Palestina 48-08 [Arlene Clemesha]2008

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    Palestina, 1948-2008

    60 Anos de Desenraizamentoe Desapropriao

    ARLENEE. CLEMESHA*

    pp.171-185

    Prlogo dos editores

    O xodo de aproximadamente 800.000 rabes da Palestina de 1947 a 1949foi o principal fato constitutivo da sua histria moderna, mas recebeu diferentes

    verses ao longo dos ltimos sessenta anos. Este estudo se concentra nas reve-

    laes mais recentes da historiografia, oriundas de pesquisas em histria oral e

    a abertura de arquivos israelenses. Analisa o problema da restituio da proprie-

    dade palestina confiscada pelo nascente Estado de Israel. Indica, finalmente, a

    importncia do reconhecimento da expulso do povo palestino e a realizao de

    seus direitos humanos, para qualquer processo interno de reconciliao.O texto

    foi originalmente publicado em farsi por ocasio do Festival Internacional deCinema Documentrio do Ir, Cinema Harirat, que em sua edio de 2008 teve

    como enfoque a reflexo sobre a histria e a atualidade do povo palestino.

    [The uprooting of approximately 800.000 Palestinians Arab, from 1947

    to 1949, was arguably the most formative event in the modern history of the

    land of Palestine. However, it has received different interpretations in the past

    60 years. Originally published in Farsi, in the framework of Cinema Harirat, the

    International Documentary Film Festival of Iran, focusing this year on the events

    of 1948 in Palestine, this article focuses on recent historical research conducted

    by Israeli and Palestinian scholars, notably studies in oral history and declassified

    archives. It analyses the problem of Palestinian property restitution, and indicates

    the importance of recognition of Israeli moral responsibilities in the creation of

    the Palestinian refugee problem, for any future reconciliation process.]

    Universidade de So Paulo. Departamento de Letras Orientais.

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    Da esquerda para a direita: Palestinos forados a deixar Ramle em 1948; Refugiados palestinos privados desua casa; Campo de refugiados palestinos, 1949 (Fonte: http://portal.unesco.org/ci/photos/showgallery.php).

    Nenhum acordo pode ser justo e completo se no reconhece o direito do refugiado

    rabe de retornar casa de onde foi tirado [dislodged] Seria uma ofensa contra os

    princpios elementares de justia, negar a essas vtimas inocentes do conflito o direito

    de retornar s suas casas, enquanto vagas de imigrantes judeus ingressam na Palestina

    e, de fato, ameaam tomar permanentemente o lugar dos refugiados rabes, enraizados

    nessa terra h tantos sculos.

    Conde Folke Bernadotte, mediador da ONU para a Palestina, 16 de setembro de 1948

    (ONU: 1948: A/648), assassinado por um extremista sionista no mesmo ano.

    No incio, a transferncia palestina

    A idia de transferncia da populao rabe palestina para alm das fronteiras de

    seu pas, para a criao de um Estado exclusivamente judeu na Palestina, era parte do proje-

    to sionista desde o incio do seu empreendimento colonizador, isto , desde o final do sculo

    XIX. Desde o incio, os sionistas desejavam transformar a rea da Palestina em um estado

    judeu. Infelizmente, observa o historiador israelense Benny Morris, o pas continha

    uma populao rabe nativa de 500.000 pessoas no incio do influxo sionista por volta de

    1882, e de 1,3 milho em 1947 () Como uma minoria judaica cerca de 60.000-80.000em 1914 e 650.000 em 1947 poderia conquistar o controle de um pas povoado por uma

    maioria rabe antagnica?1. Para uma melhor visualizao, a tabela abaixo reproduz os n-

    meros mencionados por Benny Morris:

    Ano/Populao rabe palestina Judaica sionista1882 500.000 -----1914 700.000 60-80.0001947 1.3 milho 650.000

    1

    Morris, 2007: 39. Todas as citaes de fonte em outro idioma so tradues nossas.

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    Lembrando que o mito da terra sem povo para um povo sem terra jamais convenceu

    a liderana do movimento sionista, vale mencionar que os escritos dos fundadores do movi-

    mento j continham referncia idia de expulso da populao rabe palestina autctone.

    Theodor Herzl, fundador da Organizao Sionista, na Basilia, Sua, 1897, e autor deDer Ju-

    denstaat(O estado judeu) de 1896, escreveu em seu dirio, em 12 de junho de 1895, devemos

    expropriar com cuidado, tentaremos expulsar a populao miservel para alm da fronteira

    () negando-lhe qualquer emprego em nosso pas Tanto o processo de expropriao como

    a retirada dos pobres deve ser executada de maneira discreta e circunspecta2.

    Dentre os pilares da colonizao sionista constavam as polticas de: conquista da ter-

    ra, isto , a aquisio de terra na Palestina pelo Fundo Nacional Judeu3, esvaziada de seus

    camponeses, falln, palestinos, no obstante o fato de que no mais de 6-9% da terra do

    futuro estado chegou a ser adquirida dessa forma; e conquista do trabalho, que significava

    reservar os postos de trabalho criados pela nova comunidade para judeus apenas. Em outras

    palavras, tratava-se de um boicote deliberado do trabalho rabe, forando os rabes palestinos

    a emigrar em busca de trabalho fora das regies paulatina e progressivamente conquistadas

    pela Organizao Sionista.

    Na dcada de 1920, a Palestina era nada menos que um importante centro de cultura

    rabe. Tanto a poesia popular como aquela da elite intelectual refletiam uma preocupao

    crescente com o curso dos acontecimentos. Atuavam os crculos clandestinos dojihadsagrado

    (aljihd almuqaddas) de Abd Al-Qader Al-Husseini(1907-1948) e Hasan Salameh (Abu Ali,

    -1948), alm da liderana quase mtica de Sheikh Izz Al-Din Al-Qassam, cujo assassinato nas

    colinas de Yabad em finais de 1935, pela polcia colonial britnica, incitou a populao local

    a seguir seu cortejo fnebre por dez quilmetros a p at o vilarejo de Yajur, constituindo o es-

    topim da revolta nacional de 1936. Foi tambm um momento de auge e efervescncia literria,

    dos poetas Wadical-Bustani4, Abu Salma (al-Karmi), Ibrahim Tuqan e Abd al-Rahim Mah-

    mud5, autor da clebre frase dirigida ao Amir Saud em sua visita Palestina em 1935: Vieste

    visitar a mesquita de Al-Aqsa, ou dizer-lhe adeus antes da sua destruio?6A revolta face ao

    governo colonial britnico e o incremento da imigrao sionista atingiria seu ponto culminante

    na Revolta rabe de 1936-39, que, tendo comeado como uma greve geral, logo se tornou uma

    revolta nacional organizada. Para ser contida, a Inglaterra empregou 25.000 soldados do seu

    exrcito, apoiados pelas milcias sionistas Hagan, Stern e Irgun. Pela primeira vez a aviao

    2Cf. Patai, 1960: 88.3Keren Kayemeth LeIsrael, KKL, criado durante o V Congresso Sionista, Basilia, Sua, 1901.N. E. Nos nomes prprios de pessoas e localidades estrangeiras foi adotada a grafia corrente na imprensa.4De origem libanesa, passou a viver na Palestina e foi o primeiro, em dezembro de 1917, a alertar contra o

    perigo que a Declarao Balfour representava aos palestinos.5O poeta foi morto na batalha de Al-Chajara em 1948.6Kanafani, 1972: 11.

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    britnica foi enviada s colnias. Cerca de 5.000 palestinos foram mortos, 10.000 feridos e

    5.679 presos, nesta que alguns historiadores denominam a Primeira Intifada.

