
apenas, daquelas que tiverem relação direta com as peças fotojornalísticas que
pusemos em análise. Assim, iremos nos deter sobre as categorias do bonito, do
patético, do grandioso e do pitoresco.
Bonito – Esta é uma das categorias advindas da vertente clássica. A presença da
alegria, a ousadia e desenvoltura marcam a categoria do bonito. Como descreve Silva
(2010, p. 97), na Antiguidade Clássica, a poesia de Anacreonte apresenta um estilo
“carregado de graça, frescor, elegância e rica imaginação”, características do bonito. A
poesia deste autor grego é hedonista, enaltece os prazeres, principalmente do vinho,
da mesa e do amor. É próprio do bonito uma atmosfera amável, o que lhe confere
| 101
certo charme, e vem acompanhado de uma atmosfera frágil e delicada. O
leitor/espectador, quando diante do bonito, vive a sensação de soltura e de leveza,
pois a suavidade e a inexistência de tensão são-lhe comuns.
2. Patético – O patético provém da vertente romântica. Este termo foi utilizado
por Aristóteles referindo-se à pessoa que se exprime de maneira bastante
emocionada. São características do patético: o emprego de palavras fortes, voz
exagerada, discurso entrecortado, sem transições nem ligações, tendência à elevação
da voz, a formas vivas e surpreendentes, trazidas pela força da emoção (SILVA, 2010,
p. 98). Já Souriau afirma que o patético, ou expressão patética, apresenta expressão
forte, dramática, veemente, em que se faz sentir um sofrimento ou o risco de um
grande mal (SOURIAU apud SILVA, 2010, p. 98).
A categoria do patético demarca intensidade, e intensidade soturna,
semelhante à que se experimenta diante do trágico e do dramático. Só que o patético
se diferencia por sua característica dolorosa. Na situação ou trama patética, o
leitor/observador se abala dominado por um clima angustiante e tenebroso.
Existem, segundo Souriau (apud SILVA, 2010, p. 98), duas modalidades de
patético: uma, lenta, morna, depressiva, e outra, agitada e trêmula, sobretudo pela
incerteza; ele põe em curso sensações dominadas pelo irregular, pelo palpitante, ou
pelo tormento. O patético caracteriza um tipo de recepção dominado pela compaixão,
e isso porque vítimas inocentes são abandonadas à sua própria sorte, sem qualquer
possibilidade de defesa.
3. Grandioso – O grandioso é uma categoria menor. O grandioso está próximo,
mas não é idêntico ao nobre. Este estilo é marcado pelo materialmente grande,
“porque utiliza sempre dimensões muito vastas” (SILVA, 2010, p. 100). Ele se aproxima
do nobre apenas em sentido figurado, porque apela à majestade, mas não ostenta
qualquer indicativo de nobreza. O grandioso busca, acima de tudo, incitar a
imaginação do leitor/observador pela sugestão mais de poder ou de riqueza do que de
nobreza. O grandioso é, assim, superficial, porque se prevalece da aparência – que,
aliás, o alimenta e o define.
| 102
4. Pitoresco – O pitoresco também é uma das categorias menores, e esteve
inicialmente ligado aos estudos sobre a pintura, em especial à pintura de paisagem. O
pitoresco, porém, passou também a manifestar-se (ou ser percebido) no costume, na
linguagem, na literatura, e em todas as formas de arte.
É característica do pitoresco manifestar certa rudeza, como também
irregularidade. A ideia de pitoresco surge nos espaços culturais do pré-romantismo e
do romantismo, para fazer direta oposição ao belo clássico. O pitoresco vem
manifestar a singularidade regional, a cor local. Nele se encontra “uma linguagem
pouco banal, imaginativa, expressiva e sonora” (SILVA, 2010, p. 101). Porque se opõe
ao equilíbrio e a contenção clássicas, o pitoresco surpreendente, mas sem violência e
muito menos drama.
No segmento seguinte, tomaremos as peças fotojornalísticas, observando em
suas composições ou constituições internas algumas operações de produção de
sentido. Discorreremos sobre os eventuais efeitos estéticos que as imagens feitas para
informar também propõem e buscaremos evidenciar o tipo e a consistência da
experiência estética que se desdobra a partir e com as imagens fotojornalísticas.
| 103
CAPÍTULO 5
Entre outras palavras o discurso imagético
A árvore que o sábio vê não é a mesma árvore que o tolo vê.
WILLIAM BLAKE
Os símbolos formam uma língua, mas não aquela que você imagina conhecer.
ÍTALO CALVINO
Já sabendo do poder das imagens de influir em todas as esferas nas quais
transita, seja uma imagem cinematográfica, televisiva ou fotográfica, nenhuma
natureza ou sociedade passa imune ou impune aos “olhos” da câmera.
Falar sobre fotojornalismo é falar sobre o processo de acesso do homem ao
mundo das imagens construídas para complementar a leitura e o consumo de uma
notícia. O discurso visual fotojornalístico, por ser reconhecido como “substituto da
realidade”, parece encerrar numa imagem uma verdade indelével. O que ocorre,
porém, é que essa verdade parte de um método particular do produtor da imagem
codificar e traduzir, em signos visuais inteligíveis, o que vê.
Nesse processo de escrita, não estão dissociadas sua ideologia, suas percepções
de mundo e sua volição. Portanto, o que o fotógrafo registra é a realidade tomada por
um ângulo muito particular. O que não impede que esse ponto de vista discursivo não
se coadune com a expectativa lançada pelo meio massivo (o jornal) ou o espaço social
os quais representa.
Para isso, ele terá desde o dispositivo técnico (a câmara fotográfica), as
condições situacionais, os elementos disposto na cena, ao leitor/espectador, parcelas
do que contribuem para um efetivo processo de significação. E em cada um desses
elementos subjaz uma proposta de leitura e apreensão do mundo distintos.
| 104
Desta forma, existe também na produção de uma imagem fotojornalística um
construto simbólico, vinculado ao ambiente sócio-cultural-político-ideológico de quem
a constrói, bem como de quem a vê/lê.
Compreendendo, assim, o caráter de uso social da língua presente no discurso
fotojornalístico, nos aportaremos nas propostas de uso e contextualização da
Gramática Visual (GV), sistematizadas por Gunther Kress e Theo van Leeuwen (1996),
através de suas multimodalidades sintático-visuais, baseadas nas metafunções de
Halliday (1994), em que a maior função de uma linguagem encontra-se no uso e ajuste
às circunstâncias que determinam essa ação linguística.
Baseada nos aspectos funcionais da linguagem e tomando de empréstimo os
pressupostos teóricos de Halliday (1994) em sua Gramática Sistêmico-Funcional, Kress
e van Leeuwen mostram-nos como as metafunções (representacional, interacional e
composicional) na GV se relacionam com as suas correspondentes hallidayanas
(ideacional, interpessoal e textual) e refletem na estrutura do discurso imagético os
mesmos efeitos léxico-gramaticais presentes numa língua, sendo que composta por
uma sintaxe de signos não-verbais.
Adiante, as análises realizadas em Urubu Rei (2001), Recreio (2003) e A
Padroeira (2005)8 nos mostrarão que a forma como estão relacionados entre si os
elementos visuais e como estes estão distribuídos no espaço visual constituem
componentes chaves para a compreensão dos discursos que medeiam a representação
dos assuntos socialmente significativos nas imagens fotojornalísticas.
8 Urubu Rei (2001), Recreio (2003) e A Padroeira (2005) são todas imagens produzidas pela autora desta pesquisa
quando de sua atuação como fotojornalista no diário paraibano O Norte (2001-2006).
| 105
5.1 Urubu Rei: uma análise
Vi ontem um bicho Na imundície do pátio
Catando comida entre os detritos.
Quando achava alguma coisa, Não examinava nem cheirava:
Engolia com voracidade.
O bicho não era um cão, Não era um gato, Não era um rato.
O bicho, meu Deus, era um homem.
MANUEL BANDEIRA
Figura 104 – Foto publicada em 2001, no jornal O Norte, para uma matéria sobre o lixão do Roger.
A imagem Urubu Rei, primeira das três analisadas neste capítulo, faz parte da
produção fotojornalística da autora desta pesquisa e foi publicada no jornal O Norte
(19/10/2001), em matéria sobre o Lixão do Roger, naquela ocasião, um dos maiores
depósitos de lixo a céu aberto e em área urbana do país, localizado na cidade de João
Pessoa, no estado da Paraíba. Esta área ocupava aproximadamente 17 hectares e
recebia em torno de 700 toneladas de lixo diariamente.
| 106
A fotografia, produzida em cores, num long shot (plano geral) nos mostra a
ambientação de um lixão e ao mesmo tempo o processo de sobrevivência de uma
comunidade. Apresenta-se de forma bastante saliente um urubu descendo de seu vôo.
Há ainda vários moradores catando lixo, e outros urubus cercando um amontoado de
lixo orgânico.
Como observado no capítulo anterior, Kress e van Leeuwen (2006) propõem
três estruturas de representações que ao relacionar seus distintos elementos
constituem uma Gramática Visual. Na estrutura representacional, teremos a descrição
dos participantes em uma ação; na interativa, as relações entre participantes
representados e o observador; na composicional, a combinação de todos os
elementos.
Em Urubu Rei temos uma série de processos sendo apresentados ao mesmo
tempo. Há, primeiramente, um urubu soberano, mais saliente, que domina a cena e
em torno do qual a narrativa fotográfica se dá. Existem dois grupos interativos, sendo
um grupo de catadores (ao fundo) e um grupo de urubus (à frente). Na cena, a
disposição dos participantes aponta diferenças e consensos, num ambiente impróprio
ao homem, em que, parecendo respeitar um o espaço do outro, humanos catam o lixo
que não interessa aos urubus.
