Na Roda Da Capoeira

download Na Roda Da Capoeira

of 25

Transcript of Na Roda Da Capoeira

  • 8/3/2019 Na Roda Da Capoeira

    1/25

    narodada

    c

    apoe

    ira

  • 8/3/2019 Na Roda Da Capoeira

    2/25

  • 8/3/2019 Na Roda Da Capoeira

    3/25

    narodad

    acapoe

    ir

    a

    cnfcp | iphan | minc 2008

    N111 Na rda da capira / psquisa tt

    d Maurci Barrs d Castr Ri

    d Janir : IPHAN, CNFCP, 2008.44 p.: i.

    ISBN 978-85-7334-067-s

    Catg da psi raiada na

    Garia Mstr Vitain n prd d

    24 d abri a 6 d juh d 2008.

    1. Capira. 2. Capiristas. 3. Tqus

    d brimbau. 4. Brasi Patrimni

    cutura imatria. I. Castr, Maur-

    ci Barrs d, rg.

    CDU 394.3(81)

    Ministr da CuturaGIlBeRTo GIl MoReIRA

    Scrtri ecutivJoo lUIz SIlVA FeRReIRA

    Prsidnt d Institut d PatrimniHistric Artstic NacinalUIz FeRNANDo De AlMeIDA

    Dirtra d Dpartamnt dPatrimni ImatriaMRCIA SANTANNA

    Dirtra d Cntr Nacina dFcr Cutura PpuarClAUDIA MARCIA FeRReIRA

    Divis TcnicalUCIA YUNeS

    Crdnadr d Str d Psquisa

    RICARDo GoMeS lIMA

    Crdnadra d Musu d Fcredisn CarnirVNIA DoloReS eSTeVAM De olIVeIRA

    Dsnvvimnt d argumnt rtirDANIel ReIS, MAURCIo BARRoS De CASTRo,

    VNIA DoloReS eSTeVAM De olIVeIRA

    NoTA: argumnt da psi tvpr bas Invntri dssi parargistr savaguarda da capiracm patrimni cutura d Brasi,dsnvvid p lacd/UFRJ, sb acrdna d WAllACe De DeUS BARBoSA

    TtsMAURCIo BARRoS De CASTRo

    edi rvis

    lUCIlA SIlVA TelleS

    ANA ClARA DAS VeSTeS

    (eSTAGIRIA)

    Design grfcolGIA MelGeS e RITA HoRTA

    Dsign da psilUIz CARloS FeRReIRA

    Api a mntagmJoRGe GUIlHeRMe De lIMA

    Dcumnta d acrvelIzABeTH BITTeNCoURT PAIVA PoUGY,

    DANIele DoS SANToS DA SIlVA

    (eSTAGIRIA)

    Cnsrva rstaura dacrvCATARINA lUCIA De Mello FARIA

    SnriaAlexANDRe CoelHo

    FotografasACeRVo CNFCP (PAGNS. 13,14,21,22,23,37)

    MARCel GAUTHeRAUT (PGS. 1,16,17,44)

    eDUARDo MoNTeIRo (CAPA e PGS. 10,12,

    19,20,25,26,27,28,29,35)DBoRA70 (PGS. 31,33,34),

    GeGe PoGGI (PGS. 39,40)

    Cntcnica

    SIDNeI e SAUlo MeDeIRoS

    AcrvMUSeU De FolCloRe eDISoN CARNeIRo,JUBIAN MARIA SoUzA De lACeRDA

    (ACeRVo MeSTRe leoPolDINA), MUSeU

    AFRo-BRASIleIRo|CeNTRo De eSTUDoS

    AFRo-oRIeNTAIS|UFBA

    RaiaCeNTRo NACIoNAl De FolCloRe e

    CUlTURA PoPUlAR/IPHAN

    Api institucinalACeD/FUNDAo UNIVeRSITRIA JoS

    BoNIFCIo

    Api

    CACHAA MAGNFICA

  • 8/3/2019 Na Roda Da Capoeira

    4/25

    O ttulo desta exposio Na roda da capoeira oi inspira-do naquele que talvez seja o mais signicativo elemento dessa ex-presso cultural: a roda. Ponto de ligao de diversos aspectos queenglobam desde a expresso corporal, o canto, o toque, a danaat as mediaes entre os mundos sagrado e proano e as relaesentre mestre e aluno.

    Com esse enoque, pretendemos apresentar a capoeiracomo lugar de sociabilidade que une o universo simblico de seuspraticantes, perpassado por ritos e perormances uma roda cujosmovimentos esboam as prprias dinmicas cultural e social.

    A exposio toma como reerncia o inventrio realizadono perodo de 2006 a 2007 para o encaminhamento do pedido deregistro da capoeira como patrimnio cultural brasileiro junto aoConselho Consultivo do Iphan. Alm disso, refete a preocupaodo Ministrio da Cultura, que vem implementando, nos ltimosanos, uma poltica de omento para essa que uma das mais ortesexpresses da cultura brasileira por intermdio de iniciativas comoo programa Capoeira Viva, e a realizao do inventrio, conduzidapelo Laboratrio de Pesquisas em Etnicidade, Cultura e Desenvolvi-mento (Laced), da UFRJ, com participao de dierentes centros depesquisa do pas num trabalho de parceria mpar.

    As representaes materiais do universo simblico e culturalda capoeira, expresso na arte popular sob orma de pintura, escul-turas em barro, instrumentos musicais, xilogravuras e olhetos decordel, esto aqui expostas. Reprodues iconogrcas produzidaspor viajantes e cronistas do sculo XIX, testemunhos histricos des-sa maniestao, tambm ilustram o tema.

    Os objetos cedidos por amiliares de alguns grandes mestres epor instituies parceiras completam o percurso da presente mostra,que quer contribuir para diundir a ora e a presena dessa importan-te expresso na ormao cultural brasileira e divulgar o processo emcurso de reconhecimento da capoeira como patrimnio vivo do Brasilque ocupa espao simblico no mundo contemporneo.