    O Mandato Britnico da Palestina, vigente de 1923 a 1948,7deu impulso decisivo ao

    projeto sionista, permitindo que no final dos anos 1930, os lderes sionistas comeassem a

    traduzir sua viso de exclusividade judaica em planos mais

    concretos. Novas perspectivas foram abertas para o sionis-

    mo em julho de 1937, quando a Real Comisso de Inqurito,

    denominada Comisso Peel recomendou, pela primeira vez,

    a partilha da Palestina em dois Estados: um judeu e um ra-

    be, incluindo a possibilidade de transferncia da populao

    rabe para fora do territrio onde seria criado o Estado judeu.

    A regio delimitada para o Estado judeu somava 20% da Pa-

    lestina histrica e inclua as cidades de Jaffa, Acre, Haifa e

    Nazar. A regio em torno de Jerusalm continuaria sob o governo do Mandato Britnico e o

    restante do pas, cerca de 70%, permaneceria rabe.

    Um ms depois, em 7 de agosto de 1937, no XX Congresso Sionista, reunido em Zuri-

    que especificamente para avaliar as propostas da Comisso Peel, o lder sionista David Ben-

    Gurion apresentou a idia de que o Yishuv (a comunidade sionista na Palestina antes da cria-

    o do Estado de Israel) devia tomar em suas mos a realizao da transferncia, sem depender

    para isso dos britnicos:

    A transferncia populacional j foi realizada no Vale [Jezreel], em Sharon [a plancie] eoutros locais. Vocs esto a par do trabalho do Fundo Nacional Judeu (FNJ) nesse caso

    [referncia s expulses espordicas sic, a.n.- de comunidades camponesas rabes de

    terras adquiridas pelo FNJ]. Trata-se agora de uma transferncia em dimenses totalmente

    diferentes. Novos assentamentos judeus, em vrias partes do pas, s sero possveis se

    houver a transferncia dosfallnrabes (Cf. Morris, 2007: 43)

    Apesar de o territrio demarcado para o Estado judeu pelo Plano de Partilha da Comis-

    so Peel ser muito inferior s ambies sionistas, a liderana respondeu favoravelmente, ciente

    da importncia simblica que tinha nesse momento o simples reconhecimento oficial do prin-cpio de autodeterminao nacional judaica (mesmo que em apenas parte da Palestina). Em 12

    de dezembro de 1938, depois que a revolta rabe de 1936-39 j havia forado os britnicos a

    recuar da proposta de partilha e transferncia, Ben-Gurion escreveu em seu dirio vamos ofe-

    recer ao Iraque 10 milhes de libras palestinas pela transferncia de cem mil famlias rabes

    da Palestina para o Iraque. Ora, cem mil famlias significariam pelo menos 500.000 pessoas,

    o que representaria na ocasio aproximadamente a metade da populao palestina. Isso nunca

    ocorreu e, em 1941, em um memorando delimitando a poltica sionista a ser seguida no futuro,

    Ben-Gurion declararia que apesar de ele acreditar que fosse possvel a transferncia voluntria

    7Em 1917, a coalizo russo-franco-britnica derrotou osotomanos na I Guerra Mundial. O imprio turco rua e suaspartes eram divididas em reas sob controle da Inglaterra eFrana, dando origem aos assim chamados Mandatos daLiga das Naes. Em 24 de julho de 1922 o Conselho daLiga das Naes aprovou o texto do Mandato Britnico daPalestina, texto este que reiterava e consolidava a promessafeita aos sionistas pela primeira vez na Declarao Balfourde 2 de novembro de 1917. Os EUA, que no eram um pasmembro da Liga, participaram das negociaes sobre os ter-mos do Mandato Britnico da Palestina.

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    de segmentos do povo palestino, uma transferncia completa do grosso da populao rabe

    s poderia ser forada, atravs de uma transferncia compulsria e sem escrpulos8, foram

    estas suas palavras.

    Vrios anos depois, em maio de 1942, durante uma reunio da cpula sionista no Hotel

    Biltmore de Nova Iorque, foi adotada uma estratgia maximalista, prevendo a formao de

    um commonwealthjudeu sobre toda a Palestina do Mandato9. Assim, como diz Ilan Papp, o

    espao geogrfico almejado pelo movimento mudou de acordo com as circunstncias e opor-

    tunidades, mas o objetivo central permaneceu o mesmo: a criao na Palestina de um Estado

    puramente judeu, tanto como um porto seguro para os judeus, quanto como bero de um novo

    nacionalismo judeu. Esse Estado tinha que ser exclusivamente judeu no apenas em sua estru-

    tura sociopoltica mas em sua composio tnica10.

    Planejando a limpeza tnica de 194811

    Em 1948, a Palestina foi radicalmente transformada. No incio desse ano, palestinos

    rabes constituam mais de dois teros da populao do pas. Eram maioria em quinze dos

    dezesseis subdistritos, e possuam 90% da terra. No final desse ano, mais da metade dos quase

    1,4 milho de palestinos rabes havia sido expulsa da sua terra. Os que permaneceram foram

    reduzidos a uma pequena minoria no interior do recm-criado Estado de Israel.

    H dcadas se comprovou que a populao no deixou o pas sob ordens da liderana

    nacional palestina, como dizia a histria oficial de Israel. Hoje, a viso provavelmente maisdifundida na historiografia israelense a de que a fuga de metade da populao palestina foi

    o inelutvel efeito colateral da guerra rabe-israelense de 1948-49. No entanto, segundo

    Rashid Khalidi, no apenas o massacre e a expulso do povo palestino no foram o resultado

    inevitvel da guerra rabe-israelense de 1948, como os ataques decisivos coeso da socie-

    dade palestina foram produzidos ainda antes de 15 de maio, no incio da primavera de 194812

    isto , antesde osexrcitos rabes entrarem no conflito.

    8

    Cf. Morris, 2007: 44-45.9Cf. Laqueur; Rubin, 2001: 55.10Pappe, 2006: 4.11O termo limpeza tnica se encontra atualmente bem definido pela lei internacional, que a denomina crime

    contra a humanidade. Ilan Papp cita algumas das definies dadas ao termo, incluindo aquela da EnciclopdiaHutchinson, segundo a qual trata-se de uma expulso fora para homogeneizar a populao. O Departamento deEstado dos EUA reitera tal definio e diz ainda que sua essncia seria erradicar a histria de uma regio. A ONUempregou definio semelhante em 1993 quando sua Comisso de Direitos Humanos (UNCHR) a caracterizoucomo o desejo de um Estado ou regime de impor um governo tnico em regies pluri-tnicas, empregando paraisso expulses e outras formas de violncia, incluindo a separao de homens e mulheres, detenes, assassinatosde homens pelo simples fato de serem combatentes em potencial, destruio de casas e o repovoamento da regiocom outro grupo tnico. Cf. Pappe, 2007: 1-5.

    12

    Khalidi, 2007: 13.

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    A primeira fase do conflito foi decisiva. Deflagrada pela aprovao, em 29 de novem-

    bro de 1947, da resoluo 181 da Assemblia Geral da ONU (determinando a partilha da Pa-

    lestina para a criao de um Estado judeu em quase 55% do territrio, e outro rabe, em 45%

    da Palestina), essa fase durou at a proclamao do Estado de Israel em 15 de maio de 1948.

    Ela marca o primeiro xodo, envolvendo possivelmente a metade do total de 750-800.000 pa-

    lestinos que se tornaram refugiados em 1948. Durante essa fase, as milcias da Haganah (sua

    unidade de combate se chamava Palmach), Irgun e Stern,enfrentaram

    apenas combatentes palestinos e voluntrios rabes. Caram vrias das

    principais cidades palestinas, bem como numerosos vilarejos. A maio-

    ria dos moradores rabes de Jaffa e Haifa foi dispersa e o grosso de

    suas propriedades, confiscadas. Estradas e pontos estratgicos foram

    tomados e os 30.000 rabes da poro ocidental de Jerusalm, forados a deixar a cidade, para

    no mencionar uma srie de outras cidades palestinas importantes que foram atacadas antes

    de 15 de maio de 1948.13Os exrcitos rabes s vieram ao socorro da populao da Palestina

    aps 15 de maio, quando o pas j estava imerso em guerra civil. Como diz Rashid Khalidi,

    o quinze de maio de 1948 marcou no apenas o nascimento do Estado de Israel, mas tambm

    a derrota definitiva dos palestinos pelos seus inimigos sionistas, aps dcadas de lutas pelo

    controle do pas.

