A IlhA de Morel
Carina de Barros Fernandes
Maria Clara Villas
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Projeto para Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à banca de avaliação do curso de Bacharelado em Audiovisual do Centro
Universitário Senac, como exigência parcial para obtenção do título de Bacharel em Audiovisual, sob a orientação da Profa. Dra. Renata Gomes
e da Profa. Me. Ester Marçal Fer.
Carina de Barros Fernandes Maria Clara Villas
Centro Universitário SENAC São Paulo 2011
A Ilha de Morel
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“Creio que perdemos a imortalidade porque a resistência à morte não evoluiu; os aperfeiçoamentos insistem na primeira ideia, rudimentar: manter vivo todo o corpo. Só deveríamos buscar a conservação do que interessa à consciência.” A Invenção de Morel | Adolfo Bioy Casares
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AGRADECIMENTOS
Queremos agradecer a todos que nos ajudaram nesse processo, com ideias, referências e novos conceitos. Nossas orientadoras Renata Gomes e Ester Marçal Fer, que ajudaram e acreditaram no projeto mesmo quando ele ainda era uma pequena ideia. Ao professor Luiz Carneiro, que desde a apresentação da banca de qualificação tem se envolvido de uma maneira muito bacana no projeto, possibilitando o possível desenvolvimento dele no futuro. Aos primeiros conselhos do professor Lucas Bambozzi, que nos apresentou à muitas referências e caminhos entre as novas mídias. Além disso, à amigos e familiares sempre presentes e nos dando todo o apoio. Em especial, queremos agradecer à Karina Gomes, pela indicação do livro que deu origem a tudo. Paula Bittar por fazer este projeto ser muito mais que um simples arquivo de Word, diagramando e criando todo o projeto gráfico. Daniel Semanas por ajudar na viabilização do projeto visual da Ilha de Morel e emprestar alguns de seus personagens para compor os ambientes. Ana Luiza David por emprestar as suas incríveis paredes para a projeção do projeto visual. Nossas mães Ana Paula Franzoia e Cibele de Barros pela paciência e revisão de textos.
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ABSTRACT
Screenplay and project of a new media’s immersive and interactive web-based-experiment. The screenplay are inspired by the book The Invention of Morel, from Adolfo Bioy Casares and consist in the discovers of the interator in a virtual island created by Morel, a scientist that developed a research about immortality and conversion of the real world to a virtual one. The project also presents a theory base about interactivity and media and discuss the adaptation and the creative process of a new media’s screenplay.
KEYWORDSInteractivity, experiments, immersion, new media, screenplay, adaptation, play.
RESUMO
Roteiro e projeto de uma experiência imersiva e interativa de novas mídias para
veiculação na web, baseado no livro A Invenção de Morel, de Adolfo Bioy Casares.
Consiste nas descobertas de um interator preso em uma ilha virtual criada por um
cientista que desenvolve uma pesquisa sobre imortalidade e conversão do mundo real para
o virtual. O projeto também apresenta uma fundamentação teórica sobre o interator e
sua relação com as mídias audiovisuais, uma exposição de formas e formatos interativos
e uma reflexão sobre adaptação e o processo de criação de um roteiro para
as mídias digitais.
PALAVRAS-CHAVE
Interatividade, experiência, imersão, novas mídias, roteiro, adaptação, jogabilidade.
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SUMÁRIO
Fundamentação Teórica - 12
1. Introdução - 13
2. A Invenção de Morel - 16
3. A Ilha de Morel – 18
4. Fundamentação teórica - 20
• Apresentação bibliografia – 20
• Intersecção das mídias - 22
• Experiências imersivas: do cinema à experiência em si - 25
• O mundo digital – 30
• A Interatividade no mundo digital - 33
5. Referências - 35
A Ilha de Morel: o roteiro - 41
1. Visão geral essencial - 42
• Introdução - 42
• Gênero - 43
• Público-Alvo - 43
• Especificações técnicas e funcionais - 43
• Veiculação - 44
• Possibilidades de apresentação - 44
• Enredo - 44
• Fluxograma resumido - 47
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2. Escopo – 48
• Fluxograma detalhado - 48
Projeto Visual e Sonoro - 55• Página Inicial - 56
• Piscina – 58
• Hall – 60
• Sala dos Aquários - 62
• Escritório das Memórias - 64
• Sala das Escadas - 66
• Corredor – 68
• Diário - 69
• Visual – 70
• Som - 71
Considerações finais - 721. As diferentes caras de A Ilha de Morel - 73
2. O processo e considerações finais – 76
FUN
DA
MEN
TAÇÃ
O T
EÓR
ICA
A ilha de Morel | 13
Nosso trabalho de conclusão de curso surgiu a partir de um
mútuo interesse pelas novas mídias e novos formatos de se
contar uma história que, juntos, compõem um caminho ain-
da muito fresco e que nos despertou uma grande vontade de
pesquisa. Nosso produto final é resultado de muito estudo,
criação e trabalho: uma fundamentação teórica que nos deu
base para a elaboração do roteiro e projeto de uma experiên-
cia virtual interativa.
Ao decidir realizar um projeto para novas mídias nosso gran-
de desafio foi - antes mesmo de pensar em uma plataforma e
um formato - criar a linha narrativa, a história que queremos
contar. Optamos então em fazer uma adaptação de um conto, e
começamos a procurar algum que nos instigasse. No meio dos
escritores latinos nos deparamos com a literatura fantástica e
foi no universo capitaneado por Jorge Luis Borges e Julio Cor-
tázar que encontramos a obra que é a base de todo o nosso
projeto. A Invenção de Morel, do escritor argentino Adolfo Bioy
Casares, nos inspirou e servirá de cenário para a nossa nar-
rativa audiovisual. A questão da adaptação, ou seja, de como
podemos apropriar uma obra literária e adaptá-la para um novo
suporte ainda é muito pertinente, e em todos os momentos do
processo nos questionamos sobre até que ponto poderíamos
criar e nos apossar da história, e como transpor um texto literá-
rio para uma linguagem visual e interativa.
Selecionado o conto, a segunda etapa foi a de escolha do for-
mato para contar a historia. Um jogo? Uma instalação? Morel nos
1. Introdução
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inspirou de diversas maneiras, e ficamos tentadas a usar todos
os conceitos importantes da história: projeção, mistério, a má-
quina de Morel, a utopia da vida eterna, a repetição. Nossa pri-
meira ideia foi criar uma experiência multimidiática um pouco
mais abstrata e que, de alguma forma, reproduzisse as sensa-
ções existentes no livro; percebemos então que o que mais nos
atraiu foi a própria narrativa, o mistério – um personagem que
vai descobrindo aos poucos os segredos de uma ilha.
Decidimos por um projeto que seguisse a narrativa, que ti-
vesse um personagem principal – o interator – que vai exploran-
do e desvendando aos poucos os ambientes. Se surpreendendo.
Entretanto, é importante manter o lado artístico, poético e sub-
jetivo: um jeito de atrair leitores do livro, além de entusiastas
das novas mídias; o que nos levou ao roteiro de um projeto
virtual com uma jogabilidade mais livre, que possibilitasse uma
experiência sensorial e artística marcante.
Queremos transformar a ilha de Morel em algo visível. O ce-
nário de toda a experiência. A atmosfera enigmática convida o
interator a explorar e desvendar o mistério – até perceber que
na verdade a máquina de Morel também se apropriou do inte-
rator e o transportou para o mundo virtual. O objetivo geral do
projeto é desenvolver um ambiente imersivo que transporte o
jogador para um universo virtual e que o leve a perceber a rela-
ção entre os objetos e, assim, desvendar aos poucos a própria
linguagem e a narrativa.
A ilha de Morel | 15
Adaptamos a máquina de Morel para o tempo atual, onde as
pessoas e seus objetos estão inseridos no ciberespaço. O nosso
Morel quer viver para sempre e descobre uma maneira de se
transportar para essa nuvem digital onde permanecerá como
digitalização para sempre, sem saber que aos poucos, no mun-
do real, ele desaparecerá. Quando Bioy Casares escreveu sobre
o seu Morel, em 1940, ele também discutia o poder da imagem,
da representação, e da criação de simulacros, porém em uma
época em que a TV estava dando os seus primeiros passos e a
reprodução de imagens estáticas e em movimento – era vista
por muitos como uma espécie de “ladrão de almas”. Hoje em
dia, a discussão se dá justamente através da banalização na
reprodução de imagens.
Nosso projeto se desenvolveu em três capítulos: o primeiro
é a fundamentação teórica, onde selecionamos uma bibliogra-
fia para ir um pouco mais a fundo na questão da narrativa e
da interatividade nos ambientes virtuais, e onde fizemos um
pequeno histórico sobre a imersão no cinema, vídeo, video-
game e nos novos formatos. O segundo capítulo é o projeto
A Ilha de Morel, roteiro da nossa experiência baseada no livro do
Bioy Casares, com referências visuais dos ambientes e do clima.
O último capítulo é uma conclusão sobre o processo de adap-
tação e da criação de um roteiro para um formato que está em
constante mudança, e não possui uma fórmula específica. É um
pensar sobre o fazer.
| A ilha de Morel16
A Invenção de Morel (La
Invención de Morel), do
argentino Adolfo Bioy Ca-
sares, é uma história nar-
rada em primeira pessoa,
no formato de um diário
de um fugitivo que encon-
tra em uma ilha – aparen-
temente deserta – o seu
exílio. A ilha surpreende o personagem com suas construções
inusitadas – nela, além de toda a farta vegetação, estão um mu-
seu, uma capela e uma piscina - e com os seus habitantes que
revelam aos poucos um comportamento estranho e repetitivo.
O fugitivo espanta-se ao perceber que aquele grupo de pessoas
surge de tempos em tempos e exerce a mesma sequência de
atividades de maneira idêntica e em repetição sucessiva.
Curioso com o comportamento anormal dos personagens da-
quela ilha, o personagem vai atrás de alguma resposta e en-
2. A Invenção de Morel
“Acho que essa gente não me veio procurar; talvez nem me tenham
visto. Mas continuo o meu destino; estou desprovido de tudo, confinado
ao lugar mais escasso, menos habitável da ilha; a pântanos, que o mar suprime uma vez por semana.”
(CASARES, 1940, p.13)
A ilha de Morel | 17
contra algo que transforma completamente
toda a sua percepção do espaço e tempo. Se-
guindo os passos dos habitantes – em especial
de uma, Faustine, que chama sua atenção e
desperta uma espécie de paixão platônica no
fugitivo – percebe que aquelas pessoas não
o enxergam, e possuem um comportamento
quase fantasmagórico. Em alguns dias, tudo
desaparece, e a ilha se torna inabitada e aban-
donada – com peixes mortos nas construções,
a piscina suja. E em outros dias está cheia de
gente, em ordem.