    Claudia Marcia Ferreira | DiretoraCentro Nacional de Folclore e Cultura Popular

  • 8/3/2019 Na Roda Da Capoeira

    5/25

    7

    Esta exposio inspirada no material gerado pelo pro-cesso de realizao do Inventrio e registro para salva-guarda da Capoeira como patrimnio cultural do Brasil,

    iniciativa do Ministrio da Cultura levada a cabo a partirde agosto de 2006. A experincia do Inventrio da Ca-poeira, como cou conhecida esta prospeco entre osincontveis atores que nela estiveram envolvidos, ren-deu rutos variados e signicativos, como prprio douniverso da capoeira.

    Envolvendo uma srie de instituies pblicas da reade ensino, pesquisa e produo cultural e o empenho detrs equipes de pesquisas interdisciplinares (sediadasem Salvador, Recie e Rio de Janeiro) coordenadas desdenossa base, no Centro Nacional de Folclore e CulturaPopular (CNFCP/RJ), este oportuno projeto s oi pos-svel graas parceria entre o Iphan, por meio de seuDepartamento de Patrimnio Imaterial (DPI), e um con-junto expressivo de universidades, centros de pesquisase espaos culturais pblicos (sobretudo os teatros quesediaram os quatro encontros realizados).

    A realizao do Inventrio da Capoeira visa o reco-nhecimento desta prtica como patrimnio culturaldo Brasil, haja vista sua ampla atuao nas reas asmais variadas, tais como a arte, expressa por diversaslinguagens (dana, teatro, msica), a educao (sobre-tudo a sica), a antropologia e a histria, e pretende,assim, avorecer o aporte de polticas pblicas para estaimportante expresso de nossa matriz aro-brasileira,

  • 8/3/2019 Na Roda Da Capoeira

    6/25

    8 9

    concretizando um desejo de nosso ministro da cultura,Gilberto Gil, declarado em agosto de 2004, em Genebra,por ocasio da cerimnia de homenagem ao embaixa-dor brasileiro Srgio Vieira de Mello, morto no ano ante-rior em Bagd, vtima de um atentado bomba contra asede das Naes Unidas.

    Nessa ocasio, o ministro anunciava o que seriam as ba-ses de um uturo Programa brasileiro e mundial da ca-poeira. A realizao do inventrio oi um primeiro passoneste sentido, desencadeado pelo contato entre o CNFCPe o Laced-MN/UFRJ, que por sua vez permitiu articular

    uma rede de instituies de ensino e pesq uisa a comearpela prpria Universidade Federal do Rio de Janeiro, mascomposta tambm pelas Universidade Federal Flumi-nense (UFF), Universidade Federal da Bahia (UFBA), Uni-versidade Estadual de Pernambuco (UPE) e UniversidadeFederal de Pernambuco (UFPE), bem como por iniciativasdo prprio MinC, como o projeto Capoeira viva, parcei-ro undamental na constituio e consolidao de nossabase de dados, sediada no Rio de Janeiro.

    Vrias eram as demandas que antecediam a iniciativa doinventrio, diagnosticadas pelos mestres e praticantesem geral nos anos dedicados arte da capoeiragem.Do mesmo modo, tambm j havia, no plano das polti-cas, idias de aes positivas tais como as que integra-vam o programa do ministrio. Uma delas seria, consi-derando a capoeira como prtica cultural e artstica, e

    no apenas como prtica desportiva, a implementao,com o auxlio do Ministrio da Educao, de um progra-ma em escolas de todo o Brasil. Tambm cogitava-se acriao de uma previdncia especca para os capoeiris-tas, a m de dedicar-lhes uma ateno especial.

    Toda uma convergncia de idias, refexes e experi-ncias neste campo tiveram de ser processadas em umtrabalho que durou quase dois anos e que incluiu a re-alizao de quatro encontros de natureza acadmica e

    artstica, como mesas de pesquisadores, painis e oci-nas de mestres,e espetculos, nos quais se produziu umextenso material lmico, sonoro e escrito que consta dodossi que instrui o registro do bem.

    Nesses encontros, via de regra elegamos mestres a se-rem homenageados, como, por exemplo, Joo Pequenoe ngelo Decnio, em Salvador, em dezembro de 2006.No ltimo de nossos encontros, ocorrido no Rio de Janei-ro em agosto de 2007, tivemos a chance de render umaltima homenagem em vida ao mestre Leopoldina (quealeceu em outubro do mesmo ano), cone da capoeira

    carioca, personagem inspirador e protagonista do do-cumentrio A na for da malandragem, no IV EncontroCapoeira como Patrimnio Imaterial do Brasil, realizadono Teatro Raul Cortez, em Duque de Caxias. Para ele, e mnome de todos os mestres com que tivemos a oportuni-dade de conviver nesse perodo, o nosso ax, camar!

    Wallace de Deus Barbosa

    Universidade Federal Fluminense

  • 8/3/2019 Na Roda Da Capoeira

    7/25

    11

    Na roda da capoeira

    A capoeira uma arte multidimensional, o que signicadizer que ao mesmo tempo dana, luta, jogo e msi-ca. Estes mltiplos aspectos se desenvolvem na roda,um ritual criado pelos capoeiristas que encena, porintermdio da perormance corporal e rtmica, o movi-mento da grande roda do mundo.

    No se sabe ao certo quando e como surgiu, o ato que a roda se desenvolveu e se tornou expresso pr-pria da capoeira a partir da Bahia. Atualmente, umamaniestao popular que se encontra disseminada noscinco continentes, diundida pelos mestres em suas er-rncias e organizada por pessoas de diversas nacionali-dades que praticam o jogo.

    Apesar de sua atual popularidade, a capoeira nem sem-pre gozou da mesma simpatia do pblico e nem mesmoas rodas eram a principal expresso da arte. No Rio deJaneiro do sculo XIX, os capoeiristas (ou capoeiras) sereuniam em grupos conhecidos como maltas e eramduramente perseguidos, principalmente com a abolioda escravatura e a proclamao da Repblica, quandoo jogo oi inserido no Cdigo Penal Brasileiro atravsdo decreto de 11 de outubro de 1890. De acordo com

    o artigo 402, se tornou crime azer nas ruas e praaspblicas exerccios de agilidade e destreza corporal, co-nhecidos pela denominao de capoeiragem.

