A FILOSOFIA DE NIETZSCHE - Humanitas Vivens · A maior referência de superação da moral em...

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A FILOSOFIA DE NIETZSCHE

Noções Introdutórias

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Imagens da capa: https://pixabay.com/pt/friedrich-nietzsche-homem-retrato-67543/

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José Dias Junior Cunha

A FILOSOFIA DE NIETZSCHE Noções Introdutórias

Primeira Edição E-book

Toledo - PR 2018

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Copyright 2018 by Autores

EDITORA: Daniela Valentini

CONSELHO EDITORIAL: Dr. José Aparecido Pereira – PUCPR

Dr. Lorivaldo do Nascimento – UNIOESTE Dr. Reginaldo Aliçandro Bordin – UNICESUMAR

REVISÃO FINAL: Prof. Ademir Menin

CAPA, DIAGRAMAÇÃO E DESIGN: Junior Cunha

Dados Internacionais de Catalogação-na-Publicação (CIP)

Rosimarizy Linaris Montanhano Astolphi Bibliotecária CRB/9-1610

Todos os direitos reservados aos Autores.

Editora Vivens, O conhecimento a serviço da Vida!

Rua Pedro Lodi, nº 566 – Jardim Coopagro Toledo – PR – CEP: 85903-510; Fone: (45) 3056-5596

http://www.vivens.com.br; e-mail: [email protected]

Dias, José.

D541f A filosofia de Nietzsche: noções

introdutórias. / José Dias, Junior Cunha.

- 1. ed. ebook – Toledo,PR : Vivens, 2018.

64 p.

Modo de Acesso: World Wide Web:

<http://www.vivens.com.br>

ISBN 978-85-92670-80-1

1. Filosofia alemã. 2. Nietzsche,

Friedrich Wilhelm, 1844-1900. I. Título.

CDD 22.ed.193

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[...] filosofia, tal como até agora a entendi e vivi, é a vida voluntária no gelo e nos cumes – a busca de tudo o que é estranho e questionável no existir, de tudo o que a moral até agora baniu.

Friedrich Nietzsche

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SUMÁRIO

APRESENTAÇÃO ....................................................... 11 Capítulo I NOÇÕES INTRODUTÓRIAS .................. 13

Nietzsche: o filósofo fora de seu tempo ......................................... 15 A Crítica a Moral ..................................................................... 16 A morte de Deus como prelúdio ao Eterno retorno ...................... 17 O Niilismo ................................................................................ 19 A morte de Deus e a superação da decadência ............................. 21 Do Niilismo ao Super-homem .................................................... 22

Capítulo II PRINCIPAIS CONCEITOS ..................... 25

Vontade de potência ................................................................... 27 Genealogia da moral ................................................................... 31 Eterno retorno ............................................................................ 35 Niilismo .................................................................................... 39

Capítulo III QUEM FOI NIETZSCHE? .................... 45

Friedrich Wilhelm Nietzsche ...................................................... 47 Estudante de Teologia ................................................................ 49 O Filósofo Errante ..................................................................... 50 A Enfermidade .......................................................................... 52

REFERÊNCIAS ........................................................... 55

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APRESENTAÇÃO

Nesta modesta pesquisa sobre as noções introdutórias ao pensamento de Friedrich Nietzsche, apresentamos contribuição para uma leitura posterior mais aprofundada das obras de nosso Autor. O objetivo, mesmo que sumariamente, é transmitir parte de sua filosofia, dado toda sua complexidade.

No primeiro capítulo trabalharemos algumas noções introdutórias e necessárias à compreensão do pensamento de Friedrich Nietzsche.

No segundo capítulo versaremos sobre aqueles que acreditamos ser os principais conceitos da filosofia de Friedrich Nietzsche. Trataremos, assim, da Vontade de potência, da Genealogia da moral, do Eterno retorno e do Niilismo.

Concluímos com o terceiro capítulo, no qual apresentamos uma breve biografia de Friedrich Nietzsche, destacando as suas obras que melhor expressam seu pensamento.

Há uma ressalva a ser feita: é importante colocarmos em ênfase, nossa pesquisa está longe de abordar os temas aqui propostos com o rigor merecido ou com a exaustão devida para se dar conta de transmitir tudo aquilo que Friedrich Nietzsche expressou em sua filosofia – se é que isso seja possível. Trata-se, portanto, de um trabalho meramente introdutório à filosofia de um dos mais importantes filósofos alemães do século XIX.

Boa leitura!

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Capítulo I

NOÇÕES INTRODUTÓRIAS

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Nietzsche: o filósofo fora de seu tempo

Vemos em Nietzsche, já nas Extemporâneas, a

declaração de que ele mesmo se julgava além de seu tempo, com isso, Nietzsche precisa pagar um preço tão alto quanto inevitável, aceitando assim, sem outra possibilidade senão a rejeição incontornável da mediocridade e da miséria de sua época, um fardo.

Nietzsche sabe o que terá de enfrentar por conta de sua originalidade, compreende os riscos por estar fora de seu tempo. E isto deve saber todo filósofo que se intrépida a se pronunciar contra sua época e sua cultura; este estará sujeito à incompreensão, a negação e, principalmente, ao isolamento.

Nietzsche se distingue como filósofo, primeiro, pela aceitação a esse isolamento e a exaltação deste como fonte interminável de motivação e inspiração. Nietzsche de fato subiu a montanha; nele se encontra a perpetuação absoluta do isolamento. É visto em Nietzsche, claramente, o superar de si mesmo. Mesmo nos momentos de seus mais profundos sofrimentos e luta, principalmente, contra sua agravante doença, ele se faz audacioso e destemidamente nunca se dá por vencido.

Segundo, pelo suspeitar dos supostamente nobres ideais modernos – evolução, progresso, igualdade –, e ao invés da aceitação destes, que Nietzsche atribuirá como um defeito dos decadentes, que necessitam da mentira, que fazem dela uma de suas condições de sobrevivência; por sua vez, tomará sobre suas mãos o seu martelo e dele fará

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uso, derrubando assim os ídolos modernos defendidos até então, sobretudo, Platão, cristianismo e a moral. A Crítica à Moral

Nietzsche em sua filosofia terá oponentes bem

específicos, como primeiro deles, e que foi tema de críticas logo em seu primeiro livro (O nascimento da Tragédia - 1872), poderíamos citar a “metafísica”; que por ele será entendida como sinônimo de negação e recusa da tragédia que deve ser a vida; como sinônimo de esconder-se do Dionisíaco.

O filósofo considera que recorrer a “Deus”, “imortalidade da alma”, “salvação”, “além”, são respostas grosseiras. É como dizer não ao pensar. Por conseguinte, e ainda mais intrinsecamente, Nietzsche criticará tudo aquilo que possa se entender por moral, sobretudo, toda a sua obra busca a elucidação diante ao que se tem por este conceito.

Sua obra invoca a abolição da autocomplacência; ao comodismo intitulado de moral. Nega, assim, o tipo de homem que até agora era valorizado como superior, o homem bom, benévolo, caridoso; nega à espécie de moral que como moral, em si, se tornou relevante e dominadora, a moral da dependência e, de maneira mais precisa, a moral cristã.

