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ROBERTO FABIANO ROSSBACH
AS SOCIEDADES DE CANTO DA REGIO DE BLUMENAU NO INCIO DA COLONIZAO ALEM (1863-1937)
FLORIANPOLIS SC 2008
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UNIVERSIDADE DO ESTADO DE SANTA CATARINA UDESC
CENTRO DE ARTES CEART
PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM MSICA MESTRADO
ROBERTO FABIANO ROSSBACH
AS SOCIEDADES DE CANTO DA REGIO DE BLUMENAU NO INCIO DA COLONIZAO ALEM (1863-1937)
Dissertao apresentada ao Programa de Ps-graduao em Msica da UDESC Universidade do Estado de Santa Catarina, como requisito para a obteno do ttulo de Mestre em Msica, rea de concentrao Musicologia/Etnomusicologia.
Orientador: Prof. Dr. Marcos Tadeu Holler.
FLORIANPOLIS SC 2008
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ROBERTO FABIANO ROSSBACH
AS SOCIEDADES DE CANTO DA REGIO DE BLUMENAU NO INCIO DA COLONIZAO ALEM (1863-1937)
Dissertao aprovada como requisito parcial para a obteno do grau de mestre, no Programa de Ps-graduao em Msica da UDESC Universidade do Estado de Santa Catarina, rea de concentrao Musicologia/Etnomusicologia.
Banca Examinadora:
Florianpolis (SC), 09 de dezembro de 2008.
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Aos integrantes de coros do Vale do Itaja, que de forma abnegada mantm viva a tradio do canto coral.
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AGRADECIMENTOS
Primeiramente, aos meus coralistas pela compreenso.
Aos colegas de mestrado pela oportunidade das discusses enriquecedoras
nos diversos temas abordados no curso.
Aos professores do curso, que ministraram suas aulas da melhor forma
possvel para o enriquecimento de todos nas diversas disciplinas.
professora Sueli Maria Vanzuita Petry, pelo auxlio nas pesquisas documentais, e sua prestativa e eficiente equipe do Arquivo Histrico Jos Ferreira
da Silva, de Blumenau.
Ao Pastor Leonhard Creutzberg pelo valioso auxlio nas transcries dos
documentos manuscritos.
Ao professor Marcos Tadeu Holler pela pacincia, dedicao e competncia
com a qual conduziu este trabalho de orientao.
Finalmente, aos meus familiares pelo incentivo e a Deus.
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Cantar o fundamento da msica em todos os aspectos.
GEORG PHILIPP TELEMANN
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RESUMO
No incio da colonizao alem na regio de Blumenau (SC), uma das principais manifestaes culturais dos imigrantes foram as sociedades de canto, que eram coros masculinos que cantavam repertrio secular. A atividade destas sociedades foi intensa desde os primeiros anos da fundao da Colnia Blumenau at a proibio das manifestaes culturais dos alemes no Brasil, com a Campanha de Nacionalizao, instituda pelo Governo Federal Brasileiro, a partir de 1937. Baseado em documentos textuais manuscritos e impressos como estatutos, atas, correspondncias, relatrios, jornais, alm de fotografias e livros de canes, buscou-se neste trabalho esclarecer o papel desses grupos na difuso do movimento cultural local e suas contribuies para a continuao desta tradio que se mantm viva at os dias de hoje. Apesar do processo de aculturao e assimilao de novos valores culturais ocorrido com o contato dos imigrantes alemes com a cultura brasileira, alguns elementos mantiveram-se intactos, como o esprito associativo do imigrante e a preservao do idioma alemo nas canes. Isso contribuiu para uma tendncia atual dos descendentes de imigrantes alemes na regio de preservar a cultura dos primeiros colonizadores, refletida nas atividades associativas, culturais e nas diversas promoes ligadas cultura alem.
Palavras-chave: Canto coral. Sociedades de canto. Imigrao alem. Histria da
msica em Santa Catarina.
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ABSTRACT
At the beginning of the German colonization in the region of Blumenau (SC), one of the main cultural manifestations of the immigrants were the singing societies, consisting of male choirs which sang secular repertoires. The activity of these societies was intense since the first years of the foundation of the Blumenau Colony until the prohibition of the cultural manifestations of the Germans in Brazil, with the Campaign of Nationalization instituted by the Brazilian Federal Government in 1937. Based on textual documents, both manuscripts and printed, such as statutes, proceedings, correspondences, reports, periodicals, as well as photographs and songbooks, the purpose of this work is to clarify the role of these groups in the diffusion of the local cultural movement and its contributions to the perpetuity of this tradition, which still exists today. Despite the process of acculturation and assimilation of new cultural values which emerged from the contact of German immigrants with the Brazilian culture, some elements were maintained, such as the associative spirit of the immigrants and the preservation of the German language in the songs. This contributed to a current tendency of the descendants of German immigrants in the region to preserve the culture of the first colonists, reflected in the associative, cultural activities and in the promotion of several events connected to the German culture.
Keywords: Choral singing. Singing societies. German immigration. History of music
in Santa Catarina.
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LISTA DE ILUSTRAES
Figura 1 Estatutos da Gesangverein Freundschafts-Verein, folha 1 (Sociedade de Canto Amizade)..............................................................................................
20
Figura 2 Ata da Gesangverein Germania (Sociedade de Canto Germania)................ 22
Figura 3 Pgina do relatrio da Sngerbund Itajahytal (Liga de Cantores Vale do Itaja)..............................................................................................................
24
Figura 4 Gesangsschule (Escola de canto).................................................................. 26
Figura 5 Carta de Victor Gaertner para a Gesangverein Freunschafts-Verein............. 28
Figura 6 Livro de Canto Volksliederbuch fr Mnnerchor (Canes Populares para Coro Masculino).............................................................................................
33
Figura 7 Frontispcio do Programa de Concerto da Mnner Gesangverein Liederkranz (Sociedade Masculina de Canto Guirlanda de Canes).............
36
Figura 8 Assemblia da Deutscher Sngerbund von Rio Grande do Sul (Unio dos Cantores do Rio Grande do Sul), 1896..........................................................
67
Figura 9 Gesangverein Frohsinn (Sociedade de Canto Alegria), 1905........................ 68
Figura 10 Sociedade Masculina de Canto Liederkranz................................................ 77
Figura 11 Mnner Gesangverein Eintracht, de Altona Sociedade Masculina de Canto Concrdia).........................................................................................
80
Figura 12 Desfile de cantores da Sngerbund Itajahytal, 1920.................................... 82
10
Figura 13 Dcima festa de cantores da Sngerbund Itajahytal, 1933.......................... 84
Figura 14 Desfile Comemorativo aos 25 anos de fundao e inaugurao da bandeira da Mnner Gesangverein Liederkranz, em 1934..........................
85
Figura 15 Musik-Vereins Lyra Blumenau (Sociedade Musical Lyra), 1920............... 88
Figura 16 Klubhaus Germania (Clube Germania.......................................................... 95
Figura 17 Gesangverein Teutonia (Sociedade de Canto Teutonia), Timb................. 99
Figura 18 Partitura Haidenrslein (Florzinha do Prado), Heirich Werner.....
101
Figura 19 Partitura Sturmbeschwrung (Tempestade), Johannes Drner.. 104
Figura 20 Partitura Frisch gesungen! (Canto que renova), Fr. Silcher................... 109
Figura 21 Partitura Heimweh (Saudade), Ignaz Heim............................................... 110
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LISTA DE QUADROS
Quadro 1 Data de fundao das mais antigas sociedades e associaes em Blumenau.......................................................................................................
60
Quadro 2 Festas de Cantores da Sngerbund Itajahytal (Liga de Cantores Vale do Itaja)............................................................................................................
83
Quadro 3 Texto da cano Frisch gesungen! (Canto que renova), de Friedrich Silcher............................................................................................................