    Em seu livro recente,A limpeza tnica da Palestina, de 2007, o acadmico israelense

    Ilan Papp abala decisivamente a viso prevalecente da expulso dos palestinos ao demonstrar

    que a guerra foi travada nada menos que para realizar o objetivo de expulso. A guerra teria

    sido concebida pela liderana poltica do Yishuv e milcias sionistas, como parte de um pla-

    no cuidadosamente elaborado para a limpeza tnica do povo Palestino. Em outras palavras, a

    limpeza tnica foi o resultado de um planejamento demorado e meticuloso, culminando no

    abominvel Plano Dalet e na guerra de 1948. O documento de resumo da reunio de prepara-

    o do Plano Dalet, que consta nos arquivos da FDI, atesta:

    Em uma fria tarde de quarta-feira, 10 de maro de 1948, um grupo de onze homens, lderes

    sionistas veteranos e jovens oficiais do exrcito judeu, colocaram os toques finais em um

    plano para a limpeza tnica da Palestina. Na mesma tarde, despacharam ordens militaress unidades plantadas no terreno, para que se preparassem para a expulso sistemtica

    dos Palestinos de vastas reas do pas. As ordens continham uma descrio detalhada

    dos mtodos a serem empregados para desalojar fora a populao: intimidao em

    larga escala; cercar e bombardear vilarejos e ncleos populacionais; atear fogo s casas,

    propriedades e bens; expulsar os moradores; demolir as casas; e, finalmente, plantar minas

    nos destroos para impedir o retorno dos moradores expulsos. Cada unidade recebeu

    uma relao especfica de vilarejos e bairros que seriam seu alvo, em conformidade com

    o plano mestre. Denominado Plano D (Dalet em hebraico), esta era a quarta verso, e a

    final, de planos anteriores mais vagos, delineando o destino da populao autctone da

    13O jornal de Nova York,New York Times,publicava regularmente matrias sobre as cida-des palestinas conquistadas em 1948: Haifa, 21de fevereiro; Tiberias, 20 de abril; Jerusalm,25 de abril; Jaffa, 26 de abril; Acra, 27 de abril.

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    Palestina. Os trs planos anteriores tinham descrito apenas vagamente como a liderana

    sionista pretendia lidar com a presena de tantos palestinos na terra que o movimento

    nacional judeu queria para si. O quarto e ltimo traado dizia clara e inconfundivelmente:

    os palestinos tm que ir. (Pappe, 2006:1)

    As pesquisas de Papp indicam que antes da elaborao do Plano Dalet, o principal pas-

    so para o planejamento da expulso sistemtica do povo palestino foi a criao dos que hoje se

    conhece com o nome de Arquivos dos Vilarejos: um mapeamento secreto de todos os vilarejos

    palestinos, realizado pelo Fundo Nacional Judeu (FNJ-KKL) por sugesto de um jovem histo-

    riador da Universidade Hebraica, Ben-Zion Luria.

    De fato, Papp argumenta que sem essa informao e sem saber quanta resistncia cada

    vilarejo seria capaz de oferecer, o Plano Dalet no poderia ter sido traado em maro de 1948.

    Os esforos envolviam o registro de informao precisa sobre a localizao topogrfica de

    cada vilarejo, suas vias de acesso, qualidade da terra, fontes de gua, principal fonte de renda

    dos habitantes, composio sociopoltica, filiao religiosa, nomes dos murs, relaes com

    vilarejos vizinhos, idade da populao masculina (1650), entre outras caractersticas.

    No final da dcada de 1930, o arquivo secreto estava quase completo: o conjunto estava

    formado por um grande nmero de pastas, montadas paulatinamente, para cada um dos vila-

    rejos palestinos. Os arquivos da era ps-1943, incluam descries detalhadas dos cultivos,

    nmeros de rvores nas plantaes, produtividade dos pomares a at de rvores individuais,

    quanta terra cada famlia possua em mdia, quantos carros, os nomes dos donos de lojas,

    membros de oficinas, nomes dos artesos e seus respectivos ofcios. Mais tarde, foram acres-

    centados detalhes meticulosos sobre cada cl e sua filiao poltica, estratificao social entre

    notveis e camponeses, e os nomes dos servidores pblicos no governo do Mandato Britnico.

    Por volta de 1945 mais detalhes comearam a ser registrados, sobre as mesquitas, os nomes

    dos ims (junto, diz Papp, com caracterizaes do tipo um homem comum), inclusive

    descries precisas dos interiores das casas dos dignatrios. Finalmente, no causa surpresa

    que, segundo Papp, na medida em que se aproximava do final do Mandato Britnico, os re-

    gistros se tornavam cada vez mais de ordem militar: o nmero de sentinelas em cada vilarejo

    (a maioria no tinha nenhum), alm da quantidade e qualidade das armas disposio dos

    camponeses. Nota-se que tais armas eram em geral antiquadas ou inexistentes. De acordo com

    Papp, uma categoria importante era o ndice de hostilidade em relao ao sionismo, deter-

    minado pelo grau de participao do vilarejo na Revolta rabe de 193639. O material inclua

    listas de todos os envolvidos na revolta e as famlias que tinham perdido algum membro na

    luta contra os britnicos.

    A atualizao final dos arquivos dos vilarejos foi feita em 1947, quando se criaram listas

    de procurados para cada vilarejo. Em 1948, tropas judaicas usaram estas listas nas opera-

    es de busca e captura, realizadas cada vez que ocupavam uma cidade. Tipicamente, os ho-

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    mens eram reunidos e alinhados, aqueles cujos nomes estavam nas listas seriam identificados,

    muitas vezes pelo mesmo informante, s que agora com capuz de tecido sobre a cabea, com

    buracos no local dos olhos para poderem ver sem ser vistos. Os homens identificados eram fre-

    qentemente fuzilados no local. Entre os critrios para incluso na lista, alm da participao

    em aes contra britnicos e sionistas, havia o envolvimento no movimento nacional palestino

    (o que poderia se aplicar a vilarejos inteiros) e, principalmente, com o lder do movimento, o

    Mufti Hajj Amin Al-Husayni. Como o Mufti liderava o movimento desde o estabelecimento

    do Mandato Britnico em 1923, e os membros de seu partido eram tambm as principais lide-

    ranas do Alto Comit rabe (embrio de governo palestino criado em 1936-7), essa ofensa

    tambm era muito comum. Segundo Papp, outras acusaes que poderiam le-

    var incluso de um nome na lista eram ter viajado ao Lbano ou preso pe-

    las autoridades britnicas como representante do vilarejo no comit nacional.

    Examinando os arquivos de 1947, o autor encontrou que os vilarejos com cerca de 1.500 ha-

    bitantes geralmente tinham 20 a 30 tais suspeitos (por exemplo, no sul dos montes Carmel, ao

    sul de Haifa, Umm al-Zaynat tinha 30 suspeitos e o vilarejo prximo de Damun tinha 25) 14.

    Executando a limpeza tnica de 1948

    Deir Yassin era um pacato vilarejo prximo de Jerusalm, no caminho para Tel Aviv.

    Em 9 de abril de 1948 45 dias antes da declarao de independncia de Israel - 254 ho-

    mens, mulheres e crianas foram ali massacradas pelas foras sionistas. No havia guerra ouconflito naquela regio, nada que pudesse alertar os habitantes do perigo que os ameaava.