Os homens, segundo o filósofo, têm sido guiados pelo espírito de negação à vida com falsos conceitos que

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auxiliam a moral em virtude de um não se conhecer, construindo um sentimento de culpa. A humanidade só será criadora em todo o seu poder de pensar e de agir, quando libertar-se.

Quais os sentidos têm essas forças auxiliares da moral, “alma”, “espírito”, “livre-arbítrio”, “Deus”, senão o de arruinar a humanidade? O filósofo faz sua campanha contra a moral porque adverte à transvaloração de todos os valores, que aqui não deve ser entendida como uma utopia, mas como a filosofia do martelo propriamente dita.

Segundo Nietzsche, é uma obra demolidora, por assim dizer, todo o idealismo, novo e velho, estão com os dias contados. A luta contra a metafísica e a moral se fortalecerá a favor da autenticidade e não de uma tradição que transforma a mentira em verdade. A natureza do Dionisíaco e, sobretudo, também de sua filosofia, diz que é necessário destruir para construir. A morte de Deus como prelúdio ao Eterno retorno

A maior referência de superação da moral em

Nietzsche se dará pela morte de Deus, símbolo de maior grandeza ao ilusório modo de vida tido como ideal da humanidade; este que é uma espécie de erro, sem o qual certa categoria de seres vivos não poderia viver; pois o homem preferirá ainda querer o nada a nada querer, o preceito de acreditar que tudo se encontra nas melhores mãos nos confere definitiva segurança: sobre o governo

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divino se encontra a estável sabedoria quanto ao destino da humanidade, em Deus temos a realidade, a verdade.

A morte de Deus, portanto, é acolhida por Nietzsche como um dos principais meios capazes de se dar a configuração de uma nova era, esta que não deve mais ser inspirada em antigos ideais e antigos valores, mas na arte, na criação e no modo Dionisíaco de compreender a vida e de tudo o que nela há de mais infame, doloroso e incerto.

Com a morte de Deus certamente o homem poderá experimentar novas experiências. Nietzsche admitirá que a superação da moral só poderá acontecer depois de um longo tempo de triunfo do Niilismo1. A morte de Deus é um dos elementos mais importantes da crítica nietzschiana à modernidade, isto não só porque está diretamente relacionada à crítica da metafísica, mas, sobretudo, também a moral. Ademais, esta seria a abertura que permitiria ao homem novos experimentos, a morte de Deus, portanto, carrega consigo a semente da superação e já é sintoma da ruína da metafísica.

O declínio das ilusões religiosas, políticas, morais e metafísicas dá ao homem o poder de afirmar a existência e a eternidade do instante presente, a aceitar a totalidade da vida, o trágico, o Dionisíaco. Nietzsche alude à necessidade de atenção que a humanidade deve dar ao instante, a capacidade de se deixar escapar do tempo (cronológico) que poderia levar o homem ao remorso, a mágoa e a culpa. Esta, por carregar sobre si o peso do

1 Niilismo em Nietzsche, segundo Granier (2013, p. 18), “serve para designar [...] a essência da crise mortal que acomete o mundo moderno: a desvaloração universal dos valores, que mergulha a humanidade na angústia do absurdo, impondo-lhe a certeza desesperadora de que nada mais tem sentido.”

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passado e a expectativa pelo por vir, ou melhor, do futuro. Por hora, caberia ao homem viver cada instante em sua singularidade.

Não por acaso, o anúncio do trágico está associado, especialmente, ao pensamento do Eterno retorno. Para Nietzsche, o advento da relação com a existência e o tempo, é que o sim de Dioniso proclame o amor pela eternidade da existência temporal. Tudo retorne incessantemente, e a vida merece o júbilo, o riso, a alegria, a afirmação de si mesma de modo incondicional.

O Eterno retorno é a máxima expressão da filosofia trágica. Nietzsche sugere que o homem afirme e reafirme permanentemente a necessidade de se reconciliar com o tempo e de querer a vida, a ela concedendo um exuberante sim Dionisíaco; que se desvencilhe do espírito de vingança contra o tempo que passa; que não pense no passado como um fardo, mas que da afirmação do Eterno retorno faça a aceitação incondicional da vida. O Niilismo

O Niilismo será o principal meio pelo qual a

decadência se fortificará e invadirá a humanidade. A decadência ou os decadentes não oferecem riscos quando em casos específicos se encontram separados ou isolados. Porém, é como uma praga quando invadem a totalidade dos homens, chegando até, finalmente, ser confundida

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com a própria ideia de humanidade. Nietzsche, portanto, vê na decadência uma espécie de doença social.

Para explicar a generalização da própria decadência, que aqui se trata de uma catástrofe relativa à interpretação filosófica da vida em sua natureza mais intima, a decadência se caracterizará, primeiro, pelo desregramento dos instintos. Para tentar restabelecer um equilíbrio, os decadentes recorrem à razão, para dar sentido à moral e à crença dogmática na lógica.

Segundo, a decadência provoca a separação das formas, a perda da capacidade de assimilação e de síntese, o enfraquecimento das vontades, o desgosto pelas paixões – em vez de agir, o decadente se contentará com as lembranças dolorosas e estará sempre se embriagando das memórias como estimulantes artificiais –, as motivações dos homens à vontade de vingança contra aquilo que os faz sofrer. Assim, até mesmo a noção de justiça (moral) se encontrará pervertida pelo ressentimento dos decadentes, ao se colocarem como justos, sobretudo, serão apenas vingadores.

Nietzsche coloca que o principal meio de propagação da decadência é o controle do ensino; partindo deste, a decadência se tornou propriamente a escola da doença. A ideia de aperfeiçoamento do homem, na verdade se camufla e trabalha para domesticá-lo, em outras palavras, para transformar o homem em animais de carga.

Como responsável sublime desta domesticação está a classe sacerdotal, que impõe ao homem a ideologia do pecado, assim, o tornam inofensivo, fraco, afundado na humildade e na modéstia, consciente de sua fraqueza, o homem pecador será incapaz de superar a si mesmo,

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de romper com aquilo que o regula, com a moral, com o divino, com o próprio Deus. A morte de Deus e a superação da decadência

Igualmente ao que se foi dado para superação da

moral por meio da morte de Deus, o mesmo vale para a superação da decadência. A morte de Deus marca o desmoronamento da ideologia sobre a qual a decadência ergueu seu reinado. O próprio conceito de Niilismo significará que Deus morreu, isto é, o conjunto dos ideais e dos valores que garantiam a dominação da decadência traiu-se.

O Divino, que era o perfeito fundamento oculto da moral, agora se tornou a angústia moderna, uma angústia perante o abismo de uma vida privada de seus fins e de seus valores, esta que se parece absurda, que não valerá mais como resposta ao para quê da vida?