109
Quadro 4 Texto da cano Heimweh (Saudade), de Ignaz Heim ............................... 110
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SUMRIO I INTRODUO .......................................................................................................1
1.1 FUNDAMENTAO TERICA .........................................................................5 1.1.1 Definies de Cultura ..................................................................................5 1.1.2 Musicologia .................................................................................................7
II ACERVOS E FONTES........................................................................................13
2.1 ACERVOS .......................................................................................................13 2.1.1 Acervos de fontes primrias......................................................................13 2.1.1.1 A falta de sistematizao de acervos musicais .............................16 2.1.2 Acervo de fontes secundrias ...................................................................17
2.2 TIPOS DE DOCUMENTOS ENCONTRADOS ................................................18 2.2.1 Documentos manuscritos..........................................................................18 2.2.1.1 Estatutos .......................................................................................18 2.2.1.2 Livros de protocolo e atas .............................................................21 2.2.1.3 Relatrios de encontros de coros..................................................23 2.2.1.4 Instrues de canto .......................................................................25 2.2.1.5 Correspondncias entre as sociedades ........................................27 2.2.2 Documentos impressos.............................................................................29 2.2.2.1 Jornais...........................................................................................29 2.2.2.2 Livros de canes .........................................................................32 2.2.2.3 Crnicas ........................................................................................34 2.2.2.4 Programas de concertos ...............................................................35 2.2.2.5 Livros de instrues aos imigrantes ..............................................37 2.2.2.6 Fotografias ....................................................................................37
2.3 REVISO BIBLIOGRFICA ............................................................................38 2.3.1 Imigrao alem........................................................................................38 2.3.2 Sociedades de canto.................................................................................40 2.3.2.1 Sociedades de canto na Alemanha...............................................40 2.3.2.2 Sociedades de canto nos Estados Unidos ....................................41 2.3.2.3 Sociedades de canto no Brasil ......................................................43 2.3.2.4 Sociedades de canto em Blumenau..............................................45
III IMIGRAO ALEM E CONTEXTO SOCIAL ..................................................46
3.1. A EMIGRAO ALEM .................................................................................46 3.2 IMIGRAO ALEM NO BRASIL ...................................................................47 3.3 IMIGRAO ALEM EM SANTA CATARINA.................................................50 3.4 SOCIEDADES E ASSOCIAES NO INCIO DA COLONIZAO................55 3.5 O IMIGRANTE ALEMO E A MSICA............................................................61
IV AS SOCIEDADES DE CANTO DA REGIO DE BLUMENAU..........................63
4.1 O SURGIMENTO DAS SOCIEDADES DE CANTO ........................................63
13
4.2 AS SOCIEDADES DE CANTO NO SUL DO BRASIL......................................65 4.3 A MSICA NOS PRIMEIROS ANOS DE FUNDAO DA COLNIA
BLUMENAU....................................................................................................70 4.4 A ORIGEM DAS SOCIEDADES DE CANTO EM BLUMENAU .......................72
4.4.1 A Gesangverein Germania ........................................................................74 4.4.2 A Gesangverein Freundschafts-Verein .....................................................75 4.4.3 A Mnner Gesangverein Liederkranz........................................................76 4.4.4 Outras sociedades de canto de Blumenau................................................78 4.4.5 A Sngerbund Itajahytal ............................................................................80 4.4.6 Outras sociedades musicais .....................................................................86
4.5 CARACTERSTICAS DAS SOCIEDADES DE CANTO...................................89 4.5.1 A composio das sociedades de canto ...................................................89 4.5.2 Regncia ...................................................................................................90 4.5.3 Ensaios .....................................................................................................93 4.5.4 Tcnica vocal ............................................................................................96 4.5.5 Instrumentos e acompanhamento instrumental ........................................97 4.5.6 Repertrio e compositores ......................................................................100 4.5.7 Temticas das canes...........................................................................106 4.5.8 Ocasies das apresentaes ..................................................................111
4.6 ASPECTO SOCIAL DAS SOCIEDADES DE CANTO ...................................113 4.6.1 Relao entre as diversas sociedades....................................................113 4.6.2 Objetivos das sociedades de canto.........................................................115 4.6.3 Influncia das guerras nas sociedades de canto ..................................1177 4.6.4 Ausncia da mulher nas atividades.........................................................118
4.7 ACULTURAO E PRESERVAO DAS TRADIES ALEMS ..............120
CONCLUSO .........................................................................................................128
BIBLIOGRAFIA........................................................................................................131
1. REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS.................................................................131 2. DOCUMENTOS MANUSCRITOS ...................................................................135 3. FONTES IMPRESSAS ....................................................................................138 4. FONTES DAS ILUSTRAES........................................................................139 5. OUTRAS SUGESTES DE BIBLIOGRAFIA...................................................140
APNDICE..............................................................................................................142
APNDICE A Ata de reunio da Freundschafts-Verein, de 03 de janeiro de 1864.............................................................................................144
APNDICE B Ata de reunio da Freundschafts-Verein, de 29 de setembro de 1864.............................................................................................145
APNDICE C Ata de reunio da Gesangverein Germania, de 20 de maio de 1873.............................................................................................146
APNDICE D Ata de reunio da Gesangverein Germania, de 16 de julho de 1884.............................................................................................147
APNDICE E Ata de reunio da Gesangverein Germania, de 30 de julho de 1884.............................................................................................148
APNDICE F Ata de reunio da Gesangverein Germania, de 14 de julho de 1886.............................................................................................149
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APNDICE G Ata de reunio da Gesangverein Germania, de 18 de janeiro de 1888.............................................................................................150
APNDICE H Ata de reunio da Gesangverein Germania, de 24 de outubro de 1900.............................................................................................151
APNDICE I Ata de reunio da Gesangverein Germania, de 11 de fevereiro de 1903...............................................................................................152
APNDICE J Ata de reunio da Gesangverein Germania, de 21 de setembro de 1904...............................................................................................153
APNDICE K Circular da Freundschafts-Verein, de 20 de agosto de 1867.........154 APNDICE L Estatutos da Freundschafts-Verein, de 01 de outubro de 1863.....155 APNDICE M Relatrio da 1. festa de cantores da Sngerbund Itajahytal, de 07
de maro de 1920..........................................................................158 APNDICE N Relatrio da 2. festa de cantores da Sngerbund Itajahytal, de 24
de abril de 1921.............................................................................160 APNDICE O Relatrio da 3. festa de cantores da Sngerbund Itajahytal, de 19
de maro de 1922..........................................................................161 APNDICE P Relatrio da 4. festa de cantores da Sngerbund Itajahytal, de 29
de maro de 1923..........................................................................163 APNDICE Q Relatrio da 5. festa de cantores da Sngerbund Itajahytal, de 11
de maio de 1924............................................................................164 APNDICE R Relatrio da 6. festa de cantores da Sngerbund Itajahytal, de 03
de maio de 1925............................................................................165 APNDICE S Relatrio da 7. festa de cantores da Sngerbund Itajahytal, de 02
de maio de 1926............................................................................167 APNDICE T Relatrio da 8. festa de cantores da Sngerbund Itajahytal, de 01 de
maio de 1927...................................................................................168 APNDICE U Relatrio da 9. festa de cantores da Sngerbund Itajahytal, de 29
de abril de 1928.............................................................................170 APNDICE V Relatrio da 12. festa de cantores da Sngerbund Itajahytal, de 09
de maio de 1937............................................................................172 APNDICE W Reviso dos estatutos da Freundschafts-Verein, de 03 de janeiro de
1864...............................................................................................175
1
I INTRODUO
No final do sculo XVIII a Europa viveu uma fase de conflitos, especialmente
entre a Alemanha e a Frana. Nesse perodo foi lanado um plano de emigrao
para os Estados Unidos e, por volta de 1818, o Brasil tambm entrou na disputa por
emigrantes alemes, que chegaram motivados pela possibilidade de melhores
condies de vida. Em Santa Catarina, os primeiros imigrantes alemes chegaram
ao final de 1829, estabelecendo-se na Colnia So Pedro de Alcntara, atual regio
da Grande Florianpolis (FOUQUET, 1974). Com a emigrao alem para diversos pases do continente americano, as
manifestaes culturais ocorreram juntamente com os ideais colonizadores. A vida em sociedade desenvolveu-se cedo nas comunidades de lngua alem com as
atividades sociais das associaes de tiro nos clubes e associaes desportivas e
recreativas, que representavam boas ocasies para apresentaes musicais
(BISPO, 1998). Uma dessas manifestaes culturais eram as sociedades de canto, chamadas
na Alemanha de Gesangvereine, coros masculinos amadores que cantavam
repertrio secular, e que comearam a se estabelecer a partir do final do sculo
XVIII em vrios pases, como por exemplo, os Estados Unidos, com o nome de
Singing Societies.
O tema desta pesquisa so as sociedades de canto da regio de Blumenau
(SC) em atividade desde os primeiros anos da fundao da Colnia Blumenau, na segunda metade do sculo XIX at a interrupo das atividades durante a
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Campanha de Nacionalizao no Brasil a partir de 1937, por ocasio da Segunda
Guerra Mundial.
Esta dissertao est organizada da seguinte forma: inicialmente so
abordadas as fontes de pesquisa documentais na regio de Blumenau disponveis e
que foram utilizadas para este trabalho, os acervos disposio consultados, bem
como uma reviso da bibliografia referente a pesquisas anteriormente realizadas
sobre sociedades de canto na Alemanha, Estados Unidos e Brasil.
A parte seguinte do texto versa sobre a emigrao alem para o continente
americano, para o Brasil e especialmente para o Vale do Itaja. Tambm contextualiza as diversas atividades culturais da sociedade colonial, que se
estabeleceram logo no incio da colonizao alem, a exemplo das sociedades de
caa e tiro, esportivas, teatrais, de msica e de canto, que formaram a base do
movimento musical da regio de Blumenau.
O captulo final aborda as sociedades de canto desde o seu surgimento no
final do sculo XVIII na Europa, com base em trabalhos realizados na Alemanha,
nos Estados Unidos e nas referncias encontradas em pesquisas sobre a sociedade
de imigrantes alemes estabelecida em alguns estados do Brasil. A partir de um
levantamento em fontes primrias documentais textuais, e aps o processo de
sistematizao das informaes, so apresentadas algumas das vrias sociedades
de canto em atividade na regio de Blumenau daquelas que se obteve maior
nmero de informaes desde o incio da colonizao at a interrupo das
atividades em 1937, devido Campanha de Nacionalizao instituda pelo Governo
Federal. A partir desse levantamento e com fundamentao nos conceitos de cultura
procurou-se entender, baseado nas relaes sociais estabelecidas no contexto
social dos imigrantes, o papel das sociedades de canto no mbito do associativismo
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civil da regio de Blumenau e a sua contribuio na preservao da tradio coral,
presente at os dias de hoje. Neste trabalho busca-se esclarecer o papel das sociedades de canto no
mbito social dos primeiros colonizadores alemes da regio de Blumenau na
difuso do movimento cultural local, e suas contribuies para a continuao desta
tradio que se mantm viva at os dias de hoje. Alm disso, o trabalho busca contribuir para o conhecimento do papel que as sociedades de canto
desempenharam na vida do imigrante alemo em Blumenau, possibilitando desta
forma, uma melhor compreenso da prtica musical do imigrante alemo em
Blumenau no perodo entre o incio da colonizao germnica, a partir de 1850, e a
Campanha de Nacionalizao em 1937. Disponibilizando transcries de
documentos e informaes sobre acervos e fontes documentais disponveis para a
pesquisa histrico-musicolgica na regio, a pesquisa poder lanar novas
perspectivas para futuros trabalhos sobre a histria da msica em Blumenau e Santa
Catarina.
O Brasil ainda carece de literatura especfica sobre a sua histria da msica
que trate do assunto baseado em pesquisas no acervo documental literrio e
musical disposio. No que se refere ao Estado de Santa Catarina, tambm so
escassos os trabalhos consistentes sobre histria da msica, bem como o
levantamento sistemtico de arquivos do ponto de vista musicolgico. A presente
pesquisa poder contribuir com um pertinente e necessrio levantamento dos
arquivos e incentivar trabalhos mais consistentes sobre histria da msica no
Estado.
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Alm disso, as sociedades de canto da Colnia Blumenau1, que tiveram papel
importante na manuteno e propagao da cultura de origem dos imigrantes
alemes, so ainda um tema pouco abordado na literatura. Os documentos
disposio mostram que a atuao destas associaes foi significativa e
possivelmente motivaram a formao de outros grupos aps a Segunda Guerra
Mundial, quando novamente o cultivo das tradies dos primeiros imigrantes voltou a
ser permitida.
Este um trabalho de pesquisa musicolgica baseado em documentao
textual. Foram consultados documentos textuais manuscritos, como estatutos, atas,
relatrios e correspondncias entre as sociedades, e impressos, como jornais da poca, programas de concertos, livros de canes, fotografias e publicaes de
festividades em geral. Essa documentao foi encontrada em acervos de Blumenau
e Joinville.