    Estavam dormindo quando vozes em alto-falantes comearam a ordenar que abandonassem

    suas casas e evacuassem o vilarejo. Acordaram aterrorizados, percebendo que estavam cerca-

    dos pelos bandos armados das milcias sionistas. Assim teria comeado a matana. Como diz

    John Kimche, o massacre de Deir Yassin foi executado sob o pretexto de que o pnico gerado

    faria com que os rabes fugissem do pas, diminuindo as baixas s foras judaicas 15. Como

    o episdio foi um dos poucos divulgados pela mdia na Europa e Estados Unidos, a liderana

    sionista no pde neg-lo, mas procurou caracteriz-lo como uma exceo, uma aberraocausada por extremistas do Irgun e Stern.

    No entanto, as descries dos sobreviventes palestinos desde 1948 e pesquisas mais re-

    centes em arquivos israelenses, bem como estudos de histria oral realizados por acadmicos

    israelenses, revelaram que Deir Yassin no foi um caso isolado e, mais significativamente, que

    os massacres tenderam a seguir determinados padres, conduzidos de acordo com as informa-

    es reunidas nos Arquivos dos Vilarejos e o esquema de conquista territorial elaborado pelo

    Plano Dalet. o que demonstra a pesquisa de mestrado de Teddy Katz, estudante israelense

    do departamento de Histria do Oriente Mdio na Universidade de Haifa. Sua tese, intitulada

    14Cf. Pappe, 2007:17.15Fepal, s.d.p.: 13.

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    O xodo dos rabes dos Vilarejos ao Sul do Monte Carmel focava cinco vilarejos palesti-

    nos da costa, entre Hadera e Haifa, particularmente os vilarejos de Umm Zaynat e Tantura. Os

    testemunhos entrevistados por Katz revelam a histria de um massacre brutal, produzido em

    22-23 de maio de 1948, de cerca de 200 habitantes de Tantura. Eram principalmente jovens

    homens desarmados que foram fuzilados depois da rendio do vilarejo s tropas da Haganah.

    Teddy Katz entrevistou 135 pessoas para sua tese. O captulo sobre Tantura se baseia nos tes-

    temunhos de quarenta pessoas, coincidentemente vinte rabes e vinte judeus. De acordo com

    Papp, Katz foi capaz de superar as suspeitas e, de fato, a deslegitimizao que geralmente

    se aplica, em Israel, histria oral palestina (na realidade a toda a histria palestina), porque

    conseguiu testemunhos do massacre no apenas entre as vtimas palestinas mas entre os mili-

    tares judeus que participaram nos acontecimentos:

    De acordo com os depoimentos, o massacre aconteceu em duas fases. A primeira fase

    foi um massacre deslanchado provavelmente por soldados enraivecidos devido a alguns tiros

    disparados aps a rendio do vilarejo. Tudo indica que um ou dois atiradores ainda escondidos

    conseguiram ferir e matar entre dois e oito soldados judeus. Essa fase de matana teria deixado

    100 mortos. A segunda fase teria sido mais premeditada, executada por unidades de intelign-

    cia e logstica, principalmente homens e mulheres dos assentamentos judaicos mais prximos,

    Atlit, Binyamina, Maayan Zvi, e Zichron Yaacov. Essas unidades sistematicamente executaram

    homens suspeitos de esconder uma arma em casa suspeita esta, ao que tudo indica, geralmente

    infundada ou de pertencer aos voluntrios rabes que tinham vindo em socorro dos palestinos.

    Outras 100 ou mais vtimas, de acordo com as testemunhas, foram mortas nessa fase. Segundo

    a pesquisa de Katz, a limpeza tnica foi conduzida contra um pano de fundo de instrues vagas

    de superiores, e uma grande dose de liberdade posta nas mos de cada comandante na ocupao

    dos vilarejos, para fazer com os habitantes o que achasse apropriado.

    Aps o primeiro massacre, a populao de Tantura tinha sido reunida e levada praia,

    onde os homens foram separados das mulheres e crianas (at doze ou treze anos de

    idade). Munidos de listas de nomes, os soldados da unidade de inteligncia e logstica

    selecionaram grupos de sete a dez ou mais e os levaram de volta ao vilarejo, ao cemitrio

    ou um local prximo mesquita. Eles eram posicionados contra uma parede, ou colocados

    sentados, e fuzilados com um tiro na cabea. Os executados tinham entre treze e trinta

    anos. Outros homens da mesma idade, mas poupados da morte, foram mantidos em

    campos de deteno por um ano e meio, separados das mulheres, crianas e idosos,

    transportados aps o massacre ao vilarejo vizinho de Furaydis. Este vilarejo, junto com

    Jisr al-Zarqa, foram os nicos que no foram liquidados do total de sessenta e quarto

    vilarejos situados ao longo da Estrada de Haifa a Tel Aviv. Mas isso se deve a que os

    homens desses dois vilarejos tinham tradicionalmente trabalhado nos assentamentos

    judeus vizinhos, que intercederam a seu favor, para poder continuar se beneficiando da

    mo de obra barata. (Pappe, 2001: 3)

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    Palestina, 1948-2008 - 60 Anos de Desenraizamento e Desapropriao

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    FRUM

    Uma das testemunhas judias do massacre de Tantura, entrevistada por Katz afirma que

    aconteceram coisas vergonhosas, muito vergonhosas. Foi uma das batalhas mais vergonho-

    sas travadas pela FDI no deixaram uma pessoa viva sequer. Yosef Graf, guia de Yaacov

    Zichron que acompanhou as unidades afirmou que ao ocupar o vilarejo, muitos foram mortos

    dentro de suas casas. No houve rendio, Eu lhe digo dirigindo-se a Katz esses [Ale-

    xandroni], eles massacravam. Com uma lembrana vvida dos acontecimentos, Salih Abd

    al-Rahman relata o que viu (cf. Pappe, 2001):

    Salih Abd al-Rahman (Abu Mashayiff), de Tantura:

    Katz: Quantas pessoas foram mortas em Tantura?

    Abu Mashayiff: Houve confrontos. No final, foram rendidos na costa, em Tantura, e

    levados para perto de um grande edifcio e mortos.

    Katz: Que edifcio?

    Abu Mashayiff: Casas perto da costa. O vilarejo ficava ao lado do mar.

    Katz: Foram mortos depois de se renderem?

    Abu Mashayiff: Depois de terem sido capturados.

    Katz: Quantos, mais ou menos?

    Abu Mashayiff: Oitenta e cinco.

    Katz: Voc estava l e viu com seus prprios olhos?

    Abu Mashayiff: Sim.

    Katz: Como aconteceu? Havia apenas oitenta e cinco no local, ou o vilarejo todo estava ali?

    Abu Mashayiff: No. Havia oitenta e cinco. Voc sabe como funciona. Eles chegam para

    todos os moradores, reunidos e sentados na praia, e ali mesmo dirigiam-se a este e aquele

    dizendo: levante-se! Voc, voc

    Katz: Com que critrio?

    Abu Mashayiff: Eles tinham nomes.

    [mais adiante na conversao]

    Katz: Shimshon Mashvitz parou de matar quando foi contido por Rehavia Altshuler?

    Abu Mashayiff: Sim. Depois que ele tinha matado oitenta e cinco pessoas

    Katz: Ele sozinho matou oitenta e cinco pessoas?

    Abu Mashayiff: Sim.

    Katz: O que ele estava usando?

    Abu Mashayiff: Uma Sten. Ele os matou. Estavam em p de frente para a parede, ele veio

    por trs e os matou a todos, com um tiro na cabea.

    Katz: Ele colocava vrios contra a parede de cada vez?

    Abu Mashayiff: Sim.

    Katz: Grupos de oito, cinco, quantos?

    Abu Mashayiff: Cada grupo tinha vinte ou trinta.

    [mais adiante]

    Abu Mashayiff: Ele recarregou a arma duas ou trs vezes.

    Katz: Ou seja, uma bala por pessoa?

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    ARLENEE. CLEMESHA

    Abu Mashayiff: Sim.

    [mais adiante]

    Katz: A que distncia voc estava?