O sentimento de absurdo será dado por Nietzsche como prova afetiva do esclarecer do nada, desse modo cabe ao filósofo, em certa medida, também ser Niilista, pois, assim encontra o nada por trás de todos os ideais. Todavia, esse nada não deve ser interpretado como se opondo ao Ser, mas sim um nada como forma de valor. Interpretando como Nietzsche, o nada será o fútil, o absurdo, o doentio.

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Do Niilismo ao Super-homem

Não é possível sair do Niilismo de uma vez, é

preciso, no entanto, percorrer pacientemente um longo caminho, até que por meio da filosofia se atinja a superação de si mesmo, e aí se terá o Super-homem (Übermensch). Por meio do Niilismo é possível atingir a plenitude do ser e chegar, de fato, ao Super-homem da filosofia nietzschiana.

Como primeira mudança dada pelo Niilismo será o reconhecimento da queda dos antigos valores, porém o homem ainda se recusará a abandonar os princípios que os fundamentam. Teremos, assim, apenas a substituição de Deus pela veneração de ídolos.

Travaremos, no entanto, a primeira luta entre a tradição religiosa e os livres pensadores. Estes que por sua vez abandonaram de fato Deus, porém ainda conservaram a moral cristã. Negarão a existência de um ser supremo, mas ainda se corromperão no idealismo da autocomplacência e do altruísmo, julgadas por Nietzsche como pervertedoras da vida, esta que só se exultaria na aceitação ao trágico, ao eterno devir, ao Dionisíaco.

Por conseguinte, a falta de fundamento da moral se torna uma evidência e, assim, todos os antigos valores se desmoronarão. Mas, ainda sentindo o baque da perda de tudo que antes dava a ideia de sentido à vida, o homem acaba por desistir da vontade, do desejo. E em vez de criar novos valores, se compraz da insanidade instaurada sobre si. Junto a esses surgirão os que não se contentarão com a ruína casual dos valores, e por eles mesmos se

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revoltarão contra tudo que ainda preside e, diante disso, se tornarão aniquiladores de valores, destruindo tudo que lhes nega a “liberdade absoluta”.

Até o momento tivemos somente lamentadores da morte de Deus, homens que ainda negam a vida, no entanto, a partir de agora poderemos perceber os que são, em suma, decadentes, e os criadores. A partir daí surgirá os resquícios do Super-homem. Estes que ousarão se “transvalorar”, se encorajarão a superar a si mesmos, os que farão dos valores não verdades absolutas, mas sim ideais a serem ultrapassados.

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Capítulo II PRINCIPAIS CONCEITOS

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Principais conceitos 27

Vontade de potência1

Escreve Nietzsche que o mundo é Vontade de

potência, com isso ele acaba por ditar o fundamento do ente e, a partir dele, determina a totalidade do ente. Vontade de potência, portanto, não se trata de um querer ou desejar potência enquanto uma manifestação humana. A Vontade de potência não pode ser atribuída a algo ou alguém, ela é em si mesma uma força ativa, uma constante ação.

A própria vida como a conhecemos, nesse sentido, trata-se de uma manifestação da Vontade de potência, não só isso, todos os nossos impulsos, vontades e desejos podem ser reduzidos à Vontade de potência. A essência do ser é Vontade de potência:

[...] quereis um nome para esse mundo? Uma solução para todos os seus enigmas? Uma luz para vós, vós os mais ocultos, os mais fortes, os mais intrépidos, os mais da meia noite? – Esse mundo é a vontade de poder – e nada além disso!2

Diante do fragmento exposto, duas questões precisam ser esclarecidas: a Vontade de potência é uma força

1 Há divergências de traduções do conceito alemão nietzschiano Der Wille zur Macht, que por alguns é traduzido como Vontade de poder, e por outros como Vontade de potência; por se tratar de uma obra introdutória a filosofia do autor não entraremos no debate que circunda está questão. Adotaremos no decorrer do texto Vontade de potência, mas não dispensamos o uso de Vontade de poder em citações. 2 Fragmento póstumo VP. 1067; GA XVI, 402. Junho-julho de 1885, nº 38 [12]; KGW VII 3, 339 apud MÜLLER-LAUTER, 1997, p. 67.

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fundadora do mundo Ou, é uma força que constitui a

totalidade do mundo A resposta a ambas as questões é afirmativa. A

Vontade de potência é uma força criadora, mas é também o próprio mundo. O mundo recria-se a todo instante à medida que a Vontade de potência, uma força ativa e constante, manifesta-se dando-nos o que conhecemos como mundo. O mundo em si mesmo é, portanto, Vontade de potência.

A Vontade de potência, entretanto, não é uma unidade, do mesmo modo que o mundo também não se trata de uma unidade. Toda unidade que vemos no mundo, e que a ele próprio podemos atribuir, não passa de um agrupamento de várias forças, toda unidade só é unidade enquanto organização da Vontade de potência.

Esta organização não pode ser entendida com um ordenamento estático, mas como um conjunto de forças com organizações intermitentes; a Vontade de potência é uma multiplicidade de forças que combatem umas com as outras e desse combate se modificam, se organizando de modos distintos.

Em sentido gramatical não poderíamos dizer: “a Vontade de potência é uma força criadora...” e “o mundo é Vontade de potência...”; deveríamos dizer: as Vontades de potência são forças criadoras...” e “o mundo são Vontades de potência...”.

O mundo permanece, portanto, em constante fluxo, conforme a ação das forças que lhe formam, isto é, a Vontade de potência; nesse sentido, não há nada último ou primeiro princípio indivisível, não há indivíduos enquanto unidades; assim como o mundo, somos – os seres

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humanos, bem como todos os organismos – um agregado organizado de Vontades de potência.

A Vontade de potência é a totalidade do efetivo; esta totalidade nada mais é do que um agrupamento organizado de forças que se digladiam em busca de mais potência. O mundo não pode ser estático, pois as forças que lhe constituem permanecem em constante movimento de acúmulo e perca de potência. As Vontades de potência são oposições umas para as outras. São forças em busca de mais forças, e para que uma aumente sua potência necessariamente outra precisa perder potência.

O mundo organizado que vemos é, na verdade, um complexo caos. Uma batalha constante sem leis, regras ou limites; um estado anárquico de busca de poder (potência).

A Vontade de potência não pode ser pensada como princípio universal ou como algo que dá fundamento ao mundo, mas, para todos os efeitos, é e só pode ser entendida como o próprio Ser. Tudo que é, é Vontade de potência.

Não dá fundamento ao mundo, mas as configurações da Vontade de potência são o mundo. Não principiam, pois não há nada que venha existir a partir delas e após elas, só o que existe são as Vontade de potência. Portanto, segundo Nietzsche, o mundo é:

[...] uma fixa, brônzea grandeza de força, que não se torna maior nem menor, que não se consome, mas se modifica, inalteravelmente grande como todo, uma

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economia sem despesas e perdas, mas igualmente sem crescimento e aportes.3

Do fragmento extraímos o que “mundo” é para Nietzsche, e também podemos perceber algo mais, algo de extrema relevância em sua filosofia. Há uma determinação da soma de forças das Vontades de potência.