5.1.1 REPRESENTAÇÃO
Ator/Reator
Ação transacional
Reação não-transacional
Fenômeno Meta Reatores Homens Ator Ação transacional
| 107
Urubu Rei, num primeiro momento, constitui uma composição de contornos
narrativos, ou seja, há a presença de atores e vetores indicando que ações estão sendo
realizadas. Identificamos vetores conectando vários participantes (atores) aos objetos
(metas) na cena. São homens e mulheres (atores) que catam lixo (meta), urubus
(atores) que se alimentam (meta), enquanto um deles, em destaque, na parte superior
da imagem, sobrevoa o local. Nessas ações, há uma representação narrativa
transacional, embora identifiquemos na ave que paira sobre os demais o
desdobramento de uma ação (sobrevoar) e uma reação (olhar lateralmente)
configurando nesse único e destacado elemento uma ação de estrutura transacional e
uma reação de estrutura não-transacional.
Em se tratando de uma imagem híbrida, composta de tantos elementos
distintos, também iremos perceber a presença do processo reacional em outros
participantes representados, quando não conseguimos identificar para onde ou para
que fenômeno alguns desses participantes (reatores) estão dirigindo o olhar dentro da
cena. Podemos assim considerar que também se trata de uma representação narrativa
de reação não-transacional.
Observando a foto mais amiúde, iremos perceber que a forma como os
elementos estão distribuídos no quadro também pode conter processos de estrutura
conceitual, onde nestes podemos identificar processos classificacionais. Esses
processos ocorrem quando existe uma taxonomia e os participantes representados
são apresentados como se estivessem subordinados a uma categoria superior. Se os
reconhecemos subordinados a uma suposta ordem, grupo ou classe superior esta
taxonomia é denominada pela GV (1996) de coberta (covert). O que acontece no caso
dos participantes representados desta imagem, que dão a impressão de estarem todos
subordinados à classe de sujeitos que trabalham com o lixo.
Não obstante, Urubu Rei também contém representações de estrutura
conceitual simbólica, em que o urubu aparece como o portador, e o atributo
simbólico é definido pela sugestão de ser este animal selvagem mais que um mero
caçador de dejetos. Assim, tal animal como está disposto na imagem remete-nos,
numa configuração subjetiva, à outra ave de rapina (a águia), símbolo do maior país
capitalista ocidental (os EUA) e à sua selvagem e portentosa projeção sobre os países
em desenvolvimento.
| 108
Ademais, observemos, pois, a pose para a fotografia do “urubu/águia”, a
maneira onipotente e majestosa com que paira sobre os demais, a aparente refeição
de qualidade feita, em primeiro plano, por aqueles que fazem parte do seu clã (ou
seria o G8 reunido?9) e, ao fundo, a naturalidade dos miseráveis, que, apesar de
humanos, comportam-se como bichos, mas, ainda assim, com imensa passividade: co-
relação simbólica que normalmente atribuímos ao comportamento subserviente dos
países ditos emergentes, que sofrem influência e domínio do capital estrangeiro.
Países estes produtores, mas em constantes embargos políticos, econômicos, fiscais
dos países hegemônicos. Sobreviver, nesses locais, é satisfazer-se com as sobras. Dessa
forma, sentidos que estavam ligados a ideologias e práticas de políticas antagônicas
são transferidos para o âmbito de significações referente ao lixão e sua rotina,
provocando o leitor. Não é a imagem que fala e sim a ideologia contida na imagem.
Não é o texto, mas o contexto.
5.1.2 INTERAÇÃO
Contato
Oferta
Perspectiva
Ângulo oblíquo não-envolvimento
Modalidade Plano aberto
Saturação (cor) impessoalidade
Plano de fundo
(Contextualização)
9 Grupo dos oito países mais ricos e desenvolvidos do mundo (Estados Unidos, Japão, Alemanha, Reino Unido, Itália,
Canadá, Rússia e França) liderados pelos EUA. O G8 é muito criticado pelas suas políticas globais, sociais, econômicas e ecológicas. Suas reuniões visam estreitar relações entre os países hegemônicos, buscando assegurar seus interesses sobre os interesses do resto do mundo.
| 109
Existem vários elementos na cena, mas nenhum deles interage diretamente com
o leitor/observador. O vetor que se forma não aponta para nenhum objeto inserido na
moldura da imagem. O urubu apresenta-se como ator/reator, enquanto que o lixão é a
meta da ação que ele executa/sobrevoa, o seu olhar é a esmo. Verbalmente, através de
verbos transitivos, tal ação e reação poderiam ser descritas da seguinte maneira: ‘O
urubu (ator) sobrevoa/observa (processo) o lixão (meta/fenômeno)’.
Quanto à natureza das relações sociointeracionais, respeitando as estratégias
de aproximação/afastamento para com o leitor, estabelecidas através do contato,
distância social e perspectiva angulares, destacamos a indiferença de todos os
participantes representados na imagem em posição de oferta (offer). Nesta cena, os
participantes representados não interagem entre eles, muito menos com quem os
observa (ler/ver).
Os vetores formados pelas linhas de olhares não conectam participantes
representados e leitor/observador. Existem vários participantes na cena, mas nenhum
parece incomodado ou intimidado pelas lentes do fotógrafo/observador. Nessas
imagens, o participante representado será encontrado como objeto de contemplação
do participante interativo (observador/leitor). Os elementos exibidos são observados e
lidos “como se esses estivessem numa vitrine ou prateleira” (KRESS & VAN LEEUWEN,
1996, p. 124).
Em outras palavras, o contato que é configurado no discurso visual por meio do
olhar direto ou não entre participantes representados e observadores (produtores da
imagem, leitores) ocorreu de maneira que o elemento principal (o urubu) ignora a
presença de todos, inclusive, a da fotógrafa, tampouco nenhum dos participantes da
foto estabelece algum grau de interatividade. Nem mesmo o uso da lente grande
angular10, que permite ao fotógrafo tomar a imagem de muito próximo do assunto
fotografado, ocasionou alguma estranheza ou pareceu ter alterado qualquer ‘rotina’
naquele ambiente.
Mediante o ângulo fotográfico escolhido pela produtora da imagem, fica nítida
que, na relação de poder entre observador e participante representado, foi conferida
10
Trata-se de uma lente fotográfica que, por possuir objetiva de menor distância focal, aumenta o campo de visão do fotógrafo, abrange uma maior extensão da cena, parecendo estender, esticar a imagem, fazendo com que elementos registrados em primeiro plano, como no caso do urubu, pareçam maiores do que realmente o são. Muito usada em fotojornalismo, esse tipo de lente proporciona uma maior profundidade de campo, melhor contextualizando os fatos registrados.
| 110
maior ascendência ao participante representado (o urubu), visivelmente destacado em
posição de superioridade, enquanto os demais, inclusive, o observador estão
claramente numa posição de inferioridade.
Também conferimos tal impessoalidade ao observarmos a angulação ou
perspectiva captada durante o sobrevôo da ‘nobre’ ave de rapina. Nela, há uma
tensão entre o frontal e o oblíquo. O urubu de asas abertas frontalmente sugere
envolvimento (quase um abraço), enquanto que o restante do corpo, inclusive os
olhos, em posição oblíqua, distancia, contraria o ângulo frontal, estabelece um não-
envolvimento, parecendo aquilo que se vê somente fazer parte do mundo dos
participantes representados, nada dizendo respeito ao espectador.
5.1.3 COMPOSIÇÃO
Eis o momento em que o posicionamento de cada elemento conjugado na
imagem compreende um valor informativo de significação. Os valores informativos
priorizados nessa imagem são a oposição ideal/real. Relativo ao valor informativo
ideal, temos localizado na parte superior da imagem, a figura de um urubu: asas
abertas, forte, imponente, parecendo enfrentar tudo sem medo. Ele é apresentado
como análogo à águia: forte, bem disposto, predador.
Dessa forma, o elemento de maior destaque neste evento visual é o Urubu Rei.
O urubu não é só o ator dessa insólita narrativa fotográfica, mas é participante e
| 111
elemento de maior saliência na cena. Não por acaso, foi colocado na parte superior e
central do quadro. Os elementos marginais agregam ainda mais sentido e
estranhamento à composição. O que vemos no centro da imagem contraria a natureza
do ambiente, ressignificando-a.
Hierarquicamente, a ave de rapina é o elemento de maior saliência na cena,
está no topo, realçado pela envergadura de suas asas, pelo tamanho, perspectiva em
que se encontra, contraste com o fundo, que torna ainda mais salientes seus
contornos dado um céu particularmente limpo. Por outro lado, o que está na base e
refere-se aos valores reais disponíveis na composição, contrariando a natureza do
ambiente está a “sarcástica forma de reciclagem” (ARTUR, 2004) do lixo entre
humanos e bichos. Diante de tal composição imagética, surgem os questionamentos:
quem, de fato, é o bicho? Onde termina o bicho e começa o homem?
Por fim, Urubu Rei apresenta estruturação (enquadramento) composicional
forte na qual há desconexão entre os objetos que a constituem. Há pouca
neutralidade, não há desfoque de fundo e os detalhes, perspectiva e contraste das
cores destacam ainda mais os participantes na cena. Apesar de conter vários
elementos no cenário, todos são facilmente identificáveis, o que de certa forma auxilia
na leitura dos elementos incomuns, até mesmo contrários, dispostos na composição
deste texto imagético.
