Leon Denis O Grande Enigma

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 1 Léon Denis – O Grande Enigma Léon Denis (1846 – 1927) O Grande Enigma

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Lon Denis O Grande Enigma

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Lon Denis

(1846 1927)

O Grande Enigma

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Textos Introdutrios Obra Lon Denis O GRANDE ENIGMATirado do livro de Henri Regnault A Morte No Existe ( Com base nas Obras de Leon Denis)

O Grande Enigma, volume aparecido em 1911, o quinto livro publicado por Lon Denis. Na realidade, esse livro compreende duas obras bem distintas: o prprio O Grande Enigma e um apndice importante, intitulado Sntese Espiritualista. Para ler O Grande Enigma preciso j ter conhecimentos gerais em filosofia e em cincias psquicas, porque Lon Denis estudou nesse livro, Deus, Grande Mestre do Universo e sua obra. O Criador, em suma, o heri desse livro, escrito por um poeta que sabe admiravelmente observar a Natureza. A leitura dos ttulos dos diferentes captulos basta, por si mesmo, para julgar qual a elevao da obra; reproduzo, pois, o ndice das matrias. Primeira Parte: Deus e o Universo Captulo I - O Grande Enigma. Captulo II - Unidade Substancial do Universo. Captulo III - Solidariedade, Comunho Universal. CAPTULO IV - As Harmonias do Espao. Captulo V - Necessidade da Idia de Deus. Captulo VI - As Leis Universais. Captulo VII - A Idia de Deus e a Experimentao Psquica. Captulo VIII - Ao de Deus no Mundo e na Histria. Captulo IX - Objees e Contradies. Captulo X - O Cu Estrelado. Captulo XI - A Floresta. Captulo XII - O Mar. Captulo XIII - A Montanha. Captulo XIV - Elevao. Sem dvida, o ensino esprita ainda ser ministrado as crianas. Aguardando essa auspiciosa poca, desejaramos que certas pginas de Lon Denis fossem reproduzidas nos textos seletos da literatura. Tenho lido muito, porm, no conheo livros mais bem escritos. Ao 1 - O Grande Enigma

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demais, uma opinio aceita, pois certos crticos reconhecem que o autor de Depois da Morte , por vezes, comparvel a Bossuet. Ler O Grande Enigma um prazer apaixonante; seguindo Lon Denis, fazemos uma viagem maravilhosa pelo ideal; ele mostra o caminho da felicidade real, ensina a percorrer o livro mgico da Natureza, a compreender o marulho do mar e a calma das montanhas. E preciso ter lido o captulo XIV intitulado Elevao para saber exatamente o objetivo de nossa passagem pela Terra, para compreender a que ponto os cataclismos e as desgraas so necessrios. Desejava poder reproduzir, por completo, esse longo captulo onde o pensador exprimiu com tanto idealismo suas concepes. Sinto-me limitado por ser obrigado a me restringir em citar apenas algumas linhas. Nas horas de hesitao, volto-me para a Natureza; a grande inspiradora, o templo augusto onde, sob seus misteriosos vus, e Deus oculto fala ao corao do sbio, ao esprito do pensador. Observa o firmamento profundo: os astros que o povoam so as etapas de tua longa peregrinao, as estaes da grande estrada, onde teu destino te conduz. (88) (88) O Grande Enigma, Lon Denis, 3 milheiro, pg. 204. (Edio francesa) Aquele que se recolhe no silncio e na solido, diante do espetculo do mar ou das montanhas, sente nascer, subir, crescer nele as imagens, pensamentos e harmonias que o entusiasmam, o encantam e o consolam das misrias terrenas e lhe abrem as perspectivas da vida superior. Compreende, ento, que o pensamento divino aos envolve e nos penetra quando, longe dos turbilhes sociais, ns lhes sabemos abrir nossas almas e nossos coraes. (89) (89) Idem, pg. 211. Graas a Lon Denis, compreendemos, perfeitamente como deve ser a verdadeira prece. No h pginas de O Grande Enigma onde o autor no repita: orai, sabei orar. Isso no quer dizer oraes decoradas e repeti-las com monotonia. A prece elevao, num transporte espontneo, do ser humano ao seu Criador. Numerosos so aqueles que ainda no esto suficientemente preparados para poderem, pelo pensamento, comunicar-se com o Criador e com seus Protetores invisveis. porque, nas diferentes religies, os ministros do culto criaram frmulas mais ou menos simplistas, destinadas multido dos fiis. Ai est, sem dvida, a razo pela qual Lon Denis, inspirado pelos Espritos, tem, por vezes, em suas obras, publicado alguns textos aos quais deu o nome de oraes. Certos adversrios do Espiritismo poderiam a encontrar uma contradio; j me disseram: - Segundo vocs, a frmula da prece no indispensvel; para entrar em comunho com Deus, basta trabalhar conscientemente. Um transporte espontneo e rpido rumo ao Criador uma excelente coisa. Por que certos autores espritas, inclusive Lon Denis, julgam necessrio dar, em seus livros, o texto de oraes? A resposta muito simples; eis como nossos propagandistas devero refutar tal objeo: - Na massa humana, as criaturas esto em um grau diferente de sua evoluo geral; alguns, pouco adiantados, tem necessidade de ajuda para exteriorizar seus pensamentos e outros so incapazes de um esforo intelectual. principalmente para esses que se tornou necessrio indicar frmulas que se chamam preces, na falta de outro nome. Todavia, no h nenhuma semelhana com as oraes criadas pelos religiosos e impossvel fazer qualquer confuso. De minha parte, jamais dei grande importncia a objees dessa ordem, que poderiam ser qualificadas como objees de princpios.

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Uns, tm necessidade de uma exteriorizao; outros, ao contrrio, podem passar sem ela. O essencial dar conhecimento s multides da realidade que se destaca dos fatos; preciso difundir as mltiplas provas que demonstram a comunicao entre o mundo dos mortos e o dos vivos. Para certos auditrios bem difcil, at impossvel, pronunciar o nome de Deus e falar de preces; se o fazemos, criamos logo uma confuso no esprito do pblico. As religies, bom reconhecer, tem exercido, por vezes, um papel nefasto (e a multido bem o sabe). preciso, pois, evitar tudo quanto possa fazer crer que o Espiritismo uma religio. Tenho, em Tu Revivras, demonstrado que no queremos adormecer os infelizes com uma grande esperana no Alm, para permitir aos ricos aproveitarem, egoisticamente, de uma fortuna, muitas vezes, adquirida em detrimento dos desgraados. No me devo estender, pois, sobre esse ponto. Desejo, entretanto, fazer bem compreensvel, com a ajuda de nossa concepo sobre a prece, como preciso agir para propagar nossas idias nos meios anti-religiosos. Profundamente desta, persuadido da existncia de Deus, estou, entretanto, certo de que, para conseguir divulgar o Espiritismo nas massas, bom se resguardar de ser mstico. Devemos falar de labor aos que trabalham para viver, mostrar que todos os seres humanos esto unidos pela necessidade absoluta do trabalho e explicar porque os ociosos no tm o direito de se confinar no egosmo, porm, devem, ao contrrio, imitar os banqueiros de Deus para criar em volta deles obras sociais bem estabelecidas, eis uma linguagem til, representando a prpria emanao do Espiritismo. Falando assim, chega-se, pouco a pouco, a possibilidades de maior felicidade. Ao mesmo tempo, predispomos os ouvintes a saber orar. Essa forma de compreender a prece, emana bem do ensino que se encontra em O Grande Enigma, obra de pensamento, de meditao e de reflexo. Muito freqentemente, Le Matin criticou o Espiritismo; entretanto, encontramos nele, em 15 de julho de 1911, um elogio a O Grande Enigma. Desde Lucrcio, escritores se propuseram a liberar nossas almas da tirania dos preconceitos e da agonia atvica do Tenare! Lon Denis tem sua receita e ela eficaz e antiga. E a bondade, o amor. Poder-se-ia sorrir dessa Metafsica apaixonada, se a prpria vida de Lon Denis no oferecesse a mais brilhante ilustrao dessa calorosa e estica doutrina. Entre os Pascal inquietos que tentam a insolvel soluo do Grande Enigma, Lon Denis tem todo o fervor grandioso de um Bossuet e a persuaso docemente obstinada de um Fnelon. Mesmo que se passem longos anos, o autor de Depois da Morte transpor a instabilidade da vida material. Dezesseis anos deviam ainda se escoar, antes da partida de Lon Denis para o Alm; esse tempo foi bem empregado. Publicou outras obras e, apesar de sua enfermidade, trabalhou at ao extremo limite de suas foras humanas. No momento de sua morte, acabara de terminar um livro sobre o celtismo e preparava um outro sobre Espiritismo e o Socialismo. Publicando O Grande Enigma, Lon Denis pretendia consolar. Nos momentos pesados da vida, oh! leitor! escreve ele, nas horas de tristeza e de sofrimento, abre este livro e ele te dar coragem e pacincia. (90) (90) O Grande Enigma, Lon Denis, 3 milheiro, pg. 1. (Edio francesa)

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Em seu prefcio, o prprio autor conta histria de seu livro, inspirado pelos Invisveis. No pude resistir ao prazer de citar essa narrativa. Assim, aqueles meus leitores que ainda no conhecem O Grande Enigma, podero verificar a qualidade literria da obra. Onde e como sonhei em escrev-lo? Em uma tarde de inverno, num passeio pela costa azul da Provence. O Sol se deitava sobre o mar sereno. Seus raios de ouro, deslizando sobre as vagas adormecidas, iluminavam com cores vivas o pico das rochas e dos promontrios, enquanto a lua subia no cu sem nuvens. Um grande silncio se fazia, envolvendo tudo. Somente um sino distante, lentamente, tilintava o ngelus. Pensativo, eu escutava os rudos abafados, os rumores mal perceptveis das cidades de inverno em festa e as vozes que cantavam em minha alma. Eu meditava na indiferena dos homens que se entregam aos prazeres, para melhor esquecerem os objetivos da vida, seus imperiosos deveres e suas pesadas responsabilidades. O mar, cantando, o espao que, pouco a pouco, se constelava de estrelas; os aromas penetrantes das mirtas e dos pinheiros, aa harmonias longnquas na calma da noite, tudo contribua para expandir em mim e em meu derredor um encanto delicado, intimo e profundo. E a voz me disse: Publica um livro que ns te inspiraremos, um pequeno livro que resuma tudo quanto alma humana deve conhecer para se orientar na vida. Publica um livro que demonstre a todos que a vida no uma coisa v, que se possa usar com leviandade, porm, uma luta pela conquista do Cu, uma obra elevada e grave de edificao, de aperfeioamento, uma obra que as leis augustas e eqitativas regem e acima das quais, paira a eterna justia, temperada pelo Amor. Todos os seres humanos tm por principal dever esquecer a si mesmos, trabalhar pelo bem de todos. Os que tm essa oportunidade devem esforar-se em fazer conhecer ao povo a possibilidade da solidariedade; por povo entendo, evidentemente, o conjunto de iodas as criaturas de uma dao e no apenas a totalidade dos que devem trabalhar para viver. Em 1910, Lon Denis j escrevia: (91) (91) O Grande Enigma, Lon Denis, 34 milheiro, pg. 5. (Edio francesa) Talvez, jamais, no curso de sua histria, a Frana sentiu mais profundamente a oportunidade de uma nova orientao moral. As religies, dissemos, perderam muito de seu prestigio e os frutos envenenados do materialismo se mostram por todos os cantos. Ao lado do egosmo e da sensualidade de uns se instala a brutalidade e a cobia de outros. Os atos de violncia, os homicdios e os suicdios se multiplicam. As greves se revestem de um carter cada vez mais trgico. E a luta de classes, a derrocada dos apetites e dos furores. A voz popular sobe e se agiganta; o dio dos pequenos, contra aqueles que possuem e gozam, tende a passar do domnio das teorias para o dos fatos. As prticas brbaras, destruidoras da civilizao, penetram nos hbitos operrios. Usinas so saqueadas, mquinas so quebradas, sabota-se a instalao industrial. Esses estados de coisas, agravando-se, nos conduziriam guerra civil e a selvageria. Tais so os resultados de uma falsa educao nacional. Desde muitos sculos, nem a escola, nem a Igreja tm ensinado ao povo o que ele mais precisa conhecer: o porqu da existncia, a lei do destino, com o verdadeiro sentido dos deveres e das responsabilidades que a ele se unem. Dai por todas as partes, de alto a baixo, o falir das inteligncias e das conscincias, a confuso de todas as coisas, a desmoralizao e a anarquia. Estamos ameaados de falncia social.