    Na capital baiana o jogo era mais tolerado. Um dos mo-tivos o ato de que no havia naquele estado uma leique criminalizasse sua prtica, o que pode ter contribu-do para o desenvolvimento das rodas como ritual queengendra uma srie de signicados ldicos, simblicose mtico-religiosos.

    capoeira na praia da Guarda do Emba - SC

  • 8/3/2019 Na Roda Da Capoeira

    8/25

    12 13

    ambiente da cultura local e, ao mesmo tempo, sua ani-dade com os cultivos religiosos.

    Os capoeiras antigos sempre estiveram cercados deuma mstica sobrenatural. Usavam patus amuletosque continham oraes e os protegiam dos perigos eeram reconhecidos como mandingueiros. Os mandin-gas, ou malinqus, que habitavam o reino do Mali, em-bora convertidos ao islamismo no sculo XIII, permane-

    ceram conhecidos como detentoresde crenas e tradies etichistas as-sociadas eitiaria. Por isso os patu-s tambm eram conhecidos como bolsas de mandinga.

    O proano, claro, tambm az parte da roda. Os capo-eiras vadiavam em rente aos botequins, onde realiza-vam a brincadeira ao mesmo tempo em que se serviam de

    Em Salvador, apenas nos anos 20 o jogo,assim como os candombls, passou a so-

    rer uma perseguio maior, comandada pelo temido Pe-dro Gordilho, mais conhecido como Pedrito, chee de po-lcia do Esquadro da Cavalaria. No territrio baiano, asrodas se tornaram amosas como lugares de vadiao,brincadeira e lazer. Espaos no apenas do jogo, mastambm do aprendizado, anal, quando se joga tambmse aprende. Por isso alguns mestres ainda mantm o an-tigo hbito de passar lies durante o encontro na roda.

    Junta-se a isso sua carac terstica semi-religiosa, princi-palmente nas prticas tradicionais, intimamente ligada tradio de oerecer comida aps a roda, momento decelebrao da sociabilidade e, muitas vezes, de oerendaaos orixs e santos catlicos sincretizados pelos devotos.

    Religio, comida e celebrao so elementos presentesnas estas que ocorrem em largos prximos s igre-jas catlicas. Nesses lugares, as rodas de capoeira setornaram comuns, o que mostra sua integrao com o

    procissonodiadeIemanj

    Arembepe-BA

    mestresdavelhaguard

    aediscpulosnaBahia

    flmagemdeDanadeG

    uerra-JairMoura

  • 8/3/2019 Na Roda Da Capoeira

    9/25

    14 15

    goles de cachaa, muitasvezes oerecida pelo donodo estabelecimento comocontrapartida pelo ato de ojogo atrair curiosos e, con-seqentemente, reguesespara os estabelecimentos.Aos domingos, vestiam umterno branco que chama-

    vam de domingueira.Era a roupa da missae do passeio, cuida-dosamente alinhadae guardada para essedia especial. Com essetraje, jogavam no chode barro vermelho enunca se sujavam. Per-maneciam limpos e elegantes como se tivessem acabadode sair de casa.

    Curiosamente, a roda nem sempre acontece em orma decrculo. Nas comunidades pobres da Bahia, os mestrescostumavam erguer currais retangulares de madeira para

    a realizao das rodas sob as vistas dos que se apoiavamno cercado. Nessa poca, anos 40, os capoeiristas j seorganizavam em grupos uniormizados com camisas detimes de utebol, e atraam no apenas os moradores dascomunidades, mas tambm intelectuais e artistas.

    O crescente interesse de um pblico que no se res-tringia aos praticantes da arte ez com que as rodasde capoeira tambm se tornassem locais de mediao,espaos onde mundos at ento distantes entravam em

    contato, estabeleciam negociaes e promoviam estra-tgias de resistncia. Mestre Valdemar organizou, entreos anos 40 e 70, uma roda importante na Liberdade,bairro operrio de Salvador, que acontecia tambm cer-cada por um curral de madeira e debaixo de um teto depalha. Uma arquitetura bsica para o lugar que couamoso como o Barraco do mestre Valdemar, onde sereuniam nomes lendrios da capoeiragem baiana, comoTrara, Espinho Remoso, Antnio Cabeceiro, Joo Gran-de, e intelectuais como Caryb, Jorge Amado, EuniceCatunda, Mrio Cravo e Pierre Verger.

    O mesmo acontecia nas rodas dos espaos ormais dacapoeira: as academias que comearam a surgir nosanos 30. Jorge Amado, por exemplo, tambm reqen-tava a escola de mestre Pastinha, principal organizadorda capoeira angola. Mestre Bimba, criador da capoeiraregional, se apresentou em 1954 para o governador daca

    poeiranoTerreirod

    eJesus-Salvador-BA

  • 8/3/2019 Na Roda Da Capoeira

    10/25

    16 17

    Bahia, Juracy Magalhes, e para o presidente da Rep-blica, Getlio Vargas, o qual, na ocasio, conorme setornou clebre, armou que a capoeira era o genunoesporte nacional do Brasil. Apesar dessa armao, asidentidades nacional e aricana da capoeira permane-cem em disputa, representadas por dierentes mitos deorigem e dramatizadas nas rodas por meio dos cantos,movimentos e instrumentos.

    As apresentaes das rodas ora de seus lugares de ori-gem, por atrarem um pblico maior, transormaram-seem importante meio de divulgao e desmarginalizaoda arte. No entanto, a capoeira se desenvolveu em espa-os sociais que, embora pouco privilegiados, garantiamo ambiente necessrio a sua prtica.

    A rea porturia, reduto de negros estivadores e pesca-dores, oi um dos principais espaos de desenvolvimentoda vadiao. O porto simboliza a ligao da capoeira

    com o mar, reminiscncia da travessia do Atlntico eitapelos aricanos escravizados e trazidos para o Brasil.

    As antigas cidades porturias brasileiras, como Salva-dor, Rio de Janeiro e Recie, receberam grandes levas

    de aricanos e desenvolveramuma cultura local ortementemarcada pelas tradies negras.A capoeira nessas cidades pos-sui uma histria que atravessaa poca colonial, o m do Im-prio e Primeira Repblica, e

    permanece como maniestaocultural emblemtica de seusrespectivos estados.

    Bahia, Rio de Janeiro e Pernam-buco oram bero de capoeirasque se tornaram mticos, masem solo baiano ganhou impor-tncia e destaque o ocio domestre, gura undamental paraa realizao das rodas. Detentordo saber, ele quem articula oritual, mantm a tradio, trans-mite o ensinamento, promoverecriaes, invenes e atuacomo principal mediador entrea arte e a sociedade ormal.