O fugitivo então vai atrás de alguma res-
posta que possa explicar os acontecimentos e
encontra Morel – inventor de um aparato que
simula a utopia da eternidade: uma máqui-
na que é capaz de gravar a vida humana (as
pessoas, os sentimentos, as sensações – sua
alma) e depois reproduzi-la, em forma holográ-
fica. Desse modo você vive para sempre preso
nesse simulacro, nessa representação – junto
com sua alma, seus sentimentos, de uma cópia
imperfeita que, tomando para si um atributo
mitológico ligado ao um “suspeito poder da
fotografia”, retira a vida das pessoas. A única
parte da máquina que assusta a todos é que
a reprodução faz com que a imagem-original
acabe, morra. “A vida real, uma vez duplica-
da, começa a perder densidade ontológica, até
que seu peso de realidade se iguale a zero,
enquanto as projeções tomam vida própria,
assumindo um estranho estatuto de realidade
em relação ao qual o fugitivo define suas ex-
pectativas; este, finalmente decide duplicar-se
e editar-se dentro da projeção eterna” (ECHE-
TO; SARTORI, 2001, p.11). Características que a
obra de arte assume ou tem em si imputada
pelo processo de banalização característico da
indústria cultural (BENJAMIN, 2002).
Morel explica a sua invenção com detalhes
em um manuscrito, e o protagonista se baseia
em suas palavras para criação de deduções e
explicações. A máquina trata de uma especu-
lação entre imagem e mundo real – e funciona
a partir dos movimentos das marés, que não
são totalmente reguladas sendo interrompida
em alguns momentos - que para o fugitivo é
perfeito para a exploração e descoberta da
ilha, de Morel e seus segredos. A ilha é um
espaço da utopia da eternidade, da imortalida-
de – e o personagem se enche de curiosidade e
vontade de passar o resto dos seus dias sendo
projetado do lado de sua paixão e se entrega
à experiência de Morel, deixando em suas úl-
timas palavras um suplício para que alguém
descubra se sua experiência de se projetar en-
tre as projeções foi bem sucedida.
| A ilha de Morel18
A Ilha de Morel é uma experiência interativa
virtual, que será veiculada na web por meio de
um website. O cenário é uma ilha que possui
duas construções: uma piscina e um museu.
Nessa ilha vivem personagens estranhos que
agem de maneira repetitiva e não conseguem
enxergar o interator. O principal morador é
Morel, um cientista que buscou uma maneira
de eternizar a vida e para isso criou uma ilha
como um espaço virtual para onde transportou
alguns de seus amigos e a si próprio por meio
de uma digitalização. Ou seja, a ilha não existe
no mundo real, é uma espécie de nuvem com-
putacional1 onde não só estão todos os arquivos
da sua vida e memória como a própria pessoa,
uma espécie de conversão do mundo real para
o virtual. O website que o interator irá acessar
é o portal dessa nuvem-ilha por onde você pode
acessar a experiência.
Ao entrar no website, o interator pode in-
formar o seu e-mail para conectar-se com suas
contas de Facebook, Vimeo, Youtube, Flickr e
Twitter. Ao acessar a ilha, ele verá o videoclipe
introdutório, com cenas dos personagens em
volta de uma piscina, dançando em looping. A
imagem é sombria, com alguns grafismos digi-
3. A Ilha de Morel
1 “O conceito de cloud computing refere-se à utilização da memória e das capacidades de armazenamento e cálculo de computadores e servidores compartilhados e interligados por meio da Internet, seguindo o princípio da computação em grade. O armazenamento de dados é feito por sites que poderão ser acessados de qualquer lugar do mundo, a qualquer hora, não havendo necessidade de instalação de programas ou de armazenamento de dados. O acesso a programas, serviços e arquivos é remoto, através da Internet - daí a alusão à nuvem. O uso desse modelo (ambiente) é mais viável do que o uso de unidades físicas. Num sistema operacional disponível na Internet, a partir de qualquer computador e em qualquer lugar, pode-se ter acesso a informações, arquivos e programas num sistema único, independente de plataforma.” – (WIKIPEDIA, 2011)]
A ilha de Morel | 19
tais e clima misterioso. Logo em seguida, ele
é introduzido ao diário, que é uma janela fixa
durante toda a experiência – um menu, com
algumas informações que ajudam no entendi-
mento e desenvolvimento da narrativa. A partir
do diário ele pode então explorar o museu: um
hall com quatro portas, que levam a quatro cô-
modos diferentes. No final de cada cômodo, o
interator pode voltar ao hall e escolher outra
porta. Os cômodos são: a Sala dos Aquários,
que representa o estudo do Morel; o Escritó-
rio das Memórias, onde todas as lembranças
do personagem estão armazenadas; a Sala das
Escadas, que resume a parte técnica da má-
quina de digitalização e o processo de criação
da “ilha-nuvem” do Morel, e o Corredor, onde
acontece a digitalização propriamente dita do
interator. Durante a exploração dos ambientes,
algumas páginas serão liberadas no diário, per-
mitindo uma aproximação do interator com o
Morel. Através delas, ele poderá perceber algu-
mas características daquela experiência vivida
– sempre de forma indireta, através de sons,
animações e escritos.
Depois de passar pelo Corredor, o intera-
tor é então “transportado” para aquele mun-
do digital onde um cômodo está dentro do
outro. Ele passa novamente pelas salas, mas
dessa vez os elementos não representam
mais o Morel, e sim ele mesmo. A partir das
informações coletadas pelo e-mail, o cenário
muda: fotos, textos e contatos do interator
aparecem nos cômodos, de diferentes ma-
neiras. A exploração dos ambientes se torna
mais rápida, possui menos elementos clicá-
veis, o espaço do hall não existe mais e agora
o interator passa de sala em sala, até chegar
novamente no corredor, onde tudo começa a
se repetir até que o interator é apresentado
à duas escolhas finais: compartilhar a experi-
ência por e-mail ou redes sociais ou continuar
explorando o ambiente em looping.
| A ilha de Morel20
Antes da elaboração do projeto, foi preciso
entender um pouco sobre esses novos conte-
údos e como a interatividade pode se dar ne-
les. Só assim conseguimos nos decidir por um
formato – ou a combinação deles - e os objeti-
vos da nossa experiência. Percebemos então
que estávamos no meio de uma teorização
que ainda está sendo criada, é muito atual
e, portanto, em constante mudança, pesqui-
sa, exploração e exposição. Muitas pessoas
estão pensando as novas mídias, suas pos-
síveis narrativas e tentando criar métodos,
meios, jeitos de se entender algo que possui
muitas possibilidades.
A palavra multimídia pode estar datada,
mas uma das formas de pensá-la é como um
formato de apropriação das novas tecnolo-
gias para a reprodução de imagens e sons e
a possibilidade de criação de uma narrativa
audiovisual interativa. Sentimos constante ne-
cessidade de atribuir termos preexistentes, na
tentativa de catalogar experiências de cross-
media e conteúdo de videogames, instalações,
sites, performances, entre outros, nos quais se
usa mais de uma mídia, imagens eletrônicas,
digitais, além de técnicas recentes e muitas
vezes inovadoras. Em toda a história do audio-
visual, e da própria produção e reprodução de
imagens, vemos esse processo de catalogação,
4. Fundamentação teórica
“No terreno dos modernos meios audiovisuais, ‘linguagens’ nunca
são fenômenos naturais, como são ou parecem ser (...) tudo pode ser descrito em termos
de fenômeno cultural, ou seja, como decorrência de um certo
estágio de desenvolvimento das técnicas e dos meios de expressão, das pressões de
natureza socioeconômica e também das demandas
imaginárias, subjetivas, ou, se preferirem, estéticas, de uma
época ou lugar” (MACHADO, 1997, p.30).
| Apresentação bibliografia
A ilha de Morel | 21
que pretende explicar e inserir determinadas
obras em um grupo para assim poder analisá-
-las e refletir sobre elas.
Elaboramos então uma bibliografia que
pretende nos inserir nesse universo e em
seus possíveis caminhos. Partimos da aná-
lise do conceito de crossmedia, pontuada
principalmente pelos autores Jay David Bol-
ter e Richard Grusin no livro Remediation:
Understanding New Media, de Drew David-
son em Cross-Media Communications: An In-
troduction to the Art of Creating Integrated
Media Experiences e pelo Henry Jenkins em
Cultura da Convergência.
Acabamos sentindo a necessidade de vol-
tar um pouco no tempo para perceber a rela-
ção da imersão e da posição do espectador/
interator desde o começo do cinema. Elabora-
mos um panorama que pontua simples e bre-
vemente a mudança da posição do espectador,
dos primeiros experimentos com imagens em
movimento até o surgimento do vídeo - onde
começa a se desenhar um tipo de linguagem
pautada em um novo dispositivo. Entramos
também na questão de narrativas interativas
no videogame, que é atualmente a referência
deste formato. Estudar a linguagem foi impor-
tante para entrarmos, enfim, na forma. Para
essa exposição, usamos como base bibliográ-
fica os livros Pré-Cinemas e Pós-Cinemas, de
Arlindo Machado e O Discurso Cinematográfi-
co, de Ismail Xavier. Contamos também com a
leitura de textos de Philippe Dubois, reunidos
no livro Cinema, vídeo, Godard especificamen-
te na área de vídeo. Para as questões mais
ligadas à área de videogame nos baseamos
nos autores Eric Zimmerman e Katie Salen em
Rules of Play e no livro-tese Vídeo Games do
Alan Richard da Luz.
Analisamos alguns formatos e suas prin-
cipais características; discutimos um pouco
sobre o sujeito/interator e imersão, concei-
tos importantes para nossa breve discussão
sobre A Invenção de Morel, e algumas carac-
terísticas da narrativa hipermidiática. Para
este panorama, nos fundamentamos em di-
versos textos do livro organizado por Kátia
Maciel Transcinemas, em O Sujeito na Tela,
de Arlindo Machado, no texto Imersão, do
autor Oliver Grau e no The Language of New
Media, de Lev Manovich. Para a parte de in-
teratividade, voltamos para alguns estudos
sobre jogos e videogames, do Rules of Play
e também de manuais de roteiros como De-
sign de Games – Uma abordagem prática do
Paul Schuytema e Interactive Storytelling:
Techniques for 21st Century Fiction do
Andrew Glassner.
| A ilha de Morel22
É complicado definir as novas mídias e pontuar suas inúmeras
ramificações em um mundo em que os meios de comunicação e
entretenimento são pautados pelas novas tecnologias. O termo
mídia surgiu a partir da criação de novas maneiras de comuni-
car-se além da forma oral - o boca-a-boca - e o termo multimídia
das primeiras experiências de hibridização de formatos audiovi-
suais. Hoje em dia é difícil distinguir o que não é multiplatafor-
ma, o que se finca em somente um formato – as possibilidades
surgem a partir da combinação de mídias, linguagens e formas.