Dentre as fontes primrias que foram utilizadas, existem documentos
manuscritos em alemo gtico cursivo e outros impressos. Os documentos
manuscritos foram fotografados e a transcrio literal foi realizada por Leonhard
Creutzberg, pastor aposentado da Igreja Evanglica de Confisso Luterana no Brasil (IECLB), residente na cidade de Joinville. Nos apndices encontram-se as transcries dos documentos utilizados e referenciados no texto. Tambm foram
includos como apndices os documentos transcritos e consultados, que no foram
referenciados no trabalho. Posteriormente, todas as transcries foram anexadas
aos documentos originais, enriquecendo os acervos consultados.
1 Blumenau se manteve como colnia particular do fundador Hermann Bruno Otto Blumenau entre
1850 e 1860, quando passou para colnia do Governo Brasileiro, sendo levada categoria de municpio em 04 de fevereiro de 1880.
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Em relao s fontes documentais impressas, destacam-se os jornais da poca escritos em lngua alem com escrita gtica. Estes jornais encontram-se disponveis em alguns acervos em parte impressos e que podem ser manuseados, e
outra parte, microfilmados. Todas as tradues do alemo para o portugus,
mencionadas neste trabalho, foram realizadas pelo autor.
1.1 FUNDAMENTAO TERICA
1.1.1 Definies de Cultura
Existem diferentes significados atribudos palavra cultura e diferentes
contextos em que o termo aplicado. Uma das concepes de cultura adota que o
termo abraa todas as atividades criativas, educacionais e artsticas da sociedade
integradas com o contexto e sendo assim, uma prtica coletiva (BEARD; GLOAG, 2005). A mesma idia ligada cultura como prtica coletiva de Willems (1980, p. 20), reafirmando que a cultura existe somente medida que portadores a exprimem pelas suas aes conjugadas.
Segundo Middleton (2003), a concepo de cultura do final do sculo XVIII na fase emergente do capitalismo industrial, especialmente na Inglaterra e Alemanha,
deu origem a tendncias divergentes. A primeira est relacionada a uma proposta
humanista, de um juzo universal de valor; a segunda pode ser estreitada para um foco da cultura como arte: a melhor arte, ou a arte da elite. A terceira tendncia est
ligada a um sentimento nacional em que uma pessoa tem uma cultura e seu valor
incomensurvel com qualquer outra. Baseado nesta terceira tendncia, o autor
conclui que a cultura pode ser um atributo universal da humanidade. Pode ser o que
aprendido, o que cultivado, justamente o que no est nos genes.
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Geertz (1978) apresenta o grande dilema terico da Antropologia, que consiste na conciliao entre a diversidade das formas culturais e a unidade da
espcie humana. Segundo Laraia (2007), apesar da natureza dos homens ser a mesma, so os hbitos que os mantm separados, justificando a diversidade de comportamento dos povos, que no pode ser explicada pelo determinismo biolgico
ou geogrfico. Laraia (2007) expe a incapacidade de resoluo do dilema antropolgico pelo determinismo biolgico e geogrfico. Quanto ao determinismo
biolgico as diferenas genticas no so determinantes nas diferenas culturais
(LARAIA, 2007, p. 17). Laraia acrescenta ainda que os diferentes comportamentos do indivduo dependem de um aprendizado decorrente de uma educao
diferenciada. Quanto ao determinismo geogrfico, que considera que as culturas
condicionam a diversidade cultural, Laraia salienta que a posio da Antropologia
contrria a esta idia. Existe uma limitao da interferncia do ambiente geogrfico
sobre os valores culturais, sendo possvel uma diversidade cultural no mesmo
ambiente fsico:
O homem resultado do meio cultural em que foi socializado. Ele um herdeiro de um longo processo acumulativo, que reflete o conhecimento e a experincia adquiridas pelas numerosas geraes que o antecederam. A manipulao adequada e criativa desse patrimnio cultural permite as inovaes e as invenes. Estas no so, pois, o produto da ao isolada de um gnio, mas o resultado do esforo de toda uma comunidade. (LARAIA, 2007, p. 45)
Outra viso aborda a inter-relao dos trs nveis de cultura: do individual, do
grupo ou classe, e de toda a sociedade, o que resulta no entendimento de cultura
como todo o caminho da vida. Os indivduos afirmam sua identidade pelas
associaes culturais e sociais, em uma perspectiva multi-cultural j ultrapassada (BEARD; GLOAG, 2005).
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Na perspectiva de Williams (apud BEARD; GLOAG, 2005), cultura um processo fluido que inclui fases e variaes onde coexistem os elementos do
passado inclusos em qualquer cultura e a prtica cultural emergente. Na
contemporaneidade, o lugar dos elementos do passado profundamente varivel,
pois est reconstrudo no presente e aberto para a mudana. Na prtica cultural
emergente, novos significados e valores, novos relacionamentos so continuamente
criados. Na msica tambm se aplica a mesma perspectiva de que cultura um
processo fluido, pois uma arte que envolve um reflexo do passado (tradio), existe em todos os contextos culturais e os diferentes tipos de msica refletem
diferentes culturas. Esta pesquisa se alinha ao conceito de cultura proposto por
Middleton (2003), ligado a um sentimento nacional dos imigrantes com sua terra de origem, na preservao de seus costumes tradicionais.
1.1.2 Musicologia
Duckles e outros (1980) definem a musicologia como a rea do conhecimento que possui como objeto o estudo acadmico da arte musical, investigada como um fenmeno fsico, psicolgico, esttico e cultural, centrado no somente na msica,
mas tambm na ao musical dentro de um ambiente social e cultural.
At meados da dcada de 1980, o positivismo ainda dominava na
musicologia, sem uma profunda anlise crtica, e suas idias era utilizadas como
guia para a cronologia do estilo musical e a objetividade dos fatos. No final dos anos 80, Kermann (1987) criticou o fato de a musicologia possuir um significado mais restrito e referir-se ao estudo da histria da msica ocidental na tradio de uma arte
superior, tratando do factual, documental, do verificvel e do positivista, e props
uma musicologia orientada para a crtica e com uma concepo histrica mais
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abrangente. Isso foi o ponto de origem da chamada "nova musicologia". O dogma de
que s era verdadeiro o que resultava de uma minuciosa investigao textual das
fontes originais foi ento substitudo por uma maior nfase na reflexo e
interpretao dos fatos.
Segundo Castagna (2004), a musicologia no Brasil compartilhou de uma tradio europia desde o seu surgimento no incio do sculo XX, caracterizada
pelas razes positivista e factual, ligada ideologia nacionalista e religiosa e
baseada em atividades de um passado remoto. Os textos musicais que apareceram
ainda no sculo XIX at o incio da dcada de 1960 nos mostram que a musicologia
no Brasil caracterizava-se como de interesse literrio e musical, buscando
demonstrar a existncia de uma tradio musical anterior msica erudita da poca
da realizao dos trabalhos, sendo raros os estudos de documentos musicais e sua
edio crtica.
A gerao de pesquisadores de msica no Brasil que atuou a partir da dcada
de 1960 obteve seus mritos levando ao pblico alguns de seus autores e de suas
obras e proporcionando conhecimento do passado musical brasileiro. Conforme
Castagna (2004), os esforos de Francisco Curt Lange e seus seguidores produziram trabalhos utilizando concepes propriamente cientficas, utilizando
mtodos musicolgicos, na tentativa de comprovar a existncia de uma prtica
musical erudita anterior a Jos Maurcio Nunes Garcia (1767-1830), valorizando a grande msica do passado em tempos remotos. Entretanto, esta gerao
caracterizava-se como positivista e nacionalista. Os trabalhos adotavam um estilo
apenas descritivo e individualista, no havendo debates entre pesquisadores e a
metodologia para a construo do passado musical brasileiro era um tema pouco
abordado.