    O mestre de capoeira organiza aroda como espao de uma per-ormance que se mantm comolegado de prticas de sociedadestradicionais aricanas que se enrai-zaram no Brasil, corporicado por

    meio dessa luta que se dissimula em dana e que oi unda-mental para a resistncia escrava no perodo colonial, per-manecendo como importante reerncia da cultura negra.

    estivadoresjogamcapoeir

    anocais-BA

  • 8/3/2019 Na Roda Da Capoeira

    11/25

    18 19

    As tradies corporais aricanas se desenvolveram noBrasil marcadas pelo contexto local. A capoeira, portan-to, surgiu a partir de rupturas e continuidades que sederam no novo continente. Uma memria do corpo, per-ceptvel na seleo e atualizao das prticas rituais, cujacomplexidade se maniesta na roda de capoeira, umaorma de expresso que se articula s muitas identidadesde brasileiros e estrangeiros nos cinco continentes.

    Atualmente a capoeira est vivendo um momento mar-cante de internacionalizao e globalizao, uma novadispora, que levanta uma srie de questes importan-

    tes, envolvendo discusses sobre polticas pblicas, pa-trimnio, identidade e tradio em um planeta marcadopor uma modernizao vertiginosa.

    A globalizao da capoeira

    Atualmente, a capoeira se encontra presente em mais de150 pases, atraindo praticantes e estudiosos de diversasnacionalidades. A globalizao do jogo, eita sem incen-tivo privado ou governamental, se deve s errncias doscapoeiristas, considerados embaixadores inormais dacultura brasileira.

    Mestre Arthur Emdio, j nos anos 50 e meados dos 60,oi provavelmente o primeiro capoeirista a viajar para oexterior. Ele se apresentou na Argentina, Mxico, Estados

    Unidos e Europa. Alm disso, ez demonstraes para ospresidentes brasileiros Vargas e Kubitschek e para os go-vernantes norte-americanos Eisenhower e Kennedy.

    Depois dele, em 1966, mestre Pastinha e seus discpuloszeram uma antolgica viagem para a rica, mais preci-samente para Dakar, capital do Senegal, onde participa-ram do Festival de Artes Negras.

    Uma das maneiras de os capoeiristas conhecerem o mun-do era participando de grupos olclricos em excurses,

    ocasies em que alguns se desligavampara se estabelecer, ensinando capo-eira, nas cidades por que passavam.

    Foi o que aconteceu com mestre Je-lon Vieira. Integrante do grupo VivaBahia, aps uma srie de shows pelaEuropa, permaneceu em Londres,tendo, enm, em 1975, se estabeleci-do em Nova York, cidade onde haviaeito uma apresentao. Ao ladode Loremil Machado, oi o pioneiro

    na diuso da capoeira nos EstadosUnidos. Em 1979, o ensino do jogose expandiu para a costa oeste, naCalirnia, com a chegada de mestreAcordeon, cobrindo assim as duasaces do territrio norte-americano.

    Mais adiante, em 1990, mestre JooGrande inaugurou em Nova York

    a primeira escola de capoeira angola dos Estados Unidos Capoeira Angola Center, com sede em Manhattan. Em1994, oi a vez de mestre Cobra Mansa, que se instalou emWashington, onde undou, ao lado de mestre Valmir, a Fun-dao Internacional de Capoeira Angola (Fica).

    Na Europa, o primeiro a ensinar oi, possivelmente,mestre Nestor Capoeira, quando, depois de obter a gra-duao mxima do Grupo Senzala, a corda vermelha,decidiu viajar para o exterior, tendo chegado a Londresem 1971, onde comeou a ministrar suas aulas em umaacademia de dana. Mestre Nestor Capoeira percorreu aEuropa por trs anos ensinando em dierentes cidades an-tes de retornar para o Brasil.

    Apesar de Estados Unidos e Europa terem sido os princi-pais pontos internacionais de crescimento da capoeira,paralelamente a arte tambm se desenvolveu no Japo,Israel, rica do Sul e Canad. Recentemente, oi diundida

    rodanaacademiademestreJooGrande-NY

    capoeiristasemaveladeLisboa

  • 8/3/2019 Na Roda Da Capoeira

    12/25

    20 21

    no Leste Europeu (Polnia, Estnia,Srvia e Finlndia), Amrica Latina(Mxico e Venezuela) e rica (Ango-la e Moambique). Um mapeamentorevelador de que o mundo est apren-dendo a jogar capoeira.

    O aprendizado

    Antes de ser ensinada nas academias,a capoeira era aprendida nas rodas

    que aconteciam no cotidiano do tra-balho, de estas e disputas. Comono havia espaos institucionais es-peccos para o treino, os mestrestransmitiam seus ensinamentos emterreiros abertos em rente a quitan-das, botequins, largos e at mesmoem quintais de residncias.

    Mesmo em ambientes echados, como os de escolas, amaioria dos mestres de capoeira no privilegia o ensino pormeio de uma tcnica ormal de transmisso dos conheci-mentos, de modo que os alunos aprendem de oitiva, comoera chamado pelos antigos mestres o aprendizado adquiri-do pela observao, vivncia e, sobretudo, prtica do jogo.

    Oitiva era o nome popular dado para a atividade dosque cavam no porto espera de trabalho. Normalmen-

    te a oerta de emprego repentino era gritada por umcapataz para o grupo de trabalhadores que passavam odia na rea porturia, na escuta, de ouvidos abertos,atitude atenta que remete postura do capoeirista. En-quanto esperavam, organizavam rodas no cais, onde osdiscpulos eram iniciados na arte do corpo.

    Aps anos de criminalizao e marginalidade, a capoei-ra, principalmente a partir da dcada de 1920, comeaa ser absorvida pela sociedade ormal brasileira. Tal ab-

    obaianoToniemumestivalemAmsterd

  • 8/3/2019 Na Roda Da Capoeira

    13/25

    chamadademandinganobarracodemestreValdemar

  • 8/3/2019 Na Roda Da Capoeira

    14/25

    24 25

    soro permitiu que experimentasse inmeras transor-maes, como o surgimento das primeiras escolas ouacademias de ensino e aprendizagem do jogo.