A seguir apresentamos resumidamente algumas das várias considerações
realizadas a partir da aplicação da Gramática do Design Visual de Kress e van Leeuwen
(1996):
Metafunção ideacional / representacional
Natureza dos eventos representados pela imagem
Participantes
Bichos, lixo, pessoas. O urubu de asas abertas é o ícone central da cena.
Processos
Pessoas catando lixo, urubus comendo lixo, outro sobrevoando: processo acional e transacional. Algumas pessoas e bichos ‘só observando’: processo reacional não-transacional.
| 112
Circunstâncias
Lixo, outros bichos, incluindo o homem, nuvens pesadas e céu limpo, são elementos coadjuvantes que reforçam a natureza composicional desta peça.
Quadro 05 – Metafunção representacional (baseada em KRESS e VAN LEEUWEN, 1996).
Metafunção interpessoal / interativa
Natureza das relações sociointeracionais construídas pela imagem
Contato interacional
Existem vários participantes, mas nenhum parece incomodado ou intimidado pelas lentes do fotógrafo/observador. A esse tipo de imagem Kress e van Leeuwen (1996) se referem como oferta (offer), marcadamente notada pela indiferença dos atores e entre eles.
Distância social
Plano aberto (long shot) – afastamento. Impessoalidade acentuada pelo uso da lente grande-angular, pois trata-se de uma imagem tomada muito próxima dos participantes representados, de onde nem mesmo os urubus parecem estranhar a presença da fotógrafa.
Perspectiva ou poder
Predominância do ângulo oblíquo – não envolvimento. Contra-plongée – poder do participante representado.
Modalidade ou valor de realidade
Naturalista – saturação de cores, grande luminosidade e profundidade de campo.
Quadro 06 – Metafunção interativa (baseada em KRESS e VAN LEEUWEN, 1996).
Metafunção textual / composicional
Significações construídas pela imagem
Valor de informação
O urubu no centro e no topo é dado de relevância e saliência. Os elementos centrais contrariam a natureza do ambiente, “re-significando-a”. Afinal, “o lixão é o supermercado do urubu” (FRISCH, 1980) e não do homem. Na parte inferior da imagem o dado real – urubus fazem sua dileta refeição.
| 113
Estruturação (Enquadramento) Forte – apesar de conter vários elementos na cena, todos são facilmente identificados.
Saliência
O urubu é, sem dúvida, elemento de maior convergência na cena, realçado pela envergadura de suas asas, perspectiva em que se encontra, contornos salientados ainda mais pela “limpeza” do céu.
Quadro 07 – Metafunção composicional (baseada em KRESS e VAN LEEUWEN, 1996).
| 114
5.2 Recreio: uma análise
Da vez primeira em que me assassinaram, perdi um jeito de sorrir que eu tinha. Depois, a cada vez que me mataram,
foram levando qualquer coisa minha (...). MÁRIO QUINTANA
O homem só brinca enquanto é Homem no pleno sentido da palavra
e só é Homem quando brinca. FRIEDRICH SCHILLER
Figura 105 – Foto publicada, no jornal O Norte, pelos 13 anos do ECA - Estatuto da Criança e do Adolescente.
Recreio, segunda imagem a ser analisada, é também uma produção da autora
desta pesquisa e foi publicada no jornal O Norte (13/07/2003), em matéria sobre o 13º
aniversário do Estatuto da Criança e do Adolescente.
Num primeiro momento, esta foto foi feita para uma matéria especial
encomendada pelo jornal Correio Braziliense, na qual cumpríamos pauta sobre o nível
de desenvolvimento humano na cidade de Caaporã, município paraibano, em 2002.
Em 2006, Recreio foi escolhida a melhor imagem no IV Concurso Nacional de
Fotografia “Atitudes Positivas na Vida e a Prevenção do uso indevido de Drogas”,
promovido pela SENAD – Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas.
| 115
A fotografia, produzida em cores, num plano médio (medium shot) mostra um
momento peculiar de crianças na comunidade de Santo Antônio, periferia de Caaporã,
que, mesmo em meio à chuva, à lama, e outras agruras, num ambiente aparentemente
impróprio à desenvoltura da sua brincadeira, seguem brincando com seus piões, nos
oferecendo uma imagem rica em significações.
5.2.1 REPRESENTAÇÃO
Ator/Reator
menino
Ator/Reator
menino
Reatores meninos Meta
pião
Vetor mão
Pela clara ação dos meninos jogando pião, Recreio apresenta uma composição
de estrutura narrativa. O vetor que conecta os participantes (atores) aos piões (meta)
é a própria mão dos meninos.
Nessa imagem, de forma mais definida, temos dois atores e quatro reatores.
Como visto anteriormente, um ator é um participante que pratica uma ação tendo em
vista uma meta. Por sua vez, um reator é um participante ativo em que o seu olhar é o
que dirige a cena. Para onde o reator olha recebe o nome de fenômeno (o observador,
neste caso).
Nesse caso, temos a ação praticada pelo menino em primeiro plano e o que lhe
sucede na cena, equilibrando o pião (meta) na palma da mão (vetor). Não obstante,
estes mesmos meninos, tendo ao fundo mais dois garotos olham diretamente para
| 116
quem observa a cena (o fenômeno). Temos, então, entre ação e reação uma imagem
representacional de estrutura transacional, porque neste caso, tanto podemos
reconhecer para onde se dirige a ação (ação transacional) como para onde se dirige o
olhar (reação transacional) dos participantes na cena.
Dentro do processo representacional podemos identificar a hibridização dos
elementos de estrutura narrativa e conceitual. Da estrutura narrativa temos as ações
e reações transacionais. No caso da estrutura conceitual, vamos ter a presença do
processo classificacional de taxonomia coberta, onde as crianças e os piões
(participantes subordinados) fazem parte de categorias superiores. As crianças fazem
parte de um grupo específico (crianças que brincam) e não de crianças que estão
estudando ou recebendo socorro médico, por exemplo. Outrossim, as crianças estão a
brincar, mas não é de bola, de pipa, ou bola de gude, e sim de pião.
Ainda fazendo parte da estrutura conceitual, encontraremos o processo
simbólico entre portador (meninos que brincam) e atributos possessivos (infância,
inocência, alegria, felicidade).
Fatores contextualizadores, de ordem subjetiva, reforçaram ainda mais os
atributos simbólicos embutidos nesta composição imagética.
Sabendo do nosso país tendo aproximadamente 30 milhões de brasileiros que
sofrem com a falta de saúde bucal, sendo internacionalmente reconhecido como o
“país dos desdentados”, levando em conta que Caaporã possuía (e ainda deve possuir)
um dos mais baixos IDH (índice de desenvolvimento humano) do Brasil e
contraditoriamente sendo um dos municípios onde poucas crianças em idade escolar
estão fora da sala de aula.
Dar com aqueles meninos naquelas circunstâncias me impelia, pelo menos, a
recontextualizar aquela cena que se tinha de um lado a infeliz confirmação dos dados
estatísticos do IBGE ou qualquer outro órgão capaz de esmiuçar o grau de nossa
miserabilidade e ignorância, de outro, tinha a controversa e feliz constatação de que
justo ali crianças executavam com tamanha plenitude o mais simples, divino e
socrático princípio de felicidade.
Sabemos que tal registro pode e deve sugerir outras leituras, mas expor quais
fatores motivaram a captação desta e não de outra imagem dão uma pequena noção
do que estes venham ou não contribuir na construção de uma narrativa visual.
| 117
5.2.2 INTERAÇÃO
Contato demanda
Perspectiva frontal
Modalidade
naturalista
Distância Social
plano médio
Segundo a GV ( KRESS e van LEEUWEN, 1996), nas relações sociointeracionais, o
contato, a distância social e a perspectiva são recursos estratégicos que estabelecem
maior ou menor grau de aproximação/afastamento com o leitor visual.
Na foto, a produtora da imagem dispõe os participantes representados em
contato de demanda. Nessa condição, os participantes têm o olhar dirigido à lente da
câmara que simula o olhar do observador, ou seja, os meninos (participantes
representados) dirigem seu olhar e ação na direção do observador/leitor
(participantes interativos). Estes não lhes são alheios. Fotos assim nos intimidam de
alguma forma, apelam para o encaramento, nos incitam à imediata repugnação ou
aprovação do que vemos.
Por sua vez, o uso da lente grande-angular11 amplificou essa contiguidade
existente no contato de demanda. A distorção ótica contida nessa lente é responsável
pela sensação que temos de estar mais perto dos participantes representados ou
elementos dispostos em cena do que de fato estamos. Sem falar, que é comum usá-la
11
Trata-se de uma lente fotográfica que possui objetiva de menor distância focal, aumentando o campo de visão do fotógrafo, fazendo com que os elementos registrados pareçam mais próximos do que na verdade são. Esse tipo de lente normalmente aproxima o produtor da cena registrada, fazendo quase co-participante da ação capturada.
| 118
em registros fotojornalísticos quando a intenção do produtor da imagem é
contextualizar ao máximo as circunstâncias que circunscrevem a ação capturada.
A cena estampada em Recreio, feita num final de tarde quase todo tomado pela
chuva, e depois de uma jornada exaustiva de trabalho, representa mais que uma
ordem ao lazer ou uma aproximação com o que há de mais “moleque” em nós, é,
sobretudo, um apelo à desaceleração, ao não-empalidecimento e endurecimento de
nossa natureza e gestos humanos cada dia mais relegados sob o pretexto de uma vida
cada vez mais “enxuta”, “seca” e contraditoriamente irreal. Acelerado, aqui, só
movimento dos piões. Reforçando esse discurso, a produtora desta imagem, registrou
o sorriso largo e a mão estendida do garoto em primeiro plano, em perspectiva de
ângulo frontal, tornando o convite ainda mais explícito. Ou, pelo menos, o convite à
reflexão. O envolvimento conferido diante dessa perspectiva é tanto que chegamos a
ter a impressão de que ao estendermos a mão o participante representado (garoto
com pião em primeiro plano) nos repassará seu brinquedo, passando o que advier daí
também a nos dizer respeito. Até os olhares que nos são dirigidos sugerem
familiaridade, proximidade, não-alheamento, há conexão entre participantes
representados e leitor/observador, típicos de uma imagem em contato de demanda e
em ângulo frontal.