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Ser preciso descer at ao fundo das misrias pblicas para ver o erro cometido e compreender que preciso procurar, acima de tudo, o raio de luz que ilumina a grande marcha humana em sua rota sinuosa, atravs dos barrancos e das rochas escarpadas? Em 1910, no se pensava ainda, em geral, na eventualidade de uma guerra. Alguns mdiuns conheciam o terrvel destino pelas revelaes dos Invisveis. A grande tormenta passou e foi seguida por um perodo de libertinagem mundial e de materialismo. Aps a terrvel epopia, as catstrofes se multiplicam: tremores de terra, inundaes, muitas crises sociais e econmicas, igual a sorte de todas as naes. Tudo isso foi destinado a abrir os olhos dos homens? Inmeras comunicaes espritas, recebidas em todos os pontos do globo, por mdiuns que no se conhecem, parecem indicar essa concluso. No obstante, as criaturas no se querem entender. Nunca a anttese foi maior entre os ricos, os laboriosos e os desgraados. digno do Sculo XX que alguns possam gastar 500 francos por pessoa, com uma nica refeio, enquanto que, em Paris, h pobres criaturas obrigadas a se deitaram no cho, nos degraus das estaes do Metro? Como explicar aos maus ricos seu dever social? No conheo outra forma de explicao a no ser pela teoria das vidas sucessivas, pelas quais eles tm, no curso da atual existncia, uma fortuna que lhes permite, por sua escolha, viver egoisticamente, mergulhar no luxo e no conforto, ou ento, valendo-se dessa riqueza, diminuir as mltiplas misrias humanas. (92) (92) Creio dever assinalar uma obra admirvel, a do Po para Todos, na Rua Eugne Carrire, 4, Paris, Sculo XVII. No passe nunca pela Rua Drouot, porta da prefeitura do IX Distrito, sem dar seu bolo ao Po para Todos. Escrita sob a forma de dilogo, a Sntese Espiritualista (93) se destina em especial aos principiantes. Ela dirigida aos jovens e aos adultos ainda no iniciados. (93) Nota da Editora: Traduzida por Jos Jorge e publicada pelo Instituto Maria, de Juiz de Fora, com o titulo de Sntese Doutrinaria e Prtica do Espiritismo. O autor o denomina de Catecismo e o concebeu sob a forma de perguntas e respostas bem simples. Geralmente, para se ensinar s crianas, passa-se do complexo ao simples. Habitualmente, o catecismo comea por Que Deus? Ora, a criana tem necessidade de aprender primeiro a natureza das coisas que tem o hbito de ver em seu derredor e, pouco a pouco, podemos conduzi-la as concepes filosficas e metafsicas. Lon Denis segue, pois, a ordem natural e a marcha instintiva, partindo do homem para chegar at Deus. Se falarmos de Deus, isso no quer dizer que sejamos msticos e que desejemos fundar uma nova religio. Como j escreveu Gabriel Delanne, em 1885: (94) (94) Le Spiritisme, 2 quinzena de agosto de 1885, artigo intitulado: Le Positivisme Spiritualiste. Se suprimirmos do ensino esprita a noo do Ser Supremo, torna-se impossvel explicar o que seja o Universo. No se traia aqui de misticismo ou ideologia, o simples bom-senso que fala. 2 - Sntese Espiritualista

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Deus, causa primria, infinita, eterna, resulta, fatalmente, da imortalidade da alma e os materialistas o compreendem to bem, que no podem separar, em suas negaes, Deus e a alma. No possvel acreditar na existncia de uma parte, sem concluir pela existncia da outra. Ora, estamos certos de que a alma no morre; portanto, Deus existe.

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FIM

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Nesta obra ele aborda temas ligados ao Universo e Natureza, objetivando demonstrar o porqu da existncia do homem e a lei do destino. Ressalta que a morte simplesmente um segundo nascimento, onde deixamos o mundo pela mesma razo porque nele entramos, segundo a ordem da mesma lei.

Lon Denis foi o principal discpulo de Allan Kardec na divulgao e defesa da Doutrina Esprita.

Contedo resumido

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SumrioAo Leitor Primeira parte: Deus e o Universo I O grande Enigma II Unidade substancial do Universo III Solidariedade comunho universal IV As harmonias do Espao V Necessidade da idia de Deus VI As leis universais VII A idia de Deus e a experimentao psquica VIII Ao de Deus no Mundo e na Histria IX Objees e contradies

Segunda parte: O Livro da Natureza X O cu estrelado XI A floresta XII O mar XIII A montanha (impresses de viagem) XIV Elevao

Notas complementares Nota 1: Sobre a necessidade de um motor inicial para explicar os movimentos planetrios. Nota 2: Sobre as foras desconhecidas Nota 3: As maravilhas celestes Dimenses das estrelas

Terceira Parte: A lei circular A misso do sculo XX XV A lei circular (a vida; as idades da vida; a morte) XVI A misso do sculo XX

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Ao LeitorNas horas pesadas da vida, nos dias de tristeza e de acabrunhamento, leitor, abre este livro! Eco das vozes do Alto, ele te dar coragem; inspirar-te- a pacincia e a submisso s leis eternas!

E a voz me disse: Publica um livro que ns te inspiraremos, um livrinho que resuma tudo que a Alma humana deve conhecer para se orientar no seu caminho; publica um livro que demonstre a todos no ser a vida uma coisa v de que se possa fazer uso leviano, e sim uma luta pela conquista do Cu, uma obra elevada e grave de edificao, de aperfeioamento, regida por leis augustas e eqitativas, acima das quais paira a eterna Justia, amenizada pelo Amor. ***

Pensava na indiferena dos homens que se inebriam de prazeres para melhor esquecer o fim da vida, seus imperiosos deveres, suas pesadas responsabilidades. O mar balouante, o Espao que, pouco a pouco, se constelava de estrelas, os odores penetrantes dos mirtos e dos pinheiros, as harmonias longnquas na calma da tarde, tudo contribua para derramar, em mim e em torno de mim, um encanto sutil, ntimo e profundo.

Onde e como pensei em escrev-lo? Em uma tarde de inverno, tarde de passeio na costa azulada de Provena. Deitava-se o Sol sobre o mar pacfico. Seus raios de ouro, resvalando sobre a vaga adormecida, acendiam tintas ardentes sobre o cimo das rochas e dos promontrios, enquanto o delgado crescente lunar subia no cu sem nuvens. Fazia-se grande silncio, envolvendo todas as coisas. Solitrio, um sino longnquo, lentamente, soava o ngelus. Pensativo, eu ouvia os rudos abafados, os rumores apenas perceptveis das cidades de inverno em festa e as vozes que cantavam em minha alma.

Embora chegssemos a corrigir, a melhorar essas instituies e, por conseguinte, a atenuar muitos males, a diminuir a soma das desigualdades e das misrias humanas, h causas de aflio, enfermidades cruis e inatas contra as quais seremos sempre impotentes: a perda da sade, da vista, da razo, a separao dos seres amados e todo o imenso sqito dos sofrimentos morais, tanto mais vivos quanto o homem mais sensvel e a civilizao mais apurada. Apesar de todos os melhoramentos sociais, nunca obteremos que o bem e o mal encontrem neste mundo integral sano. Se existe essa justia absoluta, o seu tribunal no pode estar seno no Alm! Mas quem nos provar que esse Alm no um mito, uma iluso, uma quimera? As religies, as filosofias passaram; elas desdobraram sobre a Alma humana o manto rico de suas concepes e de suas esperanas. Entretanto, a dvida subsistiu no fundo

Ora, essa justia absoluta, soberana, quaisquer que sejam nossas opinies polticas e nossas vistas sociais, deve reconhecer perfeitamente, no de nosso mundo. As instituies humanas no a comportam.

A Justia! Se h neste mundo uma necessidade imperiosa para todos os que sofrem, para quantos tm a alma dilacerada, no essa a de crer, de saber que a justia no uma palavra vazia; que h, de qualquer maneira, compensaes para todas as dores, sano para todos os deveres, consolao para todos os males?

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das conscincias. Uma crtica minuciosa e sbia tem passado em estreito crivo todas as teorias de outrora. E desse conjunto maravilhoso s resultaram runas. Mas, em todos os pontos do globo, fenmenos psquicos se produziram. Variados, contnuos, inumerveis, traziam a prova da existncia de um mundo espiritual, invisvel, regido por princpios rigorosos, to imutveis quanto os da matria, mundo que guarda nas suas profundezas o segredo de nossas origens e de nossos destinos. 1 Uma nova cincia nasceu baseada nas experincias, nas pesquisas e nos testemunhos de sbios eminentes; uma comunicao se estabelecera com esse mundo invisvel que nos cerca e uma revelao poderosa banha a Humanidade qual uma onda pura e regeneradora. ***

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Nunca, talvez, no decurso de sua histria, a Frana sentiu mais profundamente a oportunidade de uma nova orientao moral. As religies, dissemos, perderam muito de seu prestgio, e os frutos envenenados do materialismo se mostram por toda parte. J tinham feito nascer entre as naes esse conflito sangrento que nos aproveitou to pouco. A obra nefasta prossegue na hora presente. Ao lado do egosmo e da sensualidade de uns, pompeiam a brutalidade e a avidez de outros. Os atos de violncia, os assassnios e os suicdios se multiplicam. As greves revestem carter cada vez mais grave. a luta das classes, o desencadeamento dos apetites e dos furores. A voz popular sobe e retumba; o dio dos pequenos, contra aqueles que possuem e gozam, tende a passar do domnio das teorias para o dos fatos. As prticas brbaras, destruidoras de toda a civilizao, penetram nos costumes do operariado. Esse estado de coisas, agravando-se, nos levaria diretamente guerra civil e selvageria. Ser necessrio descer at ao fundo do plago das misrias pblicas, para ver o erro cometido e compreender que se deve buscar, acima de tudo, o raio que esclarea a grande marcha humana em sua estrada sinuosa, atravs dos precipcios e das rochas que desabam? Lon Denis Tais so os resultados de uma falsa educao nacional. Desde sculos, nem a escola nem a Igreja tm ensinado ao povo aquilo de que ele tem mais necessidade de conhecer: o porqu da existncia, a lei do destino com o verdadeiro sentido dos deveres e responsabilidades que a ele se ligam. Da, em toda parte, o desarrazoar das inteligncias e das conscincias, a confuso, a desmoralizao, a anarquia. Estamos ameaados de falncia social.