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Somente na dcada de 1990 estabeleceu-se no Brasil uma musicologia mais
crtica, que objetivou a superao do modelo positivista e a preocupao com a sistematizao de informaes. Segundo Castagna (2004)
a nova gerao de musiclogos brasileiros passou a se preocupar com o aspecto crtico e reflexivo, mas tambm procurou retomar o trabalho tcnico, de forma mais intensa e com maior conscincia metodolgica, o que ampliou consideravelmente suas responsabilidades e deixou claro que a musicologia no poderia mais ser, no Brasil, uma atividade exclusiva de um pequeno crculo de especialistas. (CASTAGNA, 2004, p. 14)
No primeiro Simpsio Latino-americano de Musicologia realizado em Curitiba
em 1997, Jos Maria Neves salientou a escassez de literatura relativa histria da
msica que remeta s fontes documentais literrias ou musicais. Segundo Neves,
textos histricos antigos relatam o acontecido de modo pretensamente neutro e
no revelam suas fontes e nunca remetem aos arquivos, at porque eles no
pretendem mostrar diferenas ou particularidades desta msica de periferia (1998, p. 137). O autor destacou ainda que havia uma tendncia no Brasil de no preservao dos arquivos musicais e uma falta de interesse na produo de
catlogos destes arquivos, to importantes para a nossa memria musical. Neves
considera ainda importante relembrar que a musicologia no trata apenas da msica
do passado, mas tambm da msica contempornea pela qual existe uma
preocupao, por parte dos pesquisadores, no seu registro e documentao,
contribuindo para os estudos musicolgicos do futuro (NEVES, 1998, p. 138). Existe ainda muito material a ser explorado e Neves (2000) fez uma crtica
aos pesquisadores que procuram apenas dados tcnicos para as suas
interpretaes, que utilizam modelos europeus e que deixam de realizar
cruzamentos das histrias popular e erudita. Segundo o autor, o desafio da
musicologia histrica cultivar uma maior objetividade, que seja sempre
10
contextualizada, centrada no homem e na sociedade, que tenha um
aprofundamento mais amplo e comparativo do repertrio, uma avaliao qualitativa
da formao musical dos compositores e da produo terica latino-americana do
passado, uma atitude mais profissional e menos preconceituosa por parte dos
musiclogos (NEVES, 2000, p. 180). At algum tempo atrs a pesquisa em acervos documentais no Brasil estava
limitada aos grandes centros de prtica musical. Para Lucas (1998, p. 72) a bibliografia musicolgica referente cultura musical luso-brasileira entre os sculos
XVIII e XIX estava concentrada em trabalhos referentes msica em Minas Gerais,
So Paulo, Bahia, Pernambuco e Rio de Janeiro, mostrando um sistema
padronizado de exerccio profissional da Arte da Msica. Mas a autora tambm
apontou para um potencial de regionalizao dos estudos em musicologia histrica
por meio de um mapeamento sistemtico dos arquivos, baseando-se em suas
pesquisas nos Estados de Santa Catarina e Rio Grande do Sul. A sada dos centros
ou das regies de alta visibilidade histrico-documental e a valorizao de outras
regies do pas como Santa Catarina e Rio Grande do Sul permitiria pensar
comparativamente as prticas musicais dessa regio e os dados disponveis para o
resto do pas (p. 73). Na viso da autora, as regies do Sul do Brasil
representam elos importantes na compreenso da circulao internacional de msicos e repertrios musicais na passagem da Colnia para o Imprio, na aquisio e reposio de instrumentos musicais vindos de outras reas do pas, na revitalizao de padres de performance e competncia musical tidos como fenmenos nicos do centro e nordeste do pas, no entendimento de mudanas de paradigmas estticos ou no conhecimento de variantes da organizao profissional. (LUCAS, 1998, p. 73)
Em um artigo de 1998, Paulo Castagna afirma que no Brasil a pesquisa
musicolgica era valorizada pelo ineditismo do objeto estudado, sem uma anlise da
11
metodologia utilizada e das concluses obtidas nos trabalhos, possuindo pouco
significado artstico e quase nenhum significado musicolgico (p. 99). O autor ainda acrescenta neste artigo sobre a tendncia em valorizar a descoberta com
caractersticas marcantes como autor consagrado; aparncia de obra prima e
antigidade (p. 105). Segundo Castagna (2004, p. 14), a falta de trabalhos sistemticos era e
continua sendo muito grande no panorama musicolgico brasileiro. Entretanto, a
difuso da pesquisa em msica no Brasil, impulsionada pelos programas de ps-
graduao, eventos da rea, publicao de peridicos especializados e um maior
apoio aos projetos de pesquisa apontam para perspectivas de uma musicologia mais crtica e reflexiva no Brasil, superando o modelo positivista do passado. Apesar de
Castagna afirmar que ocorreu nos ltimos anos a retomada do trabalho tcnico com
maior conscincia metodolgica e a facilitao no acesso dos pesquisadores s
obras e acervos, salienta que:
ainda resta muito trabalho a ser feito no que se refere catalogao de acervos, edio de obras, organizao e sistematizao de fontes, o que impe nova musicologia a responsabilidade de desenvolver trabalhos sistemticos e, ao mesmo tempo reflexivos. (CASTAGNA, 2004, p. 18)
No mesmo artigo, Castagna ainda aponta outras perspectivas para a nova
musicologia brasileira, como o estabelecimento de um maior contato com a
musicologia internacional, o desenvolvimento da edio musical enquanto atividade
acadmica e um interesse pela histria da musicologia no Brasil. Desta forma poder-
se-ia desenvolver uma atividade musicolgica mais diversificada e menos
centralizada, assim como a produo de reflexes tericas sobre a histria da
msica no Brasil e uma abordagem conjunta da msica erudita e popular, linhas que ainda so raras no pas. Ainda segundo Castagna (2004), o desafio da nova
12
musicologia no Brasil explorar o vasto campo e material disponvel no somente
nos grandes centros, mas em centros menores, produzindo trabalhos sobre a
histria da msica no Brasil, contribuindo para a discusso sobre os procedimentos
especficos de forma cientfica para a conseqente produo de bibliografia para a
rea.
Este trabalho, portanto, alinha-se nas perspectivas apontadas por Neves
(1998, 2000), Castagna (1998, 2004) e Lucas (1998), desenvolvendo uma musicologia mais crtica, objetiva, contextualizada e com o mapeamento sistemtico de arquivos fora dos centros musicais maiores.
13
II ACERVOS E FONTES
2.1 ACERVOS
Dentre os acervos consultados e disponveis para a pesquisa sobre a prtica
musical em Blumenau no incio da colonizao, temos os encontrados nas seguintes
instituies:
Arquivo Histrico Jos Ferreira da Silva, de Blumenau;
Arquivo Histrico de Joinville;
Arquivo da Comunidade Evanglica Luterana, Parquia Blumenau
Centro;
Biblioteca Carlos Gomes, da Escola de Msica de Blumenau Teatro
Carlos Gomes;
Biblioteca da Universidade Regional de Blumenau.
2.1.1 Acervos de fontes primrias
O Arquivo Histrico Jos Ferreira da Silva de Blumenau2, vinculado
Fundao Cultural da cidade, uma instituio que realiza um trabalho de
conservao de materiais sobre a Colnia Blumenau. Para pesquisa na rea das
artes ou especificamente na rea da msica, destaca-se o Fundo Memria da
2 Endereo eletrnico: http://www.fcblu.com.br/arquivoh/index.asp?sub=13.
14
Cidade, constitudo por uma coleo de documentos textuais, fotos, impressos de
fontes jornalsticas, dentre outros, muitos doados em conjunto por famlias, instituies e pelo poder pblico, ou aqueles gradativamente catalogados pela
instituio. Grande parte dos documentos desse fundo est descrita no instrumento
de pesquisa Inventrio Analtico de Documentos, um catlogo que permite
realizar buscas pela data, assunto, autor, contedo e especificaes do documento,
bem como sua localizao no acervo.
Foi de importncia mais significativa para a pesquisa sobre as sociedades de
canto de Blumenau o Inventrio Analtico da Coleo Dossi Cultura. A consulta
dessa coleo permitiu o acesso a informaes sobre a vida social e cultural da
cidade logo no incio da colonizao e a pesquisa de documentos de instituies
culturais da poca. Esta coleo tambm contm informaes sobre msica de
outros perodos no abordados nesta pesquisa. Sobre a investigao da prtica
musical, especialmente nos primeiros anos da colonizao da cidade, deve ser
considerado tambm o acervo de jornais, que foram os principais rgos de divulgao das atividades sociais e culturais deste perodo.
O Arquivo Histrico de Joinville tambm foi consultado para este trabalho,
pois a Colnia Dona Francisca, que a atual cidade de Joinville, foi fundada no
mesmo perodo da Colnia Blumenau. Eventos, artigos e notcias gerais das duas
colnias eram divulgados pelo mesmo peridico, sendo que seu acervo de jornais mostrou-se relevante para a complementao das consultas ao perodo delimitado
na pesquisa.
A Biblioteca Carlos Gomes da Escola de Msica de Blumenau, localizada
dentro das dependncias da Sociedade Dramtico-Musical Carlos Gomes, possui
um acervo de mais de dez mil ttulos, entre fontes primrias e secundrias como
15
partituras, discos, livros, instrumentos, fotografias e outros. A Sociedade Carlos
Gomes uma instituio cultural sem fins lucrativos, fruto da juno, em 1932, da antiga Sociedade Teatral Frohsinn (Alegria), fundada em 1885, do Clube Musical, fundado em 1914, com a Sociedade Masculina de Canto Liederkranz (Guirlanda de Canes), fundada em 1909. Abrigou um grande coro e uma orquestra, j desde o incio de suas atividades, e dez anos mais tarde foi criado dentro de suas
dependncias, o Conservatrio Curt Hering, que deu origem a partir da dcada de
1970 atual Escola de Msica de Blumenau. Em sua histria musical atuaram
muitos msicos vindos do exterior, de outras regies do pas e surgiram artistas
locais que movimentaram a cultura local.
Devido sua histria e ao acmulo de materiais sobre msica que compem
o acervo da Biblioteca Carlos Gomes, esta se tornou um campo muito rico para a
pesquisa sobre as sociedades de canto, com o considervel nmero de livros de
canes encontrados neste acervo. Dentre estes livros foram considerados aqueles
que possuam alguma identificao, como a impresso do nome do Klub Germania
(palco de muitas apresentaes) em um livro de canes, carimbos de sociedades de canto nas pginas dos livros, assinaturas de pessoas que faziam parte dos
grupos de Blumenau (como consta em outros documentos) e datas manuscritas nas capas. Alm das formas de identificao, existe a possibilidade da pesquisa sobre
os compositores e as temticas das canes nos demais livros impressos ainda no
sculo XIX, presentes nos programas das apresentaes, publicados nos jornais da poca.
16
2.1.1.1 A falta de sistematizao de acervos musicais
A relao entre o arquivista e o pesquisador de importncia fundamental
para a realizao de pesquisas musicais. A funo do arquivista deixar o acervo
acessvel por meio de procedimentos tcnicos de descrio, para que o
pesquisador, o usurio do acervo, possa acessar os documentos sem perder tempo.
O problema do acesso aos documentos causado pela falta de sistematizao e de
procedimentos comuns de catalogao, que se configura como um dos problemas
mais difceis a ser enfrentado na pesquisa musicolgica de acervos de documentos
musicais.
Em um artigo de 2000, Paulo Castagna destaca que h uma tendncia no
Brasil da no preservao dos arquivos musicais e uma falta de interesse na
produo de catlogos destes arquivos, to importantes para a preservao de
nossa memria musical. importante relembrar que a musicologia no trata apenas da msica do passado, mas tambm da msica contempornea pela qual existe
uma preocupao, por parte dos pesquisadores, no seu registro e documentao,
contribuindo para os estudos musicolgicos do futuro (CASTAGNA, 2000). A falta de uma sistematizao na catalogao e metodologia para referenciar
documentos, tem dificultado pesquisas recentes utilizando o acervo documental
textual. O problema da sistematizao no Brasil e em especial no Estado de Santa
Catarina foi um problema enfrentado tambm nesta pesquisa sobre as sociedades
de canto.
Nos acervos consultados foram detectados problemas de sistematizao e
equvocos na catalogao de documentos. Durante a pesquisa do acervo
fotogrfico, por exemplo, foram encontradas fotografias com legendas incorretas.
Uma fotografia de um desfile de cantores datada erroneamente de forma manuscrita
17
com o ano de 1898, tratava-se na verdade de um desfile de 1934, conforme legenda
impressa em outra fotografia, claramente do mesmo evento. Outros exemplos foram
documentos manuscritos do sculo XIX arquivados dentre outros documentos
impressos do sculo XX, alm de diversos materiais arquivados, identificados como
documentos para encaixe, aguardando catalogao. Apesar dos arquivos
consultados serem pblicos e oficiais, os mesmos ainda carecem de uma
sistematizao e um cuidado na catalogao orientada por uma metodologia do
ponto de vista musicolgico.