Faremos um pequeno recorte de alguns processos de hibri-
dização entre diferentes mídias, nos apropriando de conceitos
de entretenimento, imersão e interatividade. O breve histórico
| Intersecção das mídias
“Todas as manifestações da vida intelectual do homem podem ser concebidas como uma
espécie de linguagem, e esta concepção, segundo um método verdadeiro, perspectiva em geral outras questões. (...) Numa palavra: toda e qualquer comunicação de conteúdos é linguagem, sendo a comunicação através
da palavra apenas um caso particular, subjacente a conteúdos humanos ou que
nele se baseiam (justiça, poesia, etc.). Mas a existência da linguagem não se
estende apenas por todos os domínios de manifestação espiritual do homem que, em
qualquer sentido, contém sempre língua, mas acaba por estender-se, pura e simplesmente,
a tudo.” – (BENJAMIN, 2002, p.35)
A ilha de Morel | 23
pontua a intersecção entre o cinema, jogos
digitais interativos e experiências imersivas.
Nosso processo de elaboração do roteiro to-
mou forma a partir dessas linguagens, e tenta-
mos desenvolver uma fundamentação teórica
que andasse junto com a criação e adaptação.
As linguagens se misturam, formando
conteúdos crossmedia, termo bastante es-
clarecedor sobre movimento onde as mí-
dias se cruzam – dando origem a uma nova
linguagem, um novo formato. Esses novos
formatos podem oscilar entre a opacidade e
a transparência da mídia e de sua interface
(BOLTER, GRUSIN, 1999). Esse hibridismo é
chamado pelos autores Jay David Bolter e Ri-
chard Grusin de “remediação” e se dá através
de dois conceitos essenciais: a imediação –
experiência onde o interator/espectador está
completamente imerso pela narrativa, em
uma linguagem transparente, como acontece
no cinema clássico. E hipermediação, onde a
plataforma é clara e opaca, onde o ponto é
justamente perceber e interagir com a lingua-
gem, como acontece nos videogames e expe-
riências interativas.
O processo árduo de tornar a mídia invi-
sível tem justamente o efeito contrário, o de
chamar a atenção à técnica de seu produtor,
fazendo os olhares se voltarem novamente
para a interface e reafirmando a sua condição
de mídia - por mais paradoxal que pareça, a
tentativa de alcançar uma imediação trans-
parente acaba por nos levar a uma hiperme-
diação. (BOLTER, GRUSIN, 1999. p. 25)
O autor Henry Jenkis também fala da
convergência das mídias e diz que “a con-
vergência não ocorre por meio de aparelhos,
por mais sofisticados que venham a ser. A
convergência ocorre dentro dos cérebros de
consumidores individuais e em suas inte-
rações sociais com outros. Cada um de nós
constrói a própria mitologia pessoal, a partir
de pedaços e fragmentos de informações ex-
| A ilha de Morel24
traídos do fluxo midiático e
transformados em recursos
através dos quais compreen-
demos nossa vida cotidiana.”
(JENKINS, 2009, p. 131)
A comunicação cross-mi-
diática não é algo novo: suas
raízes estão na origem da co-
municação, uma vez que his-
tórias, até então transmitidas
oralmente, ultrapassam o
boca-a-boca e são adaptadas
para outras formas de repre-
sentação. Podemos conside-
rar crossmedia - ainda antes
da invenção do computador
- representações de histórias
desenhadas em túmulos da
antiguidade; experiências,
apresentações, performan-
ces ao vivo (show, teatro,
happenings, etc), em que
dá-se o aval ao público para
que participem ativamen-
te - o chamado rompimento
da “quarta parede” imaginá-
ria; desenhos animados que
dão origem a bonecos com
as formas dos personagens;
campanhas publicitárias e
merchandising de peças de
teatro, shows, livros, filmes,
que tomam proveito de toda
e qualquer mídia disponível
para divulgar seu produto e
assim atingir o maior número
de pessoas possível.
Com o rápido avanço da
tecnologia digital e os níveis
de interconectividade que
isso possibilitou, a natureza
e utilização da comunicação
crossmedia sofreu mudan-
ças. A web tornou-se para
muitos o veículo que mais
acessamos (somos capazes
de estar conectados à rede
e fazer uso da conexão a
todo o momento), podemos
utilizá-la para diversas fun-
cionalidades, dentre elas
compartilhar ideias, projetos,
experiências: um meio fértil
de convergência das mídias.
A ilha de Morel | 25
As primeiras experiências de projeção pública com imagem em
movimento – em meados do século XIX - eram cenas curtas, do
cotidiano, exibidas apenas como uma atração no meio de mui-
tas, em Vaudevilles, feiras de entretenimento que reuniam um
público popular, formado por operários e imigrantes. Os filmes
duravam poucos minutos e eram em boa parte registros da vida
real, normalmente em um só plano aberto. As apresentações
que se seguiam, contavam com um narrador ou com ajuda de
cartelas que explicavam o que estava acontecendo. Não havia,
ainda, uma linguagem que fosse autônoma o suficiente para
contar essas histórias sem ajuda de comentários. Com o desen-
volvimento da técnica, começaram a ser feitos filmes um pouco
mais longos, mas ainda assim, compostos por planos simples e
com caráter de entretenimento que passavam em Nickelodeons
– exibição de pequenos filmes em uma sala (talvez a primeira
ideia de sala-escura, como conhecemos hoje) pelo preço de um
níquel (MACHADO, 1997).
Esse cenário começou a mudar quando os realizadores ame-
ricanos perceberam o potencial industrial e comercial que o
cinema poderia ter, e para isso precisava alcançar um público
mais economicamente estável, mais burguês, que poderia in-
vestir nesse setor. Criou-se um cinema mais culto, para con-
tar histórias, ser narrativo assim como o teatro e a literatura.
“O cinema tinha de aprender a contar uma história, armar um
conflito e pô-lo a desfiar-se em acontecimentos lineares, encar-
nar esse enredo em personagens nitidamente individualizados
e dotados de densidade psicológica.” (MACHADO, 1997, p.67).
| Experiências imersivas: do cinema à experiência em si
| A ilha de Morel26
Para atingir esse novo público, o cinema tinha que ser mais
do que entretenimento. Precisava emocionar, contar uma histó-
ria que fosse coerente com a vida real; enredos desenvolvidos
que prendessem o espectador a fim de criar uma identificação
entre ele, os personagens e a narrativa. Começa-se então se a
desenvolver uma linguagem – que logo substituiria as cartelas
e comentários para contar uma história e transmitir seu misè-
-en-scene. Esse novo cinema se apropria das características da
fotografia (enquadramento, luz e sombra, perspectiva, etc) e,
através da montagem idealizada por Eisenstein, poderia mani-
pular o espaço e o tempo para criar histórias paralelas e criar
assim novos significados à imagens justapostas, guiando o en-
tendimento do espectador sobre a narrativa.
Busca-se a transparência, um jeito de imergir e ilusionar o
espectador. A decupagem linear, o uso de atores e cenários
realistas e o uso de gêneros narrativos de fácil acesso como
melodrama, ação e aventura são elementos que estão na base
desse cinema canônico (XAVIER, 1989). Essa transparência é
essencial, em nenhum momento o dispositivo pode ser revela-
do, não há quebra de eixo, elementos não naturalistas – nada
que disperse o espectador e que o tire de sua ilusão na sala
escura. A linguagem é domesticada, linear, lógica. Cria-se então
uma nova condição do espectador, que se identifica e imerge na
narrativa, elucidando essa capacidade do cinema em produzir a
impressão de realidade.
Essa linguagem foi completamente absorvida pela indús-
tria cinematográfica e é usada até hoje, mas não é a única:
ao mesmo tempo em que foi sendo desenvolvida, ela também
foi quebrada por muitos artistas e pensadores. Era um outro
potencial da imagem do cinema, muito mais artístico, poético,
vanguardista. Se uma imagem já estava carregada de significa-
dos e conceitos, a ideia de 24 imagens por segundo era elevar
o potencial da arte. Surge então a vanguarda do cinema, que
se apropria da multiplicidade de pontos de vista – o mundo
A ilha de Morel | 27
pode ser visto e reproduzido de várias maneiras, não havendo motivo para ser
realista. É um novo cinema, que quebra com os padrões e se inspira muitas
vezes na arte moderna. O cinema poético acaba tomando várias formas, vários
“ismos” (XAVIER, 1947). Essa vanguarda é muito forte na década de 20 e possui
diversas caras e movimentos.
Décadas depois, quando a linguagem canônica já está consolidada e já pos-
sui um mercado forte, surge o cinema moderno que inverte os padrões e se
apropria muitas vezes de elementos e questões já apontadas pelas vanguar-
das. Nesta forma de cinema, a linguagem está no acting, planos e cortes. Nele
você enxerga o dispositivo, os atores olham para a câmera, existem quebras
de eixo, entre outras coisas - tudo para fazer com que o espectador saia da sua
posição confortável e ilusória. Surge nos anos 60, com a juventude que quer
lutar pelos seus direitos, quer ter sua própria voz. É um cinema de experiên-
cias e experimentos.
Com o aparecimento de novos dispositivos - como o vídeo – cria-se uma
linha tênue entre cinema e artes visuais, e muitos cineastas começam a se
aventurar no campo plástico e vice-e-versa, com experiências que vão além da
tela do cinema. Abre-se um leque de possiblidades entre a combinação da ima-
gem plástica e do recurso do vídeo. “seu interesse não está na representação e
sim na intensidade e duração das imagens” (PARENTE, 2009, pg. 38).
Alguns cineastas também começam a utilizar imagens eletrônicas, o que
acaba dando um novo significado para a representação audiovisual. É uma
imagem-dispositivo, não narrativa, plástica, opaca. Possui uma característica
de novidade, de tecnologia. “Numa palavra, a arte do vídeo tende a se confi-
gurar mais como processo do que como produto e essa contingência reclama
um tratamento semiótico fundamentalmente descontínuo e fragmentado”
(MACHADO, 1997).
O vídeo surge como um dispositivo, pensado como imagem, objeto, ponte
entre o audiovisual e as artes plásticas (DUBOIS, 2004). É a arte da sobreim-
pressão das imagens, das janelas, da composição de imagem (ao contrário do
“As telas se acumularam a tal ponto que apagaram o mundo. Elas nos tornaram cegos pensando que poderiam nos fazer ver tudo. Elas nos tornaram insensíveis pensando que poderiam nos fazer sentir tudo.” (DUBOIS, 2004, p.64).
| A ilha de Morel28
cinema, que pensa em escalas de planos), da espessura da ima-
gem, da mixagem, da textura; ao mesmo tempo, no início de seu
desenvolvimento, a qualidade da imagem digital era precária,
sem detalhamentos, nem profundidade de campo, característi-
cas que se potencializavam na tela pequena em que geralmente
os vídeos eram exibidos. As exibições tendiam a ocorrer em
locais ao ar livre, espaços públicos, museus, exposições; locais
onde pessoas estão de passagem e podem ser fisgadas pela
imagem exibida. A atenção do espectador diante da imagem
videográfica por vezes se dispersa e é fragmentada, consequên-
cia de suas subjetividades, abstrações, narrativas não lineares e
ausência de narrativa.
