Carta gastronómica do Alentejo

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Carta gastronómica do Alentejo

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  • 1. CARTA GASTRONOMICA ALENTEJO MONUMENTA TRANSTAGAN~ GASTRONOMICA Mlentejo r,. o o ..... ,~~~~ t!'
  • 2. Ficha Tcnica Ttulo Carta Gastronmica do Alentejo Monumenta Transtaganae Gastronomica Projecto Confraria Gastronmica do Alentejo Coordenao Confraria Gastronmica do Alentejo Design Patrcia Alexandra Fotografia Capa e Contracapa - Jos Manuel Rodrigues Separador - Augusto Brzio Ttulo do Ebook Dr. Jos Manuel Martins Textos Antnia Conde Ana Soeiro Cludio Torres Confraria Gastronmica do Alentejo Ins de Ornelas e Castro & Fernando Melo Galopim de Carvalho Joo Cotta Dias Jos Lus Tirapicos Nunes Maria Antnia Goes Paulo Lima Edio Entidade Regional de Turismo do Alentejo ISBN 978-989-98070-3-7 Ano 2013 Distribuio Gratuita CARTA GASTRONMICA DO ALENTEJO Monumenta Transtaganae Gastronomica 0002
  • 3. In Memoria Alfredo Saramago, Doutor em Histria da Alimentao e Gastrnomo (1938-2008) Antnio Almodvar, Historiador e Gastrnomo (1948-2013) CARTA GASTRONMICA DO ALENTEJO Monumenta Transtaganae Gastronomica 0003
  • 4. Coordenao Antnio Almodvar, Historiador () (Confraria Gastronmica do Alentejo) Francisco Sabino, Socilogo (Confraria Gastronmica do Alentejo) Jos Lus Tirapicos Nunes, Mdico-Veterinrio Manuel Fialho, Gastrnomo (Confraria Gastronmica do Alentejo) Conselho Cientfico Ana Soeiro, Eng.a Agrnoma Antnio Almodvar, Historiador () Antnio Nobre, Chefe de Cozinha Joo Cotta Dias, Mdico-Veterinrio Jorge de Oliveira, Arquelogo Jos Lus Tirapicos Nunes, Mdico-Veterinrio Maria Antnio Goes, Arquitecta Paulo Lima, Antroplogo Inqurito (Coordenao) Cndida Vacas de Carvalho, Eng.a Agrnoma (Confraria Gastronmica do Alentejo) Joaquim Pessoa Lopes, Gastrnomo (Confraria Gastronmica do Alentejo) Inqurito ADL - Associao de Desenvolvimento do Litoral Alentejano ADPM - Associao de Defesa do Patrimnio de Mrtola ESDIME - Agncia de Desenvolvimento Local no Alentejo Sudoeste LeaderSor - Associao para o Desenvolvimento Rural Integrado do Sr Rota do Guadiana - Associao de Desenvolvimento Integrado Terras Dentro - Associao para o Desenvolvimento Integrado ADER-AL Associao para o Desenvolvimento Rural do Norte Alentejo Emlia Mena Machado Maria Adelaide Martins Rui Amaral Teresa Susana Simo CARTA GASTRONMICA DO ALENTEJO 0004 Monumenta Transtaganae Gastronomica
  • 5. A Propsito da Carta Gastronmica do Alentejo Confraria Gastronmica do Alentejo
  • 6. Confraria Gastronmica do Alentejo A propsito da Carta Gastronmica do Alentejo A Confraria Gastronmica do Alentejo inscreveu nos seus planos de actividade durante anos a realizao de um levantamento sistemtico do receiturio regional, de modo a poder fixar as tcnicas, as praticas, os produtos, as pocas e at os nomes das receitas em uso nas cozinhas regionais. Esse desejo foi finalmente tornado realidade decorrente de uma parceria com a Entidade Regional de Turismo do Alentejo, que no mbito do projecto Alentejo do Bom Gosto, promoveu esse levantamento, que foi coordenado pela Confraria Gastronmica do Alentejo, dando assim origem ao que agora passaremos a designar por Carta Gastronmica do Alentejo - CGA. Trata-se de um levantamento que se estendeu a toda a regio, no qual a Confraria Gastronmica do Alentejo contou com o apoio das Associaes de Desenvolvimento Local - ADL, cujo trabalho de recolha foi fundamental para que a cobertura regional fosse possvel escala que agora se apresenta. O trabalho de recolha foi realizado pelas ADL: Terras Dentro, ESDIME, ADL- LITORAL ALENTEJANO, ADER-AL, ROTA do GUADIANA, e ainda por duas equipas que fizeram a recolha do receiturio no distrito de vora e em metade do distrito de Portalegre, na rea sob influncia da LEADER SOR, que por razes tcnicas, no pde assegurar a cobertura da sua zona de actuao. A estas Associaes, assim como s