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Primeira parteDeus e o UniversoI O grande Enigma

O homem, o pensador, sonda com o olhar a vasta extenso; interroga as profundezas do cu; procura a soluo desses grandes problemas: o problema do mundo, o problema da vida. Considera esse majestoso Universo, no qual se sente como que mergulhado; acompanha com os olhos a carreira dos gigantes do Espao, sis da noite, focos terrficos cuja luz percorre as imensidades taciturnas; interroga esses astros, esses mundos inumerveis, mas estes passam mudos, prosseguindo em seu rumo, para um fim que ningum conhece. Silncio esmagador paira sobre o abismo, envolve o homem, torna esse Universo mais solene ainda. 2 Duas coisas, no entanto, nos aparecem primeira vista no Universo: a matria e o movimento, a substncia e a fora. Os mundos so formados de matria e essa matria, inerte por si mesma, se move. Quem, pois, a faz mover-se? Qual essa fora que a anima? Primeiro problema. Mas o homem, do infinito, chama sobre si mesmo sua ateno. Essa matria e essa fora universais ele encontra em si mesmo e, com elas, um terceiro elemento, com o qual conheceu, viu e mediu os outros: a Inteligncia. Entretanto, a inteligncia humana no , por si s, sua prpria causa. Se o homem fosse sua prpria causa, poderia manter e conservar o poder da vida que est em si; mas, em verdade, esse poder, sujeito a variaes, a desfalecimentos, excede vontade humana. Se a inteligncia existe no homem, deve encontrar-se nesse Universo de que faz parte integrante. O que existe na parte deve encontrar-se no todo. A matria no mais que a vestimenta, a forma sensvel e mutvel, revestida pela vida; um cadver no pensa, nem se move. A fora um simples agente destinado a entreter as foras vitais. , pois, a inteligncia que governa os mundos. *** Todas as pesquisas, todos os trabalhos da cincia contempornea, concorrem para demonstrar a ao das leis naturais, que uma Lei suprema liga, abraa, para constituir a universal harmonia. Por essa lei, uma Inteligncia soberana se revela razo mesma das coisas, Razo consciente, Unidade universal para onde convergem, ligando-se e fundindo-se, todas as relaes, aonde todos os seres vm haurir a fora, a luz e a vida; Ser absoluto e

Existe uma fora, uma esperana, uma certeza que nos possa elevar acima de ns mesmos a um fim superior, a um princpio, a um Ser em que se identifiquem o bem, a verdade, a sabedoria? Ou ter havido em ns e em redor de ns apenas dvida, incerteza e trevas?

H uma finalidade, h uma Lei no Universo? Ou esse Universo apenas um abismo no qual o pensamento se perde por falta de ponto de apoio, em que gire sobre si mesmo, igual folha morta ao influxo do vento?

Essa inteligncia se manifesta por leis sbias e profundas, ordenadoras e conservadoras do Universo.

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Algumas objees so, no entanto, de prever. Pode-se dizer, por exemplo: as teorias sobre a matria, sobre a fora, sobre a inteligncia, tais as que formulavam outrora as escolas cientficas e filosficas, tiveram o seu tempo. Novas concepes as substituem. A fsica atual nos demonstra que a matria se dissocia pela anlise, se resolve em centros de foras, e que a fora se reabsorve no ter universal. Sim, certamente, os sistemas envelhecem e passam; as frmulas gastam-se; mas a idia eterna reaparece sob formas cada vez mais novas e mais ricas. Materialismo e espiritualismo so aspectos transitrios do conhecimento. Nem a Matria, nem o Esprito so o que deles pensavam as escolas de outrora, e talvez a matria, o pensamento e a vida estejam ligados por laos estreitos, que comeamos a entrever. Certos fatos, no entanto, subsistem e outros problemas se impem. A matria e a fora se reabsorvem no ter; mas, que o ter? , diz-nos, a matria-prima, o substrato definitivo de todos os movimentos. O prprio ter atravessado por movimentos inumerveis: radiaes luminosas e calorficas, correntes de eletricidade e de magnetismo. Ora, perfeitamente necessrio que esses movimentos sejam regulados de certa maneira. *** A fora gera o movimento, mas a fora no a lei. Cega e sem guia, ela no poderia produzir a ordem e a harmonia no Universo. Estas so, no entanto, manifestas. No cimo da escala das foras aparece a energia mental, a vontade que constri as frmulas e fixa as leis. 3 A inrcia, dir-nos-o, ainda relativa, visto que a matria energia concentrada. Na realidade, todas as partes constitutivas de um corpo se movem. Entretanto, a energia armazenada nesses corpos s pode entrar em potncia de ao quando a matria componente dissociada. No o caso dos planetas, cujos elementos representam a matria em seu ltimo grau de concreo. Seus movimentos no se podem explicar por uma fora interna, mas somente pela interveno de uma energia exterior. Desde Pitgoras at Claude Bernard, todos os pensadores afirmam que a matria desprovida de espontaneidade. Toda tentativa de emprestar substancia inerte uma espontaneidade capaz de organizar e de explicar a fora tem sido em vo.

perfeito, fundamente imutvel e fonte eterna de toda a cincia, de toda a verdade, de toda a sabedoria, de todo o amor.

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A inrcia diz G. Le Bon 4 a resistncia de causa desconhecida, que os corpos opem ao movimento ou mudana de movimento. Ela suscetvel de medida que se define pelo termo massa. A massa , pois, a medida da inrcia da matria, seu coeficiente de resistncia ao movimento.

preciso, pois, aceitar a necessidade de um primeiro motor transcendente para explicar o sistema do mundo. A mecnica celeste no se explica por si mesma, e a existncia de um motor inicial se impe. A nebulosa primitiva, me do Sol e dos planetas, era animada de um movimento giratrio. Mas quem lhe imprimira esse movimento? Respondemos sem hesitar: Deus. 5 somente a cincia contempornea que nos revela Deus, o Ser Universal? O homem interroga a histria da Terra; evoca a memria das multides mortas, das geraes que repousam sob a poeira dos sculos; interroga a f crdula dos simples e a f raciocinada dos sbios; e, por toda parte, acima das opinies contraditrias e das polmicas das escolas, acima das rivalidades de casta, de interesses e de paixes, ele v os transportes, as aspiraes ***

do pensamento humano para a Causa que vela, augusta e silenciosa, sob o vu misterioso das coisas. Em todos os tempos e em todos os meios a queixa humana sobe para esse Esprito divino, para essa Alma do mundo que se honra sob nomes diversos, mas que, sob tantas denominaes Providncia, grande Arquiteto, Ser supremo, Pai celeste , sempre o Centro, a Lei, a Razo universal, em que o mundo se conhece, se possui, encontra sua conscincia e seu eu. Lon Denis O Grande Enigma E assim que, acima desse incessante fluxo e refluxo de elementos passageiros e mutveis, acima dessa variedade, dessa diversidade infinita dos seres e das coisas que constituem o domnio da Natureza e da Vida, o pensamento encontra no Universo esse princpio fixo, imutvel, essa Unidade consciente em que se unem a essncia e a substncia, fonte primeira de todas as conscincias e de todas as formas, visto que conscincia e forma, essncia e substncia, no podem existir uma sem a outra. Elas se unem para constituir essa Unidade viva, esse Ser absoluto e necessrio, fonte de todos os seres, ao qual chamamos Deus. A linguagem humana , entretanto, impotente para exprimir a idia do Ser infinito. Desde que nos servimos de nomes e de termos, limitamos o que sem limites. Todas as definies so insuficientes e, de certo modo, induzem o erro. Entretanto, o pensamento para se exprimir precisa de termo. O menos afastado da realidade aquele pelo qual os padres do Egito designavam Deus: Eu sou, isto , eu sou o Ser por excelncia, absoluto, eterno, e do qual emanam todos os seres. ***

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Um mal-entendido secular divide as escolas filosficas quanto a estas questes. O materialismo via no Universo somente a substncia e a fora. Parecia ignorar os estados quintessenciados, as transformaes infinitas da matria. O espiritualismo v em Deus s o princpio espiritual e no considera imaterial tudo o que no cai sob os nossos sentidos. Ambos se enganam. O mal-entendido que os separa cessar quando os materialistas virem em seu princpio e os espiritualistas em seu Deus a fonte dos trs elementos: substncia, fora, inteligncia, cuja unio constitui a vida universal. Por isso, basta compreender duas coisas: se se admite que a substncia esteja fora de Deus, Deus no infinito, e, pois que a conscincia existe no mundo atual, preciso evidentemente que ela se encontre naquilo que tem sido o Princpio do mundo. Mas a Cincia, depois de se haver retardado durante meio sculo nos desertos do materialismo e do positivismo, depois de ter reconhecido a esterilidade deles, a cincia atual modificou a sua orientao. Em todos os domnios: fsica, qumica, biologia, psicologia, ela se encaminha hoje, a passo decidido, para essa grande unidade que se entrev no fundo de tudo. Por toda parte ela reconhece a unidade de foras, a unidade de leis. Atrs de toda substncia em movimento encontra-se a fora, e a fora no seno a projeo do pensamento, da vontade na substncia. A eterna criao, a eterna renovao dos seres e das coisas tosomente a projeo constante do pensamento divino no Universo.

Pouco a pouco, o vu se levanta; o homem comea a entrever a evoluo grandiosa da vida na superfcie dos mundos. Ele v a correlao das foras e a adaptao das formas e dos rgos em todos os meios; sabe que a vida se desenvolve, se transforma e se apura medida que percorre sua espiral imensa; compreende que tudo est regulado visando a um fim, que o aperfeioamento contnuo do ser e o crescimento nele da soma do bem e do belo. Mesmo neste mundo, ele pode seguir essa lei majestosa do progresso, atravs de todo o lento

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trabalho da Natureza, desde as formas nfimas do ser, desde a clula verde flutuando no seio das guas, at o homem consciente no qual a unidade da vida se afirma, e acima dele, de grau em grau, at o infinito. E essa ascenso s se compreende, s se explica pela existncia de um princpio universal, de uma energia incessante, eterna, que penetra toda a Natureza; ela quem regula e estimula essa evoluo colossal dos seres e dos mundos para o melhor, para o bem.

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No procures Deus nos templos de pedra e de mrmore, homem que o queres conhecer, e sim no templo eterno da Natureza, no espetculo dos mundos a percorrer o Infinito, nos esplendores da vida que se expande em sua superfcie, na vista dos horizontes variados: plancies, vales, montanhas e mares que a tua morada terrestre te oferece. Por toda parte, luz brilhante do dia ou sob o manto constelado das noites, margem dos oceanos tumultuosos, e assim na solido das florestas, se te sabes recolher, ouvirs as vozes da Natureza e os sutis ensinamentos que murmuram ao ouvido daqueles que freqentam suas solides e estudam seus mistrios. ***

E esse grande Ser, absoluto, eterno, que conhece as nossas necessidades, ouve o nosso apelo, nossas preces, que sensvel s nossas dores, qual o imenso foco em que todos os seres, pela comunho do pensamento e do sentimento, vm haurir foras, o socorro, as inspiraes necessrias para gui-los na senda do destino, sust-los em suas lutas, consollos em suas misrias, levant-los em seus desfalecimentos e em suas quedas.