Com o surgimento da tecnologia digital, a “impressão de
realidade” se expande à “impressão da presença” (PARENTE,
2009) e, por vezes, o usuário experimenta a simulação da
sensação de realidade. É a simulação além da representação.
Podemos observar diversos tipos de manifestações que rela-
cionam o audiovisual com imagens eletrônicas e digitais ou
novos meios de representações, não mais pautado no cinema
- seja ele clássico ou moderno.
“O videogame foi a primeira mídia a permitir o jogo num espaço diegético navegável em uma tela, o primeiro a permitir o controle de avatares com influência direta nos elementos em jogo.” (WOLF, 2003, p. 27)
O videogame é um jogo eletrônico e pode ser visto como
uma dessas manifestações. Ainda considerado assunto novo
nos meios acadêmicos, não constitui uma vertente de estudo
única e sólida e, portanto, acomoda hoje diferentes abordagens.
É uma arte híbrida, já que une em sua linguagem gráfica ele-
mentos oriundos do cinema, animação, quadrinhos, literatura,
jogos de tabuleiro, entre outros, e permite diferentes campos
de estudo. Tornou-se “laboratório de exploração da convergên-
cia entre os meios ligados ao entretenimento e lazer” (ALAN,
A ilha de Morel | 29
2007, p.18) criando poderosas interfaces de comunicação cross-
media. Os recursos tecnológicos disponíveis ditam os caminhos
possíveis e os limites da construção gráfica e, consequente-
mente, linguagem do jogo. Suas etapas de desenvolvimento
são pautadas pelas tecnologias dos processadores2 disponíveis
e sua evolução.
O surgimento da quinta geração do video game – em mea-
dos da década de 1990 - trouxe mudança expressiva na arqui-
tetura e experiência vivenciada nos games; até então, com os
processadores de 16 bits, apesar de comportarem cenários e
elementos 3D, eram baseados em tecnologias tradicionais 2D.
Ou seja, pouco realistas, com ângulos de visão limitados e a
distância entre o jogador e o jogo maior. Com esse avanço, era
possível criar gráficos tridimensionais (pequenos triângulos que
funcionam como “átomos” - quanto mais triângulos, menor é
seu tamanho, maior sua invisibilidade e maior sua exigência de
processamento), possibilitando assim um maior potencial para
a criação de narrativas mais ricas e de ambientes mais imersi-
vos (ALAN, 2007).
Com isso, firmou-se a busca pelo “pixel invisível” e a proximi-
dade com os recursos utilizados em linguagens baseadas na re-
presentação da realidade: aprimoramento da imagem – empre-
go de fotografias e técnicas cinematográficas. Surge então uma
riqueza na arquitetura dos cenários, utilização de recursos dos
movimentos da câmera cinematográfica, efeitos fotográficos a
fim de garantir profundidade narrativa - recursos que auxiliam
a criação de mundos / ambientes fantásticos, mais camadas e
significação a cada jogo e maior imersão. (ALAN, 2007)
2 Nota de rodapé: processador: todo computador possui pelo menos um pro-cessador; eles servem basicamente para executar cálculos e operações lógicas, algébricas e matemáticas; tomar decisões; executar novas instruções baseadas no veredicto da decisão.
| A ilha de Morel30
Nos novos meios digitais, há uma substituição da figura narra-
dora que apresenta os acontecimentos da diegese. A narrativa
– ao invés de inteiramente dada – surge como um campo de
possibilidades – repertório de situações – em que o interator irá
optar por qual caminho seguir. Ele se torna sujeito que se deixa
imergir e agenciar naquela narrativa através da manipulação da
máquina e a máquina torna-se o “ser manipulado” representado
e traduzido em ações na tela (MACHADO, 2007).
Os ambientes e seres virtuais podem ou não ser alterados
pelo personagem-usuário. O programa estabelece um univer-
so – com regras e condições para os acontecimentos possíveis
onde o sujeito interage (MACHADO, 2007). Nas mídias tradicio-
nais não temos nenhum poder sobre o que acontece. Nas novas
mídias o mundo é modificado a partir da nossa participação.
Essa sensação de decisão e escolha experimentada pelo inte-
rator pode ser chamada de agenciamento: “agenciar é experi-
mentar um evento como o seu agente” (MACHADO, 2007, p.90).
Entretanto, esta participação dinâmica não indica que o inte-
rator é o agente absoluto dos acontecimentos, o que nos leva
a um questionamento da construção da narrativa nas novas
mídias. Pensar a narrativa nos ambientes digitais é levar em
conta o grau de agenciamento do sujeito em relação à obra e da
obra em relação a ela mesma. Sendo assim é essencial pensar
até que ponto o interator pode ou não interferir, modificar ou
dar andamento à narrativa e qual o campo disponível de frag-
mentos soltos em que ele pode se deixar agenciar.
“A tecnologia se dá não como
um objeto, e sim como um espaço
a ser vivido, experimentado,
explorado, ou seja, trata-se de máquinas
relacionais em que as noções de
simulação, cognição e experiência
ganham novos contornos”
(DUBOIS, 2004, pg. 67).
| O mundo digital
A ilha de Morel | 31
Neste tipo de narrativa é
essencial compreender o con-
ceito de imersão. Somente
imerso na experiência, que o
interator continuará o agen-
ciamento, dando continuidade
à narrativa. Desde o surgimen-
to do cinema já se falava na
importância da sala escura,
tela grande, e depois o som
alto para fazer com que os
espectadores entrassem na
história e se identificassem
com os personagens. Tudo
isso para gerar o que um dos
autores que analisamos, Oliver
Grau, caracteriza como imer-
são a “diminuição da distância
crítica do que é exibido e o
crescente envolvimento emo-
cional com aquilo que está
acontecendo” (2007, p.19).
Existem diferentes graus
de imersão: o observador
pode desde interagir com
simples comandos que de-
sencadeiam determinada
narrativa até se transpor-
tar à ilusão de estar em um
mundo natural, o que seria
a imersão total. “A intenção
[das realidades virtuais] é
instalar um mundo artificial
que proporcione ao espaço
imagético uma totalidade
ou, pelo menos, que preen-
cha todo o campo de visão
do observador” (GRAU, 2007,
p.24). Estes espaços imersi-
vos virtuais podem oferecer
ao espectador-observador
uma espécie de mimese da
imagem com a mídia. Mi-
mese que surge a partir da
construção de um cenário
virtual com precisão de de-
talhes – um espaço de ilusão
que compõe uma estrutura
de efeitos sinérgicos.
Para Grau, a ilusão em am-
bientes virtuais pode ocorrer
de duas maneiras: uma mais
clássica, decorrente de ilusão
– como no cinema, jogos, etc.
E outra que seria a “inibição
temporária da percepção de
diferença entre realidade
e espaço imagético” (2007,
p.24) . Este poder sugestivo
consegue, por algum tempo,
suspender a relação entre
sujeito e objeto, e o “faz-de-
-conta” surte efeitos sobre a
consciência. Para Machado,
essa sensação de imersão
se dá a partir de dois meios
diferentes que ajudam na
construção da narrativa pelo
agenciador: o avatar e a câ-
mera subjetiva. Ele fala tam-
bém de uma terceira forma,
que é uma junção das duas
formas anteriores (2007).
O avatar é uma espécie
de alter-ego do interator, e
| A ilha de Morel32
ele exprime uma necessidade de dar vazão a
identidades múltiplas e muitas vezes reprimi-
das. É um personagem construído ou já dado
pela máquina que é controlado pelo interator.
A câmera subjetiva é a maneira mais po-
derosa de se fazer com que o espectador se
sinta “dentro” do ambiente virtual, incorpo-
rando um olhar já presente e previsto na ima-
gem, o olhar de uma personagem virtual ou
potencial que ele próprio, o interator, assume
ao penetrar no sistema. A câmera subjetiva
insere o espectador dentro da cena e se tor-
na o personagem principal da narrativa.
A possibilidade de alternância entre os
pontos de vista, bastante utilizada em ga-
mes, simuladores e outros, oferece ao inte-
rator maior deslocamento, potencializando a
funcionalidade de diversas câmeras, em rela-
ção ao seu avanço na obra. É possível apon-
tar alguns tipos de manifestação - como em
simuladores de corridas de carros, onde o in-
terator pode escolher e alternar entre primei-
ra e terceira pessoa, em videogames em que
o usuário pode ser representado na cena por
vários avatares ao mesmo tempo, jogos de
ação em que o usuário além de poder estar
representado por vários avatares, também
pode alternar câmeras subjetivas, com pla-
nos gerais, aéreos, em terceira pessoa, entre
outros (MACHADO, 2007).
A ilha de Morel | 33
Uma das primeiras formas de se pensar em
novas mídias e em narrativas interativas é
interpretá-las como um novo tipo de cinema,
que vá para além da tela grande e da sala es-
cura. É possível apontar a radicalização dos
processos de hibridização entre diferentes
mídias - obras que se apropriam de mais de
uma plataforma audiovisual - muito usado em
instalações, experiências artísticas, sites que
utilizam diversos formatos para contar uma
história. A questão da interatividade é muito
forte nesses novos meios - no cinema intera-
tivo onde o interator pode definir a ordem e
o fim da narrativa; em videogames onde essa
interatividade é essencial, a relação jogador-
-jogo vai além da identificação e manipulação
do personagem principal e se relaciona direta-
mente com a linguagem do jogo para avançar
na narrativa. As possibilidades são inúmeras,
e o digital possui um potencial muito grande
– isso por causa de alguns elementos e carac-
terísticas específicas das novas mídias, o inte-
rator e a imersão.
Durante o processo, nos deparamos muitas
vezes com a questão da experiência e a rela-
ção dela em jogos e outros projetos interati-
| A interatividade no mundo digital
vos. Em Rules of Play são abordados aspectos
fundamentais da experiência: ela pode se ba-
sear em uma apreensão de um objeto através
de emoções e da participação ativa em um
determinado evento ou atividade. Essa parti-
cipação se dá a partir de reações visuais, audi-
tivas, motoras, de concentração, aprendizado,
etc. (ZIMMERMAN, SALEN, 2004)
A participação do interator é baseada em
escolhas e no processo recíproco de ação e
reação. Essa relação é a base da experiência
e pode determinar a jogabilidade de um jogo.
O grande desafio é que o designer não cria di-
retamente a experiência. A jogabilidade é uma
propriedade emergente que surge enquanto o
jogador se relaciona com o sistema.
Um jogo – seja ele digital ou não – se baseia
muito na questão da interatividade. Isso por-
que o ato de jogar não é uma via de mão única
e depende da relação recíproca de jogador e
jogo. Essa relação é determinada pelas regras
e pela construção de um sistema baseado em
ação e reação. Segundo Zimmerman e Salen
em seu livro Rules of Play, um jogo possui
muitos níveis de interatividade: pode aconte-
cer de modo funcional, que é a relação entre
| A ilha de Morel34
jogador e o sistema visual do jogo; explícita
- que é manifestada através da escolha do jo-
gador e até de uma maneira social, que é a re-
lação do jogador com o universo e temática do
jogo e com outros jogadores (ZIMMERMAN,
SALEN, 2004)
A interatividade é pautada através das
escolhas do jogador. E essas escolhas estão
inseridas dentro de um sistema de regras e
universo temático que cria o contexto e conse-
quentemente a narrativa. Essas escolhas po-
dem ser feitas em um momento e determinam
uma reação específica – em um âmbito micro
– assim como também podem causar reações
que afetam todo o contexto do jogo (macro).