Em Recreio, os casebres, o ambiente lúgubre e enlameado contextualizam a
cena registrada, servindo, inclusive, para conferir um dado grau de realidade à ação
idílica dos meninos. Todo esse plano de fundo (background), aliado à modulação das
cores, iluminação de preenchimento (feita com a luz rebatida por um flash12), dando
contorno e certo brilho nos olhos do menino, em destaque na cena, configuram uma
imagem de modalidade ou valor de realidade naturalista.
12
Luz auxiliar utilizada em situações de baixa luminosidade ou, como nesse caso, para dar maior contorno à cena.
| 119
5.2.3 COMPOSIÇÃO
Ideal sorriso
Real
mão
Dado Novo
Diante dos valores informativos ideal/real e novo/dado, nesta imagem, temos
o valor informativo ideal ou subjetivo, localizado na parte superior e à direita da
imagem (novo), o menino que sorri contrariando o ambiente, o momento e sua
própria condição humana. A comunidade é carente, chove, poucos têm o que vestir,
mas isso pouco parece abalar sua alegria e generosidade infanto-juvenil, gesto raro às
crianças da cidade, sempre tão cercadas por grades, cercas eletrificadas e brinquedos
eletrônicos.
Por outro lado, o que se encontra na parte inferior, local reservado aos valores
reais ou práticos, e à direita da imagem (informação dada), elementos compartilhados
e familiarizados pelo participante interativo (observador), justificam o motivo de
tamanho contentamento: se a brincadeira é a de girar o pião na palma da mão,
possivelmente, o leitor/observador esteja diante (se não) do melhor, do mais
habilidoso e aparador de piões. Neste caso, o pião, que gira solene na palma de sua
mão, não sendo destreza para muitos, lhe confere poder e certa magia. É como em se
tratando de girar um pião na palma da mão ele fosse o “rei da brincadeira”.
| 120
Contrastando com tudo à sua volta, não bastasse a beleza de seus gestos, tudo nele é
real.
O menino sorrindo que toma o topo e a direita da imagem é elemento de maior
saliência, é ele o elemento de maior destaque e contorno na cena. Os elementos
marginais (casebres, ambiente lúgubre e enlameado) servem para compor a força
desse discurso imagético que, se por um lado tem uma construção visual dispondo
algumas crianças brincando em meio ao charco e à miséria, por outro lado tem nessa
mesma ação a não-contaminação dos meninos pelo ambiente. Sutilmente sugerindo-
nos que o que há de mais miserável não está fora de nós. E sim dentro. E que não há
gesto mais nobre que o de compartilhar. Seja o sorriso, a presença, a inocência, a
brincadeira, a beleza.
Quanto à estruturação (ou enquadramento) em Recreio, ela é forte.
Retomando o já dissemos, Recreio possui elementos composicionais bastante
destacados, desde o menino com o pião na mão em primeiro plano até os elementos
circunstanciais que o margeia. Não há conexão entre primeiro e segundo planos. O que
há em segundo plano ou plano de fundo serve para contextualizar a cena e não fundir-
se a ela. Tanto é assim que contrasta o ambiente (inclusive chuvoso) do gesto e ação
dos meninos.
Ademais, os índices visuais indicam que esta imagem fotojornalística não foi
produzida para uma página publicitária ou de cultura onde temos uma flexibilidade
maior em (con)fundir planos. Imagens assim têm uma estruturação forte porque
invoca primeiramente certo grau de verossimilhança com a realidade. Os gestos, a
cena, podem e devem compor uma imagem mais rica, mais elaborada, mas isso em
nada deve interferir no grau de verdade do registro fotojornalístico.
Metafunção ideacional / representacional
Natureza dos eventos representados pela imagem
Participantes
Meninos. O menino com o pião em primeiro plano é elemento de destaque.
Processos
Meninos com seus piões: processo narrativo acional e transacional. Os mesmos meninos mais os que estão em plano de fundo com olhar direcionado
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para o observador: processo reacional transacional. Crianças e piões (participantes subor-dinados) fazem parte de categorias superiores (crianças brincando, e não dormindo ou estudando e brinquedos infantis, que não são bolas, pipas ou bonecos): processo conceitual classifica-cional de taxonomia coberta. Relação entre portadores (meninos que brincam) e atributos possessivos (infância, inocência, alegria, felicidade): processo conceitual simbólico.
Circunstâncias
Crianças em segundo plano, casebres, chuva, lama, são elementos coadjuvantes.
Quadro 08 – Metafunção representacional (baseada em KRESS e VAN LEEUWEN, 1996).
Metafunção interpessoal / interativa
Natureza das relações sociointeracionais construídas pela imagem
Contato interacional
Todos os participantes representados interagem com maior e menor grau de intimidade com o observador (partici-pante interativo), numa típica imagem de demanda.
Distância social
Plano Médio (medium shot) – Os participantes representados são vistos numa posição de nem tanta proximidade nem tanto distanciamento em relação ao observador.
Perspectiva ou poder
ângulo frontal – envolvimento. Equivalência de poder entre participante representado e participante interativo (observador/leitor).
Modalidade ou valor de realidade
Naturalista – modulação de cores e contextualização entre primeiro plano e segundo plano, profundidade de campo.
Quadro 09 – Metafunção interativa (baseada em KRESS e VAN LEEUWEN, 1996).
Metafunção textual / composicional
Significações construídas pela imagem
Valor de informação
O menino de sorriso largo toma o topo e a direita da imagem, locais reservados, segundo à GV ao que é ideal e novo.
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Cabe ao mesmo menino, desta vez sob a ótica do que é dado e real, trazer os elementos que compõem talvez o motivo de tanta alegria: brincar de rodar pião na rua mesmo debaixo da maior chuva.
Estruturação (Enquadramento) Forte – cada elemento é facilmente identificado na cena, sejam os casebres, sejam os meninos, sejam os piões.
Saliência
O menino sorrindo com o pião na palma da mão, em primeiro plano, é elemento de maior ênfase na cena.
Quadro 10 – Metafunção composicional (baseada em KRESS e VAN LEEUWEN, 1996).
| 123
5.3 A Padroeira: uma análise
“Olha lá vai passando a procissão...” GILBERTO GIL
Figura 106 – Foto registrada durante a procissão de N. Srª das Neves, em João Pessoa.
A Padroeira, mais uma imagem que analisaremos, é mais uma produção da
autora desta pesquisa e foi publicada no jornal O Norte (06/08/2005), em matéria
sobre o aniversário da cidade de João Pessoa, retratando a manifestação religiosa que
ocorre todos os anos no dia 05 de agosto em homenagem a Nossa Senhoras das
Neves, padroeira da cidade.
A fotografia, produzida em cores, num plano aberto (long shot) descreve a
relação de respeito não só às tradições religiosas, mas também históricas. João Pessoa
é a terceira cidade mais antiga do Brasil e foi fundada em 05 de agosto de 1585,
recebendo o nome da Santa do dia em que foi firmada a aliança com os índios locais
de origem Tabajara. A cidade também é conhecida pelo clima agradável, pela sua
gastronomia e pelos seus monumentos histórico-culturais, que revelam ares de uma
modernidade ainda barroca.
Nessa imagem, resguardado o caráter festivo da data, o que mais chama a
atenção é o fervor dos peregrinos na sua caminhada em busca de uma simbólica
| 124
proteção de Nossa Senhora das Neves. Vemos, através de um mar de sombrinhas e
guarda-chuvas multicoloridos que margeiam a Santa e lhe conferem ainda maior
saliência, o reflexo de um povo que, acima de tudo, e mesmo debaixo d’água, crê, tem
fé.
5.3.1 REPRESENTAÇÃO
Vetor santa
Atores peregrinos
Meta procissão
A Padroeira, principal participante representado na cena, apresenta-se numa
composição de processo narrativo, ou seja, o fato de peregrinos estarem seguindo, em
procissão, a imagem da Santa indica uma ação. O vetor que identificamos conectando
os participantes (atores) à procissão (meta) na cena é a própria imagem da Padroeira.
Nesse processo, há um ator (ou no caso, um conjunto de atores, que é a
multidão que forma a procissão) que é um participante ativo, do qual emana um vetor
ou com ele se confunde. Este processo também se caracteriza pelo fato de ser
transacional, ou seja, o ator pratica uma ação projetada em algo que, por sua vez, é
denominado objetivo. O objetivo é, portanto, o participante a que o vetor (a ação) é
dirigido, conseqüentemente, é também o participante para quem a ação é feita,
dirigida. E se a ação é direcionada a apenas um objetivo, o processo é chamado de
unidirecional.
Na imagem A Padroeira, o andor motorizado é o veículo que transporta a
Santa, através do qual, seja motorizado ou carregado pela multidão é o que impele o
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processo de ação na cena observada. Sugestivamente, quem pratica a ação de carregar
o andor é a multidão, formada por vários fiéis. Estes são, portanto, atores do processo.