Uma outra dificuldade pesquisa a destruio, perda ou mesmo roubo de
materiais. Muitos equipamentos e documentos das sociedades de caa e tiro, e
possivelmente das sociedades de canto, foram perdidos devido a inmeras
enchentes que ocorreram no Vale do Itaja, ainda no sculo XIX. As duas grandes guerras tambm podem ter contribudo para a destruio de materiais dos
imigrantes alemes, devido proibio de muitas atividades relacionadas sua
cultura. A falta de preocupao em preservar a histria bastante comum,
especialmente na regio de Blumenau, pois ainda observamos muitos materiais de
valor histrico em poder de particulares e que poderiam estar disposio para o
conhecimento de pesquisadores.
2.1.2 Acervo de fontes secundrias
A Biblioteca Martinho Cardoso da Veiga da Universidade Regional de
Blumenau possui uma seo de obras raras em seu acervo. Os documentos raros
como o Livro do Centenrio de Blumenau (1850-1950), de 1950, e a obra Apontamentos para a histria da colonizao de Blumenau: 1850-1860, de
Paulo Malta Ferraz (1949), foram utilizados para a contextualizao histrica do
18
perodo estudado neste trabalho, no que se refere imigrao alem para a regio
de Blumenau. Seu acervo de livros e peridicos tambm revelou-se uma importante
fonte, por possuir obras de autores locais que realizaram pesquisas sobre a vida
social e cultural dos imigrantes alemes em Blumenau. A biblioteca possui toda a
coleo da Revista Blumenau em Cadernos, que desde 1957 um instrumento de
difuso da cultura e memria locais e um referencial para pesquisas, com suas
diversas colunas sobre documentos originais, historiografia e artigos sobre cultura
local, inclusive sobre msica.
2.2 TIPOS DE DOCUMENTOS ENCONTRADOS
2.2.1 Documentos manuscritos
Referente s sociedades de canto em Blumenau, os documentos utilizados
para esta pesquisa que se revelaram significativos por conterem informaes
relacionadas s finalidades, ao repertrio e ao funcionamento das sociedades de
canto foram os estatutos, os livros de protocolo contendo as atas de reunies, os
relatrios de encontros do Sngerbund Itajahytal (Liga de Cantores do Vale do Itaja) e as correspondncias entre as sociedades. Outros documentos, como algumas
partituras e instrues sobre canto, contriburam em parte para a pesquisa, mas
podero ser mais relevantes para futuros trabalhos sobre a msica em Blumenau.
2.2.1.1 Estatutos
Uma parte dos documentos encontrados no Arquivo Histrico Jos Ferreira
da Silva de Blumenau pelo Fundo Memria da Cidade compe-se de estatutos de
sociedades de canto, sociedades de msica e sociedades de caa e tiro. Os
19
estatutos dessas sociedades culturais descrevem todas as atribuies da diretoria,
os direitos e deveres dos associados, a regulamentao administrativa e financeira,
bem como a finalidade geral da associao.
Dentre os materiais pesquisados nas colees de dossis, destaca-se um
conjunto de documentos da Gesangverein Freundschafts-Verein (Sociedade de Cantores Amizade), doados em conjunto ao Arquivo Histrico de Blumenau. Dos vrios documentos manuscritos em alemo gtico cursivo, existem os estatutos
desta sociedade (fig. 1), que teve uma longa atuao no cenrio musical da Colnia Blumenau ainda em meados do sculo XIX.
20
Figura 1 Estatutos da Gesangverein Freundschafts-Verein, folha 1 (Sociedade de Canto Amizade)
Fonte: Arquivo Histrico Jos Ferreira da Silva Blumenau, Fundo Memria da Cidade, Coleo Dossi: 9 Cultura, Documentos da Freundschafts-Verein.
Alguns estatutos de sociedades de caa e tiro, por exemplo, fazem parte dos
documentos das associaes recreativas, desportivas e culturais que compem a
21
Schtzengesellschaft Blumenau (Associaes de Blumenau). Alguns destes documentos tambm esto impressos e encadernados ou publicados em jornais. Entretanto, existem poucas referncias msica ou ao canto nesses estatutos,
apesar de observarmos que componentes dos grupos de cantores estavam
envolvidos nas atividades destes clubes.
2.2.1.2 Livros de protocolo e atas
Dentre os vrios documentos manuscritos das associaes culturais
encontram-se os livros de protocolo, nos quais eram registradas as atas de reunies
gerais realizadas pelas sociedades para resolver questes referentes s atividades
das sociedades de canto, como eleies de diretoria, prestao de contas e
organizao de eventos.
No Livro de Protocolo da Sociedade de Canto Germania esto as atas das
reunies gerais do perodo entre os anos de 1883 e 1904. Na figura 2, temos um
exemplo da pgina de uma ata da referida sociedade de 16 de julho de 1884. A maioria dos assuntos tratados referia-se eleio de novos diretores ou presidentes
da sociedade, passeios a se realizarem e festas de aniversrio de fundao. Outros
assuntos tratados, segundo a ordem do dia das atas, eram a reviso ou leitura dos
estatutos, cobrana da contribuio dos scios, eleio da comisso de festa e
escolha do local, entre outros. Dentro do livro de protocolo ainda se encontram notas
de compra de materiais e recibos de pagamento de dirigentes do coro.
22
Figura 2 Ata da Gesangverein Germania (Sociedade de Canto Germania)
Fonte: Arquivo Histrico Jos Ferreira da Silva Blumenau, Fundo Memria da Cidade, Coleo Dossi: 9 Cultura, Protokollbuch des Gesangvereins Germania.
Foram encontradas inmeras atas dentre os materiais da Gesangverein
Freundschafts-Verein (Sociedade de Cantores Amizade) que, juntamente com os
23
estatutos, permitiram uma viso do funcionamento interno desta sociedade de canto.
No acervo do arquivo histrico encontram-se ainda atas e livros de protocolo de
diversas sociedades de caa e tiro, mas estes no contribuem para a pesquisa
sobre as sociedades de canto.
2.2.1.3 Relatrios de encontros de coros
As sociedades de canto da regio de Blumenau uniram-se em uma federao
a partir da dcada de 1920, criando a Sngerbund Itajahytal (Liga de Cantores do Vale do Itaja). Encontram-se disponveis, no Arquivo Histrico Jos Ferreira da Silva, os relatrios de onze destes encontros realizados em vrias localidades da
Colnia. Dos nove primeiros encontros temos os relatrios datilografados em lngua
alem realizados nos anos de 1920 a 1928 e dois destes relatrios manuscritos em
alemo referentes ao 10 encontro em 1933 e ao 12 encontro, realizado em 1937
(fig. 3). Os relatrios descrevem todas as atividades desenvolvidas no dia da festa de cantores, desde a concentrao dos grupos para o desfile at o local do evento,
as apresentaes e premiaes, as principais resolues da reunio geral entre os
participantes at o encerramento com o tradicional baile.
24
Figura 3 Pgina do relatrio da Sngerbund Itajahytal (Liga de Cantores Vale do Itaja)
Fonte: Arquivo Histrico Jos Ferreira da Silva Blumenau, Fundo Memria da Cidade, Coleo Dossi: 9 Cultura, Documentos da Liga de Cantores Vale do Itaja.
25
2.2.1.4 Instrues de canto
Durante o trabalho de coleta de dados para esta pesquisa, foi encontrado um
manuscrito com o ttulo Gesangsschule, que pode ser traduzido como Escola de
Canto. O referido manuscrito encontra-se no Arquivo Histrico Jos Ferreira da
Silva, ainda em bom estado de conservao, com algumas informaes tericas
sobre canto e partituras com exerccios vocais. O material no possui data nem
autor, mas pelas caractersticas apresentadas, sendo em escrita antiga alemo
gtico, manuscrito3 (fig. 4), e ainda pelo local em que foi encontrado entre materiais das sociedades de canto, podemos supor que tenha sido possivelmente
confeccionado e utilizado no perodo entre a segunda metade do sculo XIX e as
primeiras dcadas do sculo XX.
3 Observa-se que a escrita gtica uma caracterstica marcante dos manuscritos e impressos do
sculo XIX e incio do sculo XX nos diversos documentos encontrados, como cartas, estatutos e jornais de poca.
26
Figura 4 Gesangsschule (Escola de canto)
Fonte: Arquivo Histrico Jos Ferreira da Silva Blumenau, Fundo Memria da Cidade, Coleo Dossi: 9 Cultura, Gesangsschule.
27
2.2.1.5 Correspondncias entre as sociedades
Dentre os materiais das sociedades de canto encontramos inmeras cartas e
correspondncias entre as sociedades. Grande parte destas correspondncias era
na verdade convites para festas, realizadas muitas vezes por ocasio da fundao
da sociedade, ou convites para passeios. A pesquisa das correspondncias entre as
sociedades de canto permitiu uma viso geral das diversas sociedades em atividade
no sculo XIX e incio do sculo XX. Na figura 5 temos uma carta assinada por
Victor Gaertner, presidente da Gesangverein Germania, convidando a Gesangverein
Freudschafts-Verein para um passeio que foi realizado em 02 de setembro de 1873.
28
Figura 5 Carta de Victor Gaertner para a Gesangverein Freunschafts-Verein
Fonte: Arquivo Histrico Jos Ferreira da Silva Blumenau, Fundo Memria da Cidade, Coleo Dossi: 9 Cultura, Documentos da Freundschafts-Verein.
29
2.2.2 Documentos impressos
Dentre as fontes impressas, tornaram-se significativas para a pesquisa sobre
as sociedades de canto em Blumenau as diversas referncias em jornais da poca, alguns livros de canto utilizados pelas sociedades e o acervo fotogrfico. As demais
fontes impressas encontradas, como hinrios utilizados pelos imigrantes, livros e
livretos comemorativos de diversas festividades envolvendo msica, programas de
concertos, dentre outras, contriburam secundariamente para a pesquisa e podero
ser utilizadas em futuros trabalhos sobre a msica em Blumenau, especialmente
sobre o repertrio executado.
2.2.2.1 Jornais
Alguns jornais comearam a circular na regio de Blumenau ainda no sculo XIX como rgos de divulgao dos eventos sociais e culturais da regio.