    O primeiro mestre a abrir uma escola de capoeira oiMestre Bimba, em 1932, na cidade de Salvador (BA), noengenho Velho de Brotas. Por volta de 1937, ele con-seguiu o primeiro registro ocial do governo para suaacademia. A Secretaria da Educao, Sade e AssistnciaPblica a registra como uma escola de educao sica,com o nome de Centro de Cultura Fsica e Capoeira Re-gional, destacando o papel desportivo e marcial da arte.

    Em 1941, Mestre Pastinha oi o primeiro a ormalizar oensino da capoeira antiga no seu Centro Esportivo deCapoeira Angola.

    Os mestres e as diversas vertentes

    A capoeira marcada por uma diviso histrica. Em 1928,mestre Bimba undou a capoeira regional, que na poca cha-mou de luta regional baiana, rompendo com a capoeira tra-dicional. Os mestres de capoeira angola, principalmente mes-tre Pastinha, reivindicavam suas tradies, em contraponto infuncia de outras lutas marciais principalmente o jiu-jitsu,e de movimentos do batuque, outra maniestao de dana eluta aro-descendente na prtica da capoeira regional.

    Mestre Pastinha tambm possua como objetivo a so-cializao e no negou o carter esportivo da capoeira,

    chegando a deni-la como um esporte da vida. Mesmoassim, insistia em sua aricanidade. Nesse contexto,embora no descartasse a infuncia da cultura negra,mestre Bimba armava que a capoeira nascera no Brasil,mais precisamente na Bahia.

    Diante das perspectivas distintas, Bimba e Pastinha setornaram patronos, respectivamente, da capoeira regio-nal e da angola. Mais do que isso, deram a essas moda-lidades um sentido pedaggico. A escolarizao da ca-poeira se consolidou com os dois mestres e suas esco-

    las, que se tornaram reerncia para as novas geraesde discpulos. Essas escolas ou academias se tornariamreerncias para ambos os estilos, guardadas suas die-renas e tradies prprias. Um modelo desenvolvidona Bahia, que se estabeleceria entre os anos 1930 e1940, e que, mais tarde, seria diundido em diversas ci-dades do Brasil e do exterior, consagrado como heranadas escolas dos mestres Bimba e Pastinha.

    No entanto, o estilo que se tornou hegemnico na cenacontempornea uma uso de elementos da capoeiraangola e da regional que surgiu em meados de 1960 nosudeste do Brasil, principalmente em So Paulo e Riode Janeiro. Alm disso, a elementos j existentes oramacrescentados outros novos, como o uso de cordas paragraduar os jogadores, por exemplo. Essa nova modali-dade ainda no possui um nome consensual entre os ca-

    M

    estresGilVelhoeLeopoldina

  • 8/3/2019 Na Roda Da Capoeira

    15/25

    26

    poeiristas. Uns preerem cham-la capoeira contempor-nea, outros, capoeira de vanguarda, e h ainda os quea nomeiam capoeira atual ou, simplesmente, capoeirahegemnica. Os grupos que se tornaram principais re-presentantes dessa tendncia so Senzala e Abad no Riode Janeiro, e Cativeiro e Cordo de Ouro em So Paulo.

    Apesar das diversas vertentes de grupos e mestres, oritual da roda se estabelece como ponto comum entretodos eles, abrigando no seu entorno diversas manies-taes, como a religiosidade e a culinria.

    sete crianas levantam a panela de caruru na escola de mestre Curi

    MestreBocaRica-FeiradeSoJoaquim-

    BA

  • 8/3/2019 Na Roda Da Capoeira

    16/25

    28 29

    Capoeira tudo o que a boca come

    capoeira tudo o que a boca come uma rase demestre Pastinha que pode ser interpretada como umadenio da arte, percebida como altamente antropo-gica, alimentando-se das inormaes e infuncias docotidiano que a cerca.

    A rase remete tambm relaoda comida com a capoeira. Nas

    muitas rodas realizadas nas estasreligiosas de largo, os capoeiristas,em sua maioria reqentadores deigrejas e candombls, devotos tan-to dos santos quanto dos orixs,oerecem comida em comemoraoa determinada data ou evento

    Um exemplo marcante dessa tra-dio o caruru oerecido a So

    Cosme e So Damio, em Salvador, por mestre Curi,que, em vez de servi-lo no dia reservado aos santos pelocalendrio, 27 de setembro, o az no dia 26 de janeiro,aniversrio de sua academia Escola de Capoeira AngolaIrmos Gmeos de Mestre Curi. O nome dado acade-mia e a esta realizada nos aniversrios so motivadospela devoo do mestre pelos s antos, uma que surgiudevido ao ato de possuir irmo e dois lhos gm eos.

    Apesar da reerncia religiosa, a comida tambm servida nas rodas em que se comemora o aniversriode participantes e outros acontecimentos importantes.Exemplo disso a Roda livre, organizada por mestreRusso em Duque de Caxias (RJ), em que so comuns oschurrascos que acompanham o ritual; em Santa Tere-sa, mestre Jos Carlos promoveu um xinxim de galinhapara marcar a relao entre a capoeira e a culinria ari-cana; em um batizado cerimnia de entrega de cor-

    capoeiristaagachadoaopdoberimbauenquan

    to

    mestreJosCarloscantaaladainha

  • 8/3/2019 Na Roda Da Capoeira

    17/25

    30 31

    das promovido pelo grupo Senzala, na Barra da Tijuca,oram oerecidas rutas aos convidados. Da se percebeque mesmo as comemoraes laicas no perdem com-pletamente o carter tambm religioso, at porque, damesma maneira que acontece nas cerimnias do can-dombl, a comida s servida aps o ritual.

    O ritual das rodas

    As rodas de capoeira, em qualquer vertente, se iniciamcom o tocar do berimbau seguido do canto. Na capoei-

    ra angola, o cntico que d incio ao ritual a ladainha um lamento que ecoa enquanto a platia ca em siln-cio e os dois jogadores permanecem agachados ao pdo berimbau, tambm imersos em um respeito silencio-so. Os cantos abordam desde temas religiosos a ricamtica, os capoeiras lendrios, os santos e orixs acenas do cotidiano e represso policial:

    Tava m casaSm pnsar nm imaginarDgad n mmntJ mandu fi m intimar vrdad mu cgaCm tda dipmaciaPrndram capiraDntr da dgaciaPara dar dpimntDaqui qu n sabia, camaradinh...