É essa relação de ação e reação que deter-
mina o andamento da experiência e as esco-
lhas futuras. É muito importante que o joga-
dor sinta que suas decisões são importantes e
significativas podendo assim dar continuidade
ao jogo. As escolhas precisam se apresentar
de maneira clara, assim como a reação pos-
terior. Além das escolhas, o jogador precisa
estar inserido em um sistema de regras que
deixam o jogo único e possível de ser jogado
universalmente. Estas regras precisam ser ob-
jetivas e não podem ser ambíguas.
A ilha de Morel | 35
A partir da busca por referências das mais di-
versas naturezas nosso trabalho de conclusão
de curso foi tomando forma. Encontramos nes-
sa busca um campo de estímulo e inspiração
para criar, auxiliar e transformar nosso projeto
até o final deste processo. A primeira referên-
cia veio muito antes da escolha do livro e do o
que se tornaria o projeto final, surgiu como a
primeira motivação para entrarmos no univer-
so das novas mídias. O Wilderness Downtown
(MILK, 2010) é uma obra virtual e interativa fei-
to para a banda canadense Arcade Fire. Com
um conceito inovador de videoclipe, é veicu-
5. Referências
lado pela web e trata-se de uma experiência
do Google Chrome Experiments que relaciona
música, vídeo, animação em 3D, janelas pop-
-up e interação com o Google Maps. Ao entrar
no site o interator/espectador pode colocar o
endereço de onde passou sua infância (1), e
é então levado pela trilha por uma animação
3D que desemboca no endereço inicialmente
digitado, através do Google Street View (2). A
animação se sobrepõe ao mapa, e no final o
interator pode escrever ou desenhar um cartão
postal simbólico com alguma mensagem para
o seu “eu-jovem” que viveu lá (3) e (4).
1
2
| A ilha de Morel36
A experiência é contada através de janelas popup programadas que abrem, fecham, se interca-
lam, sobrepõem, complementam e mostram diferentes pontos de vista em um mesmo espaço de
tempo. A sensação proposta em cada batida sincronizada com as imagens e janelas pop-up, é a
de nostalgia, a experiência de estar novamente em um lugar lotado de significado de sua infância.
Wilderness Downtown foi uma referência forte do começo ao fim do projeto. Tanto pelo forma-
to como pelo clima e sensação. No caso do videoclipe, os temas de nostalgia e retorno à infância
são transmitidos de maneira sutil apesar de serem o ponto essencial do projeto. Queremos dar ao
nosso projeto o tom de mistério – herança do livro A Invenção de Morel - e sugerir uma reflexão
sobre o mundo virtual que está cada vez mais tomando conta de nossas vidas. Dividimos nossas
referências em dois subtemas: formato e clima. Como a experiência não será realizada na prática
por enquanto, nos apoiamos em referências visuais e técnicas para guiar nosso processo de cria-
ção e também tornar o projeto mais visível para quem ler. As referências visuais estão especifica-
das por ambiente no segundo capítulo.
3 4
A ilha de Morel | 37
Além de Wilderness Downtown, algumas outras referências
ajudaram no desenvolvimento do nosso roteiro: projetos virtu-
ais, veiculados na web que se conectam ou não à redes sociais,
que permitem uma experiência sensorial e interativa. Outro
projeto de Chris Milk que nos inspirou foi 3 Dreams of Black
(MILK, 2011), realizado também em parceria com o Google Chro-
me Experiments para divulgação do CD da dupla Danger Mouse
e Danielle Luppi. Ele nos leva para uma viagem onírica, que
mescla imagens em vídeo e um mundo construído em 3D ge-
nerativo - que permite a criação de espaços gráficos altamente
imersivos – que surgem por onde o interator aponta o cursor
enquanto explora os caminhos, espaços e, na segunda etapa da
experiência, as diferentes construções. No final se descobre que
as construções dispostas nos espaços na verdade são “sonhos”
originalmente construídos pelos idealizadores e é disponibiliza-
da para o interator a plataforma para criação desses elementos
em 3D que poderão ser mantidos no “mundo” do videoclipe. A
navegabilidade foi o que mais nos chamou atenção: não é muito
interativo – todos os caminhos estão já pré-determinados - mas
a possibilidade de explorar e indicar caminhos através do cur-
sor de uma maneira simples e intuitiva - além da trilha sonora
e dos elementos visuais que em si chamam atenção – são sufi-
cientes para tornar a experiência interessante e imersiva.
Um outro site nos chamou bastante atenção foi Take This Lolli-
pop (3) (ZADA, 2011), um website em que é necessária a conexão
| Formato
| A ilha de Morel38
do interator com o Facebook para que aconte-
ça a experiência. Logo é mostrado um vídeo
de um homem estranho, que começa a visua-
lizar sua página da rede social, vê suas fotos,
amigos e endereço. É uma experiência que as-
susta por mostrar quantas informações estão
sendo compartilhadas na rede social e nos faz
discutir a privacidade e o mundo social virtual.
O nosso projeto propõe parte dessa discussão
e o “medo” causado pela experiência é bem se-
melhante à sensação que queremos passar no
final do A Ilha de Morel.
Na questão da navegabilidade, um projeto
chamado The Flat (6) (CAMPBELL, 2006) pre-
sente no projeto Dreaming Methods (DIGITAL
FICTION PROJECTS, 2000) é bem esclarecedor.
O interator explora um ambiente de um flat,
liberando informações que aparecem escritas
na tela. O Dreming Methods é um conjunto de
projetos que une nova mídia e literatura. São
ambientes interativos com textos e histórias
contados com narração e escrita.
A posição do interator em primeira pessoa,
duas experiências virtuais, um videoclipe e um
filme nos chamaram a atenção: as experiências
são o The Unfinished Swan (10) (SPARROW,
2008) em que o jogador explora um ambiente
todo branco e somente quando joga tinta é
que o mundo é revelado. A outra é uma ação
criada pela água Perrier, que se chama Dita
by Perrier (4) (MOTION GRAPHICS, 2010), em
que o interator segue a burlesca Dita Von
Teese por uma mansão, em um jogo de se-
dução. O videoclipe Cinnamon Chasers - Luv
Deluxe (2) (KESHAVARZ, 2009) nos mostra
tudo no ponto de vista de um viajante e o
filme Enter The Void (11) (NOÉ, 2009) que, em
uma experiência de vida, morte e reencarna-
ção, navegamos por Tóquio através do olhar
sem barreiras do protagonista.
Uma referência um pouco mais conceitual
é a do ouroboro, um símbolo representado
por uma serpente que morde a própria cauda,
representando a eternidade. O ouroboro sim-
boliza o ciclo da evolução voltando-se sobre
si mesmo e contém ideias de movimento, con-
tinuidade, auto fecundação e, em consequên-
cia, eterno retorno. A Ilha de Morel traz muito
desses conceitos, tanto em um nível mais te-
mático – o Morel que cria uma máquina para
eternizar a vida, mas também em um âmbito
mais conceitual no seu formato: o ambiente da
experiência é um grande ouroboro, onde um
cômodo está de dentro do outro.
A ilha de Morel | 39
1 8
2 9
3 10
114
5
6
7
| A ilha de Morel40
| Clima / sensaçãoO clima do projeto é de mistério em um universo fantástico. A
repetição e o ouroboro (1) são conceitos que aparecem através
da tela. Vimos alguns vídeos e quadros que nos levaram a essas
sensações e que indicam o caminho que queremos tomar para
alcançar nosso objetivo. O curta Tango (5) (RYBCZYNSKI, 1981) é
uma animação em que pessoas repetem seus atos dentro de um
cômodo – o que nos inspirou bastante na cena externa inicial
do projeto, em que os personagens dançam de maneira repeti-
tiva em volta da piscina. O clipe da banda R.E.M, Imitation of
Life (8) (JENNINGS, 2001) também nos trouxe elementos para a
criação dessa cena.
O clima fantástico é também inspirado por dois artistas: Bos-
ch e Escher. O quadro O Jardim das Delícias Terrenas (BOSCH,
1504) é uma inspiração para a cena da piscina, com elementos
realistas, mas surreais. O quadro Convex and Concave (7) (ES-
CHER, 1955) é uma referencia para a sala das escadas. Alguns
elementos presentes da obra de Escher, como ilusão de ótica e
perspectiva, nos ajudaram na construção dos ambientes e até
mesmo da narrativa.
A ilha de Morel | 41
A ILHA DE MO-REL - O ROTEIRO
| A ilha de Morel42
1. Visão geral essencial | Introdução
A Ilha de Morel já teve muitas caras. Durante o nosso processo,
descobrimos e redescobrimos formas e tentamos criar algo que
nos instigasse. A pesquisa teórica e de referências foi essencial
para o desenvolvimento do projeto e nos ajudou a explorar o
mundo das mídias e trilhar um caminho próprio de criação de
roteiro interativo. Nos apropriamos de diferentes ferramentas
e nossa vontade era de usá-las simultaneamente. Com o anda-
mento, sentimos que era importante abrir mão de algumas coi-
sas para criar um ambiente mais imersivo do que tecnológico.
Inserimos o que encontramos de mais inspirador para con-
tar a história do Morel. De forma sensorial, interativa e – mais
do que tudo – audiovisual. O projeto é mutável, novo, fresco
e, portanto, aberto a muitas possibilidades e novas ideias que
ainda virão.
Para escrever o roteiro, não utilizamos nenhuma fórmula
pré-existente e sim um pouco da linguagem de cinema e TV,
com alguns elementos de roteiro de videogame. A metodologia
usada reflete as nossas descobertas e a vontade de misturar
um pouco de cada referência que vimos ao longo dos três anos
do curso de Audiovisual. Como não existe um único jeito de
organizar um roteiro de multimídia, tentamos criar algo nosso,
que servisse especificamente para A Ilha de Morel.
A ilha de Morel | 43
| Gênero
Um dos maiores desafios foi definir e inserir o
projeto em um gênero já estabelecido. O formato
é de uma experiência imersiva interativa, que dis-
cute temas como imortalidade e o mundo virtual.
O clima é de mistério e suspense, e com algumas
características de ficção cientifica, que aparecem
como uma camada quase invisível e sensorial.
| Público-Alvo
O projeto se destina a todas as pessoas interessadas, sem
restrição. A ideia é que seja compartilhado em redes sociais e
que seja instigante. Não é unicamente caracterizado como um
videogame, então não é indicado somente para as pessoas que
costumam jogar no computador ou em algum outro console.