pessoas envolvidas neste gigantesco trabalho de recolha e compilao do nosso receiturio, a Confraria Gastronmica do Alentejo, quer aqui manifestar o testemunho pblico do seu agrado pela forma como o trabalho foi realizado. Os Objectivos globais do projecto traduzem-se nesta frmula simples, que a Confraria tem de resto inscrito nos seus Estatutos: "valorizao do patrimnio cultura do Alentejo, atravs da promoo da gastronomia enquanto marca distintiva da regio", que inspira os objectivos especficos subjacentes execuo do presente trabalho de recolha do receiturio que informar a Carta Gastronmica do Alentejo. Complementarmente Carta Gastronmica, a qual sustentar a elaborao de parte de um Referencial destinado certificao dos estabelecimentos de restaurao da regio, iniciativa a ser desenvolvida pela ERT Alentejo e a restaurao regional. O trabalho de recolha incidiu, entre outros aspectos, sobre as seguintes questes: - Levantamento das especialidades gastronmicas caractersticas do Alentejo, dos ingredientes regionais e dos modos de confeco regionais; - Definio das matrias-primas que garantem de modo inequvoco as caractersticas das especialidades identificadas; - Definio dos modos de confeco que de forma inequvoca garantem CARTA GASTRONMICA DO ALENTEJO 0006 Monumenta Transtaganae Gastronomica
  • 7. Confraria Gastronmica do Alentejo A propsito da Carta Gastronmica do Alentejo as caractersticas da gastronomia alentejana; - Definio dos modos de produo de matrias-primas que garantem as caractersticas tpicas da gastronomia alentejana; - Definio dos produtos no oriundos da regio que so tolerveis e dos que so intolerveis para a gastronomia alentejana; - Listagem dos critrios de selectividade que iro alimentar o nvel do Referencial da Restaurao Alentejana, de forma a habilitar a entidade adjudicante com um instrumento que estabelea padres de qualidade e de exigncia para o sector na regio; - Estabelecimento das relaes entre o Receiturio e os Produtos Locais. Tendo esta base como referencial, a CGA enviou a todas as Cmaras Municipais uma carta em que expunha os objectivos do trabalho que iria ser efectuado, e apelava para a colaborao dos municpios na identificao nos seus concelhos dos nomes das pessoas que melhor poderiam contribuir com os seus conhecimentos da cozinha regional/concelhia, de forma a poderem ser contactadas e convidadas a colaborar na recolha do receiturio e tambm na disponibilizao de material relacionado com concursos de gastronomia e outras publicaes relacionadas com as gastronomias locais que por via da regra as autarquias promovem. Dada a extenso geogrfica e a dimenso do trabalho em causa, a CGA, criou um grupo de trabalho assente na Provedoria, para a coordenao das equipas das ADL que fizeram o trabalho de campo e props igualmente a criao de um Conselho Consultivo, a quem coube a tarefa de validao do receiturio recolhido, que no caso, se aproxima das mil e duzentas receitas. Para efeitos desta recolha, a regio foi dividida de acordo com as reas de implantao das ADL e com base nessa distribuio geogrfica foram constitudas as equipas que percorreram 204 da totalidade das 250 freguesias procura do nosso rico e variado patrimnio gastronmico. Essa informao constitui o corpo principal deste trabalho mas, para alm da recolha das receitas, foram em muitos casos, igualmente recolhidas inmeras gravaes das receitas e fotos relacionadas com os pratos e fotos dos entrevistados. Esses elementos podem e devem servir de suporte a um tratamento posterior que muito pode ampliar a publicao agora apresentada. Conscientes de que a Carta Gastronmica tem que ser mais do que um inventrio do CARTA GASTRONMICA DO ALENTEJO Monumenta Transtaganae Gastronomica 0007