    Abu Mashayiff: Digamos, trinta metros.

    Colher testemunhos de ambos os lados seria uma experincia dolorosa. Em alguns casos

    uma sensao de mal estar se instalava nas entrevistas. Mustafa Masri, quando criana, vira

    diante de seus olhos o assassinato de todos os membros de sua famlia.

    Mustafa Masri (Abu Jamil), de Tantura:

    Katz: Depois de ocuparem o vilarejo?

    Abu Jamil: Um oficial pegou nossa famlia ramos quatorze- e comeou a nos contar.

    [Ele] me ordenou, Venha c. O que voc quer? perguntei. Voc senta com as

    crianas. [Abu Jamil tinha treze anos.] Eu disse OK. Ele comeou a interrogar homens e

    jovens: Voc esteve na guerra? Responderam que no. Eu e [outras] pessoas libertadas,

    andamos vinte metros, ento ele matou meu pai e toda a famlia.

    Katz: Essa pessoa conhecia seu pai de antes?

    Abu Jamil: No, uma pessoa que conhecia meu pai o entregou. Eu disse a essa pessoa,

    Ns o conhecemos. Conhecemos sua mulher, seus filhos. Voc conhece meu pai. Como

    pde fazer isso? Ele me respondeu, Na guerra, no conheo ningum.

    Katz: Na verdade, ele salvou voc e mais um?

    Abu Jamil: Mas mataram quatorze membros da minha famlia.

    Katz: Voc era o mais jovem?

    Abu Jamil: Sim.

    Katz: Ento, foi sorte nossa que voc tinha apenas treze anos?

    Abu Jamil: No, foi Deus. O oficial tambm matou um homem idoso, acho que tinha 100

    anos. E matou um jovem de dezessete anos cada homem com seu destino.

    Katz: Quer dizer que voc j tinha sado de l quando ouviu os tiros?

    Abu Jamil: No, estvamos perto. Quinze metros, no mais. Disse a ele, Porque voc fez

    isso? Ele respondeu, Recebi ordem de mat-los. O que se pode fazer em uma guerra?

    [Mais adiante na entrevista]

    Abu Jamil: Havia um oficial de Givat Ada, mas no no exrcito.

    Katz: Voc se lembra do nome dele? Me disseram que era algo como Shimshon.

    Abu Jamil: Sim, Shimshon.

    Katz: Shimshon o que?

    Abu Jamil: No me lembro. Depois de capturar os homens, ele os matou com um tiro

    direto nos olhos. Depois ele pegou dois, ele tinha um chicote, bateu neles apenas

    por diverso...

    [Perto do final da entrevista]

    Abu Jamil: Mas acredite em mim, no se deve mencionar estas coisas. No quero que eles

    venham se vingar, voc vai nos causar problemas. Foi um erro lhe dar o nome da pessoa

    que entregou nossa famlia

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    FRUM

    Mordechai Sokoler foi um guia de Zichron que acompanhou as unidades Alexandroni

    e testemunhou a morte de 230 aldees em Tantura. Ao final da entrevista, Katz coloca suas

    ltimas perguntas:

    Katz: A nica pergunta que ainda tenho sobre onde exatamente voc estava, para saber

    o que voc viu com os prprios olhos.Sokoler: As piores coisas, no presenciei. No vi o final da batalha. Tinha sado do

    local. Ao todo, fiquei apenas um dia e meio, ocupado principalmente enterrando.

    Katz: Voc esteve pessoalmente envolvido nos enterros...

    Sokoler: Eu e alguns rabes de Furaydis colocamos [na vala comum] um rabe aps o

    outro, fechamos seus olhos com a hatta, camada sobre camada, e foi s isso. Katz: Quer

    dizer que apenas seus olhos e faces estavam cobertos [com a kuffiyyeh, ou hatta, tpico

    leno rabe, N.A.].

    Sokoler: Apenas as cabeas, ns os enterramos com roupa e tudo...

    Katz: E isso foi dois dias aps as batalhas.Sokoler: Aps oito dias, voltei ao local onde os enterramos, perto da estrada de ferro.

    Havia um grande monte, os corpos tinham inflado. Aps dois ou trs dias, o monte

    tinha baixado.

    Katz: Dois ou trs dias depois?

    Sokoler: Sim.

    Katz: Soube que depois espalharam terra sobre a cova.

    Segundo Ilan Papp, documentos posteriormente extrados dos arquivos do exrcito de

    Israel, a FDI, corroboram os depoimentos colhidos por Teddy Katz. Entre os documentos, h

    um relatrio, elaborado uma semana aps o massacre, contendo reclamaes de que os corpos

    no enterrados poderiam levar disseminao de epidemias, incluindo tifo. Outro documento,

    da Brigada Alexandroni, afirma: Cuidamos da cova coletiva, est tudo em ordem16.

    A Guerra de 1948

    Seguindo a proclamao do Estado de Israel em 15 de maio de 1948, quando aproxima-

    damente 400.000 palestinos j tinham sido expulsos de seus vilarejos e cidades, e centenas, j

    mortos, os Estados rabes vizinhos, Egito, Transjordnia, Sria, Lbano e Iraque, enviaram seus

    exrcitos ao campo de batalha. No entanto, no passa de mito, dos mais persisten-

    tes, aquele segundo o qual em 1948 o nascente Estado [de Israel] enfrentou uma

    coalizo rabe monoltica e implacavelmente hostil. Como diz Avi Shlaim, acre-

    ditava-se que essa coalizo estivesse unida sob a bandeira da destruio do Estado de Israel, e

    que, ligado a este estivesse o seguindo objetivo: aquele do genocdio jogar os judeus ao mar

    como diz a frase popular17.

    16Pappe, 2001: 12.

    17Shlaim, 2007: 80.

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    ARLENEE. CLEMESHA

    Na realidade, a coalizo de exrcitos rabes que lutou contra o Estado de Israel em

    1947-49 estava longe de constituir um grupo monoltico. No havia unidade de objetivos e

    quase nenhuma coordenao na ao. Os Estados rabes enviaram apenas foras expedicio-

    nrias Palestina, mantendo o grosso de seus exrcitos em casa. Em meados de maio de 1948

    o total de tropas rabes, entre regulares e irregulares, operando na Palestina, era inferior a

    25.000, enquanto a composio do exrcito israelense (denominado Fora de Defesa de Israel,

    FDI, formado pelas milcias sionistas, das quais a Hagan defesa em hebraico era a princi-

    pal) ultrapassava 35.000 homens. Em meados de julho, a FDI tinha 65.000 homens em armas,

    e em dezembro, 96.441. Os exrcitos rabes tambm incrementaram suas tropas, mas jamais

    chegaram a esse ritmo de crescimento18.

    Alm dos fracassos dos Estados rabes, Rashid Khalidi chama ateno para a falta de

    foras palestinas regulares e treinadas, a ausncia de uma estrutura de comando centralizada

    e de uma fonte confivel de armas, para no mencionar a

    fraqueza estrutural do movimento nacional palestino sob

    a liderana de Hajj Amin al-Husayni, j fortemente aba-

    lado pela represso britnica da revolta de 1936-3919.

    O terceiro aspecto seria a falta de unidade da Liga

    rabe. A coalizo rabe estava afetada por profundas di-

    vises polticas internas. Desde sua fundao em 1945, a

    Liga rabe era o frum mais elevado para a poltica pan-

    rabe em relao Palestina. Mas a Liga rabe estava di-

    vidida entre o bloco hashemita formado pela Transjord-

    nia o Iraque e o bloco anti-hashemita liderado pela Arbia

    Saudita e o Egito. Curiosamente, a Liga permaneceu obs-

    tinadamente contrria a deixar que os palestinos assumissem o controle de seu prprio destino20.