Deus, tal qual o concebemos, no , pois, o Deus do pantesmo oriental, que se confunde com o Universo, nem o Deus antropomorfo, monarca do cu, exterior ao mundo, de que nos falam as religies do Ocidente. Deus manifestado pelo Universo do qual a representao sensvel , mas no se confunde com este. De igual maneira que em ns a unidade consciente, a Alma, o eu, persiste no meio das modificaes incessantes da matria corporal, assim, no meio das transformaes do Universo e da incessante renovao de suas partes, subsiste o Ser que a Alma, a conscincia, o eu que o anima e lhe comunica o movimento e a vida.

A Terra voga sem rudo na extenso. Essa massa de dez mil lguas de circuito desliza sobre as ondas do ter qual um pssaro no Espao, qual um mosquito na luz. Nada denuncia sua marcha imponente. Nenhum ranger de rodas, nenhum murmrio de vagas sob seus flancos. Silenciosa, ela passa, rola entre suas irms do cu. Toda a potente mquina do Universo se agita; os milhes de sis e de mundos que a compem, mundos perto dos qual o nosso vale por uma criana, todos se deslocam, se entrecruzam, prosseguem suas evolues com velocidades aterradoras, sem que som algum ou qualquer choque venha trair a ao desse gigantesco aparelho. O Universo continua calmo. o equilbrio absoluto; a majestade de um poder misterioso, de uma Inteligncia que no se impe, que se esconde no seio das coisas, e cuja presena se revela ao pensamento e ao corao, e que atrai o pesquisador qual a vertigem do abismo.

Se a Terra evolucionasse com estrondo, se o mecanismo do mundo se regulasse com fracasso, os homens, aterrorizados, curvar-se-iam e creriam. Mas, no! A obra formidvel se executa sem esforo. Globos e sis flutuam no Infinito, to livres quanto plumas sob a brisa. Avante, sempre avante! O rondar das esferas se efetua guiado por uma potncia invisvel. A vontade que dirige o Universo se disfara a todos os olhares. As coisas esto dispostas de maneira que ningum obrigado a lhes dar crdito. Se a ordem e a harmonia do Cosmos no bastam para convencer o homem, este livre no conjeturar. Nada constrange o cptico para ir a Deus.

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O mesmo acontece s coisas morais. Nossas existncias se desenrolam e os acontecimentos se sucedem sem ligao aparente; mas, a imanente justia domina ao alto e regula nossos destinos segundo um princpio imutvel, pelo qual tudo se encadeia em uma srie de causas e de efeitos. Seu conjunto constitui uma harmonia que o esprito emancipado de preconceitos, iluminado por um raio da Sabedoria, descobre e admira. Que ns sabemos do Universo? Nossa vista s percebe um conjunto restrito do imprio das coisas. Somente os corpos materiais, nossa semelhana, a afetam. A matria sutil e difusa nos escapa. 6 Vemos o que h de mais grosseiro, em tudo que nos cerca. Todos os mundos fludicos, todos os crculos onde a vida superior se agita, a vida radiosa, se eclipsam aos olhos humanos. Distinguimos apenas os mundos opacos e pesados que se movem nos cus. O Espao que os separa nos parece vazio. Por toda parte, profundos abismos parecem abrir-se. Erro! O Universo est cheio. Entre essas moradas materiais, no intervalo desses mundos planetrios, prises ou presdios flutuam no Espao, outros domnios da Vida se estendem, vida espiritual, vida gloriosa, que nossos sentidos espessos no podem perceber porque, sob suas radiaes, quebraria qual se rompe o vidro ao choque de uma pedra. A sbia Natureza limitou nossas percepes e nossas sensaes. degrau a degrau que ela nos conduz no caminho do saber. lentamente, trecho por trecho, vidas depois de vidas, que ela nos leva ao conhecimento do Universo, seja visvel, seja oculto. O ser sobe, um a um, os degraus da escadaria gigantesca que conduz a Deus. E cada um desses degraus representa para o ser uma longa srie de sculos. Se os mundos celestes nos aparecessem de repente, sem vus, em toda a sua glria, ficaramos aturdidos, cegos. Mas, nossos sentidos exteriores foram medidos e limitados. Eles avultam e se apuram medida que o ser se eleva na escala da existncia e dos aperfeioamentos. O mesmo se d com o conhecimento, a possesso das leis morais. O Universo se desvenda aos nossos olhos proporo que a nossa capacidade de compreender as suas leis se desenvolve e engrandece. Lenta a incubao das Almas sob a luz divina. a ti, Potncia Suprema! Qualquer que seja o nome que te dem e por mais imperfeitamente que sejas compreendida; a ti, fonte eterna da vida, da beleza, da harmonia, que se elevam nossas aspiraes, nossa confiana, nosso amor. Onde ests, em que cus profundos, misteriosos, tu te escondes? Quantas Almas acreditaram que bastaria, para te encontrar, o deixar a Terra! Mas tu te conservas invisvel no mundo espiritual, quanto no mundo terrestre, invisvel para aqueles que no adquiriram ainda a pureza suficiente para refletir teus divinos raios. ***

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Homens! Aprendei a imergir em vs mesmos, a esquadrinhar os mais ntimos recnditos do vosso ser; interrogai-vos no silncio e no retiro. E aprendereis a reconhecer-vos, a conhecer o poder escondido em vs. ele que leva e faz resplandecer no fundo de vossas conscincias as santas imagens do bem, da verdade, da justia, e honrando essas imagens

Tudo revela e manifesta, no entanto, tua presena. Tudo quanto na Natureza e na Humanidade canta e celebra o amor, a beleza, a perfeio, tudo que vive e respira mensagem de Deus. As foras grandiosas que animam o Universo proclamam a realidade da Inteligncia divina; ao lado delas, a majestade de Deus se manifesta na Histria, pela ao das grandes Almas que, semelhantes a vagas imensas, trazem s plagas terrestres todas as potncias da obra de sabedoria e de amor. E Deus est, assim, em cada um de ns, no templo vivo da conscincia. aquele o lugar sagrado, o santurio em que se encontra a divina centelha.

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divinas, rendendo-lhes um culto dirio, que essa conscincia, ainda obscura, se purifica e se ilumina. Pouco a pouco, a luz se engrandece em ns outros. De igual modo que gradualmente, de maneira insensvel, as sombras do lugar luz do dia, assim a Alma se ilumina das irradiaes desse foco que reside nela e faz desabrochar, em nosso pensamento e em nosso corao, formas sempre novas, sempre inesgotveis de verdade e de beleza. E essa luz tambm harmonia penetrante, voz que canta na alma do poeta, do escritor, do profeta, e os inspira e lhes dita as grandes e fortes obras, nas quais eles trabalham para elevao da Humanidade. Mas, sentem essas coisas apenas aqueles que, tendo dominado a matria, se tornaram dignos dessa comunho sublime, por esforos seculares, aqueles cujo senso ntimo se abriu s impresses profundas e conhece o sopro potente que atia os clares do gnio, sopro que passa pelas frontes pensativas e faz estremecer os envoltrios humanos.

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O Universo uno, posto que triplo na aparncia. Esprito, Fora e Matria no parecem ser mais que os modos, os trs estados de uma substncia imutvel em seu princpio, varivel ao infinito em suas manifestaes.

II Unidade substancial do Universo

A Matria, dissemos, um modo, uma forma transitria da substncia universal. Ela escapa anlise e desaparece sob a objetiva dos microscpios, para se transmudar em radiaes sutis. No tem existncia prpria; as filosofias que a tomam por base repousam sobre uma aparncia, uma espcie de iluso. 7

O Universo vive e respira, animado por duas correntes poderosas: a absoro e a difuso. Por essa expanso, por esse sopro imenso, Deus, o Ser dos seres, a Alma do Universo, cria. Por seu amor, atrai a si. As vibraes do seu pensamento e da sua vontade, fontes primeiras de todas as foras csmicas, movem o Universo e geram a Vida. A unidade do Universo, por muito tempo negada ou incompreendida, comea a ser entrevista pela Cincia. H quatro lustros, W. Crookes, no curso de estudos sobre a materializao dos Espritos, descobria o quarto estado da Matria, o estado radiante, e essa descoberta, por suas conseqncias, ia destruir todas as velhas teorias clssicas sobre o assunto. Estas estabeleciam distino entre a Matria e a Fora. Sabemos agora que ambas se confundem. Sob a ao do calor, a matria mais grosseira se transforma em fluidos; os fluidos, por sua vez, se reduzem a um elemento mais sutil, que escapa aos nossos sentidos. Toda matria pode ser transformada em fora e toda fora se condensa em matria, percorrendo assim um crculo incessante. 8 As experincias de Crookes prosseguiram e foram confirmadas por uma legio de investigadores. O mais clebre, Roentgen, denominou raios X as irradiaes emanadas das ampolas de vidro; tm eles a propriedade de atravessar a maior parte dos corpos opacos e permitem perceber e fotografar o invisvel aos nossos olhos. Pouco depois, o Sr. Becquerel demonstrava as propriedades que tm certos metais de emitir irradiaes obscuras, que penetram a matria mais densa, quais os raios Roentgen, e impressionam as placas fotogrficas atravs das lminas metlicas.

O rdium, descoberto pelo Sr. Curie, produz calor e luz, de maneira contnua, sem se esgotar de modo sensvel. Os corpos submetidos sua ao se tornam por sua vez irradiantes. Posto que a quantidade de energia irradiada por esse metal seja considervel, a perda de substncia material que lhe corresponde quase nula. W. Crookes calculou que um sculo seria necessrio para a dissociao de um grama de rdium. 9 Mais ainda: as engenhosas descobertas de G. Le Bon 10 provaram que as irradiaes so uma propriedade geral de todos os corpos. A matria pode dissociar-se indefinidamente; ela energia concretizada. Assim, a teoria do tomo indivisvel, que h dois milnios servia de base Fsica e Qumica, desmorona-se e, com ela, as distines clssicas entre o pondervel e o impondervel. 11 A soberania da Matria, que se dizia absoluta, eterna, teve fim.

preciso, pois, reconhecer que o Universo no tal como parecia a nossos fracos sentidos. O mundo fsico constitui nfima parte dele. Fora do crculo de nossas percepes existe uma infinidade de foras e de formas sutis que a Cincia ignorou at hoje. O domnio do invisvel muito mais vasto e mais rico que o do mundo visvel. Em sua anlise dos

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elementos que constituem o Universo, a Cincia tem errado durante sculos, e agora lhe necessrio destruir o que to penosamente edificou. O dogma cientfico da unidade irredutvel do tomo, desmoronando-se, arrasta todas as teorias materialistas. A existncia dos fluidos, afirmada pelos Espritos h meio sculo o que lhes valeu tantos sarcasmos da parte dos sbios oficiais , est estabelecida, doravante, pela experimentao, de maneira rigorosa.