Possui uma linguagem intuitiva e natural, não precisando de
nenhum conhecimento técnico específico.
| Especificações técnicas
Os ambientes e cenas serão construídos em vídeo e fotografia. Na pós-produção serão criados grafis-
mos e animações em sobreposição às imagens. O diário será produzido em Flash, assim como toda a
programação de botões e objetos interativos. A conectividade com o Facebook e outras redes sociais
se dará através da permissão que o jogador dará ao conectar-se e escolher quais dados poderão ser
visualizados. Ao colocar o e-mail, uma busca pelo Google vinculará todas as redes sociais do usuário.
Só serão acessados os dados que estiverem disponíveis publicamente. As redes sociais possíveis de
serem conectadas são: Facebook, Vimeo, Flickr, Tumblr, Wordpress, Blogspot e Twitter.
| A ilha de Morel44
| VeiculaçãoO projeto será veiculado na internet por meio de um website
em flash. A experiência é gratuita e livre para todas as pessoas.
| Possiblidades de apresentaçãoA plataforma do nosso projeto é a própria web, porém pensa-
mos também em algumas outras possibilidades de apresenta-
ção em museus, exposições ou ambientes imersivos. A experi-
ência se intensifica se vivida em um local que favoreça o som,
ou com uma grande tela. A tela pode ser projetada em uma
parede e a interação pode se dar por meio de sistemas touch
ou com joystick. Poderá também usar um computador em um
totem inserido em uma exibição de trabalhos de novas mídias.
| Enredo Morel é um cientista e filósofo que sempre se interessou pe-
las questões de vida, morte e eternidade. No fim de sua vida
construiu uma máquina capaz de digitalizar e converter a vida
humana para um ambiente virtual eterno. Para isso, se mudou
para uma ilha com alguns amigos e lá construiu uma piscina
e um museu. Durante o período de uma semana em que vive-
ram ali, aos poucos foram sendo transportados – tanto o Morel
quanto as pessoas, e inclusive a própria ilha - para o mundo
virtual em uma espécie de nuvem computacional. A ilha e seus
habitantes formaram um ambiente virtual, que será para sem-
pre “reproduzido” na internet.
Morel não queria que as pessoas e arquivos ficassem sim-
plesmente pairando pela nuvem e, sim que tivessem um espaço
para conviver. Criou uma espécie de “portal”, um programa de
computador capaz de digitalizar qualquer pessoa. Esse progra-
ma é o próprio site da experiência e o interator vivenciará um
processo único de se transportar para essa ilha.
A ilha de Morel | 45
Dentro da ilha, os personagens vivem os seus dias repe-
tidamente. Morel criou o ambiente do museu para que cada
espaço tivesse seu papel. A Sala dos Aquários concentra o co-
nhecimento e pesquisa sobre a imortalidade e digitalização.
O Escritório das Memórias carrega um pouco da memória e
lembranças das pessoas antes da viagem. Fotos, escritos, re-
cordações. A Sala das Escadas é o ambiente que discute um
pouco os limites espaciais de um ambiente virtual: tudo é pos-
sível em questão de perspectiva, aleatoriedade e programa-
ção. É o cômodo que representa as técnicas e esboços usados
pelo Morel para a criação da máquina. O Corredor é onde o
processo de digitalização acontece e sua sensação de profun-
didade infinita serve para mostrar um pouco da imortalidade.
Os ambientes foram criados em um espaço lógico – um hall
com portas que interligam todas as salas. Estes ambientes se
misturam quando o interator já faz parte dele: espacialidade
some e se transforma, e dá lugar ao labirinto sem fim de salas,
sensações e lembranças.
| A ilha de Morel46
Nosso Morel não é tão diferente assim do original, criado em
1940 pelo Adolfo Bioy Casares: os dois buscaram um meio de
eternizar a vida, e pensaram na criação de um simulacro total.
Nos anos 40, o mundo via a reprodução de imagens de uma
maneira muito diferente e já era chocante por si só pensar em
uma reprodução completamente fiel à realidade. Hoje em dia,
a tecnologia tem permitido o desenvolvimento de imagens em
3D, em altíssima resolução e ninguém se sente mais ameaçado
por essa aproximação da realidade com sua representação. O
nosso Morel discute um outro ponto, parte de uma discussão
muito atual sobre o mundo virtual e o papel da internet em nos-
sas vidas. Vivemos em um mundo cada vez menos analógico,
onde vídeos, fotos, textos, músicas não são nada mais e nada
menos do que um código binário que é lido por um processador.
O mundo digital pode ser compartilhado, explorado e desenvol-
vido por pessoas de todos os cantos do planeta, tudo ao mesmo
tempo. Essa discussão foi apropriada pelo nosso cientista, que
tentou a conversão máxima: a da própria vida.
A ilha de Morel | 47
escritório
página inicial piscina diárioSEMPRE VISÍVEL
DIGITALIZAÇÃOáquario
escadas
corredor hall
aquários
escritórios
escadas
| FLUXOGRAMA RESUMIDO
| A ilha de Morel48
2. Escopo
Janela Principal_ Onde acontece toda a nave-
gação do início ao fim.
Diário_ O Diário aparece depois da cena da
Piscina e fica visível em uma pequena jane-
la no canto inferior direito da tela. Funcio-
na como um condensador de informações e
ideias sobre a ilha e mostra um pouco sobre
Morel, as construções, seus planos e esboços.
O diário possui seis páginas, que serão re-
veladas ao longo da experiência, conforme as
escolhas do jogador. Cada ambiente libera uma
página, que são especificadas no projeto visual.
Página inicial
TRANSIÇÃO: Não tem.
IMAGEM: Ilha vista de longe com neblina.
Imagem falha às vezes (como uma TV com mal
contato). Pouca saturação.
SOM: Ruídos de vento, música tema em um
volume baixo.
OBJETOS: Não tem.
TEXTO: “Ilha de Morel. Digite o seu nome e
e-mail:” e um botão escrito “Entrar”
MECÂNICA: O jogador escreve o seu nome
e aperta o botão “Entrar”. Um botão permite
que você conecte-se com o Facebook e digite
o seu e-mail.
FUNÇÃO: Apresentar o clima e o nome
do projeto.
OBSERVAÇÃO: Algumas instruções: “Utilize as
bordas para expandir sua visão” e “Explore o
ambiente com o mouse”.
| Fluxograma Detalhado
A ilha de Morel | 49
Piscina
TRANSIÇÃO: Ao apertar o botão “Entrar”, a câ-
mera dá um zoom in na ilha, chegando até a
piscina.
IMAGEM: Vídeo. 1 minuto - Piscina coberta
de neblina. Personagens dançam em volta
dela. Gráficos sobrepostos e edição rápida e
com diferentes movimentos de câmera e pon-
to de vista.
SOM: Música antiga de gramofone em looping.
O disco está riscado e a agulha pulando no toca-
dor. A música se mistura com sons eletrônicos.
OBJETOS: Personagens / Piscina / Gramofone
TEXTO: Para voltar ao plano geral: “ESC”
MECÂNICA: O interator pode mover o enqua-
dramento ao tocar nas bordas da janela com
o cursor. Ao clicar nos objetos, ocorrerá um
“zoom in” e poderá ser visto um plano detalhe
do objeto clicado
FUNÇÃO: Apresentação do clima estranho da
ilha e seus personagens. É pra gerar curiosi-
dade e um pouco de aflição, além de instigar
o interator.
OBSERVAÇÃO: Não tem.
Diário
TRANSIÇÃO: Ao acabar o vídeo, zoom out que
revela que aquela cena faz parte de um diário,
como se fosse uma foto colada em uma das
páginas.
IMAGEM: É um diário antigo, com as páginas
amareladas e uma capa de couro.
SOM: Som das páginas passando. Ruídos que
mudam conforme o jogador passa em cima
das imagens (quando passa por cima do dese-
nho da máquina, por exemplo, é reproduzido
um som de engrenagem).
MECÂNICA: O jogador pode mudar as páginas
clicando nas bordas inferiores ou as setas para
os lados. Ele pode clicar nas imagens e elas
produzem um pequeno movimento. Poderá cli-
car na porta da foto de um esboço do museu,
para entrar no hall das portas.
OBJETOS: Foto da piscina – o vídeo dá play
quando passa o mouse por cima. / Desenhos
e esboços da máquina – engrenagem funcio-
na / mapa da Ilha – neblina se mexe quando
o mouse passa por cima / Escritos: som de
lápis escrevendo
FUNÇÃO: Apresentação do diário.
OBSERVAÇÃO: A janela do diário ficará sem-
pre visível, como um menu no canto direito da
tela. Nesse primeiro momento o jogador tem
acesso à duas páginas, e consegue ver que
existem outras quatro páginas, porém que es-
tão bloqueadas. As outras páginas são libera-
das conforme o jogador explora os ambientes.
| A ilha de Morel50
Hall
TRANSIÇÃO: A porta se abre e vemos o hall.
IMAGEM: Quatro portas de madeira fechadas. O Hall é escuro,
pé direito alto, piso coberto com carpete vinho e o papel de
parede descascado. A luz está piscando e podemos ver baratas
e ratos esporadicamente passeando por ali.
SOM: Ruídos vindo de algum dos quartos, vento forte por de-
baixo de alguma das portas, luz oscilando e mosquito batendo
na luz.
OBJETOS: maçanetas (quatro), interruptor (acende/apaga luz)
Texto: Não tem.
MECÂNICA: Nesse momento o jogador pode escolher qual por-
ta vai abrir (com o cursor poderá perceber que cada maçaneta
é um objeto clicável) e qual ambiente vai explorar.
FUNÇÃO: Escolher uma das portas para entrar nos cômodos.
OBSERVAÇÃO: Todos os quartos possuem uma porta de entra-
da para o Hall, então o jogador voltará a essa cena no fim de
cada exploração. O jogador poderá escolher a ordem dos quar-
tos que irá explorar, mas a porta do corredor só abrirá quando
ele passar por todos os cômodos.
A ilha de Morel | 51
Sala dos aquários
TRANSIÇÃO: Porta abre e o jogador entra na Sala dos Aquários.
IMAGEM: Plano Geral da sala. Sala redonda com paredes de
vidro de um aquário. No fundo uma estante com livros sobre
imortalidade, vida eterna e construção de máquinas.
SOM: Som abafado, ruídos. Música misteriosa.
OBJETOS: Peixes no aquário / Estante e livros
TEXTO: Não tem.
MECÂNICA: O jogador pode escolher dois pontos de vista. 1.
Plano detalhe dos peixes e do aquário. 2. Plano detalhe da es-
tante e dos livros. Ele faz essas escolhas com o mouse.
FUNÇÃO: Explorar o ambiente e liberar três páginas do diário.
OBSERVAÇÃO: Um som indica que as páginas do diário foram
liberadas e as folhas se mexem na janela do diário.
Escritório das memórias
TRANSIÇÃO: Porta abre e o jogador entra no Escritório das Memórias.
IMAGEM: Escritório com uma escrivaninha com objetos de estudo e anotações, uma cadeira com
uma mala fechada em cima. É apertado e escuro, a luz é fraca e pisca frequentemente.