    A Liga, sob a liderana de Abd al-Rahman Azzam se ops ao muftie disponibilizou para a

    defesa da Palestina uma poro mnima da prometida ajuda financeira e de armas. Em ltima

    instncia, comparando operaes palestinas e sionistas, nota-se em que medida a luta foi local e

    segmentada para os palestinos, enquanto centralizada e nacional para os sionistas 21.

    Em 1949, quando terminaram os combates e traou-se a linha de armistcio, Israel havia

    expandido suas fronteiras passando a ocupar 78% da Palestina histrica. A Jordnia assumiu o

    controle da rea a oeste do rio Jordo, enquanto o exrcito egpcio passou a administrar a faixa

    de terra ao redor de Gaza. Os palestinos passaram a viver sob uma gama de regimes alheios;

    foram privados de uma imensa parte de suas propriedades e perderam controle sobre a quase

    todos os aspectos de suas vidas, diria Khalidi. Aproximadamente 800.000 pessoas tinham sido

    expulsas, centenas massacradas, aproximadamente 400 de 500 vilarejos e 11 bairros urbanos

    foram destrudos, em cidades como Tel-Aviv, Haifa e Jerusalm.

    18Shlaim, 2007: 81.19Cf. Khalidi, 2007: 30-31. O autor tambm nota que no

    obstante sua hegemonia na poltica palestina, durante quase duasdcadas, Hajj Amin al-Husayni no chegava estatura de umSad Zaghlul ou mesmo Shukrial-Quwwatli, talvez porque ne-nhum partido nacionalista existente na Palestina fosse remota-mente semelhante ao partido Wafd [Delegao, Egito, 1919,N.A.] ou mesmo o Bloco Nacional Srio (Kutla Wataniyya).

    20Shlaim, 2007: 82.21Khalidi (2007: 30). Outros lderes palestinos na Guerra de

    1948 foram Hasan Salama e Abd al-Qadir al-Husayni, que lide-raram os combatentes palestinos no exrcito dojihad. O Exrcito

    de Libertao rabe, por sua vez, era formado por aproximada-mente 4.000 voluntrios, financiado e precariamente armado pelaLiga rabe, e treinado em bases no sul da Sria (sob a lideranado srio Fawzi al-Qawuqji)

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    FRUM

    A continuidade do processo de desenraizamento e desapro-

    priao dos palestinos desde a criao do Estado de Israel

    Se verdade que a expulso de 1948, seguida da desapropriao (o confisco das pro-

    priedades dos palestinos expulsos), comeou antes da primeira guerra rabe-israelense, tam-

    bm deve-se notar que ela no terminou com o fim da guerra em 1949. Sequer os palestinos

    que deixaram suas casas mas permaneceram dentro do territrio onde foi criado o Estado

    de Israel (aproximadamente 32.000 se encontraram nessa situao em 1949), jamais tiveram

    permisso para voltar a suas propriedades, no obstante o fato de terem se tornado cidados

    israelenses. Suas casas, como as casas dos refugiados palestinos, foram ou

    demolidas ou entregues a imigrantes judeus. Este o caso de Afif Ibrahim

    Abdallah, um palestino cristo do vilarejo destrudo de Kafr Birim, esta-

    belecido h mais de 400 anos. Os moradores, mais de 1000 pessoas, detm

    os ttulos de propriedade de suas fazendas e casas em Kafr Birim, documentos que remetem

    ao perodo da administrao otomana da Palestina (1516-1917), sendo que a regio de Kafr

    Birim deveria ter se tornado parte do Estado rabe palestino previsto na resoluo da Organi-

    zao das Naes Unidas, ONU/AG 181, de 29 de novembro, 1947. Os fragmentos abaixo do

    recente testemunho de Afif Ibrahim Abdallah foram todos extrados de seu juramento, contido

    na petio 1503 Suprema Corte de Israel:22

    Em 29 de outubro de 1948, aps o fim das hostilidades entre os rabes e as milcias sionistas,

    o sucessor das milcias, a Fora de Defesa de Israel (FDI), entrou e ocupou o vilarejo deKafr Birim. A FDI ordenou que todos os habitantes se reunissem na igreja da comunidade,

    onde foram ordenados a entregarem qualquer armamento em sua posse. Os aldees acataram

    as ordens do DFI e no ofereceram qualquer resistncia ocupao do vilarejo. ()

    Em 13 de novembro de 1948, os militares israelenses ordenaram todos os moradores de

    Kafr Birim a evacuar o vilarejo e se mudar para alm da fronteira, para o Lbano. Alguns

    moradores emigraram para o Lbano. Outros se recusaram, e ficaram nas plantaes de

    olivas, esperando o momento em que pudessem voltar. Depois que sete crianas morreram

    devido ao frio de inverno, alguns moradores tentaram voltar a suas casas. Os militaresisraelenses permitiram que alguns voltassem por curtos perodos. No entanto, em 20 de

    novembro de 1948, aqueles moradores de Kafr Birim que no tinham evacuado para o

    Lbano foram ordenados a passar para o vilarejo prximo de Al Jish, localizado apenas

    quatro quilmetros a sudeste de Kafr Birim. Alguns dos moradores de Al Jish j tinham

    tinham partido. Os que fugiram de Al Jish so hoje refugiados fora das fronteiras de Israel.

    Os moradores de Kafr Birim se mudaram para as casas dos refugiados de Al Jish.

    Entre 1949 e 1950, representantes de Kafr Birim frequentemente pediram permisso

    ao Ministrio Israelense de Assuntos Religiosos para utilizar a prpria terra para plantio e pas-

    22 Cf. Akram, 2008: Anexo I, paratodas as citaes do depoimento de AfifIbrahim Abdallah.

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    toreio, para sua subsistncia e aquela de suas famlias. Em outubro de 1949, Padre Yousef Es-

    tafan, o padre do vilarejo de Kafr Birim solicitou uma permisso das autoridades israelenses

    para usar as terras da Igreja. As autoridades israelenses negaram seu pedido, mas permitiram

    que os padres rendassem a terra da igreja a judeus. Em Abril de 1951, o governo israelense

    permitiu que a companhia judaica que utilizava as terras de Kafr Birim empregasse mo-de-

    obra rabe palestina, contradizendo as declaraes de oficiais do governo israelense de que

    a evacuao da rea de Kafr Birim devia-se a questes de segurana e ao risco representado

    pela permanncia de rabes palestinos vivendo e trabalhando to perto da fronteira Israel-

    Lbano (!). Entre outubro e novembro 1951, a FDI anunciou que a regio de Kafr Birim era

    zona militar fechada e que todos teriam que evacuar. No havia mais moradores no momen-

    to em que foi emitida a ordem; j tinham sido evacuados trs anos antes pelos militares israe-

    lenses. Aparentemente o motivo da ordem era legalizar a evacuao inicial. O passo seguinte,

    em 1953, foi destruir todo vestgio das casas do vilarejo:

    Em 16 e 17 de setembro, 1953, a FDI dinamitou e bombardeou as casas de Kafr Birim,

    destruindo-as bem diante dos olhos dos antigos moradores, que assistiam do topo do

    morro de Al-Jish, local hoje conhecido como Al-Mabka ou A lamentao. Apenas a

    Igreja foi poupada

    Segundo Afif Ibrahim, aproximadamente 500 habitantes de Kafr Birim hoje vivem

    como refugiados no sul do Lbano. A maioria dos antigos moradores do vilarejo, e suas crian-

    as, ainda vivem em AI Jish, enquanto outros residem em Acre, Haifa, e Ijdeidi Al Makar.