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Os seres vivos, por sua parte, emitem irradiaes de naturezas diferentes. Eflvios humanos, variando de forma e de intensidade sob a ao da vontade, impregnam placas com misteriosa luz. Esses influxos, quer nervosos, quer psquicos, conhecidos desde muito pelos magnetizadores e espritas, mas negados pela Cincia, so autenticados hoje pelos fisiologistas, no grau de realidade irrecusvel. Por esse caminho encontrado o princpio da telepatia. As volies do pensamento, as projees da vontade, transmitem-se atravs do Espao, quais as vibraes do som e as ondulaes da luz, e vo impressionar organismos em simpatia com o do emitente. As Almas em afinidade de pensamento e de sentimento podem trocar seus eflvios, em todas as distncias, de igual maneira que os astros permutam, atravs dos abismos do Espao, seus raios trmulos. Descobrimos ainda a o segredo das ardentes simpatias ou das invencveis repulses que certos homens sentem uns pelos outros, primeira vista. A maior parte dos problemas psicolgicos sugesto, comunicao distncia, aes e reaes ocultas, viso atravs de obstculos encontram a a sua explicao. Estamos ainda na aurora do verdadeiro conhecimento, mas o campo das pesquisas se acha largamente aberto e a Cincia vai marchar, de conquista em conquista, em senda rica de surpresas. O mundo invisvel se revela a prpria base do Universo, a fonte eterna das energias fsicas e vitais que animam o Cosmos. Rui assim o principal argumento daqueles que negam a possibilidade da existncia dos Espritos, dos que no podiam conceber a vida invisvel, por falta de um substrato, de uma substncia que escapa aos nossos sentidos. Ora, ns encontramos, conjuntamente, no mundo dos imponderveis, os elementos constitutivos da vida desses seres e as foras que lhes so necessrias para manifestar sua existncia.

Os fenmenos espritas, de toda ordem, explicam-se pelo fato de que um dispndio considervel de energia pode produzir-se sem dispndio aparente de matria. Os transportes, a desagregao e a reconstituio espontneos de objetos, em cmaras fechadas; os casos de levitao; a passagem dos Espritos atravs dos corpos slidos; aparies e materializaes, que provocaram tanta admirao e suscitaram tantos sarcasmos; tudo isso se torna fcil de compreender, desde que se conhea o jogo das foras e dos elementos em ao nesses fenmenos. De tal dissociao de matria, de que fala G. Le Bon e que o homem ainda impotente para produzir, os Espritos possuem, de h muito, as regras e as leis. A aplicao dos raios X no explica tambm o fenmeno da dupla vista dos mdiuns e o da fotografia esprita? Com efeito, se as placas podem ser influenciadas por certos raios obscuros, por diversas irradiaes de matria impondervel, que penetram os corpos opacos, maior e mais forte razo existe para que os fluidos quintessenciados do envoltrio dos Espritos possam, em determinadas condies, impressionar a retina dos videntes, aparelho mais delicado e mais complexo que a placa de vidro. assim que o Espiritismo se fortalece cada dia, pela aquisio de argumentos tirados das descobertas da Cincia, e que acabaro por abalar os mais endurecidos cpticos. ***

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A grande querela secular que dividia as escolas filosficas reduz-se, pois, a uma questo de palavras. Nas experincias em que a W. Crookes coube tomar a iniciativa, a matria fundese, o tomo desaparece; em seu lugar surge a energia. A substncia um Proteu que reveste mil formas inesperadas. Os gases, que se consideravam permanentes, se liquefazem; o ar se decompe em elementos muito mais numerosos do que a cincia de ontem ensinava; a radioatividade, isto , a aptido dos corpos desagregao, emitindo eflvios anlogos aos raios catdicos, revela-se qual um fato universal. Uma revoluo se d nos domnios da Fsica e da Qumica. Por toda parte, em nosso redor, vemos expandirem-se fontes de energia, imensos reservatrios de foras, muito superiores em potncia a tudo quanto at hoje se conhecia. A Cincia se encaminha, pouco a pouco, para a grande sntese unitria, que a lei fundamental da Natureza. Seus mais recentes descobrimentos tm alcance incalculvel, no sentido de demonstrar, experimentalmente, o grande princpio constitutivo do Universo: unidade das foras, unidade das leis. O encadeamento prodigioso das foras e dos seres precisa-se, completa-se. Verifica-se existir continuidade absoluta, no s entre todos os estados da Matria, mas ainda entre estes e os diferentes estados da fora. 12 A energia parece ser a substncia nica, universal. No estado compacto, ela reveste as aparncias a que chamamos matria slida, lquida, gasosa; sob um modo mais sutil, constitui os fenmenos de luz, calor, eletricidade, magnetismo, afinidade qumica. Estudando a ao da vontade sobre os eflvios e as irradiaes, poderamos, talvez, entrever o ponto, o vrtice em que a fora se torna inteligente, em que a Lei se manifesta, em que o Pensamento se transforma em vida. 13

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Consciente de sua ignorncia e de sua fraqueza, o homem fica confundido diante dessa unidade formidvel que abrange todas as coisas e com ela conduz a vida das Humanidades. Ao mesmo tempo, entretanto, o estudo do Universo lhe abre fontes profundas de gozos e de emoes. Apesar de nossa enfermidade intelectual, o pouco que entrevemos das leis universais nos arrebatam; na Potncia ordenadora das leis e dos mundos pressentimos Deus e, por isso, adquirimos a certeza de que o Bom, o Belo, a Harmonia perfeita, reina acima de tudo.

E isso porque tudo se liga e encadeia no Universo. Tudo regulado pela lei do nmero, da medida, da harmonia. As manifestaes mais elevadas de energia confinam com a inteligncia. A fora se transforma em atrao; a atrao se faz amor. Tudo se resume em um poder nico e primordial, motor eterno e universal, ao qual se do nomes diversos e apenas o Pensamento, a Vontade divina. Suas vibraes animam o Infinito! Todos os seres, todos os mundos se banham no oceano das irradiaes que emanam do inesgotvel foco.

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Estamos unidos a Deus na relao estreita que liga a causa ao efeito, e somos to necessrios sua existncia quanto Ele necessrio nossa. Deus, Esprito Universal, manifesta-se na Natureza, e o homem , sobre a Terra, a mais alta expresso dessa Natureza. Somos a criao e a expresso de Deus, que a fonte do Bem. Mas esse Bem, eu o possuo somente no estado de grmen, e nossa tarefa consiste em desenvolv-lo. Nossas vidas sucessivas, nossa ascenso na espiral infinita das existncias, no tm outro fim. Tudo est escrito no fundo da Alma em caracteres misteriosos: o passado, de onde emergimos e devemos aprender a sondar; o futuro, para o qual evolvemos, futuro que ns mesmos edificaremos qual monumento maravilhoso, feito de pensamentos elevados, de nobres aes, de devotamentos e de sacrifcios. A tarefa que cada um tem a realizar resume-se em trs palavras: saber, crer, querer isto , saber que temos recnditos e inatos recursos incalculveis; crer na eficincia de nossa ao sobre os dois mundos, o da Matria e o do Esprito; querer o Bem, dirigindo o nosso pensamento para o que belo e grandioso, conformando as nossas aes com as leis eternas do trabalho, da justia e do amor. Vindas de Deus, todas as Almas so irms; todos os filhos da raa humana so unidos por laos estreitos de fraternidade e solidariedade. E porque os progressos de cada um so sentidos por todos, os rebaixamentos de um s afetam o conjunto. Da paternidade de Deus decorre a fraternidade humana; todas as relaes que nos ligam unem-se a esse fato. Deus, pai das Almas, deve ser considerado o Ser consciente por excelncia e nunca em grau de abstrao. Aqueles que possuem reta conscincia e so esclarecidos por um raio do Alto reconhecem Deus e o servem na Humanidade, que sua filha e sua criao. Atingindo o homem o conhecimento de sua verdadeira natureza e de sua unidade em Deus, tendo entrado essa noo em sua conscincia e em seu corao, ele se eleva at Verdade suprema; domina, do topo, as vicissitudes terrestres; encontra a fora que remove montanhas, que o torna vencedor na luta contra as paixes e permite desprezar as decepes e a morte. Executa ento o que o vulgo chama prodgios. Por sua vontade, por sua f, submete, governa a substncia; quebra as fatalidades da matria; torna-se quase um deus para os outros homens. Muitos, em sua passagem por este mundo, chegaram a essas alturas

Deus o Esprito de Sabedoria, de Amor e de Vida, o Poder Infinito que governa o mundo. O homem finito, mas tem a intuio do Infinito. O princpio espiritual, de que detentor, incita-o a perscrutar os problemas que excedem os limites atuais de seu entendimento. Seu Esprito, prisioneiro na carne, separa-se dela, s vezes, e eleva-se aos domnios superiores do pensamento, donde lhe vm essas altas aspiraes, as quais muitas vezes so seguidas de recadas na matria. Da tantas pesquisas, tentativas e erros, a tal ponto que seria impossvel distinguir a verdade, no amontoado dos sistemas e das supersties, que o trabalho das idades tem acumulado, se os Poderes Invisveis no viessem fazer a luz nesse caos. Cada Alma uma irradiao da grande Alma universal, uma centelha gerada do Eterno Foco. Ns, porm, nos ignoramos a ns mesmos, e essa ignorncia a causa de nossa fraqueza e de todos os nossos males.

III Solidariedade comunho universal

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de vistas, mas s o Cristo delas se compenetrou, a ponto de dizer face de todos: Eu e meu Pai somos um; Ele est em mim e eu estou Nele.. Estas palavras no se aplicam, entretanto, a Ele somente; so verdadeiras para a Humanidade inteira. O Cristo sabia que todo homem deve chegar compreenso de sua natureza ntima, e nesse sentido que dizia a seus discpulos: Vs sois todos deuses.. 14

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Todos os seres esto ligados uns aos outros e se influenciam reciprocamente: O Universo inteiro est submetido lei da solidariedade. Os mundos nas profundezas do ter, os astros que, a milhares de lguas de distncia, entrecruzam seus raios de prata, conhecem-se, chamam-se e respondem-se. Uma fora, que denominamos atrao, os rene atravs dos abismos do Espao. ***

Poder-se-ia acrescentar: deuses para o futuro! a ignorncia da nossa natureza e das foras divinas que dormem em nosso ntimo, a idia insuficiente que fazemos do nosso papel e das leis do destino que nos entregam s influncias inferiores, ao que chamamos o Mal. Na realidade, o fato se reduz a uma falta de desenvolvimento. O estado de ignorncia no , por si mesmo, um mal; somente uma das formas, uma das condies necessrias da lei de evoluo. Nossa inteligncia no amadureceu ainda; nossa razo, criana, tropea nos acidentes do caminho; da o erro, os desfalecimentos, as provaes, a dor. Mas todas essas coisas sero um bem se as considerarmos outros tantos meios de educao e elevao. A Alma deve atravess-las para chegar concepo das verdades superiores, possesso da parte de glria e de luz, que far dela uma eleita do cu, uma expresso perfeita do Poder e do Amor infinitos. Cada ser possui os rudimentos de uma inteligncia que atingir o gnio e tem a imensidade dos tempos para desenvolv-la. Cada vida terrestre uma escola, a escola primria da Eternidade. Na lenta ascenso que leva o homem a Deus, procuramos, antes de tudo, a ventura, a felicidade. Todavia, em seu estado de ignorncia, no poderia ele atingir esses bens, porque os procura quase sempre onde no esto, na regio das miragens e das quimeras, por meio de processos cuja falsidade s lhe aparece depois das decepes e dos sofrimentos. So esses sofrimentos que nos esclarecem; nossas dores so lies austeras; elas nos ensinam que a verdadeira felicidade no est nas coisas da matria passageira e mutvel, mais na perfeio moral. Nossos erros e faltas repetidos, com as fatais conseqncias que trazem, acabam por nos dar a experincia, e esta nos conduz sabedoria, isto , ao conhecimento inato, intuio da verdade. Chegado a esse slido terreno, o homem sentir o lao que o une a Deus e avanar, em passo mais seguro, de estdios em estdios, para a grande luz que no se extingue nunca.