Referncias s sociedades de canto foram encontradas nos jornais como o Kolonie Zeitung, um jornal que atendia simultaneamente as colnias Dona Francisca e Blumenau, o Blumenauer Zeitung, o primeiro jornal exclusivamente publicado em Blumenau e tambm o Der Urwaldsbote, que comeou a circular no final do sculo
XIX.
O jornal Colonie Zeitung und Anzeiger fr Dona Francisca und Blumenau (Jornal da Colnia e Indicador da Colnia Dona Francisca e Blumenau) foi o primeiro peridico da regio que publicou sua primeira edio de prova em 20
de dezembro de 1862 em Joinville. Comeou a circular regularmente aos sbados, a
partir de 03 de janeiro de 1863, sob a responsabilidade do editor Ottokar Doerffel. Inicialmente o jornal nasceu como Colonie Zeitung, com a letra C, de acordo com a grafia em uso. Porm, por uma tendncia dos pases de lngua alem da poca,
30
de substituir o C pelo K em algumas palavras de origem latina, o jornal modificou seu cabealho, apresentando-se como Kolonie Zeitung a partir de janeiro de 1869 (HERKENHOFF, 1998).
O Kolonie Zeitung era o jornal que divulgava informaes sobre a Colnia Dona Francisca, atual cidade de Joinville, fundada em 1851, e tambm atendia a
Colnia Blumenau, fundada em 1850. O jornal tornou-se o principal rgo de divulgao dos eventos culturais, sociais e artsticos da Colnia Blumenau, para
onde o Pastor Rudolph Oswald Hesse, organizador da primeira sociedade de canto
da cidade (Sociedade Germania), enviava seus artigos para a seo rtliche Nachrichten (Notcias Locais). Suas publicaes eram assinadas com suas iniciais ROH. O Pastor Hesse publicou inmeros artigos referentes vida musical da
cidade, alm de crticas sobre os espetculos apresentados pela Sociedade Teatral
de Blumenau. Segundo Silva, o pastor era um homem inteligente, de grande cultura
e dotado de um estilo correto, sempre impregnado de humorismo (1977, p. 7) As referncias msica encontradas neste jornal, alm dos artigos do Pastor
Hesse, esto na seo Comunicados, que continha as diversas convocaes para
reunies gerais das sociedades de canto, convites para as festas de cantores,
convites para eventos de msica e dana, dentre outros.
No arquivo Histrico Jos Ferreira da Silva, em Blumenau, encontra-se uma
encadernao do referido jornal dos exemplares de 20 de dezembro de 1862 at 24 de dezembro de 1864 e dos exemplares de 26 de agosto a 30 de dezembro de
1865. Os nmeros faltantes desta encadernao e os subseqentes esto
impressos ou microfilmados no Arquivo Histrico de Joinville.
31
As referncias a Blumenau no Kolonie Zeitung apareceram at o ltimo
nmero de 1880, pois no ano seguinte comeou a circular o Blumenauer Zeitung,
que se tornou o principal peridico da cidade.
As dificuldades de comunicao entre Blumenau e Joinville tornavam
demoradas as correspondncias, pois quando o jornal chegava sede da Colnia Blumenau, as notcias j no despertavam mais o interesse dos leitores. Assim, a partir de 1 de janeiro de 1881, comeou a circular o Blumenauer Zeitung (Jornal Blumenauense), jornal fundado por Hermann Baumgarten, seu editor e Antnio Hrtel, como redator. O jornal tornou-se o veculo de divulgao do partido poltico de Hermann Baumgarten e entrou muitas vezes em violentos e indesejveis combates desta natureza (SILVA, 1977).
Com a Primeira Guerra Mundial e a declarao do estado de guerra entre o
Brasil e a Alemanha, foram proibidos os jornais em lngua alem. O que deveria ser o nmero 85 do 36 ano do Blumenauer Zeitung foi substitudo pelo primeiro
nmero em idioma nacional da Gazeta Blumenauense. Com o trmino da guerra
em 1919, o Blumenauer Zeitung voltou a ser publicado em lngua alem,
encerrando sua carreira em 02 de dezembro de 1938 (SILVA, 1977). Devido ao seu carter poltico, o Blumenauer Zeitung no ofereceu uma
grande contribuio para a presente pesquisa, como o Kolonie Zeitung, pela
escassez de artigos e crticas sobre a vida social e cultural de Blumenau. Apenas
pequenos informes sobre o reincio de ensaios das Gesangvereine, convites para
festas de fundao dos coros e agendas de acontecimentos referentes a eventos
musicais em geral puderam contribuir de forma indireta.
Entre 1893 e 1941 circulou ainda o jornal Der Urwaldsbote (O Mensageiro da Floresta), tendo como redator e diretor o Pastor Hermann Faulhaber. No incio o
32
jornal teve orientao religiosa, sendo o porta-voz das Comunidades Evanglicas e das escolas que estas comunidades controlavam. Segundo Silva (1977, p. 27), Der Urwaldsbote passou a ser um dos mais aguerridos e discutidos peridicos
publicados em Santa Catarina.
Diferentemente do Blumenauer Zeitung, Der Urwaldsbote teve um carter
mais religioso que poltico e tratava dos interesses das comunidades protestantes,
sendo tambm um noticirio nacional e do exterior. Em 1898 o Pastor Faulhaber
deixou a direo do jornal, assumindo em seu lugar o jornalista Eugnio Fouquet, o qual defendia suas idias baseadas no bem-estar moral e material dos
descendentes dos alemes e na tentativa de evitar a adaptao completa e absoluta
dos teuto-brasileiros aos costumes brasileiros (SILVA, 1977).
2.2.2.2 Livros de canes
Na biblioteca da Escola de Msica de Blumenau Teatro Carlos Gomes,
encontra-se um livro de msicas folclricas, o Volksliederbuch fr Mnnerchor
(Canes Populares para Coro Masculino) para quatro vozes, editado pela C. F. Peters de Leipzig, Alemanha, em 1906. O exemplar pertenceu provavelmente a Paul
Hering por conter sua assinatura, a palavra Dirigent (regente) e um carimbo, na primeira folha do livro (fig. 6), da Mnner Gesangverein Liederkranz (Sociedade Masculina de Canto Guirlanda de Canes).
33
Figura 6 Livro de Canto Volksliederbuch fr Mnnerchor (Canes Populares para Coro Masculino)
Fonte: Biblioteca Carlos Gomes Escola de Msica de Blumenau, Teatro Carlos Gomes.
Na mesma biblioteca est uma publicao de Rudolph Palme, de 1870, um
livro de canes para coro misto chamado Preisgekrnte lustige Lieder fr
gemischten Chor (Alegres Canes Coroadas para Coro Misto), que pertenceu ao
34
Verein Harmonie (Sociedade Harmonia), conforme manuscrito na primeira folha do livro, juntamente com a data de 1901.
Outros dois livros de canto encontrados na biblioteca da Escola de Msica de
Blumenau so a edio de 1897 do Gaudeamus Igitur Juvenes dum Sumus!
(Alegremo-nos enquanto somos jovens) e o Sammlung von Volksgesngen fr Mnnerchor (Coletnea de Canes Populares para Coro Masculino). O primeiro livro pertenceu ao acervo do Klub Germania, de Blumenau, conforme impresso na
capa. O segundo uma coletnea de cantos folclricos para coro masculino de
1902, para ser utilizado na escola, em casa ou na sociedade. Possui em sua
primeira folha o manuscrito Germania, no sendo possvel com isto afirmar se
pertenceu ao clube de mesmo nome ou Sociedade de Canto Germania.
Alm dos livros de canes da biblioteca da Escola de Msica de Blumenau,
citados anteriormente, tambm foi utilizada para a pesquisa sobre o repertrio das
sociedades de canto a seleo de canes para coro masculino Loreley, de 1891,
que teve sua primeira edio em 1870 realizada pela Sociedade Masculina de Canto
de Colnia (Alemanha).
2.2.2.3 Crnicas
No arquivo da Igreja Evanglica de Confisso Luterana, parquia Blumenau-Centro, encontra-se a Crnica da Parquia de Rio do Testo Pomerode4, em
edio bilnge com o histrico desta comunidade e referncia participao da
4 A Parquia Evanglica de Rio do Testo localiza-se na atual cidade de Pomerode e que fazia parte
da Colnia Blumenau.
35
Gesangverein Frohsinn (Sociedade de Canto Alegria), por ocasio do culto festivo da inaugurao do sino da igreja em 19005.
2.2.2.4 Programas de concertos
No acervo do Arquivo Histrico Jos Ferreira da Silva encontram-se
programas impressos de concertos realizados especialmente no Teatro Frohsinn e
depois na Sociedade Dramtico Musical Carlos Gomes pela Mnner Gesangverein
Liederkranz. Anteriormente s atividades na sede do teatro onde atuou a
Liederkranz, comum encontrar-se o programa cantado pelas sociedades de canto
em suas festas de fundao, publicados em jornais da poca. O grande nmero de programas de concerto auxiliou na pesquisa do repertrio realizado pelas
sociedades de canto. Na figura 7 temos o frontispcio de um programa impresso em
1932, referente a um concerto vocal e instrumental com a orquestra da Sociedade
Teatral e Musical Frohsinn, a Mnner Gesangverein Liederkranz e outros
convidados.
5 As referncias a este culto e participao da Sociedade Frohsinn descritas na crnica, foram
extradas do jornal Der Urwaldsbote, edio de 10 de maro de 1900.
36
Figura 7 Frontispcio do Programa de Concerto da Mnner Gesangverein Liederkranz (Sociedade Masculina de Canto Guirlanda de Canes)
Fonte: Arquivo Histrico Jos Ferreira da Silva Blumenau, Fundo Memria da Cidade, Coleo Dossi: 9 Cultura, sub-grupo 9.11.1 Teatro, documento 9.11.1.2.5, cx. 01, doc. 09.
37
2.2.2.5 Livros de instrues aos imigrantes
Em 1851, aps a fundao da Colnia Blumenau, o fundador Hermann
Blumenau publicou uma obra para a orientao aos colonos interessados em se
estabelecer em Santa Catarina, com o ttulo Leitende Anweisungen fr
Auswanderer nach der Provinz Sta Catharina in Sdbrasilien (Guia de Instrues aos emigrantes para a Provncia de Santa Catarina, no Sul do Brasil). Neste guia, o fundador orientava os futuros imigrantes para que no esquecessem
de materiais relacionados msica como, por exemplo, cordas para violino ou livros
de canes. Os originais esto em bibliotecas da Alemanha, mas existem fotocpias
no Arquivo Histrico Jos Ferreira da Silva. Alm disso a obra foi publicada em
1999, por ocasio dos festejos dos 150 anos de fundao de Blumenau, em edio bilnge organizada por Cristina Ferreira e Sueli Petry, intitulada Um alemo nos
trpicos (1999).