As configurações, isto é, as diversas formas em que as Vontades de potência se organizam e dão forma ao mundo, são deste mesmo modo limitadas4. O mundo, então, não é unidade, nem mesmo a Vontade de potência pode ser compreendida assim, o mundo é uma quantidade limitada de forças que se organizam em incessantes alterações.

Esta organização, entretanto, é um simulacro da realidade, é uma representação de um conjunto caótico de múltiplas forças em constante ataque umas às outras. Efetivamente não há seres orgânicos ou inorgânicos, não há mundo ou Vontade de potência, tudo o que é há, e que efetivamente é, é Vontades de potência.

Todos os entes, portanto, são para Nietzsche, estruturas de Vontades de potência hierarquicamente organizadas. Tudo o que acontece, todos os movimentos, todo vir-a-ser e o próprio ser humano, são forças que se agrupam, forças em pleno e constante combate buscando acúmulo de potência e sobressair-se.

Nosso ego é uma pluralidade de forças, que ora são dominadas por uma, ora são dominadas por outra. Ao perguntar-se o que é o humano, eis a resposta: um arranjo

3 Fragmento póstumo VP. 1067; GA XIII, 401. Junho-julho de 1885, nº 38 [12]; KGW VII 3, p. 335 apud MÜLLER-LAUTER, 1997, p. 102. 4 Estas duas premissas são de grande relevância para estruturação do conceito de Eterno retorno que veremos mais adiante.

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Principais conceitos 31

de forças que se integram; é pura ignorância vermos o ser humano como uma unidade, como um corpo; somos Vontades de potência; tudo que é orgânico, bem como o inorgânico é Vontades de potência; estas forças estão em tudo, são tudo.

A psiqué humana é Vontades de potência, os fenômenos físicos, astrofísicos, biológicos, sociais e tudo o mais que se puder imaginar são forças em perpétuo combate e que, com isso, dão forma a tudo, são tudo. Genealogia da moral

Como meio de superação da metafísica a

Genealogia da moral ataca os decadentes e a teoria pessimista. Insurgindo contra o querer viver apenas por mera sobrevivência ou se livrando das insatisfações, busca-se o prazer da reafirmação de si mesmo enquanto possibilidade de máximo acúmulo de Vontade de potência.

Do procedimento genealógico podemos distinguir quais valores morais pertencem à moral dos fortes e quais pertencem à moral dos fracos. Enquanto os fortes definem o bom e o mau como modos de vida e veem o homem como potência: pelo que ele pode e é capaz de fazer; os fracos acreditam na transcendência dos valores bem e mal, veem uma metafísica por detrás destes conceitos, porém:

Se o valor dos valores “bem” e “mal” não chegou a ser posto em questão, é porque eles foram vistos como existindo desde sempre: instituídos num além,

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encontravam legitimidade num mundo supra-sensível. No entanto, uma vez questionados, revelam-se apenas “humanos, demasiado humanos”; em algum momento e em algum lugar, simplesmente foram criados.5

A vida para fortes, portanto, é uma atividade criadora, livre e alegre; aqui felicidade e atividade estão intimamente ligadas. Todo agir equivale à afirmação da potência de vida, a sobrevivência não é uma necessidade, mas plenitude em si mesma.

Já os fracos se contentam com a reação, não tendo forças para agir, apenas reagem; sua felicidade é encontrada na paz, no repouso, na passividade ante a vida. Não ampliam sua potência, antes se esforçam apenas para mantê-la.

A Genealogia da moral encontra na moral dos fracos três principais figuras: os ressentidos, os que se sentem culpados e os que veem no ideal ascético um modelo de vida. Os ressentidos são os que deixam as forças reativas triunfarem sobre as ativas. Toda sua vida é pautada em uma falsa reação ante ao que lhes é dado. Se firmam na comodidade e se negam a agir e a reagir a pretexto de não esgotarem suas forças. São carregados de ódio, almejam vingança contra a vida, mas ao mesmo tempo não são capazes de consumar tal vingança e com isso se prendem no desgosto de uma doentia vingança imaginária.

Os que se sentem culpados surgem de duas formas. A transformação do tipo ativo em culpado pelo nascimento do Estado é a primeira delas; a forte coerção do bem social contra os instintos, estes que são forças

5 MARTON, 1990, p. 6.

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criadoras, em síntese Vontades de potência, inviabilizam o agir, impedem as manifestações livres e recorrem ao pensar, ao agir conscientemente e, assim, toda ação instintiva perde abruptamente seu valor; como resultado temos a interiorização do homem:

A interiorização do homem se produz quando os instintos mais potentes, não podendo se expandir por causa de uma forte repressão social, voltam sua força contra o próprio indivíduo. É a interiorização desta força ativa, da vontade de potência, que cria [o sentimento de culpa].6 A transformação do ressentido em culpado pelo

padre ascético é a segunda forma do surgimento do sentimento de culpa; os ressentidos buscam a causa de suas mazelas e é dever dos padres oferecer um acalento a estes, mas o modo como isso se dá, é o que faz com que os ressentidos desenvolvam o sentimento de culpa.

Ao procurarem algo para atribuir a culpa por seu sofrimento, os ressentidos recebem dos padres a resposta: “você é o culpado, apenas você é o culpado por suas dores, minha ovelha”. Os ressentidos, então, viram-se contra si mesmos: “sou eu o culpado, minha culpa, minha total culpa”, dizem eles agora. Daí nasce a ideologia do pecado.

Quanto aos que veem no ideal ascético um modelo de vida: é só por ver a vida como um erro, negando-a e fazendo dela um caminho para outra vida, uma vida “plena e verdadeira” é que alguém pode se dedicar ao asceticismo. Tomado pelo desejo de vingança

6 MACHADO, 1999, p. 65.

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contra a vida é que alguém inventa fábulas que exista uma outra vida. Por não serem capazes de ampliar suas potências é que as renega e abra mão de sua atividade criativa, de seus instintos.

Contrário aos ressentidos, aos que se culpam por suas mazelas e aqueles que veem nos ideais ascéticos um modelo de vida a ser seguido:

Nietzsche não vê consolo ou justificação metafísica, científica ou ética para a existência. Ou o homem moderno assume o ônus de determinar-se, enquanto homem, ou terá que renunciar à sua autonomia e ser determinado por outrem, pelos deuses ou pelos outros homens. Nos termos de Zaratustra: comandado deve ser sempre aquele que não é capaz de obedecer a si próprio.7

O único modo, então, de ampliarmos nossa potência é não buscarmos lenitivos, sejam eles éticos, metafísicos ou científicos; devemos dar cabo ao procedimento genealógico e buscar as origens de todos os nossos princípios, analisando sempre quais nos incutem junto aos fracos e quais nos põem junto aos fortes.