A ação ou vetor é dirigida pelos atores ao andor que transporta a Santa, depois a um
ambiente externo à imagem e, conseqüentemente, o destino da Santa. Sendo assim,
há dois objetivos: o andor, num primeiro momento, e o ambiente externo – que não é
mostrado, mas que pressupõe o destino da Santa, num momento final.
Por estar chovendo, a grande maioria está encoberta por um mar de
sombrinhas e guarda-chuvas. Os poucos atores percebíveis, têm seus olhares
direcionados para pontos indeterminados fora ou dentro da cena, portanto, sem uma
meta definida, indicando, por sua vez, uma ação de representação narrativa não-
transacional.
Por se tratar de uma imagem híbrida, podemos inferir, também, a presença do
processo de reação dos fiéis e da própria Padroeira, quando, na foto, não conseguimos
identificar para onde ou para quê (fenômeno) os poucos e visíveis participantes
(reatores) estão dirigindo o olhar dentro da cena. Se tratando, portanto, também de
uma representação narrativa de reação não-transacional.
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5.3.2 INTERAÇÃO
Contato oferta
Perspectiva ângulo oblíquo
Modalidade
naturalista
Distância Social social
plano aberto
Quanto à natureza das relações sócio-interacionais, temos o contato, a
distância social e a perspectiva. Através destes, estabelecemos numa composição
visual estratégias de aproximação/afastamento para com o leitor. Nesta cena
fotojornalística, encontraremos os participantes da imagem em posição de oferta
(offer), ou seja, participantes que não interagem diretamente com o observador
(leitor). Inclusive, a Santa, da maneira como foi retratada, também “se oferece” para
análise.
Neste caso, o uso de uma lente tele-objetiva13 ajudou a criar essa
impessoalidade existente no contato de oferta, tendo em vista que a fotógrafa
registrou a cena ou o fato recorrendo a uma certa distância social, através de um
enquadramento em plano aberto (long shot), buscando uma certa invisibilidade frente
ao fato narrado, procurando lhe dar a naturalidade próxima daquilo que ocorreria caso
a cena não estivesse sendo registrada pelas suas lentes.
Na fotografia apresentada, a escolha de um ângulo ou de um ponto de vista
implica a possibilidade de expressar atitudes subjetivas com relação aos participantes
13
Trata-se de uma lente fotográfica que possui objetiva de maior distância focal, diminuindo o campo de visão do fotógrafo, fazendo com que os elementos registrados pareçam achatados num mesmo plano. Esse tipo de lente normalmente proporciona ao produtor registrar a cena sem muitas vezes ser percebido, o que de certa forma confere tanto uma maior impessoalidade como uma maior espontaneidade ao que é registrado.
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representados, sejam eles humanos ou não. No esquema de A Padroeira, o ângulo não
é frontal nem baixo, mas oblíquo e alto e, portanto, o registro foi feito do ponto de
vista de alguém situado à esquerda dos objetos e acima deles. O resultado desse
recurso é um afastamento do que está sendo representado.
Não há conexão entre participantes representados e leitor/observador. Os
participantes representados serão encontrados como objetos de contemplação do
participante interativo (observador). Os elementos exibidos são observados e lidos.
Estão à apreciação do observador tanto quanto um livro ou uma obra exposta numa
galeria.
Quanto à perspectiva, ela foi realizada através de plano oblíquo, o que
também sugere um não envolvimento de quem observa e quem está sendo
observado. Quem detém o poder, diante desta imagem, não são os participantes
contidos nela, mas seus observadores, apesar daquilo que se vê parecer somente fazer
parte do mundo dos participantes representados, algo que não diz respeito ao
espectador.
A modalidade ou valor de realidade é o que aproxima e contextualiza a
imagem do real. Apesar do enlevo que as sombrinhas e guarda-chuvas dão à imagem
da Santa, esta é uma cena passível de ser captada aliada às condições do tempo e da fé
que operam sobre os sujeitos nesse tipo de situação. Cores saturadas e moduladas,
além do plano de fundo (background) dispostos na cena imprimiram um novo
contexto à procissão, que ocorre debaixo de chuva. No objeto de nossa análise, estes
fatores contribuem para a identificação da modalidade naturalista.
Por se tratar de uma imagem fotojornalística, é bom lembrarmos que, mesmo
que ela contenha contornos subjetivos, até porque está impregnada da percepção de
quem a produz, este tipo de imagem descreve fatos, portanto, lida com distintos
aspectos do real, mesmo que possamos considerar algumas deles bastante insólitos.
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5.3.3 COMPOSIÇÃO
Ideal santa
Real procissão
Dado Novo
Nessa imagem, observamos a ênfase dos valores informativos entre ideal/real.
O valor informativo ideal ou subjetivo, localizado na parte superior da imagem, é
ocupado pela Padroeira: uma pequena imagem de barro, que personifica a presença
do divino, entre mortais; vem elevada numa espécie de andor móvel, sublimada por
flores e vestes brancas, simbolizando pureza. Apesar de aparentar certa fragilidade –
tanto por suas pequenas dimensões na composição da cena, quanto por sua própria
natureza (feita de barro), é esta imagem também a personificação da Mãe ideal,
protetora, suprema e eterna.
Margeando a cena, temos as sombrinhas e guarda-chuvas, dando uma certa
uniformidade que converge nosso olhar para o centro da composição imagética. Lá,
encontraremos a imagem de uma Santa que praticamente divide a composição ao
meio. Já na base da imagem, encontramos a informação real: pessoas que se dispõem,
mesmo debaixo de chuva, a cumprir com o exercício de sua devoção.
Quanto à informação dada ou elementos que vêm do lado esquerdo do texto
visual e, portanto, como informações já compartilhadas e familiarizadas pelo
observador, temos a presença fundamental do andor (motorizado) sem o qual o
motivo maior de uma procissão, que é levar a imagem de um(a) santo(a) de uma casa
religiosa à outra, promovendo a integralização entre criaturas menores e a Unidade
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Maior, não ocorreria. Por sua vez, os elementos que se apresentam do lado direito,
trazem uma informação nova, a de que não há chuva ou obstáculo que demova a
prática da fé.
O elemento de maior saliência na imagem A Padroeira é a própria Padroeira.
Os elementos marginais como as sombrinhas e os guarda-chuvas contrastam e
reforçam o destaque dado à Santa, no alto e no centro da cena. É uma procissão, está
chovendo, o contexto pede uma certa proteção. Se não vem por completo do alto,
ainda restam as sombrinhas e guarda-chuvas tão vivos e coloridos quanto a fé que
anima esses peregrinos, em sua caminhada. Sem falar que, no contexto do divino, tudo
o que seja derramado pelos céus, são bênçãos.
Por fim, temos em A Padroeira uma estruturação (enquadramento)
composicional forte. Ela apresenta desconexão entre os objetos que a constituem. Há
pouca neutralidade, não há desfoque de fundo e os detalhes, perspectiva e contraste
das cores proporcionam uma certa individualidade aos participantes representados na
cena, destacando ainda mais a imagem da Santa. Tanto Nossa Senhora quanto as
sombrinhas e guarda-chuvas que a cercam aparentam não ter nenhuma ligação.
Mesmo contendo vários elementos no cenário, todos são facilmente identificáveis,
uma sombrinha da outra, e entre elas e a Santa.
Metafunção ideacional / representacional
Natureza dos eventos representados pela imagem
Participantes A Padroeira e os peregrinos.
Processos
Peregrinos caminham, levando a Santa para um destino não identificado na cena: processo acional e não-transacional. Fieis e Padroeira têm seus olhares absortos: processo reacional não- transacional.
Circunstâncias
A procissão, o andor móvel, possíveis casas, lojas ao fundo, a chuva, as sombrinhas e guarda-chuvas.
Quadro 11 – Metafunção representacional (baseada em KRESS e VAN LEEUWEN, 1996).
Metafunção interpessoal / interativa
Natureza das relações sociointeracionais construídas pela imagem
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Contato interacional
Os participantes representados não interagem diretamente com o partici-pante interativo (observador/leitor), se “oferecem” para a observação, conferindo contato de oferta.
Distância social
Plano Aberto (long shot) – Os participantes representados (Padroeira e peregrinos) são observados de maneira impessoal.
Perspectiva ou poder
Ângulo oblíquo e alto – não-envolvimento.
Modalidade ou valor de realidade
Naturalista – mesmo parecendo irreal, trata-se de uma cena de procissão sob impacto da chuva.
Quadro 12 – Metafunção interativa (baseada em KRESS e VAN LEEUWEN, 1996).
Metafunção textual / composicional
Significações construídas pela imagem
Valor de informação
Por aparecer no topo a Padroeira é a própria idealização da proteção divina. Os fieis que acompanham a procissão aparecem abaixo e margeando a Santa, configurando o que é informação dada e real, ou seja, é comum peregrinos seguirem imagens de santos, mesmo debaixo de chuva.
Estruturação (Enquadramento) Forte – Mesmo sendo um mar de sombrinhas e guarda-chuvas, todos são possíveis de serem identificados e, em meio a eles, a imagem da Santa.
Saliência
A Padroeira, transportada pelo andor móvel, no centro da imagem, é elemento de maior relevância e saliência na foto.
Quadro 13 – Metafunção composicional (baseada em KRESS e VAN LEEUWEN, 1996).
Diante do exposto, identificamos os estudos de Kress e van Leeuwen válidos na
disposição de um sistema funcional e pragmático para a construção e leituras de textos
visuais. Não obstante, destacamos a complexidade na tentativa de descrever imagens,
através de palavras, pois a palavra pode descrever a imagem, pode traduzi-la, mas jamais
pode revelar integralmente a sua matéria visual.
| 131
Apesar de certos signos visuais serem identificados inteligivelmente por culturas
distintas, sempre comporão maneiras e modos de ver distintos, porque é o ato de olhar,
durante o processo de fruição, que a constitui, que a materializa e não a sua co-relação
com o verbal.