    Antigas ladainhas como esta normalmente tm autoriaincerta e, quando muito, oram batizadas inormal-mente; alm disso, muitas vezes apresentam variaesao invs de letras xas. Apesar de no serem cnticosestritamente religiosos, o tom de lamento que as carac-teriza az com que sejam associadas a uma prece, atpelo ato de terem como encerramento uma louvao maior Deus / viva meu mestre / quem me en-sinou / a capoeira. A partir desse momento, os doisque estavam agachados se benzem e comeam a jogar,

    enquanto o tocador de berimbau canta os corridos, pe-quenas canes mais rpidas de dois ou quatro versos,que so repetidos pelo coro da roda:

    Vaha-m Dus, snhr S BntBurac vh tm cbra dntr

    So Bento o santo padroeiro de Angola e denominatambm dois toques de berimbau: So Bento Grande e

    So Bento Pequeno. Diante dessa variedade rtmica, oscapoeiristas so convidados a jogar pelo mestre quecomanda a roda, inicia e encerra os jogos. A ele tam-bm se deve pedir autorizao para jogar, caso seja umvisitante. De maneira geral, todos podem brincar. Princi-palmente nos dias atuais, quando se percebe uma parti-cipao maior de mulheres e crianas no ritual.

    r

    odadecapoeiranoFortedeSantoAntnio-BA

  • 8/3/2019 Na Roda Da Capoeira

    18/25

    32 33

    Na ausncia do mestre da roda, o comando ca sob aresponsabilidade de um capoeirista mais antigo, quetoca o berimbau grave, tambm chamado de gunga. Nasrodas de capoeira angola, a brincadeira mais demo-rada, leva alguns minutos e sua durao no possui umtempo especco. O jogo acaba quando o tocador baterepetidas vezes no arame do gunga. o sinal de que hora de apertar as mos e dar lugar a outra dupla.

    Nas rodas de capoeira regional e dos grupos que usamcordas (ou cordel), os jogos so mais rpidos s vezesno chegam a durar um minuto e no so coman-

    dados pelo berimbau. o chamado jogo de compra,quando um jogador entra na roda, interrompe a duplaque est se apresentando e escolhe um dos jogadorespara jogar.

    claro que cada mestre ou grupo possui sua concepoprpria sobre a roda, de modo que as prticas descritasno devem ser encaradas como modelos xos, podendoser utilizadas de ormas distintas em qualquer modali-dade. Ainda assim, comum a maioria dos rituais termi-nar com corridos de despedida:

    Adus, adus,J vu-m mbraeu vu cm Duse Nssa Snhra

    Uma dierena marcada, no entanto, a abertura da

    roda da capoeira regional, na qual mestre Bimba ado-tou, ao invs da ladainha, as chamadas quadras parainiciar seu ritual:

    Mnin, qum fi tu mstrMu mstr fi SamSu discpu qu aprndMu mstr m du i, camar

    Salomo, o sbio rei bblico, az parte do imaginrio dacapoeira em outras canes. A suposta relao amorosa

    que teve com a Rainha de Sab, monarca da regio hojeconhecida como Etipia, o manteve presente na mem-ria e tradio oral dos aricanos e seus descendentes.Mestre Bimba, por sua vez, usava como smbolo de suaacademia o cinco Salomo, como era popularmente co-nhecida a estrela de cinco pontas envolta por um crcu-lo, considerada protetora dos capoeiristas. A estrela demestre Bimba, no entanto, tinha seis pontas, emblemaque para ele signicava equilbrio. Alm dos signica-dos simblico-religiosos, props tambm inovaes nadisposio dos instrumentos utilizados para ormar as

    orquestras tradicionais das rodas de capoeira.

    Os instrumentos

    Na tradio musical da capoeira angola so utilizadostrs berimbaus grave, mdio e agudo , alm de ata-baque, agog, reco-reco e pandeiro. Mestre Bimba,quando criou a capoeira regional, manteve apenas umberimbau e dois pandeiros. Vertentes modernizadas deseu estilo, por sua vez, reincorporaram nas rodas e trei-nos a trade de berimbaus e alguns dos outros instru-mentos, como atabaque e agog.

    O principal instrumento da capoeira o berimbau. Embo-ra no se possa precisar em que poca oi introduzido nojogo, alguns registros do

    incio do sculo 20 indi-cam sua utilizao paraesse m; antes disso,sabe-se que azia partedo cotidiano do comrcio,utilizado por escravospregoeiros para chamar aateno do pblico.

    cabaasparaconecodeberimbau

  • 8/3/2019 Na Roda Da Capoeira

    19/25

    34 35

    Constitudo por um arco curvado com um o de arame estica-do, o berimbau tocado pela percusso de uma baqueta noo, tambm tensionado por uma moeda ou pedra, acompa-nhado por um pequeno chocalho o caxixi.

    Embora exista uma presena marcante do instrumento narica central, tambm so encontradas variaes do berim-bau na Europa. Nas rodas de capoeira angola, a utilizao detrs berimbaus pode ser vista como mais uma reerncia ao

    universo religioso do candom-bl, em que so utilizados trstambores de anaes dieren-

    tes: rum, rumpi, e l. Da mesmaorma, os outros instrumentosque azem parte da orquestrada capoeira, como atabaque eagog, so comuns nos rituaisreligiosos das tradies negras.

    O berimbau, assim como o pan-deiro, tambm utilizado noambiente proano do samba-de-roda baiano, realizado mui-tas vezes no encerramento dasrodas de capoeira. Como se v,a musicalidade da arte est in-timamente ligada ao ambiente

    cultural da Bahia, o que provaa inluncia das culturas locaisna capoeiragem.

    As cidades da capoeira

    Rio de Janeiro, Salvador e Recie so cidades porturias mar-cadas pela presena da cultura negra dos escravos trazidosda rica que desembarcaram em seus portos. A capoeira,dessa orma, reconhecida como um enmeno cultural ur-bano desenvolvido nas mais antigas metrpoles brasileiras.