Que moral queremos para nós Uma moral que cerceia nossas liberdades, que inibem nossos instintos,

que nos torna escravos, animais de rebanho Ou uma moral que reafirma nossas potências, que nos faz querer ampliá-las, que nos mantém em constante atividade

criativa Eis o erro dos filósofos moralistas:

7 GIACOIA JUNIOR, 2015, p. 28. (Grifo do autor).

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Firmes no propósito de fundamentar a moral, os filósofos se equivocam já no ponto de partida, pois desconsideram um fato elementar: não existe a moral; existem várias morais, como linguagem simbólica de nossos impulsos e afetos. Uma história natural da moral tem que se iniciar justamente com a problematização das evidências sobre a moral.8

Eis a solução apresentada por Nietzsche: “O que é bom? Tudo que intensifica no homem o sentimento de potência, a vontade de potência, a própria potência. O que é mau? Tudo que provém da fraqueza”.9

Eterno retorno Para uma melhor compreensão do Eterno retorno é

necessário que voltemos ao conceito de Vontade de potência. É preciso relembrar que Nietzsche renega toda metafísica dogmática, ademais, nos propõem que voltemos ao que até agora foi esquecido, ao nosso corpo; precisamos, assim, abandonar a falsa noção de separação entre alma e corpo; nos afastar de todo idealismo.

Acreditar que a consciência é algo separado do corpo (matéria), ou superior a este é esquecer-se que tudo é Vontade de potência. O que chamamos “autoconsciência” é também um agregado de forças, de vontades, de potências,

8 GIACOIA JUNIOR, 2015, p. 24. (Grifo do autor). 9 Frag. Post., novembro de 1887 - março de 1888, 11 [414); primavera de 1888, 1 5 [120); AC; § 2 apud MACHADO, 1999, p. 68. (Grifo nosso).

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é, em síntese, Vontade de potência. E as Vontades de potência são conscientes. Nosso corpo é consciente.

A consciência do ser humano é, portanto, um agregado de Vontades de potência, assim como tudo mais. Todos os organismos, todas as estruturas orgânicas pensam e querem; o cérebro é apenas uma concentração de vontades. O que nos diferencia dos demais seres orgânicos e entes matérias é a hierarquia de forças, isto é, o modo como se configuram em nós as Vontades de potência.

Ao nos debruçarmos sobre o humano, é preciso que tenhamos claro que a supervalorização de sua “mente autoconsciente” é esquecer-se que todo seu corpo é dotado de consciência. Todo seu corpo é vontade, todo seu corpo busca o acúmulo máximo de potência. Nosso corpo, assim como tudo no mundo, está, portanto, em constante fluxo, nossas partes, ou seja, as vontades que nos constituem permeassem em duradoura luta umas contra as outras, aonde se busca mais e mais potência.

Nosso intelecto é, do mesmo modo, vontade de potência, todo nosso querer, nossas pulsões, em suma, tudo aquilo que há de mais sublime nos humanos, é vontade de potência. Nossos instintos – que ao longo dos anos foi esquecido, desvalorizado, trocado pelo “agir conscientemente”, substituído pela “razão” – é, em suma, Vontades de Potência.

Temos aqui o que são os decantes: os que se esqueceram de seus instintos, os que negam seu próprio Ser, suas vontades:

[...] o decadente é a personalidade cujos instintos estão debilitados e se tornaram anárquicos, por falha do

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sistema regulador que garante a unidade do Si, de modo que ela é obrigada a se apoiar em sua consciência e em sua razão, forjando para si, com a disciplina ascética da Moral, um lastimável sucedâneo da flexível inteligência adaptativa dos instintos. O decadente é um doente do instinto, que tenta compensar suas carências com uma hipertrofia da lógica e da consciência do puro Dever.10

Temos agora bases para que possamos melhor compreender um dos conceitos centrais da filosofia nietzschiana. A superação dos decadentes – principalmente, via Genealogia da moral – e a negação da metafísica – via o conceito de Vontade de potência – que o filósofo alemão propõe nos coloca ante uma problemática que será solucionada pelo conceito de Eterno retorno.

Ao negar “a moral” e a metafísica Nietzsche nega a possibilidade de haver um princípio primeiro, assim como um finalismo. O Eterno retorno põe abaixo toda crença em um “plano” previamente instaurado para o mundo; a ideia de que estamos nos dirigindo a um fim; de que há um porque; um objetivo, um “além”. O Eterno retorno nos coloca ante ao que há de mais temível:

[...] a existência, tal como é, sem fim nem objetivo, mas inevitavelmente retornando, sem um finale no nada: “o eterno retorno”.11

O que temos, portanto, é a Vontade de potência como eterno devir. Não há, pois assim, espaço para o

10 GRANIER, 2013, p. 51. (Grifo nosso). 11 NIETZSCHE, 2018 (a), p. 52. (Grifo do autor)

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finalismo e nem mesmo para um princípio, tudo o que nos resta é o mais excelso caos:

[...] se o mundo perseguisse um fim, este provocaria a instauração de um estado de equilíbrio, e este estado de equilíbrio já deveria ter sido atingido, visto que houve todo o tempo necessário para isso no passado do mundo. Ora, nós constatamos que o devir não foi abolido, que ele continua. Portanto a persistência do devir, hoje, elimina em seu próprio princípio a possibilidade de um equilíbrio final.12

O Eterno retorno reforça a querela de Nietzsche e o Deus cristão. Com a instauração do conceito nietzschiano aqui em voga um deus criador perde seu sentido. O mundo não foi criado, mas é um eterno agregado de forças, de vontades de potência.

Não há um começo, assim como nunca terá um fim, o que há são finitas possibilidades de configurações das vontades de potência que se repetem, e se repetiram por toda eternidade, incessantemente. Assim, o tempo é infinito e o universo:

[...] uma força finita e constante, desdobrando-se num espaço finito e segundo um devir onde tudo se repete; portanto, um ciclo perpétuo, de imanência radical, de modo que ela impede qualquer referência, mesmo discreta, a um fim ou a um sentido que lhe seria exterior.????

O Eterno retorno é a suma filosofia do martelo de Nietzsche. Com ele temos a desvinculação total de qualquer fim idealista, moralístico ou metafísico. O Eterno

12 GRANIER, 2013, p. 58. (Grifo do autor).

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retorno nos ensina a aceitar a perpétua continuidade do combate entre as vontades de potência, a vermos nisso o constante devir. Tudo é, assim, um contínuo vir a Ser de Si mesmo. A exposição completa do conceito é o Eterno retorno do Mesmo.

O Eterno retorno nos conduz a mais corajosa das tarefas, abandonar o que até agora instituíamos como lenitivos, como fábulas que criávamos para suportar a vida. O Eterno retorno nos leva a nos distanciar das morais dos fracos, dos escravos, dos que negam suas forças criativas, os que não se entregam ao Eterno devir do Mesmo, os que rejeitam suas mais puras pulsões, seus instintos, todo aquilo que revela o que realmente são: vontades de potência que buscam, acima de tudo, mais e cada vez mais potência, para perpetuarem-se e dominarem umas às outras.

O Eterno retorno do Mesmo, concluindo, é o que há de mais nobre em toda a filosofia, é o sumo devir. Niilismo

O Niilismo, embora em seu estágio mais elevado

seja algo positivo, isso é, quando atuando em conjunto com a Genealogia da moral reafirma a Vontade de potência, em seus estágios iniciais é extremamente nocivo. O Niilismo é provocado pela decadência e colabora profundamente com a expansão desta.