    Esses, que vivem dentro de Israel, so mais de 2000 pessoas. As terras em nome do mukhtar

    (o equivalente a um prefeito), que detinha o registro de propriedade para muitas pessoas no

    vilarejo, um total de 5.988 dunams (o equivalente a 5,988 km2), foram apropriadas pelo Estado

    de Israel e transformadas em terra do Estado. So usadas ou como terra para plantio, ou para

    a construo de residncias para os assentamentos de Moshav Dovev, estabelecido em 1963,

    e Kibbutz Baram, estabelecido em 1949. A Administrao Israelense de Terras afirmou que

    quase 7.000 dunams (7 km2) da terra de Kafr Birim estava sendo usada como terra para pasto-

    reio pelas mesmas colnias e o Kibbutz Sasa, mas na realidade no mais de 50 cabeas de gado

    dos assentamentos foram encontrados nas terras de Kafr Birim em 28 de maro de 1993. A

    inteno do Estado israelense erradicar todo trao da existncia prvia do vilarejo palestino.

    De acordo com Afif Ibrahim:

    Existe uma placa bem na entrada do antigo vilarejo que descreve a rea como local de

    um antigo vilarejo judeu de milhares de anos atrs. No obstante as runas bem visveis

    das casas bombardeadas dos antigos moradores de Kafr Birim, nenhuma meno feita

    na sinalizao pblica para indicar que apenas algumas dcadas atrs havia ali um vilarejo

    palestino cristo de centenas de anos.

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    FRUM

    Mas, como demonstra Afif Ibrahim, a memria de Kafr Birim mantida viva pelos

    antigos moradores e seus descendentes:

    Em 1967, o governo israelense comeou a permitir que os antigos moradores de Kafr

    Birim enterrassem seus mortos no cemitrio da cidade. Mais tarde, em 1972, os antigos

    moradores de Kafr Birim receberam permisso para realizar missas na Igreja, nos feriados

    cristos e uma vez ao ms. Todo ano, mais de 1500 pessoas, antigos moradores de Kafr

    Birim, seus filhos e netos, atendem a missa na Igreja. Nos meses de vero, as crianas de

    Kafr Birim participam do acampamento de vero na Igreja. As famlias de Kafr Birim

    continuam a ensinar seus filhos tudo a respeito do vilarejo e suas esperanas de um dia

    retornar antiga comunidade.

    Os moradores e seus descendentes continuam lutando no quadro do sistema legal isra-

    elense. Em 1993, foi formado, no Knesset, o parlamento de Israel, o Comit de Constituio,

    Lei e Justia, para discutir a possibilidade de retorno dos moradores a suas propriedades.

    Uma lei que permitiria o retorno dos antigos moradores foi proposta pelo Comit, mas rece-

    beu oposio do governo. Aps o fracasso do Comit do Knesset, em 1993, o governo Rabin

    formou um comit ministerial chamado Comit Libai, encarregado de encontrar uma soluo.

    O Comit Libai chegou concluso que no havia motivo de segurana de Estado para conti-

    nuar impedindo os aldees de retornar a suas casas e propriedades, e disse que seria possvel

    retornar a uma rea limitada sem prejudicar os direitos daqueles que receberam depois per-

    misso para se assentar naquelas terras. Mas o Comit Libai decidiu que apenas os aldees

    que possuam uma residncia em Kafr Birim em novembro de 1948 e dois descendentes do

    proprietrio, teriam permisso para retornar s terras do vilarejo. O direito propriedade per-

    maneceria com o Estado de Israel. O Comit Libai tambm decidiu que aqueles que escolhes-

    sem retornar poderiam arrendar apenas meio dunam(500m2) para construir uma casa, e que

    a terra deveria ser usada apenas para fins de residncia. Os antigos moradores de Kafr Birim

    rejeitaram a deciso do Comit Libai porque (1) no permitia que todos os antigos moradores

    de Kafr Birim e seus descendentes retornassem a suas casas e propriedades; (2) exigia que

    aqueles que tivessem permisso de retornar alugassem e no tivessem a posse de suas proprie-

    dades; (3) requeria que os moradores renunciassem a suas terras originais; e (4) no permitia

    que a comunidade se expandisse e desenvolvessem no futuro para alm de uma comunidade

    puramente residencial.

    De acordo com Afif Ibrahim, em 10 de outubro 2001, aps revisar as recomendaes

    do Comit Libai, o Gabinete Israelense emitiu uma deciso dizendo que os aldees no teriam

    permisso de retornar a seu antigo vilarejo e propriedades porque isso criaria um precedente

    indesejado. Em dezembro de 2001, a Corte Suprema de Israel ordenou que uma compensao

    fosse paga aos moradores de Kafr Birim e Iqrit. O que foi rejeitado pelos antigos moradores

    de ambos os vilarejos. Relata Afif Ibrahim:

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    A Suprema Corte reiterou o argumento de outros oficiais do governo israelense, de que

    permitir aos antigos moradores () o retorno ao vilarejo criaria um mal precedente em

    relao constante exigncia pela implementao do direito de retorno de refugiados, e

    palestinos internamente deslocados, a suas casas e propriedades dentro de Israel. At hoje,

    o governo israelense jamais fez uma tentativa sria de resolver o problema do confisco

    das terras dos antigos moradores de Kafr Birim. Est claro para o Comit dos MoradoresDesenraizados de Kafr Birim que o governo israelense no tem inteno de devolver as

    terras aos seus proprietrios. Portanto, o Comit busca agora a interveno do Conselho de

    Direitos Humanos da ONU.

    A histria da vida de Afif Ibrahim tambm ilustra um aspecto importante da limpeza

    tnica da Palestina, qual seja, desde 1949 ela se verifica, em primeiro lugar, em um esfor-

    o constante para legitimar, no sistema jurdico israelense,

    a apropriao dos bens dos palestinos, ao mesmo tempo em

    que se apaga todo trao da presena dos antigos moradorese proprietrios, incluindo qualquer sinal de seus cultivos e

    rebanhos. A populao expulsa da Palestina tomou rumos diferentes, no saiu de uma s vez.

    Alguns conseguiram se esconder nas colinas at encontrar um local alternativo de residncia

    dentro de Israel e prximo de suas antigas propriedades, e jamais desistiram de tentar reaver

    suas propriedades confiscadas.

    Os refugiados palestinos

    Enquanto em 1948 aproximadamente 800.000 rabes palestinos foram expulsos para

    alm das fronteiras e linhas de cessar-fogo,23em 1967 outros aproximadamente 240.000 pales-

    tinos se viram forados a deixar suas terras na Margem Ocidental e Faixa de Gaza, ocupadas

    durante a ofensiva lanada por Israel contra Jordnia e Egito. Nesse momento, alguns se torna-

    ram refugiados pela segunda vez, e passaram a ser denominados, junto com seus descendentes,

    de deslocados de 1967. Nem os refugiados de 1948 nem os deslocados de 1967 (ou mais

    recentemente) jamais tiveram permisso do Estado de Israel a voltar a suas casas em Israel ou

    nos territrios palestinos ocupados (TPO)24.

    Desde 1967, outros 400.000 palestinos foram desenraizados dos TPO devido a polticas

    israelenses. Essas polticas incluem a demolio de casas, construo de assentamentos, do

    Muro, bem como a revogao do direito de moradia e a deportao de palestinos. O nmero

    exato das denominadas Pessoas Internamente Deslocadas (PID, ou IDP segundo a sigla em

    ingls), como so chamados os desenraizados de dentro das fronteiras dos territrios ocupa-

    dos, desconhecido devido ausncia de um sistema centralizado de registros, mas acredita-

    se que sejam em torno de 450.000.

    23Lembrando que esse nmero corresponde metade dapopulao rabe do pas e cerca de 80% dos rabes residen-

    tes nos territrios onde se criou o Estado de Israel.24Badil, 2007: 15.

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    FRUM

    Hoje, os refugiados Palestinos de 1948 e seus descendentes so estimados em mais de

    7 milhes de pessoas, constituindo a maior e mais antiga populao de refugiados do planeta.