    No Rio de Janeiro, a capoeira soreu uma devastadora per-seguio comandada pelo chee de polcia Sampaio Ferraz,no incio da Repblica, em 1890: o jogo passou a ser consi-

    derado crime, inscrito no cdigo penal, e seus praticantesoram desterrados para a ilha de Fernando de Noronha.

    Os capoeiras eram temidos pelos cariocas e, organi-zados em grupos chamados de maltas, disputavam ageograa da cidade os pontos de comrcio e as reaseleitorais. Acusados de promover a desordem pblica,provocavam correrias exibindo suas navalhas e por-retes, sendo reqentemente citados nos documentospoliciais. Dessa poca, restaram nomes de capoeiras

    rodanaCasadaMandinga-BA

  • 8/3/2019 Na Roda Da Capoeira

    20/25

    36 37

    amosos como Manduca da Praia e Prata Preta. Este lti-mo oi um dos lderes da Revolta da Vacina levante dapopulao que resistiu obrigatoriedade da vacinaocontra varola no bairro da Sade, em 1904.

    Na Bahia, a expresso se tornou parte da cultura localdas cidades e bairros. Seu aspecto ldico ez com queosse organizada ritualisticamente em roda, encenadacomo um jogo de lazer ou vadiao. Nomes como Be-souro Cordo de Ouro, Siri do Mangue, mestre Pastinha,mestre Bimba, entre outros, se tornaram lendrios e athoje suas aanhas so cantadas nas rodas de capoeira.

    Recie tambm teve capoeiristas valentes que se torna-ram mticos, como Nascimento Grande. Assim como noRio de Janeiro, a verso pernambucana soreu orte re-presso; alm disso, da mesma orma que infuenciou ocarnaval carioca por intermdio da dana do mestre-salae da porta-bandeira, na capital de Pernambuco aconte-ceu algo parecido, sendo os capoeiras os responsveispela criao do passo do revo no carnaval. A ntima re-lao com a ormao cultural das mais antigas cidadesporturias brasileiras, no entanto, no suciente paraque se possa armar a origem da capoeira

    Os mitos de origem

    O mito uma ala que muitas vezes busca explicar o momen-to undador de determinado evento. No caso da capoeira, asnarrativas de origem oscilam entre a rica e o Brasil e reve-lam razes etimolgicas tambm controversas.

    comum associar a capoeira ao seu signicado na lngua tupi:mato-ralo. Um dos mitos de origem narra que o nome do jogoveio deste lugar para onde os escravos ugiam para praticar aluta, uma clareira onde existisse uma capoeira. Para muitos,este seria o local onde tambm surpreendiam seus persegui-dores, os capites do mato, pegos na capoeira.

    No entanto, uma outra hiptese remete ao cenrio urbano,mais precisamente rea porturia, onde escravos de ga-nho carregavam na cabea enormes cestos chamados capo-eira, palavra derivada de capo, sinnimo de galo capado.

    Nas capoeiras osescravos carrega-vam galinhas paralevar ao mercado

    de aves da praia, um lugaronde no muito raro acon-teciam brigas de galos, oucapes. Por isso alguns pes-quisadores acreditam quea luta que acontecia nas ri-nhas oi relacionada ao jogo

    do escravo, que passou aser chamado de capoeira.

    A relao com os animais e a natureza tambm az partede sua origem mtica. Da observao e imitao dos bichosteriam surgido os movimentos da capoeira. Para os que de-endem a procedncia aricana, o mito undador a danado ngolo: um ritual de iniciao da rica central em quedois jovens disputam uma virgem dando pulos, coices ecabeadas, movimentos que aprenderam observando aszebras nas savanas.

  • 8/3/2019 Na Roda Da Capoeira

    21/25

    38 39

    Este ritual oi narrado por um desenhista angolano chama-do Albano de Neves e Souza, que, ao visitar a academia demestre Pastinha, em Salvador, nos anos 60, relacionou ojogo que via nas rodas da Bahia ao ritual que presenciaraem seu pas. Sendo assim, alguns mitos so mais recentesdo que se pensa.

    O mito da imitao dos animais, portanto, permanecenas narrativas que apontam para o surgimento da ca-poeira no Brasil. Os movimentos teriam surgido, ento,da observao da auna brasileira, das cobras, onas,gavies e outros bichos.

    A capoeira, apesar de seus mitos undadores, um pro-cesso complexo que permanece como uma memria docorpo, mantida pelos mestres, que transmitem o saberpela tradio oral. Na roda, os cantos, toques e jogosso dimenses de uma orma de expresso de inegveisrazes aricanas que se congura como um importantebem cultural brasileiro.

    Aps sculos de resistncia, o jogo deixou sua condiomarginal praticado por homens, mulheres e crianas e alcanou amplo reconhecimento social, tanto que,atualmente, os mestres e capoeiristas transitam na roda domundo, como proetizou um antigo cntico:

    , d vta n mund, qu mund d camar...

    A roda da capoeira uma maniestao nica, que nun-ca se repete. Por isso no impossvel reerir-se a elacomo uma perormance artstica, alm de s er um espaode sociabilidade que aproxima povos distantes, comomostra sua globalizao. Nesse lugar ritual os limites docorpo so testados, a sonoridade percussiva ressoa nosinstrumentos, os cnticos armam a potica do jogo. tambm local onde o mestre e xerce seu saber para umaplatia de discpulos e observadores.

    III Encontro de Angoleiras noCentro Cultural Jos Bonicio

  • 8/3/2019 Na Roda Da Capoeira

    22/25

    40 41

    Todas estas dimenses justicam a importncia da rodada capoeira como enmeno cultural e explicam sua di-uso alm das ronteiras nacionais. Um encantamentoque az propagar registros e outras tentativas de captu-rar sua aura sempre em movimento.

    Maurcio Barros de CastroDoutor em Histria Social USP

    Pesquisador do Ncleo de Estudos em Histria Oral (NEHO-USP)

    BIBLIOGRAFIA

    ABREU, Plcido de. Os capoeiras. Rio de Janeiro: Tipografada esca Sraphim Avs d Brit, 1886.

    ABReU, Frdric Js d.__________. o barrac d MstrWadmar. Savadr: organia zarabatana, 2003.