Longe de ser a decadência uma simples patologia, ela é o que há de mais destrutivo; insurge ferozmente

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contra o que há de mais sublime, as vontades de potência. A decadência é sinônimo do domínio dos fracos sobre os fortes, é a profusão de um estigma mortal, é a derrocada da vida enquanto afirmação de Si mesmo, é a negação de nossa atividade criadora, de nossas potências.

O decadente renuncia seus instintos e com isso recorre a razão, a preceitos moralizantes; crê piamente em toda lógica dogmática que lhe convença de sua superioridade, que lhe faça acreditar ser detentor de uma verdade suprema. Em suma:

[...] a decadência provoca a desagregação das formas, a perda das capacidades de assimilação e de síntese, a debilitação da vontade, o desencadeamento caótico das paixões: em vez de agir, o decadente rumina infindavelmente as lembranças dolorosas e, vítima de sua excessiva irritabilidade, busca a embriaguez do esquecimento em estimulantes artificiais; é o homem cujas motivações provêm da vontade de vingança.13

O desejo de vingança e o convencimento de que possuem o domínio de toda verdade lhes transforma em arrogantes prepotentes; não podendo ampliar suas forças, tendo negando sua atividade criadora e com isso renunciado o constante devir de suas vontades de potência, os decadentes, buscam fazer o mesmo a todos. Querem ser dominadores, cercear os que possuem espíritos livres, os que são criadores, os fortes.

Criam para si escolas doutrinárias, a pretexto de um “aperfeiçoamento” difundem sua pedagogia de escravos, propagam sua moral de fracos. Trabalham para domesticação, para transformar os homens em animais 13 GRANIER, 2013, p. 18. (Grifo nosso).

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de carga, medíocres e dóceis, em síntese, querem que todos renunciam seus instintos e se transformem em animais domésticos.

Os responsáveis pelo passar a diante da decadência são os sacerdotes, os padres ascéticos que via uma domesticação sistemática, incutem o sentimento de culpa, introduzem a ideologia do pecado: somos feitos culpados por todas as nossas mazelas, por todos os sofrimentos do mundo, precisando, com isso, sermos purgados; necessitados de uma falsa redenção viramos covardes, humildes, ressentidos contra a vida; donde nascerá todo o desejo de vingança.

O Niilismo é apresentado por Nietzsche em quatro etapas. A primeira delas é o niilismo incompleto, que tem sua origem com o pessimismo. Justificado pela filosofia de Schopenhauer, o pessimismo é caracterizado pelo desgosto ante a vida presente e a nostalgia por “glórias passadas”. É um recusar-se a viver e apenas rememorar momentos já vividos. Em geral, cheios de arrependimentos e culpas os pessimistas não enfrentam lealmente o nada, a ausência de valores.

Por não aceitarem a queda de todos princípios causada pelo advento do Niilismo, buscam uma saída. O Niilismo representa a ruina de todos os valores, com isso, significa também a morte de Deus. O pessimista, entretanto, aquele que irá se transformar no niilista incompleto, não aceita a derrocada dos valores, donde substitui Deus por novos ídolos.

O niilismo incompleto sendo apenas uma etapa de transição e seu avanço inevitável, teremos a segunda etapa: o niilismo passivo. Os niilistas passivos se dão conta da total ausência de valores, se deixando cair em uma espiral

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abissal de desolação. Com o dar-se conta dos escombros do que antes tinham como algo firme e alicerçado, renegam suas atividades criadores, rejeitam todas suas vontades de potência e se contentam em apenas contemplarem a vacuidade abismal do nada, da ausência total de valores.

Entre os niilistas passivos, por outro lado, há alguns que ainda possuem um mínimo de forças, estes irrompem no niilismo ativo. Os niilistas ativos são extremamente destrutivos, ao contrário dos niilistas incompletos que substituem os antigos valores por outros ídolos e dos niilistas passivos que se entregam a complacência ante a vida, os niilistas ativos dedicam todas as suas forças para pôr a baixo os ídolos que ainda estiverem em pé.

Como última etapa teremos, finalmente, aqueles que valorizam todas as suas vontades de potência, os que se entregam à atividade criadora, os que sabem que Deus está morto, mas não fazem disso um motivo para o luto, para o sofrimento, nem mesmo se revoltam contra a vida; teremos aqueles que se diferenciam dos pessimistas, dos decantes; teremos os que serão o prelúdio ao Super-homem.

Como última etapa temos o niilismo clássico. Estes, os niilistas clássicos, exultam suas potências e celebram a vida, compreendida em toda a sua tragédia.

Os niilistas clássicos ao renunciarem todo e qualquer princípio moralizante, toda a metafísica dogmática, a ideologia do pecado, fundam seus próprios valores e ao invés de fazerem da vida um sinônimo de sofrimento e tormento, a fazem como máxima expressão de suas Vontades de potência. Buscarão, doravante, a radicalização do Niilismo e, com isto, se tornarão amorais. Não há, pois,

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agora a moral, um dogma a ser seguido cegamente, mas sim, a evocação do dionisíaco.

Por meio da proclamação dionisíaca e trágica da vida, teremos, então, o Super-homem: aqueles que continuamente se superam; aqueles em que o aumento de suas potências é o único sentido de viver; aqueles que compreenderam a própria vida como Vontade de potência, assim, todos os seus esforços, todas as suas ações, suas atividades criadoras estarão voltadas para o ganho de mais e cada vez mais potência.

O Super-homem é o mais perfeito levar a cabo o Eterno retorno do mesmo. É dar-se conta do constante devir. É aceitar que não há nada que se perpetue¸ que a promessa de uma eternidade futura não passa de um negar a si mesmo, negar suas vontades, negar aquilo que somos: um constante devir, assim como tudo que nos circunda. O Super-humano é aquele que invés de negar, traz à tona e regozija-se com seus instintos.

Parafraseando Nietzsche14, o Super-homem é um tipo relativamente sobre-humano, é sobre-humano precisamente em relação aos bons, e os bons e justos chamariam, com certeza, o Super-homem de demônio.

14 Cf. NIETZSCHE, 2008 (b), p. 74.

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Capítulo III QUEM FOI NIETZSCHE?

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Friedrich Wilhelm Nietzsche Friedrich Nietzsche:

Eis o homem: intempestivo, extemporâneo, dinamite, fatalidade. Eis o homem: tão inteligente, tão esperto, tão sábio, escritor de tão bons livros, poeta de outras palavras, cantor de ditirambos, leve e ágil dançarino, criador de novos valores, legislador, alegre mensageiro, arauto de sofisticadas novidades, homem de gosto refinado. Eis a filosofia: crítica, demolidora, iconoclasta, imoralista e, ao mesmo tempo, afirmativa, ativa, construtiva, criativa, farejadora, alegre, alvissareira, experimental – uma filosofia do meio-dia, a hora sem sombras.1

Friedrich Wilhelm Nietzsche nasceu em 15 de

outubro de 1844, em Röcken, na Saxônia. Seu pai, Karl Ludwig Nietzsche, e sua mãe, Franziska, eram ambos pastores locais e filhos de pastores luteranos.