  • 8. Confraria Gastronmica do Alentejo A propsito da Carta Gastronmica do Alentejo receiturio regional, muito embora essa seja tambm uma funo nobre do trabalho, a Confraria procurou a colaborao de especialistas e investigadores para que nos transmitissem a sua viso relacionada com esta temtica e nos dessem a conhecer as suas vises numa srie de textos que permitam o respaldo da nossa gastronomia quer numa perspectiva histrica, sociolgica e antropolgica, quer ainda numa abordagem mais tcnica/cientfica, na medida em que so hoje extremamente importantes a anlise dos factores da qualidade e da segurana alimentar de todos os seus produtos regionais constituintes. Estes textos, como se disse, escritos por investigadores e tcnicos particularmente informados e melhor habilitados, abordam reas to distintas como a gastronomia, a histria, a antropologia, constituem por assim dizer o esteio onde o receiturio aqui coligido forma, de certo modo, o edifcio de suporte a toda este manancial de informao, dando-lhe um enquadramento histrico e cultural com referncias conhecidas, certo, mas a que estes contributos, emprestam um outro sabor, que lhe acentua mais a sua genuinidade e amplia os conhecimentos que dele porventura teremos. A abordagem s temticas pelas quais a gastronomia alentejana vastamente conhecida, presentes nestes contributos, numa viso em muitos casos indita dos seus autores, emprestar o que pensamos ser uma originalidade na forma como abordamos aqui a gastronomia alentejana. A Eng Ana Soeiro prope-nos uma reflexo sobre uma gastronomia ligada terra, passando em revista todo o imenso trabalho realizado em prol da proteco de produtos do Alentejo, que hoje tm a sua excelncia reconhecida e servem de base a alguns do nossos pratos mais consagrados. O Dr Joo Cotta Dias aborda a qualidade alimentar dissertando em torno dos dois princpios base da qualidade alimentar- produzir sem defeitos e evitar avarias, terminando propondo para a Gastronomia Alentejana a aplicao do conceito de Qualidade Total para perpectuar os seus ancestrais sabores e aromas e permitir o crescimento e a expanso de bens alimentares tradicionais produzidos no Alentejo e deste modo criar as desejveis condies de bem estar social e econmico no s para a Regio, mas, tambm, para o Pas. O contributo sobre o legado imperial romano, da autoria da professora Ins de Ornellas e Castro e o Dr. Fernando Mello, conduz-nos por uma viagem que nos mostra o quanto a cozinha alentejana soube preservar esta herana cultural extraindo-lhe os elementos mais representativos da base alimentar dos romanos. A utilizao do Azeite, do Po, do Vinho, do peixe e tambm do porco, assim como o uso das especiarias, em que o imprio foi consumidor e excelente divulgador, deixaram aqui uma matriz cultural to fortemente enraizada que, passados dois milnios, e a fora CARTA GASTRONMICA DO ALENTEJO Monumenta Transtaganae Gastronomica 0008
  • 9. Confraria Gastronmica do Alentejo A propsito da Carta Gastronmica do Alentejo civilizacional de uma influncia to poderosa, como a islmica, que ainda hoje essas influncias se fazem sentir nos nossos pratos de caa, e na dita cozinha de tacho, para no referir os peixes, to do nosso agrado. O Professor Cludio Torres fala-nos da Memria dos Sabores do Mediterrneo, mostrando-nos toda a singular complexidade da nossa herana cultural que hoje tanto nos deslumbra e agrada. um texto ricamente condensado com informao particularmente interessante para percebermos no nosso bero e, tambm, porventura, um excelente contributo para melhor se entender porque somos atlnticos por posio e mediterrnicos por cultura. O Professor Galopim de Carvalho traa-nos um imaginrio do muito que felizmente ainda existe, mas tambm do que est em risco de extino ou, pura e simplesmente apenas j quase s existe nos seus escritos de memrias, de que este Aromas e Sabores do Alentejo bem revelador. O Professor Tirapico Nunes, fala-nos desse cone da gastronomia alentejana, o porco de raa alentejana, da sua histria passada e remota, das proscries que sofreu nas culturas hebraicas e muulmanas, mas tambm no enlevo com que