Dessa maneira, também percebemos que quando o produtor de uma fotografia
jornalística investe em determinados participantes, atributos, contatos, ângulos,
perspectivas, modalidades, saliências, estruturações, não está só procurando conectar
os elementos internos da sua construção visual, está também refletindo o discurso de
muitas vozes numa só imagem. É a linguagem não-verbal propondo vários diálogos,
conduzindo e mediando questionamentos que não se esgotam à primeira vista,
constantemente sugerindo novas leituras.
Assim considerados os aspectos próprios da linguagem iconográfica, e que
orientam os seus processos de significação, resta ainda afirmar que tais componentes
formatam, também, níveis menos evidentes de realização da linguagem, como é o
caso, aqui, dos chamados efeitos de natureza estética.
É importante considerar que tanto o conjunto de configurações funcionais que
nos auxiliaram a perceber a presença de elementos de uma “gramática da
visualidade”, quanto a experiência com a linguagem submetida às tensões da
sensibilidade e da emoção, são todos referenciais baseados, tanto num jogo de
percepções visuais, quanto de seus “relativos” efeitos sobre o(s) leitor(es).
Observemos que, ao preconizar a existência de contato interacional, os autores
em questão já investem sobre aspectos da afetação, da sensibilização que eventuais
leitores têm diante deste ou aquele artifício presente no corpo da imagem. A relação
de causa-e-efeito sensível, estético, está subentendida no acervo de configurações
trabalhadas por Kress e van Leeuwen. E isso nos abre possibilidades para iniciar a
discussão no segmento posterior, quando estaremos assinalando os possíveis efeitos
de natureza estética a partir de nosso corpus.
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CAPÍTULO 6
Para além das palavras o estético no espaço fotojornalístico
Ver bem não é ver tudo, é ver aquilo que os outros não conseguem ver.
JOSÉ AMÉRICO DE ALMEIDA
Encontrei um pintor que tinha voz vermelho-escura, e o acaso quis que ele gostasse desta cor...
O que vem a ser portanto um olhar? É talvez a soma de todos os sonhos, cuja parte de pesadelo se esquece,
quando a gente pode por-se a olhar diferentemente(...)
EVGEN BAVCAR
No segmento anterior, procuramos apresentar os artifícios de linguagem que se
fazem presentes na estruturação de composições imagéticas, aqui, fotojornalísticas.
Tais conformações, extraídas de um conjunto de regras elaboradas por Kress e van
Leeuwen, assinalaram dispositivos funcionais que demonstram o quanto as imagens
estão atravessadas por mecanismos linguísticos, que mantêm correspondências com
outros vetores da faculdade da linguagem, em especial com as baseadas na língua. O
que vem reafirmar o preceito bakhtiniano segundo o qual as linguagens encontram-se
em processos permanentes de estimulação recíprocos (BAKHTIN, 2000, p. 329).
Nesta parte de nossa investigação, daremos visibilidade ao teor estético das
peças fotojornalísticas submetidas à análise de seus componentes sintáticos, conforme
evidenciado nas páginas anteriores. Trata-se, aqui, de associar os dispositivos de
linguagem antes destacados com os efeitos sensíveis que podem produzir.
Como vimos anteriormente, toda experiência estética nos atinge em maior ou
menor grau, dado o impacto sobre nossos sentimentos e emoções diante de uma
matéria simbólica produzida para esse fim, ou diante de qualquer evento14.
14
Não existe consenso em relação a este fator da experiência estética. Há autores que limitam a existência do estético às chamadas belas-artes ou artes nobres. Porém, consideraremos experiência estética como abordada por
| 133
O evento estético, como já dito, altera nosso estado de ânimo, através de
sobrechoques emocionais, modificando, assim, o nosso situar no mundo.
Por sua vez, a relação estética, aliada aos jogos de sentido, não deve ser
confundida com o trabalho interpretativo, como nos esclarece Silva (2010, p. 104):
A experiência estética não se limita às variações de sentido, aos jogos
interpretativos, pois que estes, por assim dizer, fixam apenas a parte mais
visível, mais saliente daquilo que o excitamento foi capaz de produzir. No
momento em que o autor [...] usa de mecanismos verbais e icônicos para
forjar comunicação, ele tanto cria as condições para a apreensão do
conteúdo, como também forja liames que permitem comunicar
sentimentos, estados de espírito, a fim de gerar excitação, algum prazer
fruitivo em interagentes [...] (SILVA, 2010, p.104).
Assim como a percepção é a “fase ótica, onde percebemos as formas e as
tonalidades de uma imagem no geral”; a identificação “combina ações óticas e mentais
que ajudam a reconhecer os componentes, e é quase sempre igual para todas as
pessoas”; a interpretação é a “ação totalmente mental e pessoal, sendo influenciada
pelas experiências e lembranças de cada observador” (TERRATACA, 2010).
Ainda baseando-nos em Silva (2010), ação interpretativa e imersão sensível são
elementos que se articulam no corpo da experiência estética, para levar-nos a
experimentar sensações e prazeres, alimentando nossa imaginação diante das coisas
do mundo. Por isso mesmo, ao expormos e avaliarmos os elementos próprios de uma
gramática da visualidade, utilizando peças fotojornalísticas, pusemos em questão tanto
partes de uma arquitetura que assegura a articulação dos sentidos, quanto
sedimentamos o terreno para a etapa que será cumprida nesta sessão, que é a de
expor o curso e as características do contato estético.
Barilli (1994, p. 49-48), a qual vai muito além das consagradas artes nobres, e que ela pode acontecer com tudo que se veja submetido à atenção humana, desde o ato de respirar, consumir uma refeição, ouvir uma música. Para tanto, basta que se cumpram as condições que caracterizam este tipo de experiência.
| 134
6.1 SOB AS ASAS DO URUBU REI
Nossas análises da peça Urubu Rei, realizadas com o auxílio da gramática
visual e com o suporte maior da semiótica peirceana, permitiram-nos identificar os
elementos funcionais que da forma como arregimentados pela produtora das imagens
visam estabelecer comunicação. Verificamos que conjunto de dispositivos presentes
na composição imagética tendem a produzir, no leitor, uma situação emocional
aflitiva, dado o jogo dos elementos representados, as relações sócio-interacionais e as
significações construídas pela imagem. Esta última, configurando o resultado da soma
dos elementos estruturantes da imagem – e que é para onde se volta qualquer estudo
semiótico, em seu esforço de deixar esclarecido quais são os elementos responsáveis
pela comunicação humana, de que maneira se estruturam, e que peculiaridades
manifestam.
Diante de Urubu Rei, o leitor de depara com uma situação tensa, que chega ao
estado de drama – no caso, trata-se de um drama social, “pintado” com enorme
violência: homens e urubus, urubus e homens dividem os restos podres que a cidade
lhes deixou. A imagem possui alta capacidade de mexer com a nossa sensibilidade, e
dificilmente o leitor conseguirá ficar “imune” aos seus efeitos, às suas intenções.
A imagem retrata aspectos de uma realidade brutal e desconcertante, que nos
atinge pela aterradora situação de humanos que “disputam” sobras com animais
carniceiros, dependendo disto suas sobrevivências. Homens e aves se confundem
neste território de “devastação humana”, sob as asas do “imenso” e “poderoso”
urubu. A composição descreve um clima dramático, porque entre homens e animais
que vivem de dejetos não há qualquer diferença. Em termos precisos, o cenário nos
mostra a “selvageria” não de homens-urubus, homens-carniça, mas de uma situação
que agride o nosso senso de humanidade, de civilidade, porque a vida humana chega a
níveis baixíssimos de existência.
| 135
A vida, nesta cena, aparenta não ter qualquer valor, sob as asas soturnas da
“ave soberana” que vive de restos e de matéria pútrida. Diante da imagem, o leitor se
vê incomodado, provocado por uma situação que ele sabe existir, embora ignore. O
seu estado emocional, assim, é alterado, e a imagem desconcertante o prende a esta
situação dramática, em que seres humanos correm perigo iminente. Esteticamente
preso a este cenário “fantástico”, o leitor experimenta as intensidades perceptivas e
emocionais do patético que, conforme vimos, é categoria estética de grande abalo
emocional. Atingido esteticamente pela cena aterradora, o leitor experimenta as
sensações desagradáveis que brotam da imagem que retrata o outro lado do
progresso urbano, em detrimento do humano.
Sabendo que o patético se divide de um lado em morno, lento e depressivo e
do outro agitado e trêmulo (SILVA, 2010, p. 98), e segundo Souriau (apud SILVA, 2010,
p.98) o patético traduzindo sofrimento ou um grande mal, os elementos que
compõem Urubu Rei carregam forte expressividade, dramaticidade, veemência,
lançando-nos esteticamente a uma profusão de sentimentos, que só mediante nosso
engenho intelectual ou competência cognitiva (CASSIRER, 2005, p.56) somos capazes
de decifrar os propósitos que a imagem encerra ou que ela quer dizer.
É preciso deixar claro que em qualquer material submetido à interpretação os
sentidos podem variar, mesmo que o abalo emocional produzido por uma cena
aterradora como a de Urubu Rei seja comum. Podemos dizer que, impactados, diante
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da intensidade estética desta cena, venhamos sofrer um abalo emocional
relativamente idêntico. Nossos sentidos, porém, que transitam com outros aspectos
da realidade, negociando com blocos de significados, percepções, convicções, valores
distintos e conflitantes, nos conduzem a observações e leituras relativamente
desiguais.