Tinha como irmãos Elisabeth, nascida em 10 de julho de 1846, e Joseph, nascido em fevereiro de 1849, que veio a falecer prematuramente dois anos após seu nascimento. Mesmo ano em que também morreu o pai de Nietzsche, com apenas 36 anos.

Devido a esses acontecimentos, em 1850, Friedrich, junto de sua mãe, irmã, avó paterna e duas tias mudaram-se para Naumburg. No ano seguinte Nietzsche começou a frequentar uma escola preparatória para o ginásio.

1 CALOMENI, 2011, pp. 04-05.

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Em 1854, Nietzsche entra para o ginásio de Naumburg, onde realiza primeiros ensaios com a poesia. Ali desperta grande paixão pela música fortemente impressionado pelo Messias de Haendel. Em 1858 é admitido na Escola de Pforta, um prestigioso internato de educação clássica onde realiza seu primeiro escrito autobiográfico: Da minha vida.

No ano de 1860, forma com dois amigos uma sociedade literária e musical, a Germânia, para estimular as produções individuais. Tem como leitura escolar: Homero, Lívio e Cícero. Em 1861, veio a “confirmação” na fé protestante e seus primeiros desentendimentos com a mãe acerca da religião. Toma conhecimento da música de Wagner, mas tem Schumann como compositor favorito.

Aprofunda suas leituras, agora com Homero, Tucídides, Virgílio e Salústio. Em março de 1862 apresenta à Germânia uma dissertação sobre Fato e história [Fatum und Geschichte], que já prenuncia os temas e as inquietações de seu pensamento adulto, durante esse período tem como principais leituras: Emerson, Maquiavel e Horácio. No ano seguinte ocorre o fim da Germânia, pois, somente ele ainda produzia trabalhos.

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Estudante de Teologia Em 1864, matricula-se na Universidade de Bonn

como estudante de teologia, porém, já no ano seguinte, devido a sérios desentendimentos com a mãe, abandona o curso e resolve se transferir para Leipzig e estudar filologia clássica com Ritschl.

Daí veio à descoberta de Schopenhauer. Em 1866, participa da conferência sobre Teógnis na Sociedade Filológica, seu mestre Ritschl afirma jamais ter lido algo semelhante de um aluno. Sua primeira publicação numa revista de filologia ocorre em 1867. E em 1868 realiza estudos acerca de Demócrito e Kant. Em março, um acidente ao montar cavalo o deixa com séria ferida no peito. Em novembro, conhece Richard Wagner.

Por recomendação de Ritschl, é chamado para a cadeira de filologia clássica da Universidade da Basiléia, na Suíça, em 1869. Ainda nesse ano a Universidade de Leipzig concede-lhe o doutorado. Em 1870 vem às palestras sobre O drama musical grego e Sócrates e a tragédia.

Em agosto do mesmo ano, participa da guerra franco-prussiana como enfermeiro e adoece gravemente voltando à Basiléia. Com complicações e sofrendo de saúde, obtém férias para se tratar. Com isso, escreve O nascimento da tragédia (1872). Com reação negativa do mundo acadêmico surgem controvérsias em torno da obra; levando Wagner a defender Nietzsche em artigos.

Em 1873, escreve e publica a primeira das Considerações Extemporâneas, David Strauss, o crente e o escritor.

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Em junho, do mesmo ano, proibido de ler e escrever por ordem médica, por conta de problemas de visão, dita o ensaio Sobre verdade e mentira no sentido extra-moral.

Outubro-dezembro: segunda Extemporânea, Utilidade e desvantagem da história para a vida, que foi publicada no ano seguinte. Ano também que redige e publica a terceira Extemporânea, Schopenhauer como educador.

Em 1875, com crises de saúde tem licença prolongada da Universidade para se cuidar. Em 1876, propõe casamento a uma certa Mathilde Trampedach, em Genebra, e é recusado. No mesmo ano publica a quarta Extemporânea, Richard Wagner em Bayreuth. Durante este ano e o seguinte, faz anotações que se transformariam em Humano, demasiado humano, que veio a ser publicado em 1878. Ao enviar um volume do livro a Wagner é mal recebido, fazendo com que este publique um ataque a Nietzsche.

O Filósofo Errante

No ano de 1879, ocorre de fato uma reviravolta

na vida de Nietzsche, com estado de saúde bastante agravado, abandona de vez a Universidade. Agora após dez anos como professor, passará os próximos dez anos como filósofo errante. Partindo inicialmente para St. Moritz de onde publica Opiniões e sentenças variadas e escreve O andarilho e sua sobra, que viria a ser publicada no

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ano seguinte como continuação de Humano, demasiado humano. E em junho de 1881, publica Aurora.

Em 1882, vem a publicação de A gaia ciência. Em abril, do mesmo ano, vai à Sicília, depois para Roma, onde Paul Rée apresenta-lhe Lou Salomé; por quem Nietzsche se apaixona. Ao querer fazer dela sua discípula e companheira, propõe-lhe casamento, e é recusado. Ele e Rée rivalizam-se almejando o amor de Salomé, que só deseja amizade.

A irmã de Nietzsche intervém, com intrigas e falso moralismo. Nietzsche age mal para com Salomé e Rée, que acabam o abandonado, por conta disso, acaba brigando seriamente com a mãe e a irmã.

Em fevereiro de 1883, Richard Wagner morre em Veneza, aos 69 anos. “Wagner foi, de longe, o homem mais pleno que conheci” (carta de Nietzsche a Overbeck, 22/2/83). Neste mesmo ano, Nietzsche escreve e publica a primeira e a segunda parte de Assim falou Zaratustra e, logo em janeiro do ano seguinte veio à terceira parte.

Em 1885, é impressa em pequena edição privada a quarta parte do Zaratustra. E ainda neste mesmo ano, para seu desgosto, sua irmã se casa com um líder antissemita, Bernhard Förster; os dois viajam para a América do Sul no início de 1886 para fundar uma colônia alemã no Paraguai. Em 1886, escreve e publica Além do bem e do mal; escreve prefácios para novas edições das obras anteriores; e planeja uma summa philosophica – A vontade de poder.

Em 1887, vem A genealogia da moral que foi escrita em julho e publicada em novembro. Em 1888, escreve e publica O caso Wagner; abandona o projeto de A vontade de poder; escreve O crepúsculo dos ídolos, O Anticristo e Ecce homo;

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e ainda prepara Nietzsche contra Wagner, reunindo trechos de obras anteriores. A Enfermidade

Em 10 de janeiro de 1889, Nietzsche é

diagnosticado pela “clínica de nervos” da Basiléia com paralisia progressiva de origem sifilítica2. Em 17 de janeiro é internado em uma clínica psiquiátrica, onde se confirma o caráter irreversível da doença. No mesmo ano, O crepúsculo dos ídolos é publicado e Nietzsche contra Wagner aparece em edição limitada. Quanto a Ecce homo os amigos resolvem adiar a publicação, que só veio a acontecer em 1908.