foi acarinhado por gregos, celtas, romanos, e os ensinamentos que destes povos retivemos na arte de bem cozinhar toda a sua carne. , a par dos alhos, da massa de pimento do colorau, dos coentros, da pimenta dos cominhos, do cravo da ndia, do louro e da malagueta, com quem de resto anda associado em diversas receitas, a maior referncia comum de todo o nosso patrimnio gastronmico. A arquitecta Maria Antnia Goes deixa-nos na sua Comida de Pobres um registo dos principais produtos em uso nas nossas cozinhas e que fizeram e fazem da gastronomia alentejana uma referncia incontornvel no conjunto da gastronomia nacional. O po, as ervas do campo, as carnes e ceixes e a doaria popular, so bem a imagem da verdadeira dimenso do que em larga medida ainda o so as nossas cozinhas regionais. O texto da Professora Antnia Fialho Conde A Opo Claustral e a tradio gastronmica local e regional deixa-nos uma viso particularmente informada, centrada nos hbitos alimentares alentejanos a partir das regras conventuais. Evidencia a extraordinria diversidade de produtos e os pratos que originam, abrindo-nos igualmente a porta para esse delicioso mundo da doaria conventual alentejana, a merecer um tratado autnomo em complemento desta Carta Gastronmica. assim que na posse destas referncias e tomando como ponto de apoio os textos de Joo Cotta Dias e de Ana Soeiro, pela forma particularmente ajustada como abordam as necessidades modernas de termos em cada momento da cadeia de processamento dos produtos tradicionais e outros, que usamos no dia a dia das nossas cozinhas e na restaurao, o perfeito conhecimento dos modos de produo e de obteno desses produtos, no CARTA GASTRONMICA DO ALENTEJO Monumenta Transtaganae Gastronomica 0009
  • 10. Confraria Gastronmica do Alentejo A propsito da Carta Gastronmica do Alentejo podemos deixar de referir o importante contributo de Ana Soeiro para a qualificao dos produtos tradicionais alentejanos referidos no seu texto. A esta lista de produtos que constituem uma referncia no nosso patrimnio gastronmico, juntamos tambm uma outra informao relativa aos produtos de Salsicharia do Norte Alentejano, na qual se d nota, em trabalho detalhado, do receiturio, produtos e modo de fazer de todo o rico patrimnio de enchidos que tornam a gastronomia alentejana e as suas cozinhas uma referncia incontornvel no panorama gastronmico nacional. Em conjunto com a informao reunida no inventrio dos Produtos Tradicionais Portugueses, editado em 2001 pela Direco Geral do Desenvolvimento Rural do Ministrio da Agricultura do Desenvolvimento Rural e das Pescas, temos assim definido todo o corpus de referncia dos produtos tradicionais que constituem a nossa gastronomia, e servem de guia a uma interveno mais ajustada com o prestgio do patrimnio gastronmico alentejano, alicerando um oferta culinria com qualidade, diversa, segura, autentica, respaldada num territrio, que um tero do pas, e se atendermos no acervo agora disponibilizado, altamente variada utilizando em larga escala os produtos hortcolas, a carne de porco, o bacalhau, o cao as ervas aromticas, as especiarias e o azeite. Uma nota final para deixar uma brevssima caracterizao da pessoas que por esse Alentejo foram inquiridas sobre o "seus saberes". Trata-se de apresentar ainda que de forma despretensiosa um conjunto de dados retirados da ficha do questionrio utilizado pelas equipas que realizaram o trabalho de campo, e que nos permite caracterizar, como se disse, sumariamente a populao inquirida quanto sua idade, nvel de instruo, profisso, e tambm uma leitura centrada nos produtos que compem o receiturio apresentado. A partir dessa informao construmos uma matriz que rene os produtos utilizados no receiturio recolhido, espelhando a sua distribuio geogrfica e tambm onde so adquiridos, o que de algum modo nos informa sobre a sua provenincia. Um breve exerccio contabilstico inserido no quadro de agrupamento