Não à toa, já em nossas análises sob a égide da Gramática Visual (1996),
fazemos inevitáveis associações subjetivas entre o urubu e a águia que representa, na
atualidade, o país mais predador do mundo e sua indiferente reação às demais nações.
Para isso, destacamos
a pose para a fotografia do ‘urubu/águia’, a maneira onipotente e majestosa com que paira sobre os demais, a aparente refeição de qualidade feita, em primeiro plano, por aqueles que fazem parte do seu clã (ou o G8, como sugerido anteriormente) e, ao fundo, a naturalidade dos miseráveis, que, apesar de humanos, comportam-se como bichos, mas, ainda assim, com imensa passividade: co-relação simbólica que normalmente atribuímos ao comportamento subserviente dos países ditos emergentes, que sofrem influência e domínio do capital estrangeiro (CÂMARA, 2010, p. 108).
Como observamos em nossa análise anterior, nada parece intimidar ou
incomodar os aterradores “anfitriões” desse banquete insólito. O que não foge à
postura dos EUA, país que não bastasse se comportar como “dono do mundo” parece
sempre estar sobre nossas cabeças, quer seja para nos vigiar ou intimidar, quer seja
para nos punir.
Isso que acabamos de dizer não encerra, e nem é esse o nosso propósito, os
significados que a imagem em questão é capaz de produzir. E a pesquisadora,
submetida também aos abalos emocionais produzidos pela imagem, impactada
esteticamente, imergiu em na superfície significante do ícone, alimentada pela
imaginação e por suas convicções histórico-políticas.
Urubu Rei – incomum, sob todos os sentidos – apresenta-se plasticamente
equilibrada, embora todo o arranjo composicional tenha sido construído na intenção
de instaurar um desequilíbrio, um desconforto, em quem vê/lê a imagem. Tanto
equilíbrio/desequilíbrio entre composição e ”espetáculo aterrador” chega-nos dar
impressão que tudo aquilo que ela mostra não é real.
| 137
Justo o potencial estético desta peça fotojornalística, eleva seu caráter de
denúncia social, tornando-a mais forte e mais pulsante. Na vida, na arte, ou em cenas
corriqueiras, o potencial estético lá está, e, nos move, justamente, por causa dos
abalos emocionais e interpretativos que nos causam.
6.2 A LEVEZA DE RECREIO
Enquanto em Urubu Rei predomina a intensidade dramática do patético, com
sua acentuação pesada e tensa, em Recreio verificamos outras intensidades
emocionais.
É bom salientar que não há contato estético sem abalo emocional, sem
imersão na trama que se desenrola diante do leitor/observador e sem produção de
sentidos. A malha de intensidades emocionais, porém, é variável, e as categorias dão
corpo a diferentes tipos de contágio. Por isso mesmo, dificilmente poderemos
mensurar as reações estéticas através de formalizações seguras ou exatas, como é o
caso das categorias estéticas. Sem falar das variações existentes dentro de uma
mesma categoria, levando-a a adquirir outras qualidades ou potencialidades.
No caso da composição fotojornalística Recreio verificamos que o abalo
emocional gerado tem outra intensidade, de teor prazeroso e relaxante. A cena traz
meninos que brincam de rodar pião, numa área carente no município de Caaporã, na
Paraíba.
Em nossa análise anterior, baseada na GV (1996), ante as ebulições de
significados inerentes à composição fotográfica fica claro o marcante contraste entre a
pobreza do local (como das roupas das crianças presentes na cena) e a alegria
contagiante dos meninos, principalmente do que se encontra em primeiro plano.
Do ponto de vista das intensidades estéticas que daí emanam, outra diretriz
toma corpo, e acrescenta desdobramentos à esfuziante imagem do menino em
primeiro plano, e também para os que se acham em segundo plano.
Nesse caso, entendemos que duas categorias estéticas se articulam no
interior desta imagem, a do bonito com a do pitoresco. Conforme vimos ao tratar das
categorias estéticas, o bonito faz referência àquelas intensidades marcadas pela
| 138
alegria, ousadia e desenvoltura. Há, no bonito, a presença de uma atmosfera amável,
envolvente, mas ao mesmo tempo trazem um clima leve e frágil. Assim é parte da
atmosfera de sensações, e de sentimentos, que Recreio suscita.
A imagem dos meninos, que brincam alegremente com piões, institui uma
“pausa” frente à aridez de um universo tão rico, cada vez mais aparentemente feito
para poucos, e o enche de graça e encantamento. O clima gerado pela imagem é
bastante frágil, e a sensação que daí surge é que a qualquer momento poderá se
romper.
Eis porque se costuma dizer que o bonito está marcado pela precariedade, ou,
conforme acentua Parret (1997, p. 153), a fragilidade “faz nascer a ideia de que o
bonito é precário, bastando um nada para destruí-lo”. É assim que a suavidade alegre
que desponta desta imagem se impõe à nossa percepção: os meninos, graciosos e
cheios de alegria, brincam diante da inexorabilidade do mundo, enchendo-o de vida e
insustentável leveza.
De outra parte, este mundo, trazido pela composição fotográfica, demarca um
território muito específico, em que ficam expostas marcas de uma territorialidade, e
que são referenciados pelo termo pitoresco. O pitoresco é uma categoria estética que
dá volume à cor local, que são aquelas que identificam aspectos da regionalidade.
| 139
A brincadeira de pião é uma das modalidades lúdicas praticadas no Brasil, em
especial em nossa Região. É sua a característica da oposição entre o rude e o polido,
preponderando o primeiro; do domínio da irregularidade frente aos padrões regulares
e simétricos. A brincadeira do pião traduz justamente esse clima em que o lúdico se faz
com instrumentos toscos, simples, regionalizados por anos e anos de contínuo
exercício.
A fusão antes referida, entre as categorias estéticas do bonito e do pitoresco
conferem à composição um especial brilho de emocionalidade, de poeticidade,
fazendo com que o leitor, em se plasmando esteticamente à imagem, integre-se
prazerosamente a ela, pelo encontro da beleza frágil com as coisas e singularidades de
um povo de um lugar.
6.3 A PADROEIRA
Vimos nas considerações acerca dos instrumentos lexicais da linguagem
fotográfica acerca da composição A Padroeira, que os vetores maiores da análise
assinalam a presença da Santa sobre um mar de guarda-chuvas e sombrinhas. É esta,
de fato, a circunstância que se impõe à apreciação estética: há a superabundância de
guarda-chuvas e sombrinhas, e que enchem quase que totalmente o enquadramento.
É, de fato, um espetáculo de fé, em que homens, mulheres e crianças não se
intimidam diante das pressões meteorológicas, dando testemunho de fé e confiança à
Santa protetora. O mar de sombrinhas guarda-chuvas produz encanto pelo excesso,
pelo volume, ou, em termos estéticos, pela grandiosidade da cena. Há, nesta foto, o
que podemos chamar de extravagância, e é justamente esta extravagância que
mobiliza nossos sentidos, nos emocionando.
Diante desta imagem, experimentam-se as sensações estéticas do grandioso.
O grandioso é uma categoria estética que faz fronteira com o nobre, sem contudo se
confundir com ele. A categoria estética do nobre está marcada pela união da grandeza
com a medida, razão pela qual o nobre não suporta os exageros da majestade, ou da
pomposidade. Na imagem em questão o que prepondera é a absoluta desproporção
de “tamanho”; o nobre pode estar sob as sombrinhas e guarda-chuvas, mas é o
| 140
grandioso que aí se manifesta, com todas as cores, porque suas dimensões são muito
vastas.
Como já antes dissemos, o grandioso se caracteriza por ser grande
“materialmente”, e impõe seus efeitos pelo volume, e somente por ele. O que com o
grandioso se materializa é a sugestão de poder, muito mais que o de qualquer outro
atributo.
Em termos precisos, o leitor vive a afetação causada pelo sentimento de
excesso que a imagem estampa. Diante dela, o leitor/observador sente a pressão do
volume de pessoas, que vêm render homenagens à Santa padroeira. Por isso mesmo,
as sensações e os sentidos que daí desponta vão assinalar, precisamente, o poder
exercido pela fé.
Não é, certamente, à toa que os poderosos sempre utilizaram os mecanismos
estéticos do grandioso para exercer influência, controlar situações e encantar. É
importante verificar que todo exercício de poder exige “pompa” e “circunstância”, em
termos, exige grandiosidade e evento. Não há poder que se exerça sem a concorrência
dos fatores estéticos da grandiosidade e, em certos casos, da nobreza, do nobre.
As procissões, como sabemos, exigem grande participação popular, e quanto
maior for o evento, mais evidente se torna a força, o poder que determinado santo ou
santa têm diante da comunidade de fiéis. As procissões são manifestações de massa,
sempre foram e dificilmente deixaram de sê-las.
| 141
Do ponto de vista estético, o leitor/observador que entra em contato com
esta cena sente o impacto da grandiosidade do evento, e se fusiona à imagem, por
esse sentimento de excesso causado pelo volume e pela intensidade. Esse
arrebatamento causado pelo excesso prende o indivíduo à cena, e com ela passa a
negociar os sentidos trazidos pela composição.
O volume, a qualidade dos sentimentos estéticos experimentados através das
peças que compõem o nosso corpus, são indicativos consistentes de que o trabalho
fotojornalístico diz sempre mais do que aparenta dizer. A ação de análise estética que
aqui realizamos procurou, mais uma vez, atingir níveis que não são alcançáveis através
da análise fria e racional.