Em maio de 1890, Nietzsche passa a viver sob os cuidados da mãe, em Naumburg, na casa de sua infância. Nos anos seguintes cresce a literatura sobre Nietzsche, durante a década, são publicados cerca de quarenta livros sobre ele. Também suas obras vendem cada vez mais.

Em 1893, sua irmã retorna do Paraguai, devido ao suicídio de seu esposo, que se dá motivado pelo fracasso de sua empresa colonial. No ano seguinte, sua irmã funda o Arquivo Nietzsche, na casa onde moram. Em 1895 ocorre a publicação de O Anticristo e Nietzsche contra Wagner.

Sua irmã obtém da mãe, de maneira pouco escrupulosa, os direitos sobre toda a obra de Nietzsche,

2 É incerto afirmar de forma absoluta quanto ao diagnóstico. Há uma grade chance, sobretudo, por conta de seus sintomas condizerem com o que se sabe da doença. O que não exclui a possibilidade da ação conjunta de outras doenças.

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o que incluía os milhares de páginas de anotações e rascunhos. A partir daí começa a publicar a biografia do irmão, em vários volumes; nelas falsificando cartas, fazendo-o parecer mais próximo dela e de suas convicções antissemitas.

Em abril de 1897, morre sua mãe, de modo que Nietzsche é levado por sua irmã para Weimar, aonde veio falecer três anos depois, mais precisamente em 25 de agosto de 1900. Como causa imediata da morte, uma infecção pulmonar. É sepultado três dias depois em Röcken, seu lugarejo natal.

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REFERÊNCIAS BERTOLDI, Maria Tereza Jorgens. Ecce Homo - eis o homem! A extrema altura do vôo. In: Travessias, v. 1, n. 1, 2007. Disponível em: <http://e-revista.unioeste.br/index.php/travessias/article/view/2739/2130>. Acesso em: 16/09/18. CALOMENI, Tereza Cristina B. Intempestividade e Trágico em Nietzsche. In: O percevejo, v. 3, n. 2, agosto-dezembro, 2011. Disponível em: <http://www.seer.unirio.br/index.php/opercevejoonline/article/view/1920/1508>. Acesso em: 16/09/18.

DELEUZE, Gilles. Nietzsche e a filosofia. Trad. Ruth Joffily Dias e Edmundo Fernandes Dias. Rio de Janeiro, RJ: Rio, 1976. GIACOIA JUNIOR, Oswaldo. Nietzsche e para além de bem e mal. Rio de Janeiro, RJ: Zahar, 2015. GRANIER, Jean. Nietzsche. Trad. Denise Bottmann. Porto Alegre, RS: L&PM, 2013. KENNY; ANTHONY, Nietzsche. In: ____________. História Concisa da Filosofia Ocidental. Trad. Desidério Murcho, Fernando Martinho, Maria José Figueiredo, Pedro Santos e Rui Cabral. Lisboa: Temas e Debates, 1999. pp. 412-415.

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MACHADO, Roberto. Nietzsche e a verdade. São Paulo, SP: Paz e Terra, 1999. MARTON, Scarllet. Nietzsche: das forças cósmicas aos valores humanos. São Paulo, SP: Brasiliense, 1990. ____________. Por uma genealogia da verdade. In: Revista Discurso. São Paulo: USP. nº 09. 1978.p.63-80. Disponível em: <https://www.revistas.usp.br/discurso/article/view/37847/40574>. Acesso em: 20/09/18. MÜLLER-LAUTER, Wolfgang. A doutrina da Vontade de poder em Nietzsche. Trad. Oswaldo Giacoia Junior. São Paulo, SP: Annablume,1997 NIETZSCHE, Friedrich. Além do bem e do mal: prelúdio a uma filosofia do futuro. Trad. Paulo César de Souza. São Paulo, SP: Companhia das Letras, 2005. ____________. A vontade de poder. Trad. Marcos Sinésio Pereira Fernandes e Francisco José Dias de Moraes. Rio de Janeiro: Contraponto, 2008. (a) ____________. Ecce homo: como alguém se torna o que é. Trad. Paulo César de Souza. São Paulo, SP: Companhia das Letras, 2008. (b) ____________. O nascimento da tragédia ou helismo e pessimismo. Trad. J. Guinsburg. São Paulo, SP: Companhia das Letras, 2007. ____________. Uber Wahrheit und Luge in aussenmoralischen Sinne (Sobre verdade e mentira no

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sentido extra-moral). Trad. Rubens Torres Filho. In: MARÇAL, Jairo (org.) Antologia de Textos Filosóficos. Curitiba: SEED – Pr., 2009. pp. 530-541. PASCHOA, Antonio Edmilson. Entre a verdade e o impulso à verdade: apresentação ao ensaio de Nietzsche

“Sobre verdade e mentira o sentido extra-moral”. In: MARÇAL, Jairo (org.) Antologia de Textos Filosóficos. Curitiba: SEED – Pr., 2009. pp. 517-529.

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OS AUTORES

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JOSÉ DIAS Licenciado em Filosofia pela Universidade de Passo Fundo - RS (1996) e Bacharel em Teologia pela Unicesumar (2014); Especialista em Docência no Ensino Superior pela Unicesumar (2015); Mestre em Direito Canônico pela Pontifícia Universidade Urbaniana, Cidade do Vaticano, Roma, Itália (1992); Mestre em Filosofia pela mesma Pontifícia Universidade Urbaniana, Cidade do Vaticano, Roma, Itália (2006); Doutor em Direito Canônico também pela Pontifícia Universidade Urbaniana, Cidade do Vaticano, Roma, Itália (2005); Doutor em Filosofia também pela Pontifícia Universidade Urbaniana, Cidade do Vaticano, Roma, Itália (2008). Atualmente é professor Adjunto da UNIOESTE, no Campus de Toledo-PR, onde é Coordenador do curso de Licenciatura em Filosofia; Pesquisador do Grupo de Pesquisa “ÉTICA E POLÍTICA”, da UNIOESTE, CCHS, Campus de Toledo-PR; parecerista de revistas filosóficas e juristas.

E-mail: [email protected] Lattes: http://lattes.cnpq.br/9950007997056231

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JUNIOR CUNHA Graduando do curso de Licenciatura em Filosofia pela Universidade Estadual do Oeste do Paraná, Toledo-PR. É estagiário da Biblioteca Universitária da UNIOESTE-Campus Toledo. Bolsista – no período de 01 de junho de 2016 a 31 de março de 2017 – do Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência (PIBID), vinculado a CAPES/MEC. Bolsista – no período de 1 de abril de 2017 a 31 de março de 2018 – do Projeto de Extensão Teatro em Ação, vinculado ao Programa Universidade Sem Fronteiras-USF, financiado com recursos do Fundo Paraná. Atualmente desenvolve pesquisa nas áreas de Teatro e Filosofia com enfoque em William Shakespeare.

E-mail: [email protected] Lattes: http://lattes.cnpq.br/7824455868007103

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