dos produtos, realizado a partir da matriz de produtos, elucida-nos sobre os consumos associados aos grupos de produtos. sem surpresas que constatamos que o consumo de legumes o mais representativo dos grupos de alimentos, tem 944 referncias. Tambm sem surpresas as Ervas Aromticas aparecem em segundo lugar 503 utilizaes. As Especiarias ocupam a terceira posio muito perto das Ervas Aromticas, sendo referidas 497 vezes. O Azeite a gordura mais utilizada. interessante verificar que o consumo de peixes, se somados os de rio e mar, se aproximam do do consumo de carne de talho. Uma referncia tambm importante salientar a que diz respeito ao consumo de transformados do leite. Se olharmos para o grfico que acompanha este quadro podemos facilmente intuir que a alimentao CARTA GASTRONMICA DO ALENTEJO 0010 Monumenta Transtaganae Gastronomica
  • 11. Confraria Gastronmica do Alentejo A propsito da Carta Gastronmica do Alentejo alentejana segue com alguma fidelidade os preceitos da gastronomia mediterrnica. Desde logo pelo elevado consumo de legumes. Falta a fruta em maior abundncia, mas est l o azeite as especiarias, as ervas aromticas, ovos, vinho, carnes, os transformados do leite e os peixes. Tudo o resto: Produtos de recoleco, Cereais , Mel, Frutos secos, Caa, consumido com alguma regularidade mas evidente parcimnia. Devemos porm ter em conta o que nos dito na pergunta sobre onde se adquirem estes produtos. As repostas apuradas levanta-nos os vu do que se pode intuir da leitura das receitas agora apresentadas, e que nos deve alertar para o que a produo de produtos com base na regio, nomeadamente tudo o que se relaciona com a produo agro industrial, que nos chega dos quatro cantos do mundo, ferindo de forma irreversvel uma sazonalidade saudvel, que deve procurar-se no se esvanea nesta mediatizao voraz das cozinhas do mundo que hoje se enxertam nas nossas referncias culturais, criando a iluso da modernidade, e que, pouco a pouco, vo erudindo as nossas referncias gastronmicas. Salvaguarda-se naturalmente tudo o que recoleco cogumelos (silarcas, tuberas, boletos), ervas aromticas, e as incontornveis beldroegas, espargos silvestres, catacuses, acelgas, agries, os alaves regionais que nos fornecem os queijos de ovelha e cabra, os enchidos, o peixe da ribeira e, naturalmente, o peixe da nossa costa atlntica, que dispensa comentrios. O mesmo tambm verdade para as carnes de suino, ovino, bovino e caprino, para a caa, aves de capoeira e outros animais domsticos. uma caraterizao sem importncia nuclear para o que aqui se trata, diziamos, mas julgamos que o quadro apresentado reveste um interesse que no deve ser escamoteado. uma populao envelhecida esta com que se depararam as equipas de campo. Se tivermos em ateno a soma total das idades, encontramos um nmero impressionante de 62.581 anos, em sintonia de resto com o padro demogrfico regional. A mdia de idades de 63 anos; as idades mais elevada e mais baixa so de 96 e 22 anos, respectivamente. Na sua esmagadora maioria mulheres, 91%, a reflectir o facto de estes assuntos da cozinha serem ainda muito centrados nas mulheres, quer como executoras, quer como detentoras do saber fazer. O Nvel de Ensino refecte igualmente um padro regional ditado por um reduzido nvel de habilitaes, onde ainda so patentes 12% de analfabetismo, concomitantemente com uma reduzidissima percentagem de pessoas com formao superior, apenas 2%, ou ainda mesmo com uma mais reduzida taxa de pessoas habilitadas com cursos profissionais, 0,2 %. A principal habilitao detida por esta populao o 1 Ciclo, 51%. As profisses sendo diversas, ressalta no entanto a elevada percentagem dos que esto reformados ou aposentados, 46%. Este valor eleva-se para 58%, ao incluirmos naquele grupo as 101 mulheres que dizem ser domsticas. CARTA GASTRONMICA DO ALENTEJO Monumenta Transtaganae Gastronomica 0011