De igual maneira, na escala da vida, todas as Almas esto unidas por mltiplas relaes. A solidariedade que as liga funda-se em identidade de sua natureza, na igualdade de seus sofrimentos atravs dos tempos, na similitude de seus destinos e de seus fins. A exemplo dos astros dos cus, todas essas Almas se atraem. A Matria exerce sobre o Esprito seus poderes misteriosos. Qual Prometeu sobre sua rocha, ela o encadeia aos mundos obscuros. A Alma humana sente todas as atraes da vida inferior; ao mesmo tempo percebe os chamados do Alto. Nessa penosa e laboriosa evoluo que arrasta os seres, h um fato consolador sobre o qual bom insistir: em todos os graus de sua ascenso, a Alma atrada, auxiliada, socorrida pelas entidades superiores. Todos os Espritos em marcha so auxiliados por seus irmos mais adiantados e devem auxiliar, por sua vez, todos os que lhes esto abaixo.

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maravilhosa essa fecundao constante do mundo inferior pelo mundo superior. Da vm todas as intuies geniais, as inspiraes profundas, as revelaes grandiosas. Em todos os tempos, o pensamento elevado irradiou no crebro humano. Deus, em sua eqidade, nunca recusou seu socorro nem sua luz a raa alguma, a povo algum. A todos tem enviado guias, missionrios, profetas. A verdade uma e eterna; ela penetra na Humanidade por irradiaes sucessivas, medida que nosso entendimento se torna mais apto para assimil-la. Cada revelao nova continuao da antiga. este o carter do Espiritualismo moderno, que traz um ensino, um conhecimento mais completo do papel do ser humano, uma revelao dos poderes recnditos que ele possui e tambm de suas relaes ntimas com o pensamento superior e divino. O homem, Esprito encarnado, tinha esquecido seu verdadeiro papel. Sepultado na matria, perdia de vista os grandes horizontes de seu destino; desprezava os meios de desenvolver seus recursos latentes, de se tornar mais feliz, tornando-se melhor. A revelao nova lhe vem lembrar todas essas coisas. Vem despertar as Almas adormecidas, estimular sua marcha, provocar sua elevao. Ela ilumina os recnditos obscuros do nosso ser, diz nossas origens e nossos fins, explica o passado pelo presente e abre um porvir que temos a liberdade de tornar grande ou miservel, segundo nossos atos. Uma das conseqncias dessa solidariedade que nos liga que a vista dos sofrimentos de alguns perturba e altera a serenidade de outros. A Alma humana s pode realmente progredir na vida coletiva, trabalhando em benefcio de todos. ***

Por mais limitada que seja a ao do anel, um s de seus impulsos pode limitar toda a cadeia.

Cada individualidade forma um anel da grande cadeia dos seres. A solidariedade que os liga pode muito bem restringir um tanto a liberdade de cada um; mas, se esta liberdade limitada em extenso, no o na intensidade.

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Assim, preocupao constante dos Espritos elevados levar s regies obscuras, s Almas retardadas nos caminhos da paixo e do erro, as irradiaes do seu pensamento e os transportes do seu amor. Nenhuma Alma pode perder-se; se todas tiverem sofrido, todas sero salvas. No meio de suas provas dolorosas, a piedade e o afeto de suas irms as enlaam e as arrastam para Deus. Como compreender, com efeito, que os Espritos radiosos possam esquecer aqueles que outrora amaram, aqueles que partilharam suas alegrias, suas preocupaes, e pensam ainda nas sendas terrestres? A queixa dos que sofrem, dos que o destino encadeia ainda aos mundos atrasados, chega at eles e suscita a sua generosa compaixo. Quando um desses apelos atravessa o Espao, eles deixam as moradas etreas para derramar os tesouros de sua Caridade nos escuros sulcos dos mundos materiais. Qual vibraes de luz, os transportes do seu amor se propagam na extenso, levando o consolo aos coraes entristecidos, vertendo sobre as chagas humanas o blsamo da Esperana. Muitas vezes, tambm, durante o sono, as Almas terrestres, atradas por suas irms mais adiantadas, lanam-se com fora para as alturas do Espao, para se impregnarem dos fluidos vivificantes da ptria eterna. Ali, Espritos amigos as cercam e as exortam, reconfortam e acalmam as suas angstias; em seguida, extinguindo pouco a pouco a luz em torno delas, a fim de que as pungentes lamentaes da separao no as acabrunhem, elas as reconduzem s fronteiras dos mundos inferiores. Seu despertar melanclico, mas agradvel, e, embora

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esquecidas de sua passagem pelas altas regies, sentem-se elas reconfortadas e retomam mais alegremente os encargos de sua existncia neste mundo. ***

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Ento, a prece tornar-se- a linguagem de todos, a irradiao da Alma que, em seus transportes, agita o dinamismo espiritual e divino. Seus benefcios se estendero por todos os seres e particularmente por aqueles que sofrem, pelos ignorados da Terra e do Espao. Ela chegar queles em quem ningum pensa, que jazem na sombra, na tristeza e no esquecimento, diante de um passado acusador. Ela originar neles inspiraes novas, fortificar-lhes- o corao e o pensamento porque no tem limites a ao da prece, assim como as foras e os poderes que ela pode pr em elaborao para o bem dos outros. A prece, em verdade, nada pode mudar s leis imutveis; ela no poderia, de maneira alguma, mudar os nossos destinos; seu papel proporcionar-nos socorros e luzes que nos tornem mais fcil o cumprimento da nossa tarefa terrestre. A prece fervente abre, de par em par, as portas da Alma e, por essas aberturas, os raios de fora, as irradiaes do foco eterno nos penetram e nos vivificam.

Sob a influncia do Novo Espiritualismo, a prece tornar-se- mais nobre e mais digna; ser feita em mais respeito ao Poder Supremo, em mais f, confiana e sinceridade, em completo destaque das coisas materiais. Todas as nossas ansiedades e incertezas cessaro quando tivermos compreendido que a vida a comunho universal e que Deus e todos os seus filhos vivem, em conjunto, essa vida.

A prece a expresso mais alta dessa comunho das Almas. Considerada sob este aspecto, ela perde toda a analogia com as frmulas banais, os recitativos montonos em uso, para se tornar um transporte do corao, um ato da vontade, pelo qual o Esprito se desliga das servides da Matria, das vulgaridades terrestres, para perscrutar as leis, os mistrios do poder infinito e a ele submeter-se em todas as coisas: Pedi e recebereis! Tomada neste sentido, a prece o ato mais importante da vida; a aspirao ardente do ser humano que sente sua pequenez e sua misria e procura, pelo menos um instante, pr as vibraes do seu pensamento em harmonia com a sinfonia eterna. a obra da meditao que, no recolhimento e no silncio, eleva a Alma at essas alturas celestes, onde aumenta as suas foras, onde a impregna das irradiaes da luz e do amor divinos. Mas quo poucos sabem orar! As religies nos fizeram desaprender a prece, transformando-a em exerccio ocioso, s vezes ridculo.

No h distncia entre as Almas que se amam, porque se comunicam atravs da extenso. O Universo animado de vida potente: vibra qual uma harpa sob a ao divina. As irradiaes do pensamento o percorrem em todos os sentidos e transmitem mensagens de Esprito a Esprito, atravs do Espao. Esse Universo que Deus povoou de Inteligncias, a fim de que o conheam e o amem e cumpram a sua Lei, Ele o enche de sua presena, ilumina-o com a sua luz, aquece-o com o seu amor.

A Alma pura comunga com a Natureza inteira; inebria-se nos esplendores da Criao infinita. Tudo os astros do cu, as flores do prado, a cano do regato, a variedade das paisagens terrestres, os horizontes fugitivos do mar, a serenidade dos espaos tudo lhe fala uma linguagem harmoniosa. Em todas essas coisas visveis, a Alma atenta descobre a manifestao do pensamento invisvel que cobre o Cosmos. Este reveste para ela um aspecto encantador. Torna-se o teatro da vida e da comunho universais, comunho dos seres uns com os outros e de todos os seres com Deus, seu pai.

Nas Almas evolvidas, o sentimento da solidariedade torna-se bastante intenso para se transformar em comunho perptua com todos os seres e com Deus.

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Trabalhar com sentimento elevado, visando a um fim til e generoso, , ainda, orar. O trabalho a prece ativa desses milhes de homens que lutam e penam na Terra, em benefcio da Humanidade.

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A vida do homem de bem uma prece contnua, uma comunho perptua com seus semelhantes e com Deus. Ele no tem mais necessidade de palavras, nem de formas exteriores para exprimir sua f: ela se exprime por todos os seus atos e por todos os seus pensamentos. Ele respira e se agita sem esforo em uma atmosfera fludica cheia de ternura pelos desgraados, cheia de boa-vontade por toda a Humanidade. Essa comunho constante se torna uma necessidade, uma segunda natureza. graas a ela que todos os Espritos de eleio se mantm nas alturas sublimes da inspirao e do gnio.

Os que vivem no organismo e na materialidade, e cuja compreenso no est aberta s influncias do Alto, esses no podem saber que impresses inefveis faculta essa comunho da Alma com o Esprito Divino. Todos aqueles que, vendo a espcie humana deslizar sobre os declives da decadncia moral, procuram os meios de sustar sua queda, devem esforar-se por tornar uma realidade essa unio estreita de nossas vontades com a vontade suprema! No h ascenso possvel, encaminhamento para o Bem, se, de tempos a tempos, o homem no se volta para o seu Criador e Pai, a fim de lhe expor suas fraquezas, suas incertezas, sua misria, para lhe pedir os socorros espirituais indispensveis sua elevao. E quanto mais essa confisso, essa comunho ntima com Deus for freqente, sincera, profunda, mais a Alma se purifica e emenda. Sob o olhar de Deus, ela examina, expande suas intenes, seus sentimentos, seus desejos; passa em revista todos os seus atos e, com essa intuio, que lhe vem do Alto, julga o que bom ou mau, o que deve destruir ou cultivar. Ela compreende, ento, que tudo quanto h de mal vem do eu e deve ser abatido para dar lugar abnegao, ao altrusmo; que, no sacrifcio de si mesmo, o ser encontra o mais poderoso meio de elevao, porque, quanto mais ele se d, mais se engrandece. Deste sacrifcio faz a lei de sua vida, lei que imprime no mais profundo do seu ser, em traos de luz, a fim de que todas as aes sejam marcadas com o seu cunho. De p sobre a Terra, meu sustentculo, minha nutriz e minha me, elevo os meus olhares para o Infinito, sinto-me envolvido na imensa comunho da vida; os eflvios da Alma universal me penetram e fazem vibrar meu pensamento e meu corao; foras poderosas me sustentam, aviventam em mim a existncia. Por toda parte onde a minha vista se estende, por toda parte a que a minha inteligncia se transporta, vejo, discirno, contemplo a grande harmonia que rege os seres e, por vias diversas, os faz rumar para um fim nico e sublime. Por toda parte vejo irradiar a Bondade, o Amor, a Justia! ***

O meu Deus! O meu Pai! Fonte de toda a sabedoria, de todo o amor, Esprito Supremo cujo nome Luz, eu te ofereo meus louvores e minhas aspiraes! Que elas subam a ti, qual um perfume de flores, qual sobem para o cu os odores inebriantes dos bosques. Ajuda-me a avanar na senda sagrada do conhecimento, para uma compreenso mais alta de tuas leis, a fim de que se desenvolva em mim mais simpatia, mais amor pela grande famlia humana; pois sei que, pelo meu aperfeioamento moral, pela realizao, pela aplicao ativa em torno de mim e em proveito de todos, da caridade e da bondade, aproximar-me-ei de ti, e merecerei conhecer-te melhor, comungar mais intimamente contigo na grande harmonia dos seres e das coisas. Ajuda-me a desprender-me da vida material, a compreender, a sentir o que a vida superior, a vida infinita. Dissipa a obscuridade que me envolve; depe em minha alma

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uma centelha desse fogo divino que aquece e abrasa os Espritos das esferas celestes. Que tua doce luz e, com ela, os sentimentos de concrdia e de paz se derramem sobre todos os seres!