    Dentre eles incluem-se:

    a) 4.5 milhes de refugiados de 1948 registrados na UNRWA (2007)25;

    b) 1.5 milho de refugiados de 1948 que no esto registrados na UNRWA, seja

    porque no se registraram ou porque no precisaram de assistncia quando se

    tornaram refugiados;

    c) 950.000 pessoas deslocadas de 1967;

    d) 350.000 internamente deslocados em Israel;

    Os refugiados palestinos esto dispersos pelo mundo, apesar de a maioria viver a menos

    de 150 quilmetros da fronteira de Israel. As maiores comunidades de refugiados vivem na

    Jordnia (2.359.000), Sria (465.000) e Lbano (438.000). Cerca de

    1.825.000 refugiados vivem dentro dos TPO, enquanto cerca de mais

    335.000 internamente deslocados vivem dentro de Israel. O restante

    vive espalhado ao redor do mundo, no mundo rabe principalmente,

    mas tambm na Europa, EUA, Canad e Amrica Latina. Mais de 1.3

    milho de refugiados palestinos vivem em 59 campos de refugiados

    administrados pela ONU nos TPO, Jordnia, Sria, Lbano e em 12 campos no reconhecidos: 5

    na Margem Ocidental ocupada, 3 na Jordnia e 4 na Sria26.

    A questo da propriedade confiscada: restituio

    ou compensao?

    Os refugiados deixaram para trs casas, fazendas, negcios vrios, contas em bancos,

    igrejas e mesquitas, cemitrios, para no mencionar as fazendas e equipamento agrcola.

    Vastas quantidades de propriedade pessoal e terras foram confiscadas pelo governo israe-

    lense. A sociedade rabe palestina girava em torno da atividade agrcola e a maior parte dos

    refugiados tinha os bens de famlia e economias de vida nesse setor: casas, campos, lavou-

    ras, rebanhos, ferramentas e capital em geral, ao qual hoje no tm nenhum acesso. Portanto,

    tornaram-se no apenas refugiados, mas refugiados destitudos de seus bens, incapacitados

    de restabelecer a vida inclusive no exlio. A amplitude e a dimenso dessas perdas foram

    economicamente catastrficas.

    Assim que as foras sionistas comearam a ocupar os vilarejos palestinos, no incio de

    1948, antes da declarao de independncia de Israel e o ingresso das foras armadas regu-

    25 UNRWA, sigla para United Nations Reliefand Works Agency for the Palestinian Refugees(Agncia da ONU em prol dos Refugiados Pales-tinos), fundada em dezembro de 1949, a maior emais antiga agncia da ONU.

    26OLP, 2008.

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    lares dos pases rabes circundantes, foram estabelecidos comits sionistas civis e militares

    para assegurar os esplios da guerra. Em julho de 1948, esses comits se fundiram no Comit

    Ministerial para a Propriedade Abandonada (Ministerial Committee for Abandoned Property).

    No mesmo ms, foi criado o Gabinete da Propriedade Abandonada (Custodian of Abandoned

    Property), para assumir o controle da propriedade. O Estado de Israel rapidamente comeou a

    utilizar a terra abandonada e arrend-la s comunidades agrrias judaicas. Em 20 de agosto

    de 1948 esse Comit tomou a deciso de adotar um plano que promovia a confiscao direta,

    no apenas arrendamento, da propriedade abandonada. Apenas um ms antes, o gabinete ha-

    via votado pela proibio do retorno dos refugiados. Como diz Michael Fischbach, a deciso

    de expropriar as terras dos refugiados sem dvida derivou do desejo de impedir seu retorno.

    Decises estas que juntas colocaram em ao todo o dilema da questo dos refugiados27.

    Aps a guerra de 1948, Israel usou as terras e casas palestinas confiscadas, de mais de

    400 vilarejos e cidades palestinas destrudas, para assentar novos imigrantes judeus. Alguns

    vilarejos foram reconstrudos e receberam nomes hebraicos, em mais uma tentativa de apagar

    todo sinal da histria e da realidade no-judaica da Palestina. Centenas de milhares de imi-

    grantes judeus ingressaram em Israel a partir da proclamao do Estado em maio de 1948,

    incluindo judeus da Europa, sobreviventes do holocausto, e outros, vindos dos pases rabes.

    De 1948 a 1953, a Agncia Judaica estabeleceu 345 novas cidades judaicas, a maio-

    ria das quais foi construda em propriedade confiscada. At 1954, um tero da populao

    judaica de Israel vivia em propriedade confiscada de refugiados. Quase

    toda a propriedade de refugiados palestinos permanece hoje em posse do

    Estado de Israel e do Fundo Nacional Judeu (FNJ-KKL). Em meados da

    dcada de 1950, as terras, mas principalmente as casas e outras construes, deixadas para

    trs pelos palestinos expulsos, praticamente no seriam mais reconhecveis para os mesmos.

    Autoridades israelenses destruram as casas em aproximadamente 400 vilarejos. Em alguns

    lugares, mesquitas foram transformadas em galerias de arte e restaurantes. Terras arveis

    tambm foram transformadas, re-registradas e usadas para construir novos assentamentos e

    fazendas israelenses. Moblias e outros tipos de propriedade mvel tambm foram confis-

    cados e vendidos, incluindo maquinrio agrcola e industrial, animais, mveis domsticos

    e veculos. O Gabinete da Propriedade Abandonada vendeu a maior parte desses bens nos

    anos imediatamente aps 1948.28

    Enquanto as autoridades israelenses declaravam que estavam dispostas a pagar compensa-

    es por determinadas categorias de terras de refugiados, insistiam que a terra havia sido perma-

    nentemente absorvida pelo Estado e o FNJ-KKL, e no seria restituda. A partir de 1960, esses

    dois tipos de terras (do Estado e do FNJ-KKL) foram chamados de Terras de Israel, e adminis-

    trados conjuntamente pela nova Administrao de Terras de Israel. De fato, nenhuma restituio

    ou compensao em larga escala foi realizada no decorrer das seis dcadas desde 1948.

    27Fischbach, 2008: 8.28

    Cf. Fischbach, 2008: 8.

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    Os refugiados recusaram-se a aceitar compensaes porque significaria abrir mo do

    direito de restituio e, portanto, aceitar o exlio e a condio de refugiados permanentes inclu-

    sive para seus descendentes, por geraes a perder de vista. Exigem, pelo contrrio, o direito

    de retorno e restituio de propriedade. Como bem lembra Fischbach, a grande maioria dos

    Palestinos acredita que a realizao dos direitos dos refugiados uma condio para chegar a

    uma paz justa e duradoura entre palestinos e israelenses.

    Concluso

    Certos mitos fundadores do Estado de Israel, como aquele dos poucos contra muitos e

    egresso voluntrio dos rabes, j foram irremedivel e definitivamente abalados. Mas alguns

    autores acreditam que a narrativa geral ainda sobrevive e que a nica forma de confron-

    tar essa realidade seria encorajar a criao de instituies independentes de pesquisa naPalestina e em Israel, incumbidas de expandir a pesquisa sobre a expulso de 1948. Uma priori-

    dade seria a criao de um banco de depoimentos gravados e histria oral.

    Abalados ou no, os diversos mitos que permeiam a histria oficial do Estado de Israel,

    ajudaram a ocultar sua responsabilidade pelos crimes de 1948. Nas palavras de Ilan Papp, no

    h dvida de que a limpeza tnica de 1948, que foi o principal acontecimento constitutivo da

    histria moderna da terra da Palestina, foi quase que totalmente erradicada da memria coleti-

    va global e apagada da conscincia do mundo 29.

    No entanto, nenhuma reconciliao entre israelenses e palestinos pode se concretizarsem o reconhecimento do que aconteceu em 1948, incluindo o alcance de suas conseqncias

    at os dias de hoje. O reconhecimento do direito de retorno da populao expulsa o que no

    significa que 7 milhes de palestinos queiram passar a viver no Estado de Israel faz parte do

    reconhecimento da responsabilidade israelense pelos crimes de 1948. Trata-se de uma neces-

    sidade moral sem a qual no pode haver reconciliao, nem processo de paz.

    29Pappe, 2006: 12.

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