  • 12. Confraria Gastronmica do Alentejo A propsito da Carta Gastronmica do Alentejo So estes, resumidamente, os elementos caracterizadores de uma populao que tem no seu historial colectivo e pessoal o saber de uma tradio em muitos casos milenar de um patrimnio que, como se diz nos vrios textos aqui apresentados, so o esteio da nossa gastronomia, patrimnio imaterial, e que num momento em que Portugal se preparara para associar a si a distino dada pela UNESCO Dieta Mediterrnica como patrimnio cultural imaterial da humanidade, imperioso que se reconhea nesta populao o guardio deste formidvel bem cultural que a nossa alimentao. No resistimos para terminar esta nota introdutria a reproduzir o pensamento actual e com o qual a Confraria Gastronmica do Alentejo se identifica, de Alfredo Saramago, que escreveu assim em Gastronomia e Vinhos no Alentejo: A fora da cozinha alentejana, a forma como tem resistido a tantos atentados e contrariedades, as vitrias que tem obtido, trazendo para si o entusiasmo de outras gentes, obriga a refletir na sua intemporalidade. Comemos hoje receitas fixadas h mais de mil anos com os mesmos produtos e cozinhados da mesma forma. A cozinha uma arte de circunstncias e agora a cozinha alentejana est na moda, mas ter que ser defendida nas suas receitas regionais e tradicionais. uma cozinha esplendorosa, sem vertigens de identidade, generosa e pujante mas ter que ser defendida. A Carta Gastronmica para a Regio Alentejo que agora se apresenta, pode bem ser o passo necessrio nesse sentido. A Provedoria CARTA GASTRONMICA DO ALENTEJO Monumenta Transtaganae Gastronomica 0012
  • 13. Confraria Gastronmica do Alentejo A propsito da Carta Gastronmica do Alentejo CARTA GASTRONMICA DO ALENTEJO Monumenta Transtaganae Gastronomica 0013 % ANEXOS Produo Prpria 16,2 Comprado no Mercado Local 67,3 Comprado nas Grandes Superfvcies 14,5 Comprado a Fornecedores Especializados 2,1 100,0 Quadro 1: ORIGEM DOS PRODUTOS Grfico 1: LOCAL DE AQUISIO DOS PRODUTOS
  • 14. Confraria Gastronmica do Alentejo A propsito da Carta Gastronmica do Alentejo CARTA GASTRONMICA DO ALENTEJO Monumenta Transtaganae Gastronomica 0014 NVEL DE ENSINO Frequncias % No sabe ler nem escrever 114 12,15 1 Ciclo 480 51,17 2 Ciclo (5 e 6 ano) 69 7,356 3 Ciclo (7 8 e 9) 168 17,91 Ensino Secundrio 87 9,275 Ensino Profissional 2 0,213 Ensino Superior 18 1,919 Total 938 100 Quadro 2: HABILITAES ACADMICAS Grfico 2: NVEL DE ENSINO
  • 15. Confraria Gastronmica do Alentejo A propsito da Carta Gastronmica do Alentejo CARTA GASTRONMICA DO ALENTEJO Monumenta Transtaganae Gastronomica 0015 Frequncias % Masculino 98 8,0 Feminino 1122 91,1 Quadro 3: GNERO Grfico 3: GNERO
  • 16. Confraria Gastronmica do Alentejo A propsito da Carta Gastronmica do Alentejo CARTA GASTRONMICA DO ALENTEJO Monumenta Transtaganae Gastronomica 0016 Mdia 63,24 Mediana 66 Modal 49 Mnima 22 Mxima 96 Sumatorio 68 241 Quadro 4: IDADES Grfico 4: IDADES
  • 17. Confraria Gastronmica do Alentejo A propsito da Carta Gastronmica do Alentejo CARTA GASTRONMICA DO ALENTEJO Monumenta Transtaganae Gastronomica 0017 Frequncias % Menos de 30 Anos 9 0,83 Entre 31 e 40 50 4,63 Entre 41 e 50 181 16,77 Entre 51 e 60 171 15,85 Entre 61 e 70 306 28,36 Entre 71 e 80 282 26,14 Entre 81 e 90 78 7,23 Mais de 90 2 0,19 Quadro 5: ESCALES DE IDADE Grfico 5: ESCALES DE IDADE
  • 18. CONTRIBUTOS
  • 19. Uma Gastronomia Ligada Terra! Ana Soeiro Secretria Geral da QUALIFICA