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Uma das impresses que nos causa, noite, a observao dos cus, a de majestoso silncio; mas esse silncio apenas aparente; resulta da impotncia dos nossos rgos.

IV As harmonias do Espao

a harmonia que, formada de intervalos desiguais, mas combinados, de acordo com justa proporo, resulta do impulso e do movimento das esferas; fundidos os tons graves e os tons agudos em um acorde comum, faz de todas essas notas, to variadas, um melodioso concerto. To grandes movimentos no se podem executar em silncio.. Quase todos os compositores de gnio que ilustraram a arte musical, assim os Bach, os Beethoven, os Mozart, etc., declararam que percebiam harmonias muito superiores a tudo que se pode imaginar, harmonias impossveis de serem descritas. Beethoven, enquanto

No sonho de Cipio, narrado por Ccero em uma das suas belas pginas, que nos legou a Antigidade, o sonhador entretm-se com a Alma de seu pai, Paulo Emlio, e a de seu av, Cipio, o africano; contempla com elas as maravilhas celestes e o dilogo seguinte se estabelece: Que harmonia essa, to poderosa e to doce que me penetra? pergunta Cipio. Responde-lhe o av:

As distncias planetrias so reguladas segundo a ordem moral da progresso harmnica; exprimem a prpria ordem das vibraes desses planetas e as harmonias planetrias; calculadas segundo estas regras, resultam em perfeito acordo. Poder-se-ia comparar o sistema solar a uma harpa imensa, da qual os planetas representam as cordas. Seria possvel, diz Azbel, reduzindo a cordas sonoras progresso das distncias planetrias, construir um instrumento completo e absolutamente afinado. 17 No fundo (e nisso reside a maravilha), a lei que rege as relaes do som, da luz e do calor a mesma que rege o movimento, a formao e o equilbrio das esferas, de igual maneira que lhes regula as distncias. Essa lei , ao mesmo tempo, a dos nmeros, das formas e das idias. a lei da harmonia por excelncia: o pensamento, a ao divina vislumbrada! A palavra humana muito pobre, insuficiente, para exprimir os mistrios adorveis da harmonia eterna. A escrita musical somente pode fornecer a sua sntese, comunicar a sua impresso esttica. A msica, idioma divino, exprime o ritmo dos nmeros, das linhas, das formas, dos movimentos. por ela que as profundezas se animam e vivem. Ela enche com suas ondas o edifcio colossal do Universo, templo augusto onde retine o hino da vida infinita. Pitgoras e Plato acreditavam j perceber a msica das esferas.

Sabe-se que a ordem de sucesso dos planetas no Espao regulada por uma lei de progresso, chamada lei de Bode. 15 As distncias dobram, de planeta a planeta, a partir do Sol. Cada grupo de satlites obedece mesma lei. Ora, esse modo de progresso tem um princpio e um sentido. Esse princpio se liga ao mesmo tempo s leis do nmero e da medida, s matemticas e harmonia. 16

Para seres mais bem aquinhoados, portadores de sentidos abertos aos rudos sutis do Infinito, todos os mundos vibram, cantam, palpitam, e suas vibraes, combinadas, formam um imenso concerto.

Esta lei das grandes harmonias celestes podemos observar em nossa prpria famlia solar.

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Mas essas alegrias, ainda ignoradas, no-las dar a evoluo, medida que nos formos elevando na escala das existncias e dos mundos. Voltemos ao estudo dos movimentos das esferas e notemos que no h, at mesmo tratando-se das prprias excees regra universal de harmonia e dos desvios aparentes dos planetas, nada h que no se explique e no seja assunto de admirao. Esses movimentos constituem espcies de dilogos de vibraes to aproximados quanto possvel do unssono e apresentam um encanto esttico a mais nesse prodgio de beleza que o Universo. Um exemplo, dos mais incisivos, o dos pequenos planetas, chamados telescpicos, que evolvem entre Marte e Jpiter, em nmero de cerca de 520, ocupando um espao de oitava inteiro, dividido em outros tantos graus; de onde a probabilidade de que esse conjunto de mundculos no constitua, como se tem acreditado, um universo de destroos, mas o laboratrio de muitos mundos em formao, mundos dos quais o estudo do cu nos dir a gnese futura. Depois, de Mercrio a Marte. a regio dos pequenos planetas, em que se move a nossa Terra, representando o papel de dominante local, com tendncia a afastar-se do Sol para se aproximar das harmonias planetrias superiores. Marte, componente desse grupo e do qual podemos distinguir, ao telescpio, os continentes, os mares, os canais gigantes, todo o aparelho de uma civilizao anterior nossa, embora menor, mais bem equilibrado que a nossa morada. As grandes relaes harmnicas que regulam a situao respectiva dos planetas de nosso sistema solar so em nmero de quatro e encontram sua aplicao: Em primeiro lugar: do Sol a Mercrio; neste ponto tambm as foras harmnicas esto em trabalho; planetas novos se esboam. J conhecemos mdiuns que percebem, em estado de transe, suaves melodias. As lgrimas abundantes que vertem testemunham no serem ilusrias suas sensaes.

Para aquele que os pode gozar plenamente, o tempo no tem medida e a srie dos dias inumerveis no parece mais que um dia.

compunha, ficava fora de si, arrebatado numa espcie de xtase, e escrevia febrilmente, ensaiando em vo reproduzir essa msica celeste que o deslumbrava. preciso uma faculdade psquica notvel para possuir a tal ponto o dom da receptividade. Os raros humanos que a possuem afirmam que, quantos j surpreenderam o sentido musical do Universo, encontraram a forma superior, a expresso ideal da beleza e da harmonia eternas. As mais elevadas concepes do gnero humano so, apenas, um eco longnquo, uma vibrao enfraquecida da grande sinfonia dos mundos. a fonte dos mais puros gozos do Esprito, o segredo da vida superior, cuja potncia e intensidade os nossos sentidos grosseiros nos impedem, ainda, de compreender e sentir.

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Os 500 planetas telescpicos constituem, em seguida, um intervalo de transio; formam uma espcie de colar de prolas celestes ligando o grupo de planetas inferiores imponente cadeia dos grandes planetas, de Jpiter a Netuno, e alm. Tal cadeia forma a quarta relao harmnica, de notas decrescentes qual o volume das esferas gigantescas que a compem. Nesse grupo, Jpiter tem o papel de dominante; os dois mundos, maior e menor, nele se combinam. Semelhantemente inverso harmnica do som diz Azbel 18 , por uma progresso constante que o grupo antigo de Netuno e Jpiter afirma a formao de seus volumes. O caos de corpsculos telescpicos que segue fez estacar bruscamente essa progresso. Jpiter l ficou qual um segundo sol, no limiar dos dois sistemas. Dos registros de oitava e de segunda

Vm depois, nas fronteiras do imprio do Sol, Urano e Netuno, planetas misteriosos e magnficos, cujo volume igual a quase uma centena de globos terrestres reunidos. A nota harmnica de Netuno seria a culminante do acorde geral, o cimo do acorde maior de todo o sistema. Depois, so outros planetas longnquos, sentinelas perdidas do nosso agrupamento celeste, ainda despercebidos, mas pressentidos e at calculados, segundo as influncias que exercem nos confins do nosso sistema, longa cadeia que nos liga a outras famlias de mundos. Mais longe se desenvolve o imenso oceano estelar, plago de luz e de harmonia, cujas vagas melodiosas por toda parte envolvem, a embal-lo, nosso universo solar, esse universo para ns to vasto e to mesquinho em relao ao Alm. a regio do desconhecido, do mistrio, que atrai sem cessar o nosso pensamento, sendo este impotente para medir, para definir seus milhes de sis de todas as grandezas, de todas as potncias, seus astros mltiplos, coloridos, focos terrficos que iluminam as profundezas, vertendo em ondas a luz, o calor, a energia, transportados na imensido com velocidades formidveis, com seus cortejos de mundos, terras do cu, invisveis, mas suspeitadas, e as famlias humanas que os habitam, os povos e as cidades, as civilizaes grandiosas de que so teatro. Por toda parte as maravilhas sucedem s maravilhas: grupos de sis animados de coloraes estranhas, arquiplagos de astros, cometas desgrenhados, errando na noite de seu aflio, focos moribundos que se acendem de repente e fulgem no fundo do abismo, plidas nebulosas de forma fantstica, fantasmas luminosos cujas irradiaes diz Herschel levam 20.000 sculos para chegar at nossa Terra, formidveis gneses de universos, beros e tmulos da vida universal, vozes do passado, promessas do futuro, esplendores do Infinito!

Saturno, com o cortejo rico que o acompanha em sua lenta revoluo atravs do Espao, constitui, por si s, um verdadeiro universo, imagem reduzida do sistema solar. um mundo de trabalho e de pensamento, de cincia e de arte, onde as manifestaes da inteligncia e da vida se desenvolvem sob formas de variedade e riqueza inimaginveis. Sua esttica sbia e complicada; o sentimento do belo tornou-se ali mais sutil e mais profundo pelos movimentos alternantes, pelos eclipses dos satlites e dos anis, por todos os jogos de sombra, de luz, de cores, em que as nuanas se fundem em gradaes desconhecidas vista dos habitantes da Terra, e tambm por acordes harmnicos, bem comoventes em suas concluses analgicas com os do universo solar por inteiro!