SOM: Som de uma luz que pisca, com um pouco de eco. Música misteriosa.
OBJETOS: Mala com fotos, livros, cadernos e recortes. Tudo parte da memória do Morel. / Escriva-
ninha com anotações e mapas.
TEXTO: Não tem.
MECÂNICA: O jogador pode navegar pelo espaço com o mouse em três diferentes pontos de vista:
1. A escrivaninha – onde vê mapas e coisas sobre o planejamento. Libera a informação do diário.
2. Quarto geral: observação e 3. Mala – pode abrir a mala e ver o que tem dentro.
FUNÇÃO: Explorar o ambiente e liberar três páginas do diário.
OBSERVAÇÃO: Um som indica que as páginas do diário foram liberadas e as folhas se mexem na
janela do diário.
| A ilha de Morel52
Sala das escadas
TRANSIÇÃO: Porta abre e o jogador entra na Sala das Escadas.
IMAGEM: Sala com muitas escadas em direções diferentes. Pes-
soas andam pela sala, subindo e descendo as escadas. Sala azul
com projeções de quadriculados brancos.
SOM: Passos, música misteriosa.
OBJETOS: Não possui objetos interativos.
MECÂNICA: Pode explorar o ambiente e variar as perspectivas
entre quatro pontos de vistas. De cima, do lado direito, do lado
esquerdo e de baixo.
FUNÇÃO: Explorar o ambiente e liberar três páginas do diário.
OBSERVAÇÃO: Um som indica que as páginas do diário foram
liberadas e as folhas se mexem na janela do diário.
Corredor
TRANSIÇÃO: Porta abre e o jogador entra no corredor.
IMAGEM: Corredor estreito e comprido. É escuro e preto-e-
-branco. O jogador não consegue chegar até o fim dele, por-
que sempre que se aproxima, a sala se afasta mais. Enquanto
o jogador vai tentando se aproximar, aparecem alguns flashes,
como se alguém estivesse tirando fotos.
SOM: Música de suspense e ação, é o clímax da história.
OBJETOS: Não possuí objetos interativos.
MECÂNICA: O jogador pode se movimentar para frente.
FUNÇÃO: Sala da digitalização. Depois de passar por ela, os
ambientes não mais retratam o Morel e sim o próprio interator.
OBSERVAÇÃO: O diário está completo e o interator pode passar
pelas suas páginas.
A ilha de Morel | 53
Digitalização
TRANSIÇÃO: O jogador está no corredor e de repente tudo fica branco.
IMAGEM: As pessoas e o Morel somem e você está sozinho no corredor (como se tivessem
acendido a luz). Ele consegue chegar até o fim e abrir a porta.
SOM: Música eletrônica, digital. Forte e rápida.
OBJETOS: Porta.
TEXTO: “(Nome do Interator), você agora faz parte da Ilha de Morel” – aparece escrito em
cima da imagem, em uma fonte clara e translúcida.
MECÂNICA: Movimento para a frente.
FUNÇÃO: Depois dessa transição, o jogador passará pelos ambientes novamente, mas
agora sem passar pelo Hall, e sim com uma transição direta de ambiente para ambiente.
OBSERVAÇÃO: Depois dessa cena, os ambientes serão mostrados em formato de vídeo,
onde o interator pode somente mexer nas bordas para mudar um pouco o enquadramento.
| A ilha de Morel54
Pós digitalização
TRANSIÇÃO: Ao abrir a porta, um zoom out
de todo ambiente revela que aquela cena na
verdade é uma capa de um dos livros que está
na estante da Sala dos Aquários.
SALA DOS AQUÁRIOS PÓS-DIGITALIZAÇÃO:
Os livros agora farão referências ao interator.
Os livros tem nomes de momentos da vida,
como INFÂNCIA e COTIDIANO. O jogador não
pode ver o interior dos livros, e sim sua capa e
lombada com o nome dele como autor. O am-
biente e a janela começam a tremer.
TRANSIÇÃO: Zoom out revela que aquela sala
na verdade é um copo d’água em cima da es-
crivaninha do Escritório das Memórias.
ESCRITÓRIO DAS MEMÓRIAS PÓS-DIGITALI-
ZAÇÃO: A mala se abre e ao invés das coisas
do Morel aparecem fotos (importadas do Fa-
cebook e Flickr), cartelas com as páginas que
o interator curtiu no Facebook e mapas da ci-
dade onde ele mora. Embaixo dos objetos tem
uma espécie de passagem – uma escada.
TRANSIÇÃO: A escada leva o interator para a
Sala das Escadas.
SALA DAS ESCADAS PÓS-DIGITALIZAÇÃO:
Ao invés de pessoas desconhecidas subindo
e descendo, seus rostos serão substituídos
por rostos de amigos do Facebook. O ambien-
te e os personagens estão mais pixelizados
nesse momento.
TRANSIÇÃO: Quando o ponto de vista muda
para uma perspectiva diferente (de cabeça pra
baixo) uma transição transforma aquele am-
biente no Corredor.
CORREDOR PÓS-DIGITALIZAÇÃO: Corredor
igual, onde o fim parece não chegar nunca.
Uma luz se acende e a cena é pausada. Apa-
rece uma janela do lado superior direito que
permite curtir e compartilhar a experiência
(Facebook, Twitter, Google+). Além do texto:
“Você deseja digitalizar algum dos seus ami-
gos? – Digite o e-mail deles para comparti-
lhar a experiência”. Uma outra opção é dada,
de continuar explorando. Se o jogador es-
colher continuar explorando ele passará pelo
mesmo vídeo e poderá ficar infinitamente re-
petindo o caminho.
A ilha de Morel | 55
PROJETO VISUAL E SO-NORO
| A ilha de Morel56
Página inicial
A ilha de Morel | 57
| A ilha de Morel58
Piscina
A ilha de Morel | 59
Seu aspecto é escuro e úmido por conta da vegetação, a pedra que rodeia
a piscina está coberta de musgo. Em cima de um banco, vemos um antigo
gramofone, tocando o mesmo trecho de uma música em looping.
| A ilha de Morel60
Hall
O Hall é escuro, pé direito alto, piso coberto com carpete vinho
e o papel de parede descascado. A luz está piscando e podemos
ver baratas e ratos esporadicamente, passeando por ali. Vemos
quatro portas de madeira fechadas.
A ilha de Morel | 61
| A ilha de Morel62
Sala dos aquários
Uma sala redonda, não muito grande. As paredes são de vidro
– um grande aquário, com peixes vivos e coloridos. Em um
pedaço da parede se vê uma grande estante de livros, que vai
até o teto.
A ilha de Morel | 63
| A ilha de Morel64
Escritório das Memórias
A ilha de Morel | 65
Escritório com uma escrivaninha com objetos de estudo e anotação,
uma cadeira com uma mala fechada em cima. É apertado e escuro, a
luz é fraca e pisca frequentemente.
| A ilha de Morel66
Sala das escadas
A ilha de Morel | 67
Sala com muitas escadas em direções diferentes. Pessoas andam
pela sala, subindo e descendo as escadas. Sala azul com projeções
de quadriculados brancos.
| A ilha de Morel68
Corredor
Corredor estreito e comprido. Iluminação fraca.
A ilha de Morel | 69
Diário
| A ilha de Morel70
| Visual
As referências visuais são compostas por elementos de fotogra-
fia, arte e edição. Através deles buscaremos transmitir o clima e
sensação proposto pelo roteiro. Os ambientes navegáveis e in-
terativos são compostos por fotografias, vídeos, projeção de ima-
gens e gráficos ilustrativos. Pretendemos manter uma unidade
visual em todos os espaços, que será determinada pela fotogra-
fia, ilustrações e paleta de cor.
Os ambientes ao ar livre – Ilha e Piscina – estão sempre no
meio de uma neblina opaca. Eles possuem pouca saturação,
em tons de cores como verde claro musgo e bege. Já os ambi-
entes fechados são pouco iluminados, com pouco contraste e
em cores um pouco mais fortes. Tanto em fotografia como em
vídeo. Usaremos lentes abertas e que desfoquem um pouco a
borda, criando um clima onírico. O ponto de vista será sempre em
primeira pessoa e os movimentos de câmera variados de acordo
com os ambientes: na Piscina, na Sala do Aquário e no Quarto
das Memórias, os enquadramentos poderão oscilar entre plano
geral e de detalhe em determinados objetos clicáveis; no Hall e
no Corredor veremos um plano geral.
Os gráficos são ilustrações em vetor que entrarão em todas
as cenas e ambientes para dar uma cara mais digital e moderna.
Esses gráficos também entrarão em cima dos personagens, que
serão pessoas de verdade, porém com um tratamento de imagem
que dê uma cara de ilustração e pixelizada, tornando a imagem
não realista. Essa imagem mais digital se mescla com o vídeo e
a fotografia, criando um contraste de realidade e virtualidade.
O ritmo da montagem será variado em dois momentos: antes
e depois da digitalização do usuário. Primeiramente a passagem
de um ambiente para o outro será controlada pelo interator e
haverão elementos em que poderá interagir. Já no segundo mo-
mento, não haverá mais interação e todo o percurso será repro-
duzido como uma videoclipe, com uma edição rápida.
A ilha de Morel | 71
| Som
Criar um som para a nossa experiência é algo
um tanto complicado. Ao mesmo tempo que
tem um papel fundamental na criação de
uma atmosfera que ajude na imersão, não
podemos usá-lo como único meio, já que
muitas vezes durante o trajeto, o interator
poderá desligar ou pode não haver som em
uma qualidade apropriada. Por isso pensa-
mos em uma ambientação sonora forte e per-
tinente, porém que não crie ou tire elementos
da narrativa.
O som da Ilha de Morel é dividido em dois:
música e ruídos. A música será uma música
padrão, um tema que acompanhe toda a nar-
rativa. Essa música mistura elementos mais
antigos e analógicos – como o som de músi-
cas antigas saindo por uma vitrola – com al-
gumas características digitais e modernas,
típicas de música eletrônica. Seria necessário
mixar uma música base com algumas batidas
e viradas eletrônicas e ruídos. Essa música
servirá como uma música tema, e sua veloci-
dade mudará conforme o jogador vai chegan-
do ao final da exploração. Ela é às vezes mais
misteriosa, e às vezes mais frenética.
Já os ruídos variam de ambiente em ambi-
ente. No diário eles aparecem conforme a in-
teração em alguns elementos. Nos cômodos
são ruídos específicos, como passos, luz pis-
cando, som abafado do aquário. No Corredor,
a música entra ajuda na criação do clímax da
digitalização do interator.
| A ilha de Morel72
CONSI-
DERA-
ÇÕES
FINAIS
A ilha de Morel | 73
A Ilha de Morel passou por inúmeras transformações durante
todo o processo. A cada referência teórica e tema estudado,
nosso roteiro era reformulado e novos elementos eram acres-
centados. Quando chegamos em um formato, tivemos que abrir
mão de muitas coisas. Nosso projeto é cheio de camadas, e por
trás do produto final existem muitas referências e elementos
essenciais que aparecem como um embasamento, e não estão
visíveis na parte prática. Grande parte disso são as ideias que ti-
vemos, que sempre transformaram o roteiro e que, mesmo não
presentes, foram muito importantes para o desenvolvimento.