2.2.2.6 Fotografias
No acervo fotogrfico do Arquivo Histrico Jos Ferreira da Silva esto
catalogadas algumas fotos envolvendo atividades das sociedades culturais de
Blumenau. Com o subttulo Lazer-Msica, encontram-se fotos de sociedades de
canto, bandas de msica, desfiles dos encontros e as festas da Sngerbund
Itajahytal, que reuniam diversas sociedades de canto. Outras fotos utilizadas aqui esto disponiveis no banco de dados do Projeto
(Etno) Musicolgico e Hinolgico, ligado Escola Superior de Teologia (EST) de So Leopoldo, sob a coordenao de Werner Ewald. No banco de dados on-line
38
esto fotos de sociedades de canto em atividade no Rio Grande do Sul, no sculo
XIX.
2.3 REVISO BIBLIOGRFICA
2.3.1 Imigrao alem
Na obra O imigrante alemo e seus descendentes no Brasil: 1808-1824-
1974 (1974), Carlos Fouquet realiza um mapeamento da imigrao alem no Brasil, descrevendo o processo histrico desde os primeiros alemes que aqui chegaram
em carter espordico at a formao das primeiras colnias de imigrantes alemes
em vrios estados de nosso pas. Apesar de antigo e de algumas informaes
estarem desatualizadas, o mapeamento sobre a imigrao alem e as concluses
apresentadas por Fouquet tornaram-se significativos para a contextualizao
histrica deste trabalho.
A sugesto de Fouquet de que as pesquisas sobre a imigrao alem sejam realizadas nos livros de centenrio tambm se aplica regio de Blumenau. Grande
parte das informaes sobre a imigrao alem encontra-se em fontes desta
natureza, como a publicao do Livro do Centenrio de Blumenau (1850-1950), com artigos de diversos autores apresentando informaes histricas da poca dos
mais diversos setores. Alm desta publicao, ainda temos as de diversas cidades e
colnias relacionadas ao Vale do Itaja e outras referentes aos jubileus de comunidades religiosas e entidades sociais e culturais.
O livro Imigrantes de origem germnica no Brasil: ciclos matrimoniais e
etnicidade, de Srgio Odilon Nadalin (2001), aborda as questes sobre a perpetuao da cultura germnica por meio das vrias formas de sociedade e faz
39
ligao do predomnio do luteranismo com o processo de constituio de uma
identidade tnica dos estrangeiros que influenciaram a vida social e cultural de
Curitiba e municpios vizinhos.
Questes sobre a cultura teuto-brasileira, identidade tnica, aculturao e um
estudo sobre o desenvolvimento econmico da regio do Vale do Itaja Mirim so abordados nos trabalhos de Giralda Seyferth, como o livro A colonizao no Vale
do Itaja-Mirim (1974) e os artigos A assimilao dos imigrantes como questo nacional (1997) e A idia de cultura teuto-brasileira: literatura, identidade e os significados da etnicidade (2004). A temtica sobre a assimilao de uma nova cultura pelos imigrantes alemes em terras brasileiras tambm abordada por
Emlio Willems (1980) em seu livro A aculturao dos alemes no Brasil: estudo antropolgico dos imigrantes alemes e seus descendentes no Brasil, em que
o autor realiza um estudo antropolgico dos imigrantes alemes e seus
descendentes no Brasil.
Os autores que realizaram trabalhos referentes histria da colonizao de
Blumenau so Paulo Malta Ferraz (1949, 1976), com as obras Apontamentos para a histria da colonizao de Blumenau: 1850-1860, de 1949 e Pequena Histria
da Colonizao de Blumenau: 1850-1883, publicado em 1976, e o historiador Jos
Ferreira da Silva, com Histria de Blumenau, de 1988. De modo semelhante
menciona-se Edith Kormann (1995), com sua coleo em 4 volumes Blumenau: arte, cultura e as histrias de sua gente, cujas constantes citaes de notas de jornais estimularam a pesquisa em fontes primrias, visando confirmao das informaes. Tambm referente histria de Blumenau o trabalho organizado por
Cristina Ferreira e Sueli Maria Vanzuita Petry (1999), Um alemo nos trpicos, que
40
trata de uma edio bilnge do guia de instrues aos imigrantes, escrito pelo
fundador da cidade, Dr. Hermann Bruno Otto Blumenau.
Sobre as associaes culturais de Blumenau, temos o artigo Sociedades e
Associaes em Blumenau de Frederico Kilian (1950), publicado no Livro do Centenrio de Blumenau (1850-1950) e o livro de Sueli Maria Vanzuita Petry (1982), Os Clubes de Caa e Tiro na Regio de Blumenau: 1859-1981, cujas associaes estavam em atividade desde 1859, com a fundao do Schtzenverein
Blumenau (Sociedade de Atiradores de Blumenau) at 1982. Segundo a autora, estas sociedades surgiram pela necessidade que o colono sentia de um convvio
social mais intenso, sendo que esta atividade foi a que melhor se adaptou como
modalidade de recreao e integrao entre os habitantes.
2.3.2 Sociedades de canto
2.3.2.1 Sociedades de canto na Alemanha
O livro Der singende deutsche Mann. Gesangvereine und deutsches
Nationalbewusstsein von Napoleon bis Hitler (O Canto do Homem Alemo. Sociedades de Canto e Conscincia Nacional Alem de Napoleo a Hitler) de Dietmar Klenke (1998) aborda as sociedades de canto como um segmento do movimento nacionalista do sculo XIX e da conscincia nacional alem no perodo
compreendido entre Napoleo e Hitler, questionando como as geraes de cantores
vivenciaram os acontecimentos polticos da poca nas suas atividades de canto.
Segundo o autor, a sociedade de canto representa muito para centenas de milhares
de homens e aborda questes sociais, polticas e a construo de universos
simblicos.
41
A tese de doutorado de Martin Jungmann (2002), Einbecker Vereine im Kaiserreich 1871 bis 1914 (Associaes de Einbeck no Perodo Imperial de 1817 at 1914) um estudo da vida social da cidade de Einbeck, Provncia de Hannover, do Perodo Imperial at a Primeira Guerra Mundial, de 1871 at 1914. O autor
realiza um estudo de diversos segmentos sociais na referida cidade abordando as
sociedades de canto, de msica e teatro, esportivas e de ginstica, de ciclismo, de
futebol, de tiro, de bolo6, militares, polticas, de histria, de caridade e sociedades
religiosas. No captulo sobre as sociedades de canto na Alemanha o autor realiza
um levantamento de vrias sociedades em atividade no final sculo XIX at incio do
sculo XX.
Outra pesquisa sobre sociedades de canto citada no trabalho de Jungmann
a dissertao de Annegret Heemann e seu trabalho intitulado
Mnnergesangvereine im 19. und frhen 20. Jahrhundert. Ein Beitrag zur
stdtischen Musikgeschichte Mnsters (Sociedades Masculinas de Canto no sculo XIX e incio do sculo XX: uma contribuio para a histria da msica da
cidade de Mnster), de 1992. Jungmann cita tambm Richard Ktzschke e sua obra Geschichte des deutschen Mnnergesanges hauptschlich des Vereinswesens
(Histria dos coros masculinos na Alemanha, com nfase nas associaes), de 1927.
2.3.2.2 Sociedades de canto nos Estados Unidos
As sociedades de canto vm sendo discutidas na literatura da Alemanha e
dos pases que receberam imigrantes alemes, a exemplo dos Estados Unidos.
Neste pas as sociedades de canto de imigrantes europeus delimitam um tema
6 Bolo um jogo semelhante ao boliche, que utiliza uma bola maior e mais pesada, praticado nos
clubes de caa e tiro da regio de Blumenau at os dias de hoje.
42
amplamente estudado e esta atividade considerada como uma importante arte
folclrica e uma forma de comportamento expressivo.
O artigo The Singing Societies of European Immigrants (As sociedades de canto de imigrantes europeus) de Irving Babow (1954) diz respeito s sociedades de canto de imigrantes europeus em So Francisco de 1851 a 1953, cuja experincia sugere que esta instituio varia em significado nos diferentes grupos de imigrantes,
no sendo possvel uma generalizao aplicada a todas as comunidades com
atividade coral. Nas diversas comunidades a atividade coral ocupa uma posio
central como na Alemanha e Sua, uma posio intermediria como na Noruega,
Sucia e Tchecoslovquia e uma posio perifrica na Itlia e no Leste Europeu.
Estas questes so discutidas com maior profundidade na tese de doutorado em
sociologia do mesmo autor, Secular Singing Societies of European Immigrant
Groups in San Francisco (Sociedades seculares de canto dos grupos de imigrantes europeus em So Francisco), de 1954.
Theodore Albrecht (1975), musiclogo e cantor do Beethoven Mnnerchor of San Antonio (Coral Masculino Beethoven, de Santo Antnio), estudou o desenvolvimento das sociedades de canto no Texas, com a dissertao de
doutorado German Singing Societies in Texas (Sociedades alems de canto no Texas) e no artigo The Music Libraries of the German Singing Societies in Texas (As bibliotecas das sociedades de canto no Texas), ambos os trabalhos de 1975. Segundo o autor, no referido artigo, a mais antiga referncia msica dos
imigrantes alemes no Texas de 1834, quando Robert Justus Kleberg importou um
piano e livros de msica para Harrisburg.
43
2.3.2.3 Sociedades de canto no Brasil
No Brasil existem poucos trabalhos sobre o desenvolvimento das sociedades
de canto nas colnias de imigrantes alemes espalhados nos diversos estados do
pas. Encontramos apenas referncias sobre a existncia destes grupos como uma
atividade comum de associativismo do imigrante, presentes em trabalhos sobre a
imigrao alem no Brasil e debates centrados em questes como etnicidade,
cultura e nacionalizao. Fouquet (1974), em seu livro sobre os imigrantes alemes e seus descendentes, cita diversas sociedades de canto atuantes em vrios estados
onde ocorreu imigrao alem. Dentre eles, o Deutscher Sngerbund (Liga Alem de Cantores) de Curitiba, que atualmente chamado de Clube Concrdia, o Deutscher Mnner Gesangverein Lyra (Sociedade masculina de cantores alemes Lyra) de So Paulo, conhecido como Sociedade Filarmnica Lyra, o Deutscher Sngerbund von Rio Grande do Sul (Unio dos Cantores do Rio Grande do Sul), o Sngerbund Itajahytal (Liga de Cantores do Vale do Itaja) e o Deutscher Sngerbund Brasilien (Unio de Canto Coral Brasil).