Mais estranho, mais maravilhoso ainda Saturno, cujo aspecto se faz to impressionante ao telescpio; Saturno igual a oitocentos globos terrestres amontoados, com seu imenso diadema, em forma de anel, e seus oito satlites, entre os quais Tit, igual em dimenses ao prprio Marte.

dominante, passou ao de tnica secundria e relativa, para exprimir o carter de registro especial, evidentemente menor e relativo, em paralelo ao do Sol, que ia preencher, enquanto formaes mais novas se dispunham aqum, afastando-o, pouco a pouco, e aos mundos seus tutelados, do astro de que o mais robusto filho. Robusto, com efeito, e bem imponente em seu curso, esse colossal Jpiter, que gosto de contemplar na calma das noites de vero, mil e duzentas vezes maior que o nosso globo, escoltado por seus cinco satlites, dos quais um, Ganimedes, tem o volume de um planeta. Ereto sobre o plano de sua rbita, de maneira a gozar de igualdade perptua de temperatura sob todas as latitudes, com dias e noites sempre uniformes em sua durao, , alm disso, composto de elementos de densidade quatro vezes menor que os de nossa macia morada, o que permite entrever, para os seres que habitam ou tero de habitar Jpiter, facilidades de deslocamento, possibilidades de vida area que devem fazer dele uma vivenda de predileo. Que teatro magnfico da vida! Que cena de encanto e de sonho esse astro gigante! Lon Denis O Grande Enigma

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E todos esses mundos unem suas vibraes em uma poderosa melodia... A alma livre dos raios terrestres, chegada a essas alturas, ouve a voz profunda dos cus eternos! Lon Denis O Grande Enigma ***

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A regra geral, embora absoluta, no , entretanto, estreita e rgida. Em certos casos, no de Netuno, a harmonia relativa parece afastar-se do princpio; nunca, entretanto, de maneira a sair dele. O estudo dos movimentos planetrios fornece a demonstrao evidente desse fato. Nessa ordem de estudos, mais do que em qualquer outra, vemos manifestar-se, em sua imponente grandeza, a lei do Belo que rege o Universo. Mal nossa ateno dirigida para as imensidades siderais, a sensao esttica torna-se intensa. Essa sensao vai engrandecer-se agora e crescer, medida que se precisarem as regras da harmonia universal, proporo que se levantar para ns o vu que nos oculta os esplendores celestes. Por toda parte encontraremos essa concordncia que encanta e comove; nesse domnio, nenhuma dessas discordncias, dessas decepes, to freqentes no seio da Humanidade. Por toda parte se desdobra essa potncia de beleza que leva ao infinito suas combinaes, abrangendo em igual unidade todas as leis, em todos os sentidos: aritmtica, geomtrica, esttica. O Universo um poema sublime do qual comeamos a soletrar o primeiro canto. Apenas discernimos algumas notas, alguns murmrios longnquos e enfraquecidos! J essas primeiras letras do maravilhoso alfabeto musical nos enchem de entusiasmo. Que ser quando, tornados mais dignos de interpretar a divina linguagem, percebermos, compreendermos as grandes harmonias do Espao, o acorde infinito na variedade infinita, o canto modulado por esses milhes de astros que, na diversidade prodigiosa de seus volumes e de seus movimentos, afinam suas vibraes por uma simpatia eterna? Perguntar-se-, porm: Que diz essa msica celeste, essa voz dos cus profundos? Essa linguagem ritmada o Verbo por excelncia, aquele pelo qual todos os mundos e todos os seres superiores se comunicam entre si, chamam-se atravs das distncias; pelo qual nos comunicaremos um dia com as outras famlias humanas que povoam o Espao estrelado. o princpio mesmo das vibraes que servem para traduzir o pensamento, a telegrafia universal, veculo da idia em todas as regies do Universo, linguagem das almas elevadas, entretendo-se de um astro a outro com suas obras comuns, com o fim a atingir, com os progressos a realizar.

As dissonncias so apenas aparentes ou transitrias. O acorde encontra-se no fundo de tudo. As regras da nossa harmonia musical parecem ser apenas conseqncia, aplicao muito imperfeita da lei da harmonia soberana que preside marcha dos mundos. Podemos, pois, crer, logicamente, que a melodia das esferas seria inteligvel para o nosso Esprito, se nossos sentidos pudessem perceber as ondas sonoras que enchem o Espao. 20

As relaes harmnicas que regem a situao dos planetas no Espao representam, como o estabeleceu Azbel, 19 a extenso do nosso teclado sonoro e se acham conforme a lei das distncias e dos movimentos. Nosso sistema solar representa uma espcie de edifcio de oito andares, isto , oito oitavas, com uma escadaria formada de 320 degraus ou ondas harmnicas, sobre a qual os planetas esto colocados, ocupando patamares indicados pela harmonia de um acorde perfeito e mltiplo.

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ainda um hino que os mundos cantam a Deus, ora cntico de alegria, de adorao, ora de lamentaes e de prece; a grande voz da coisas, o grito de amor que sobe eternamente para a Inteligncia ordenadora dos universos. ***

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Quando, pois, compreenderemos que l, nesse esplndido Universo, que nosso prprio destino se desenvolve, e estud-lo estudar o prprio meio onde somos chamados a reviver, a evolver sem cessar, penetrando-nos cada vez mais das harmonias que o enchem? Que em toda parte a vida se expande em florescncias de Almas? Que o Espao povoado de sociedades sem-nmero; s quais o ser humano est ligado pelas leis de sua natureza e de seu futuro? Ah! Quanto so de lamentar aqueles que desviam seus olhares desses espetculos e seu Esprito desses problemas! No h estudo mais impressionante, mais comovente, revelao mais alta da cincia e da arte, mais sublime lio!

Quando, pois, saberemos destacar nossos pensamentos e elev-los para os cimos? Quando saberemos penetrar esses mistrios do cu e compreender que cada descobrimento realizado, cada conquista prosseguida nessa senda da luz e de beleza, contribui para enobrecer nosso esprito e para engrandecer nossa vida moral e nos proporciona alegrias superiores a toda as da matria?

No: o segredo da nossa felicidade, de nosso poder, de nosso futuro, no est nas coisas efmeras deste mundo; reside nos ensinamentos do Alto, do Alm. E os educadores da Humanidade so muito inconscientes ou muito culpados, porque no cuidam de elevar as Almas para os cimos onde resplandece a verdadeira luz. Se a dvida ou a incerteza nos assediam; se a vida nos parece pesada; se tateamos na noite procura do fim; se pessimismo e tristeza nos invadem; acusemos a ns prprios, porque o grande livro do Infinito est aberto aos nossos olhos, com suas pginas magnficas, das quais cada palavra um grupo de astros, cada letra um sol o grande livro onde devemos aprender a ler o sublime ensinamento. A Verdade ali est escrita em letras de ouro e de fogo; chama solcita nossos olhos Verdade , realidade mais bela que todas as lendas e todas as fices.

E ela quem nos conta a vida imperecvel da Alma, suas vidas renascentes na espiral dos mundos, as estaes inumerveis no trajeto radioso, o prosseguimento do eterno bem, a conquista da plena conscincia, a alegria de sempre viver para sempre amar, sempre subir, sempre adquirir novas potncias, virtudes mais altas, percepes mais vastas. E, acima da possesso da eterna Beleza, a felicidade de penetrar as leis, de associar-se mais estreitamente obra divina e evoluo das Humanidades. Desses magnficos estudos, a idia de Deus se expande mais majestosa, mais serena. A cincia das harmonias celestes vale um pedestal grandioso sobre o qual se erige a augusta figura Beleza soberana cujo brilho, muito ofuscante para os nossos fracos olhos, fica ainda velado, mas irradia docemente atravs da obscuridade que a envolve. Idia de Deus centro inefvel para onde verguem e se fundem, em sntese sem limites, todas as cincias, todas as artes, todas as verdades superiores , tu s a primeira e a ltima palavra das coisas presentes ou passadas, prximas ou longnquas; tu s a prpria Lei, a causa nica de todas as coisas, a unio absoluta, fundamental, do Bem e do Belo, que reclama o pensamento, que exige a conscincia e na qual a Alma humana acha a sua razo de ser e a fonte inesgotvel de suas foras, de suas luzes, de suas inspiraes.

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Nos captulos precedentes demonstramos a necessidade da idia de Deus. Ela se afirma e se impe, fora e acima de todos os sistemas, de todas as filosofias, de todas as crenas. tambm livre de todo o liame com qualquer religio, a cujo estudo nos entreguemos, na independncia absoluta de nosso pensamento e de nossa conscincia. Deus maior que todas as teorias e todos os sistemas. Eis a razo por que no pode Ele ser atingido, nem minorado pelos erros e faltas que os homens tm cometido em seu nome. Deus soberano a tudo.

V Necessidade da idia de Deus

O Ser divino escapa a toda a denominao e a qualquer medida, e se lhe chamamos Deus por falta de um nome maior, assim o disse Victor Hugo. A questo de Deus o mais grave de todos os problemas suspensos sobre nossas cabeas e cuja soluo se liga, de maneira estrita, imperiosa, ao problema do ser humano e de seu destino, ao problema da vida individual e da vida social.

No lembraremos aqui as teorias e os sistemas inmeros que as religies e as escolas filosficas arquitetaram atravs dos sculos. Pouco nos importam hoje as controvrsias, as cleras, as agitaes vs do passado. Para elucidar tal assunto, temos agora recursos mais elevados que os do pensamento humano; temos o ensino daqueles que deixaram a Terra, a apreciao das Almas que, tendo franqueado o tmulo, nos fazem ouvir, do fundo do mundo invisvel, seus conselhos, seus apelos, suas exortaes. Verdade que nem todos os Espritos so igualmente aptos a tratar dessas questes. Acontece com os Espritos de Alm-Tmulo o mesmo que com os homens. Nem todos esto igualmente desenvolvidos; no chegaram todos ao mesmo grau de evoluo. Da as contradies, as diferenas de vistas. Acima, porm, da multido das Almas obscuras, ignorantes, atrasadas, h Espritos eminentes, descidos das altas esferas para esclarecer e guiar a Humanidade. Ora, que dizem esses Espritos sobre a questo de Deus? A existncia da Potncia Suprema afirmada por todos os Espritos elevados. Aqueles, dentre ns, que tm estudado o Espiritismo filosfico sabem que todos os grandes Espritos, todos aqueles cujos ensinamentos tm reconfortado as nossas almas, mitigado nossas misrias, sustentado nossos desfalecimentos, so unnimes em afirmar, em repetir, em reconhecer a alta Inteligncia que governa os seres e os mundos. Eles dizem que essa Inteligncia se revela mais brilhante e mais sublime medida que se escalam os degraus da vida espiritual. O mesmo se d com os escritores e filsofos espritas, desde Allan Kardec at nossos dias. Todos afirmam a existncia de uma causa eterna no Universo.

O conhecimento da verdade sobre Deus, sobre o mundo e a vida o que h de mais essencial, de mais necessrio, porque Ele que nos sustenta, nos inspira e nos dirige, mesmo nossa revelia. E essa verdade no inacessvel, como veremos; simples e clara; est ao alcance de todos. Basta procur-la, sem preconceitos, sem reservas, ao lado da conscincia e da razo.

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No h efeito sem causa disse Allan Kardec e todo efeito inteligente tem forosamente uma causa Inteligente. Eis o princpio sobre o qual repousa o Espiritismo. Esse princpio, quando o aplicamos s manifestaes de Alm-Tmulo, demonstra a existncia dos Espritos. Aplicado ao estudo do mundo e das leis universais, demonstra a existncia de uma causa inteligente no Universo. Eis por que a existncia de Deus constitui um dos pontos essenciais do ensino esprita. Acrescento que inseparvel do resto desse ensino, porque, neste ltimo, tudo se liga, tudo se coordena e se encadeia. Que no nos falem de dogmas! O Espiritismo no os comporta. Ele nada impe; ensina. Todo ensino tem seus princpios. A idia de Deus um dos princpios fundamentais do Espiritismo.

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Essas polmicas e essas contradies explicam-se, entretanto. Tm sua razo de ser. Devemo-nos lembrar que nem todas as inteligncias chegaram ao mesmo ponto de evoluo; que nem todos podem ver e compreender de igual modo e no mesmo sentido. Da, tantas opinies e crenas diversas. A possibilidade que temos de compreender, de julgar e de discernir s se desenvolve lentamente, de sculos em sculos, de existncias em existncias. Nosso conhecimento e nossa compreenso das coisas se completam e se tornam claros medida que nos elevamos na escala imensa dos renascimentos. Todos sabem que algum, colocado ao p da montanha, no pode desco