Achamos importante levantar algumas dessas ideias e versões,
como parte fundamental do processo e da criação.
| Instalação, videomapping e webcam
Alguns elementos da ilha nos fizeram pensar em meios de tor-
nar a experiência multiplataforma: as gravações e projeções
da história original nos remeteram à gravação de imagens via
webcam. Em algum momento a câmera gravaria a imagem do
interator e este vídeo seria reproduzido em um ambiente da
ilha. Isso também nos fez considerar transportar a narrativa
para uma construção física de uma instalação, onde a projeção
poderia ser real. Transportando-se da tela do computador para
uma instalação, ou até mesmo a utilização de videomapping –
projeção mapeada em prédios.
1. As diferentes caras da Ilha de Morel
| A ilha de Morel74
| Videogame
Pensamos também em desenvolver um roteiro mais narrativo e
interativo de um videogame. Nessa versão, o jogador manipu-
laria o avatar do personagem principal e exploraria o museu em
busca de pistas. Quando todas as pistas fossem encontradas,
ele poderia entrar na sala das máquinas e lá descobrir sobre
a máquina e as projeções. O roteiro era um pouco mais lon-
go, o jogador precisaria assimilar mais a história para poder
entender o mistério e ser surpreendido no final. Seriam dois
momentos diferentes de exploração, o primeiro era quando a
máquina funcionava e as projeções apareciam e possuía uma
interatividade limitada, já que alguns elementos como portas,
janelas e livros se tornavam imóveis; no segundo momento a
máquina não funcionaria e o jogador se depararia com constru-
ções abandonadas e prédios vazios.
Neste roteiro, diferente da versão final, o avatar era gravado
e transportado para o mundo das projeções. Isso era exibido no
final, quando em uma janela era visto todo o caminho feito pelo
jogador. Nessa revelação final, a visão do jogador passava de
terceira pessoa para primeira, e ele “assistiria” o seu caminho
percorrido com o avatar. Pensamos em um ambiente 3D ou 2D,
com uma navegação típica de videogames.
| Experiência com a história original
Quando percebemos que uma narrativa de videogame não se
encaixava muito na nossa proposta original, decidimos desen-
volver o roteiro de uma experiência, só que ainda baseada na
história original. Alguns elementos do livro ainda estavam pre-
sentes, como os dois momentos (projeção ligada e desligada) e
a influência da maré no funcionamento da máquina.
Do mesmo jeito que na versão videogame, a interação po-
deria ocorrer em dois momentos diferentes: um quando a má-
A ilha de Morel | 75
quina funciona e as projeções acontecem – nessa etapa a maré
está alta, forte – nesse primeiro cenário o usuário experimen-
taria a sensação de um voyeur, um observador: conhecendo os
personagens, percebendo a repetição e num segundo momento,
a ilha está abandonada, a maré parada. O interator conseguiria
explorar um pouco mais a fundo, se relacionar com objetos, ver
a ilha morta, silenciosa. Essa seria a hora de maiores descober-
tas, já que o personagem conseguiria chegar até as máquinas,
observá-las para tentar entender o seu funcionamento. O obje-
tivo geral desta versão era desenvolver um ambiente imersivo
e bem pontuado com o livro. No final das contas, sentimos a
necessidade de se apropriar da história de maneira mais livre e
conceitual e não tão literal.
| Adaptação
A adaptação vai além de transportar um conteúdo de um meio para outro. Esse
processo não cria a repetição, e sim uma nova mensagem. Cada formato possui
suas particularidades e é impossível conseguir uma transposição que seja com-
pletamente fiel. Sem contar o
olhar de quem faz a adapta-
ção os significados são outros
e por isso o produto original é
sempre muito diferente da sua
adaptação. Tendo isso em men-
te, tentamos sempre não nos
apropriar dos elementos ou en-
redo completamente, porque assim estaríamos presas em uma linguagem textual
que não funcionaria do mesmo jeito em um formato de multimídia. Partimos
então de conceitos que eram tratados no livro A Invenção de Morel, tentando
atualizá-los. A questão da imortalidade e da reprodução de um simulacro era mui-
to forte, e pensamos que é uma questão pertinente inclusive nos tempos atuais.
“Numa tradução intersemiótica, os signos empregados tem tendência de formar novos objetos imediatos, novos sentidos e novas estruturas que, pela sua própria característica diferencial, tendem a se desvincular do original” (PLAZA, 2001, p. 30)
| A ilha de Morel76
Nos três primeiros anos da faculdade, nós duas sempre tive-
mos visões e vontades parecidas. Participamos de vários gru-
pos juntas e nossa vontade sempre foi de estudar coisas novas
e desenvolver um projeto diferente, onde pudéssemos estudar
e também criar algo. No fim do terceiro ano, começamos a nos
reunir para pensar em uma proposta de trabalho: queríamos de-
senvolver algo que pudesse ser realizado, mas percebemos que
para entrar em um universo de multimídia, teríamos que ter uma
base técnica de programação, animação e desenvolvimento de
websites, conhecimentos que não estavam na proposta do nosso
curso. Optamos então por um trabalho teórico-prático: sentimos
que precisaríamos de uma base teórica forte sobre novas mídias
e novas tecnologias para que então conseguíssemos desenvolver
um roteiro de algo que se encaixasse no tema.
O grande estalo veio quando assistimos ao clipe Wilderness
Downtown, e percebemos que era possível criar algo com uma
linguagem moderna e multimidiática e ao mesmo tempo com
uma narrativa sensorial e interativa. Foi a partir daí que decidi-
mos desenvolver algo semelhante: um projeto para ser veicu-
lado na web, com uma proposta interativa. Depois da escolha
do formato e do desenvolvimento da proposta, fomos atrás de
orientadores que pudessem nos ajudar tanto na parte conceitual
como na criativa. As professoras Renata Gomes e Ester Marçal
Fér sempre estiveram presente no nosso cotidiano acadêmico, e
não pensamos duas vezes antes de propor uma orientação dupla
delas. Nosso projeto era um pouco diferente dos outros propostos
em semestres anteriores, por isso sentimos a necessidade de fa-
zer em grupo (e consequentemente com orientação dupla).
Com o projeto aprovado, fomos atrás de referências e bi-
bliografia. Quando sentamos para pensar nas primeiras ideias
3. O processo e considerações finais
A ilha de Morel | 77
de roteiro, percebemos que perderíamos muito tempo se cri-
ássemos algo totalmente do zero. A Renata nos sugeriu então
uma adaptação: escolher algum romance, conto, ou texto para
adaptar para o universo digital. Selecionamos então uma enor-
me bibliografia de livros de ficção, com foco nos escritores de
realismo fantástico, como Borges, Cortázar e Bioy Casares.
Os meses de férias se passaram e tínhamos muitas referên-
cias, uma boa bibliografia de autores teóricos e duas opções
de livros para adaptação: História de Cronópios e Famas, de
Julio Cortázar e A Invenção de Morel, do Bioy Casares. Foi uma
escolha muito difícil: os dois livros nos trouxeram muitas ideias,
porém sentimos a necessidade de uma narrativa um pouco me-
nos abstrata para o nosso roteiro. Os cronópios ficaram para
uma outra oportunidade, mas nos acompanharam durante todo
o processo – quase como uma poeirinha de criatividade, que
sempre aparecia nos momentos de crise.
Escolhido o livro e as referências teóricas, mergulhamos a
fundo no desenvolvimento da fundamentação conceitual e pri-
meiros esboços do roteiro e enredo. O primeiro semestre foi de
muito estudo e decupagem de referências. Tentamos entender
como era o processo de criação de roteiros para sites, jogos
e outras experiências que víamos por ai. A primeira parte do
projeto, apresentada em uma banca no começo de junho, repre-
sentava os primeiros meses de pesquisa e um pouco das nossas
incertezas na elaboração do roteiro. A apresentação foi funda-
mental para a visualização do caminho, e tivemos um ótimo
retorno das orientadoras e de todos os componentes da banca.
Começou então a parte mais prática: precisávamos escolher
um formato. Este processo foi muito complicado, já que mesmo
dentro das novas mídias não havia uma divisão clara de gêne-
| A ilha de Morel78
ros e formas. Foi quando alguns conceitos como “experiência” e
game art apareceram para bagunçar ainda mais a nossa cabe-
ça, e como diria Tom Zé: “Estou te explicando pra te confundir.
Estou te confundindo pra te esclarecer”. Decidimos então que
no meio de toda a confusão, teríamos que escolher um caminho
claro para o roteiro entre duas opções: ou seria algo mais narra-
tivo, com uma cara de videogame, com um interator que pode
explorar os ambientes por meio de um avatar, em um ambiente
3D; ou então uma experiência mais livre, que se apropriasse de
conceitos do livro, mas não teria uma narrativa tão clara. Um
pouco menos interativo, mas mais sensorial e simbólico.
Percebemos que poderíamos não só adaptar a história do
Bioy Casares para um outro suporte, como poderíamos usar al-
guns elementos e transportar as principais questões para uma
discussão mais recente. Nossa visão sobre adaptação mudou
um pouco, ampliando as possibilidades. Para essa nova versão
do enredo, sentimos que seria mais interessante seguir pelo se-
gundo caminho e desenvolvemos o roteiro nestes moldes.
O mais interessante em fazer um trabalho de forma tão in-
tensa, é ter a sensação de que todo o entorno se torna temático:
vimos muitas exposições e obras que comprovavam que o mun-
A ilha de Morel | 79
do está cada vez mais interessado em novos formatos, e que
vivemos um momento único onde a tecnologia está tomando
uma proporção imensurável dentro do cotidiano e precisamos
desenvolver linguagens de comunicação que sejam atuais e que
conversem com o mundo digital.
Durante todo o ano, tentamos sempre costurar a teoria com
a prática, sempre nos questionando e analisando o próprio pro-
cesso de criação. É uma oportunidade única poder unir as duas
coisas, uma vez que o mundo profissional normalmente se di-
vide nesses dois setores: o acadêmico e o prático. É muito inte-
ressante poder viver um processo onde as duas coisas andam
juntas, onde teorias se confirmam na vida real e vice-e-versa.
Aprendemos muito, e esse trabalho final reflete essa vivencia
e amadurecimento. Nossa ilha está cada vez mais viva, mais
cheia de coisas. E é só o começo de um processo que preten-
demos levar para o ano que vem, concretizando nosso projeto
e trazendo para o mundo real. Tivemos a sorte de formar uma
boa dupla, onde a troca e a parceria foram constantes e por isso
aprendemos muito uma com a outra. Estamos muito orgulho-
sas do projeto final e de tudo o que passamos nesse mergulho
intenso no mundo das novas mídias.
| A ilha de Morel80
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