Hilda Flores escreveu o livro Cano dos imigrantes (1983) sobre o significado axiolgico das canes folclricas alems preservadas pelos imigrantes.
O estudo foi delimitado Sociedade de Leitura e Canto Jovialidade, de Alto
Sampaio, em Venncio Aires (RS), fundada em 1892. A pesquisa foi baseada em material documental e informaes fornecidas pelos scios da instituio e visou
conhecer at que ponto a cano respondeu s necessidades dos imigrantes em
seu novo meio, at onde contribuiu para estabelecer equilbrio entre os valores
tradicionais e elementos novos da nova ptria, e se contriburam para formar uma
nova imagem cultural.
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Os resultados da pesquisa mostraram que, com a criao da Sociedade
Jovialidade, a comunidade alcanou seu objetivo de elevao cultural (FLORES, 1983, p. 256) e devido ao isolamento geogrfico, conservaram esta cultura at a atualidade. A prtica do canto, de temtica intencionalmente selecionada (Ibid, p. 256) obteve resultado nas sociedades, pois assegurava a transmisso de valores que concorrem para o equilbrio das relaes sociais e o equacionamento do
controle social (Ibid, p. 257). A autora cita tambm o II Colquio de Estudos Teuto-brasileiros, em julho de 1976, onde Friedrich e Tempel apresentaram um apanhado sobre as sociedades de canto na colnia alem, dimensionando-lhes o significado
artstico-cultural.
Outro trabalho sobre a msica dos imigrantes alemes no Rio Grande do Sul
foi realizado por Werner Ewald. Alm de sua tese de doutorado Walking and
Singing and Following the Song: Musical Practice in the Acculturation of
German Brazilian in South Brazil (2004), sobre a prtica musical na aculturao dos imigrantes alemes no Sul do Brasil, pela universidade de Chicago, o autor
coordena o Projeto (Etno) Musicolgico e Hinolgico, ligado Escola Superior de Teologia (EST) de So Leopoldo, que visa organizar um banco de dados on-line com resenhas, fotos e livros de canes da poca da imigrao alem no Rio
Grande Sul, que podem ser encontrados na biblioteca da EST. O trabalho mostra a
existncia de sociedades de canto nas colnias do Rio Grande do Sul a partir da
vinda dos primeiros colonizadores em 1824, inclusive a existncia de uma Liga de
Cantores.
Referente s sociedades de canto em Santa Catarina existe um artigo de Elly
Herkenhoff, publicado em quatro partes na Revista Blumenau em Cadernos nos
anos de 1981 e 1982, e intitulado Nossos corais ontem e hoje. No referido artigo
45
a autora realiza um apanhado histrico, baseado em estatutos, atas, crnicas e
artigos do jornal Kolonie Zeitung, de diversas sociedades de canto fundadas no incio da colonizao de Joinville, antiga Colnia Dona Francisca, at os grupos que
ainda hoje se mantm em atividade, mesmo depois da interrupo das atividades no perodo das duas guerras e devido Campanha de Nacionalizao na dcada de
1930.
2.3.2.4 Sociedades de canto em Blumenau
No contexto da imigrao alem na Colnia Blumenau h referncias
discretas s sociedades de canto em obras de autores locais. O artigo de Jos
Ferreira da Silva na Revista Blumenau em Cadernos, de 1971, comenta sobre os
primeiros grupos de cantores da Colnia Blumenau que solenizavam o culto
dominical, cantando os hinos sacros dos hinrios trazidos da ptria de origem,
grupos estes organizados pelos professores trazidos para lecionar nos
estabelecimentos de ensino. O texto cita as diversas sociedades de canto que
atuaram no incio da colonizao, bem como sua organizao na federao
posteriormente fundada, a Liga de Cantores do Vale do Itaja. Segundo Silva sobre os clubes de cantores, as Sngerverein, muito se poderia escrever. Eles marcaram
poca nas crnicas artstico-sociais da poca dos finais da Colnia e dos primeiros
decnios do municpio (1971, p. 98). As obras anteriormente citadas de Edith Kormann (1995), Blumenau: arte,
cultura e as histrias de sua gente (1850-1985), em 4 volumes, e Histria de Blumenau, de Jos Ferreira da Silva, de 1988, tambm trazem algumas
informaes sobre as sociedades de canto que atuaram na Colnia Blumenau.
46
III IMIGRAO ALEM E CONTEXTO SOCIAL
3.1. A EMIGRAO ALEM
A partir do sculo XIX ocorreu uma emigrao de alemes em grande escala
causada por motivos polticos e econmicos, alm da intensa propaganda das
Companhias de Colonizao. Antes da unificao, a Alemanha vivia um estado de
caos poltico, o que provocou, na segunda dcada do sculo XIX, uma srie de
reformas para beneficiar os camponeses. At a revoluo de 1848 as reformas no
melhoraram a situao dos camponeses, que ficaram ainda mais sob o regime de
servido feudal, especialmente na Prssia7 e na Pomernia8. O campons consumia
o que produzia e as altas somas que tinham de pagar nobreza e ao fisco, para
permanecer como proprietrio de suas prprias terras, eram excessivas, causando
um grande xodo rural (FOUQUET, 1974). A situao de muitos alemes em sua terra natal era difcil, vivendo em
condies de extrema pobreza, o que fez o Governo da regio da Turngia9 convidar
muitos a embarcar para o Brasil. Portanto, no podemos afirmar que esses
imigrantes j estavam imbudos de um sentimento colonizador, pois muitos saam da Europa praticamente expulsos (VOIGT, 2005).
Uma questo a ser considerada, ao analisarmos as relaes entre a terra
natal e os filhos que emigraram : quem deve ser considerado alemo? No sculo
7 Atualmente compreende a regio da Estnia, Letnia, Litunia e a parte setentrional da Polnia.
8 Regio do norte da Polnia e Alemanha, na costa sul do Mar Bltico.
9 Estado Federal da Alemanha, localizado no centro do pas, cuja capital Erfurt.
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XIX, segundo Fouquet (1974, p. 29), alemes eram os imigrantes de lngua materna alem e cultura alem. Seyferth (1974, p. 29) ainda acrescenta que, colonos alemes eram todos os imigrantes de lngua alem, sejam eles provenientes da Alemanha, ustria ou Polnia. Desta forma, a ocupao de colonos alemes em terras do continente americano ocorreu no somente por cidados originrios da
Alemanha, mas dos outros pases citados, o que de fato observamos nas colnias
dos Estados Unidos da Amrica e mais tarde, no Brasil.
3.2 IMIGRAO ALEM NO BRASIL
Os primeiros alemes que vieram ao Brasil o fizeram em carter espordico,
em busca de aventura e riqueza. Outros estavam a servio de Portugal e
participavam da conquista, defesa ou explorao do territrio. Como exemplo, temos
o nome de Hans Staden, de Homberg, na Hessia, que esteve no Brasil em 1550, e
relatou a respeito da vida e do pensamento dos silvcolas ainda no abordados pela
civilizao europia (FOUQUET, 1974, p. 20). Outro exemplo a famlia de Cristvo Lins, que imigrou do sul da Alemanha,
via Portugal e explorou e ocupou a regio que atualmente pertence ao Estado de
Alagoas. Muitos outros foram os precursores da imigrao alem no Brasil: militares,
administradores, gelogos, gegrafos, botnicos, zologos, etngrafos, artistas e
pesquisadores que lutaram pelos direitos polticos das colnias, formaram exrcitos
e desenvolveram pesquisas em diversas reas que favoreceram o Brasil
(FOUQUET, 1974). As primeiras colnias alems no Brasil datam de 1818, sendo elas as colnias
Leopoldina e So Jorge dos Ilhus, na Bahia. Esta ltima j recebeu, trs anos aps sua fundao, novos integrantes vindos de Hamburgo. Como nas demais colnias
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de imigrantes alemes, a necessidade de viver em sociedade logo se evidenciou na
criao de sociedades culturais e desportivas. Registram-se na Bahia associaes
como a Associao Bahiana de Tiro ao Alvo (1845), a Associao do Cemitrio de Estrangeiros (1851) e uma associao de canto coral, alm do primeiro clube, o Germania, fundado em 1873, que servia de recreao, para contatos comerciais e
como ponto de encontro (FOUQUET, 1974). No Estado do Pernambuco, em Catuc, perto de Recife, radicaram-se em
1826 ex-combatentes do 28 Batalho de Caadores do Imprio. Entretanto, a
colnia no encontrou meios de subsistncia. Em 1826 foi fundada uma segunda
colnia denominada Santa Amlia. Imigrantes isolados formaram uma colnia na
cidade dos arrecifes, surgindo vrias associaes que comprovam sua identidade
como colnia, dentre elas a Associao Beneficente de Alemes e Suos (1842), a Associao Beneficente Alem (1867), a Associao de Canto Coral (1915), alm de um clube, uma escola, uma parquia evanglica e outra catlica (FOUQUET, 1974).
A partir de ento, outros estados foram sendo ocupados, como Minas Gerais,
Esprito Santo, Rio de Janeiro, So Paulo e Paran. A primeira colnia alem no
Estado de Minas Gerais foi fundada em 1853, chamada Filadlfia, que em 1876 foi
elevada a municpio com o nome de Tefilo Otoni. O empresrio e poltico Tefilo
Otoni tentou abrir a regio para o desenvolvimento, almejando germanizar as colnias da regio (FOUQUET, 1974).
O Esprito Santo recebeu imigrantes alemes, especialmente na regio
costeira em direo oeste at a regio serrana, onde o clima era favorvel para a
agricultura. Em 1847, alemes vindos da regio da Pomernia fixaram colnia em
Santa Isabel e dez anos mais tarde em Santa Leopoldina, trabalhando isoladamente
como agricultores, cultivando caf, milho, mandioca, feijo, alm de criarem gado
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para consumo prprio. Segundo Fouquet, a vida cultural da regio nunca mereceu
muita ateno, pois:
foi o Esprito Santo o nico que jamais
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