    __________. Capiras Bahia, scu xIx: imaginri dcumnta, v I, Savadr: Institut Jair Mura, 2005.

    ARAJo, Rsnga Csta. o univrs musica da capiraanga. Savadr: Grup d Capira Anga Purinh,Cmiss d Dcumnta Acrv, 1994.

    AReIAS, Amir das. o qu capira? S Pau: Brasiin-s, 1984.

    ASSUNo, Matthias Rhrig. Capira. Th histry f anAfr-braiian martia art. Rutdg: lndn, 2005.

    BARBIeRI, Csar. Um jit brasiir d aprndr a sr.DeFeR/GDF. Cntr d Infrma Dcumnta Sbr aCapira (CIDoCA/DF): Brasia, 1993.

    BelTRo, Mnica. A capiragm n Rcif Antig: s van-ts d utrra. Rcif: editra Nssa livraria, 2007.

    CARNEIRO, dison. Negros Bantos: notas de etnografa reli-gisa d fcr. RJ: Civiia Brasiira, 1936.

    CASTRo, Maurci Barrs d. Na rda d mund: Mstr JGrand ntr a Bahia Nva Yrk. S Pau: ts d du-trad, Dpartamnt d Histria Scia (FFlCH-USP), 2007.

    CoUTINHo, Dani. o ABC da Capira Anga: s manuscritsd Mstr Nrnha. Brasia: DeFeR, Cntr d Infrma Dcumnta sbr a Capira, 1993.

    DIAS, Adriana Abrt. Mandinga, Manha & Macia - uma his-tria sbr s capiras na cidad da Bahia (1910/1925).Savadr: edufba, 2006.

    DIAS, luis Srgi. Qum tm md da capira? Ri d Ja-nir: Scrtaria Municipa das Cuturas, DpartamntGra d Dcumnta Infrma cutura, Arquiv Grada Cidad d Ri d Janir, Divis d Psquisa, 2001.

    DoWNeY, Grg. larning capira: ssns in cunning frm anafr-braiian art. Nw Yrk: ofrd Univrsity Prss, 2005.

    FReIRe, Rbrt. uta, dana, capira. Raidad,S Pau, fvrir 1967.

    FRIJeRIo, Ajandr. Capira: d art ngra a sprtbranc. Rvista Brasiira d Cincias sciais, n.10, v.4,junh, Ri d Janir, 1989.

    rodadascrianasnoIIIEncontrode

    Angoleiras

  • 8/3/2019 Na Roda Da Capoeira

    23/25

    42 43

    _________________.Arts Ngras: uma prspctiva afrcn-trica. Rvista estuds Afr-Asitics, n.23, dmbr, Cntrd estuds Afr-Asitics (CeAA): Ri d Janir, 1989.

    Joo PeQUeNo, Mstr. Uma vida d capira. S Pau, 2000.

    MoRAeS FIlHo, M. Capiragm Capiras Cbrs.In: Fstas Tradis Ppuars n Brasi. B Hrin-t: Itatiaia/S Pau: eDUSP, 1979.

    olIVeIRA, Vadmar d. Frv, capira pass. Rcif:Cmpanhia editra d Prnambuc, 1985.

    PASTINHA, Mstr. Capira Anga. Savadr: Funda Cu-tura d estad da Bahia, 1988.

    __________. A hrana d Mstr Pastinha: manuscrits dsnhs. estatuts d Cntr esprtiv d Capira Ang-a. C S Sam 2, S/d.

    PIReS, Antni librac C. S. Bimba, Pastinha Bsur dMangang. Trs prsnagns da capira baiana. Tcantins/Ginia; NeAB/Grafst, 2002.

    __________. A capira na Bahia d Tds s Sants. Um studsbr cutura casss trabahadras (1890-1937). Tcantins/Ginia: NeAB/Grafst, 2004.

    QUeRINo, Manu. Bahia d utrra. Savadr: Prgrss, 1955.

    __________. Cstums africans n Brasi. Rcif: Funda- Jaquim Nabuc, editra Massangana, 1988.

    REGO, Valdeloir. Capoeira Angola ensaio scio-etnogrf-c. Savadr: editra Itapu, 1968.

    ReIS, ltcia Vidr d Sua. o mund d prnas para ar:a capira n Brasi. S Pau: Pubishr Brasi, 2000.

    _________________________. Mstr Bimba mstr Pasti-nha: a capira m dis stis. In: SIlVA, Vagnr Gnavs(rg). Arts d crp. S Pau: S Ngr, C MmriaAfr-brasiira, v.2, 2004.

    RUGeNDAS, Jhann Mrit. Viagm pitrsca atravs d Brasi.B Hrint: editra Itatiaia/S Pau: editra da Univr-sidad d S Pau, 1981.

    SANToS, Marcin ds. Capira mandingas: Cbrinha Vr-

    d. Savadr: A Rastira, 1991.SeTTe, Mri. Maambmbas Maracatus. Rcif: Fundad Cutura da Cidad d Rcif, 1981.

    SoAReS, Cars eugni lban. A Ngrgada Institui: scapiras na Crt Impria (1850 1890). Ri d Janir:Accss editra, 1999.

    __________. A capira scrava utras tradis r-bds n Ri d Janir (1808-1850). Campinas: Unicamp,2001.

    SoDR, Muni. Mstr Bimba: crp d mandinga. Ri d Ja-nir: Manati, 2002.

    _____________.A vrdad sduida: pr um cncit d cuturan Brasi. Ri d Janir: DP&A, 2005.

    TAVAReS, Jui Csar. Dana da gurra: arquiv-arma. Dis-srta d mstrad, Scigia, Univrsidad d Brasia(UNB), 1984.

    VIeIRA, luis Rnat. o jg da capira: crp cuturappuar n Brasi. S Pau: ed. Itapu, 1968.

    __________. Da Capira cm patrimni cutura. Ts dDutrad. Cincias Sciais (Antrpgia) PUC / SP, 2004.

    __________ ASSUNo, Matthias R. Mits, cntrvrsias fats: cnstruind a histria da capira. estudsAfr-Asitics (34): 81-121. D/1998.

    Notas1

    MoNTe, Wanda liapp. Rdas rurais da Bahia, 1957.2 Dssi IPHAN. Samba d Rda d Rcncav baian. 2006.

  • 8/3/2019 Na Roda Da Capoeira

    24/25

  • 8/3/2019 Na Roda Da Capoeira

    25/25