A vela de cera - Hans Christian Andersen

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A vela de sebo Hans Christian Andersen

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Pesquisadores anunciaram em 2012 um inédito do escritor Hans Christian Andersen. Traduzido para o português como A vela de cera, o texto data de quando ainda Andersen tinha 18 anos e se experimentava na literatura.

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Para a senhora Bunkeflod com a dedicação de seu

H. C. Andersen

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Aquilo chiava e fervia enquanto o fogo dançava debaixo do caldeirão; era o berço da vela de sebo --e do interior do berço cálido surgiu a vela perfeita, elegante, brilhando branca e esguia. A julgar por seu aspecto, todos os que a contemplavam se convenciam de que ali estava a promessa de um futuro feliz e radioso --uma promessa que, como todos viam muito bem, ela não deixaria de cumprir.

A ovelha --uma linda ovelhinha-- era a mãe da vela, enquanto o caldeirão onde se derretia o sebo era seu pai. Da mãe ela herdara o admirável corpo branco e uma certa noção da vida; mas do pai recebera o desejo de ter uma chama ardente, capaz de penetrar medula e ossos --e de "brilhar" vida afora.

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Sim, essa era sua feição, assim ela se formara: entregara-se à vida impregnada das melhores e mais luminosas esperanças. E nela encontrara um número incrivelmente vasto de outras estranhas criaturas às quais se misturara, desejosa de aprender a conhecer a vida e, quem sabe, dessa maneira encontrar o lugar que melhor lhe correspondia.

Contudo, acreditava demais no mundo; e o mundo só se interessa por si mesmo, não quer saber de velas de sebo... Porque, incapaz de entender qual era a finalidade da vela, o mundo tratou de usá-la em proveito próprio e manuseou-a de forma errada, sem cuidado; seus dedos sujos foram manchando cada vez mais a cor imaculada da inocência, que acabou desaparecendo por completo, coberta pela imundície do mundo inteiro, com o qual a vela mantivera um contato próximo demais, ela que nunca soubera a diferença entre o sujo e o limpo... mas que mesmo assim, por dentro, continuava inocente e pura.

Os falsos amigos perceberam que eram incapazes de atingir o que havia por dentro da vela e, furiosos, descartaram-na como uma coisa inútil.

Mas a superfície externa, negra de sujeira, não deixou que os bons entrassem --os bons ficaram com medo de se contaminar com aquele pretume, não quiseram ficar manchados-- e por isso guardaram distância.

E a pobre vela de sebo ficou sozinha e abandonada, sem saber o que fazer. Sentia-se desprezada pelos bons; agora entendia que não passara de um instrumento para que os maus fossem mais fundo em sua maldade; sentiu-se, com isso, tremendamente infeliz, vendo que não dedicara a vida a nada de útil, talvez até tivesse conspurcado o que havia de melhor ao seu redor --era incapaz de compreender para que ou para onde afinal se dirigia, ou por que razão vivia neste mundo-- e estragado a si mesma e aos outros.

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Cada vez mais e com maior profundidade ela refletia, mas quanto mais pensava, maior era seu abatimento, pois era incapaz de encontrar alguma coisa boa, algum sentido autêntico para sua existência --ou de divisar a meta que lhe fora destinada ao nascer. --Era como se aquela camada negra também tivesse coberto seus olhos.

Foi então que ela encontrou uma chamazinha, um pavio; ele conhecia a vela de sebo melhor do que ela própria; aquele pavio percebia as coisas com enorme clareza --inclusive através da camada externa-- e, lá dentro, encontrou uma grande bondade; sendo assim, aproximou-se dela; luminosas esperanças despertaram na vela; que se acendeu --e o coração, dentro dela, derreteu-se.

A chama explodiu, como uma tocha de júbilo num matrimônio abençoado, e tudo ao redor se iluminou e ficou claro; desvendando os caminhos para os que a levavam, seus amigos de verdade --que agora também buscavam a verdade guiados pelo clarão da vela.

Contudo, o vigor do corpo também era suficiente para nutrir e carregar a chama ardente. --Gotas e mais gotas, como sementes de uma nova vida, escorreram ao longo da vela e recobriram com sua substância --a sujeira passada.

Elas não eram apenas a matéria daquele matrimônio mas também seu enlace espiritual.

Agora a vela de sebo encontrara o lugar que lhe cabia na vida --mostrando que era uma vela de verdade, que brilhou durante muito tempo para sua própria alegria e a das outras criaturas...

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© Constantin Hansen. Um retrato de Hans Christian Andersen. 1836 (Reprodução)

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Hans Christian Andersen nasceu em 1805, em Odense (Dinamarca), filho de pais muito pobres. Ainda assim, os poucos livros que possuíam e o teatro de sua cidade natal despertaram seu interesse para o mundo das artes. Foi em busca de uma aproximação com este universo que partiu rumo a Copenhague, aos catorze anos, tentando a chance no Teatro Real como cantor, ator e dançarino. A carreira nos palcos não vingou, mas, tempos depois, conseguiu finalmente se estabelecer como escritor. Sua estreia na literatura ocorreu em 1829, com um livro fantasioso à moda de E. T. A. Hoffmann e uma peça de teatro, que lhe renderam fama rapidamente. Na literatura infantil, a primeira publicação veio em 1830, com um conto de fadas incluído numa coletânea de poemas de sua autoria. Cinco anos depois, reuniu seus Eventyr, fortalte for Børn [Contos de fadas para crianças]. É também autor de romances, contos adultos e literatura de viagem. Faleceu em 1875, três anos após publicar seus últimos contos de fadas.

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Capa: Vicent Van Gogh. A cadeira de Paul Gauguin (detalhe). 1888. Reprodução. O conto A vela de cera de Hans Christian Andersen foi traduzido do original descoberto em 2012 pela equipe do caderno Ilustrada do jornal Folha de São Paulo. Blog Letras in.verso e re.verso http://letrasinversoreverso.blogspot.com.br/

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