Desta forma, esperamos ter deixado evidente que a “narrativa” fotográfica
traça jogos de simpatias, de atrações, de exaltações que nos chegam tanto pelos
sentidos quanto pelos sentimentos e sensações que provocam.
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Conclu...indo
“O seu olhar (...) melhora o meu.”
PAULO TATIT e ARNALDO ANTUNES
“Lemos para fazer perguntas.”
FRANZ KAFKA
Estamos sempre lendo, relendo, coisas, fatos, nós mesmos. Uma imagem seja
ela de cunho documental, pessoal ou fotojornalístico, será sempre um re-olhar,
reconstruir, re-significar de coisas, fatos, nós mesmos, sob novas perspectivas, novos
contextos históricos. Isso porque, antes de tudo, conseguimos organizar o mundo
através de um complexo sistema de signos e sinais que se compõem ou decompõem
dadas as nossas necessidades e a do ambiente em que nos encontramos.
Outrossim, a fotografia jornalística, mesmo trabalhando com o fator
informativo da realidade, funciona “recriando” essa realidade, a interpretando, isso
associado aos valores que incidem sobre certa cultura, povo ou comunidade. Esses
valores que normalmente residem em nossa subjetividade e que podem e devem vir à
tona num texto de composição visual, propondo novos significados, novos efeitos de
sentido a quem os lê.
O que de mais relevante reconhecemos na aplicação das teorias semióticas
empregadas nesta pesquisa é que elas compreendem a imagem um texto aberto.
Mesmo que cada uma delas disponha seus perímetros de legibilidade sígnica, todas
dialogam com o que não está posto de maneira ordenada e visível, se dá, pois, no
âmbito do entretexto, da intersubjetividade.
A disposição de cada elemento interno que compõe uma imagem
fotojornalística (seja através de um participante, um atributo, um ângulo, uma
perspectiva, contendo ou não conexão) estará refletindo múltiplos olhares num só
olhar, nos convidando a ver e reler o que nos constitui mesmo estando fora de nós.
Nesse jogo de interfaces, do fato “construído” pelas vias de quem o
concebeu/produziu às desconstruções e reconstruções de quem lê/vê/observa cada
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narrativa imagética há camadas de significação que não se esgotam mediante esta ou
aquela perspectiva teórica ou metodológica.
Partindo desses pressupostos, o que fizemos até aqui foi, em síntese,
estabelecer um olhar diferenciado sobre a produção fotojornalística, auxiliados pela
semiótica peirceana, pelos vetores extraídos da Gramática visual, de Kress e van
Leeuwen e por algumas categorias da experiência estética.
As análises nos mostraram que os aspectos representacionais, interativos e
composicionais das imagens, que são a forma como os elementos visuais se
relacionam entre si e como estão distribuídos ou colocados no espaço visual,
constituem peças-chave para a compreensão dos discursos que medeiam a
representação de assuntos socialmente significativos nas imagens fotojornalísticas,
bem como estes mesmos elementos são frutos e fonte de efeitos sinestésicos e
estéticos.
Os estudos de Kress e van Leeuwen nos ajudam a entender como funcionam os
discursos imagéticos, num momento em que a análise visual, principalmente do
registro fotojornalístico, se torna cada vez mais exigente e rigoroso, por isso, os
esforços produzidos para desnudá-lo ao máximo da sua complexidade, visto que o
produtor desse tipo de imagens narram fatos, mas estes fatos são narrados a partir de
um conjunto de experiências já vividas e internalizadas. O que venham a dizer essas
imagens é implicitamente reflexo do exercício hermenêutico e técnico do profissional
que objetivamente trabalha “escrevendo com a luz”.
Ademais, não nutrimos a ideia de que nossas análises encerrem nem a semiose,
nem os sentidos, e muito menos as experiências sensíveis com as imagens
fotojornalísticas. Isso porque estamos convencidos que a linguagem é espaço da
complexidade, porque ela está sempre aberta a diferentes apropriações, a diversas
leituras.
Embora não possamos nos esquecer que a imagem fotojornalística é produção
midiática, que envolve comunicabilidade rápida e descomplicada, e que, portanto,
seus ajustes de comunicação com os públicos resultam de sua preocupação com a
eficiência e a eficácia, essa atividade profissional também busca, reivindica sua
“racionalidade imaginativa”.
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Mesmo sabendo que para os meios massivos notícia e espetáculo são faces de
uma mesma moeda, a mecânica fotojornalística para noticiar aquilo que,
efetivamente, interessa aos dados do “ibope”, causa impacto, produz polêmica, não
precisa apelar ao grotesco.
Se a imagem fotojornalística, como pretendemos ter deixado claro, produz
sentidos e provoca diferentes reações sensíveis, é preciso não esquecer que ela é
produto da faculdade humana da linguagem, e como tal “reescreve” o mundo,
reinterpreta os fatos e acontecimentos, e lança poderosas teias ideológicas sobre o
tecido social.
Também não estamos aqui cercando o fenômeno ideológico como
manipulação da consciência, como engodo ou farsa tendente à manutenção do status
quo, conforme muito já apregoou o marxismo.
Entendemos que o ideológico é inerente à vida em sociedade, e com ele e por
ele se estabelecem os fluxos de significação e de entendimento sociais. Resta
considerar, em meio a tantas e tantas manifestações da linguagem, e especialmente as
dos processos fotojornalísticos, que tipo de sentido ela está pretendendo instituir, e a
serviço de que projeto ideológico e cultural ela está a serviço.
É precisamente neste ponto que os instrumentos teóricos e o arsenal de
técnicas de análise nos ajudam a perceber com um pouco mais de clareza e acuidade
as “estratégias” de produção sígnica – o que, muitas vezes, passa despercebido aos
olhos menos familiarizados com as “astúcias” da linguagem.
As imagens fotojornalísticas trazidas para dentro desta investigação se
constituem em flashes de uma realidade que corre seu curso, ela faz dessa realidade,
ou desse instante do real, um espaço de apreensão significativa, como também um
espaço de deleite – possibilidade, esta última, jamais eliminável dos espaços da
linguagem.
Se a imagem fotojornalística consegue transcender de seu espaço informativo
jornalístico, indica-se, também, que a própria tecitura jornalística (aí considerada a
presença fotojornalística) não pode deixar de contar com aqueles impulsos que
brotam da sensibilidade humana, e que fazem do registro muito mais do que a simples
captação de um “instante decisivo”. Porque essa fração da vida, colhida através das
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lentes do fotojornalista, também vem “armada”, recoberta de sensações e de
sentimentos, e que se somam à notícia, como um seu ingrediente indispensável.
Informação e emoção, jornalismo e sensação – eis aí uma combinação de
termos que pouco tem sido percebida pela reflexão sistemática na área do jornalismo.
Esta que é uma importante fatia da engenharia de comunicação de massa muito mal
dimensionada e pouco explorada. E que está a pedir atenção da atividade de pesquisa.
Dito isso, cumpre aqui assinalar alguns possíveis desdobramentos para a
pesquisa que ora se encerra, a entendendo como espécie de primeiro passo, frente às
desafiadoras propostas que cada caminho investigativo oferece.
Ainda dentro da esfera da gramaticalidade poderemos observar e analisar quais
os processos ou estruturas visuais de maior incidência nas notícias fotojornalísticas
num determinado tempo ou que estrutura visual mais se destaca em cada um dos
setores em que a imagem jornalística transita.
Não obstante, uma das possibilidades que despontaram do processo de feitura
desta dissertação diz respeito ao tipo de contato estético promovido pelas imagens do
fotojornalismo. É absolutamente cabível prever que existam diferenças nos processos
de estimulação sensível entre uma obra de arte e entre peças do fotojornalismo,
porque são produzidas por motivações diferentes, assim como seus formatos são
também diferentes.
Uma possibilidade bastante estimulante de pesquisa seria realizar um estudo
comparativo entre esses domínios, o das chamadas artes visuais, ou plásticas,
especialmente a pintura, e das peças fotojornalísticas. Aí se apresentariam as
diferenças essenciais entre um e outro suporte, como também eventuais semelhanças.
Outro caminho a seguir em nossa investigação se refere a uma abordagem mais
detida acerca das projeções enunciativas a partir da imagem fotojornalística. Vimos
alguns sinais de enunciação no arsenal de configurações da Gramática Visual, porém,
sem nos determos a esses processos enunciativos. Um estudo interessante seria o de
demarcar as projeções de enunciação utilizando a imagem fotojornalística,
demarcando os modos como a imagem prevê o seu leitor, fazendo com ele reaja aos
seus estímulos e performances.
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Enfim, talvez uma das funções do texto fotográfico seja o de proporcionar ou
de fazer o leitor ver esse outro lado invisível das coisas e, mesmo, dos signos. O
encantamento a que nos submete uma imagem decorre, precisamente, do poder que
ela tem de conduzir nosso olhar para significações as quais suas representações
icônicas ocultam.
Pensamos que as imagens são tão instigantes porque elas, assim como alguns
textos, pedem que nós leitores formulemos sentidos e construção de uma história. A
imagem fotográfica pede participação, é intrínseca a ela essa solicitação. Se a palavra é
polissêmica, a imagem sozinha é “ultrapolissêmica”.
Ademais, tudo o que foi levantado nesse trabalho só quer dizer uma coisa: tudo
o que está aí, é e está para ser reconfigurado, reconstruído, complementado. Para isso
servem as regras da arquitetura e engenharia sígnicas. A criatividade serve para
provocar, remodelar, “redizer”, enfim, transformar o “ordinário em extraordinário”.
Afinal o que importa mais é a realidade ou o que dela podemos extrair?
Tanto mar, tanto mar... Rever/reler é preciso!
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