  • 20. Ana Soeiro, Secretria Geral da QUALIFICA Uma gastronomia ligada terra! 1. Preservando o legado que nos deixaram Quando comeamos a percorrer este Alentejo de imensas plancies, recortado aqui e ali por serras e vales - mas que tambm tem mar a temper-lo - rico em microclimas, em solos variados, em vastides, mas tambm com diferenas de texturas, de influncias, de procedimentos e de saberes, no s de norte a sul ou da costa ao interior, mas tambm bem assinalveis entre terras aparentemente prximas, vemos que nele nasce e cresce um patrimnio inigualvel de produtos tradicionais. So estes os produtos que esto na base da sua gastronomia prpria e diferenciada e que resultam de saberes acumulados no tempo e nas matrias-primas, de mos que teimam em ajeitar o que fazem, de gestos de colheita, de transformao e de criao, que do gosto aos sabores de ontem e certezas de futuro. So produtos que preservam as condies ambientais naturais, respeitam os ecossistemas existentes e a biodiversidade. Raas e variedades, autctones ou muito bem adaptadas, so nossas aliadas e esteios da nossa produo. O leite cru, o cardo, os temperos da horta, as ervas aromticas, o porco da raa alentejana e as mos das pessoas so um pequeno exemplo do que o Alentejo tem para oferecer. Como no podia deixar de ser face a esta conjugao de factos e circunstncias, um dos exemplos mais claros de uma gastronomia bem ancorada na origem a gastronomia alentejana. Feita de saberes e sabores locais, capaz de tirar proveito, gosto e sustento desde os humildes cardos aos lombos dos animais mais nobres, a gastronomia alentejana espelha bem a terra que lhe d o nome. E continuar a espelhar? Sim, desde que continue a usar os produtos qualificados que esto na sua base. E refiro-me quer aos que j esto legalmente qualificados e so alguns - quer aos que esperam tristemente nos corredores do servios oficiais por vezes chamados de mortrios tal o tempo que demora a sua anlise e deciso quer, ainda, aos muitos mais que, ou por falta de interesse, ou por falta de tempo, ou por falta de conhecimento, aguardam que os seus legtimos produtores se lembrem que h formas de os pr a brilhar e, sobretudo, de prevenir a sua eroso ou o desgaste abusivo do seu nome. Mas, para alm das matrias-primas que so usadas como ingredientes da gastronomia alentejana, esta gastronomia tambm muito apoiada no conhecimento prtico ou saber fazer da populao que, para alm dos conhecimentos culinrios, toda a vida explorou hortas, montados, barros e campinas, na poca prpria do ano. E a poca prpria aquela em que os produtos agrcolas atingem o grau de maturao CARTA GASTRONMICA DO ALENTEJO Monumenta Transtaganae Gastronomica 0020
  • 21. Ana Soeiro, Secretria Geral da QUALIFICA Uma gastronomia ligada terra! adequado que lhes permite ou a conservao com recurso a tecnologias simples mas muito eficazes (e sem recurso a produtos qumicos) ou lhes permite fornecer, na hora, a plenitude de aromas, cores e texturas que enriquecem o prato de ricos ou pobres. E toda a soma de saberes que permite que o montado se mantenha vivo graas ao maneio dos animais, respeitando a cadncia prpria do ciclo anual mas tambm as diferentes formas como os animais bovinos, sunos, ovinos e caprinos e at mesmo as aves pastam diferenciadamente o que a terra lhes vai oferecendo. A esta soma de saberes, de fazeres e de territrios, chama-se ter ORIGEM! E isto bem verdade. H nomes geogrficos que servem, desde h muito, para designar certos produtos agro-alimentares. E por muito que se investigue, talvez nunca se chegue a perceber porque que, a partir de determinada altura, os consumidores comearam a agregar ao nome do produto o seu nome geogrfico ou, em muitos casos, a chamar o produto apenas pelo seu nome geogrfico. Por outras palavras, e s a ttulo de exemplo, a partir de quando que os consumidores tero comeado a chamar de Portalegre ou de Estremoz e Borba a determinados enchidos? Ter sido porque os iam l comprar ou porque haveria feiras com reputao e dimenso pouco comum onde tais produtos eram comercializados? Porque que se diz que ontem comi um vora notvel e algum responde e este Nisa est de se lhe tirar o chapu e tida a gente sabe que se est a falar de queijos? E foi por se ter conseguido comprovar que alguns dos muitos produtos destas terras tm, de facto, uma qualidade ou umas caractersticas especiais ou uma reputao ligadas intimamente a esta ORIGEM que se conseguiu proteger os seus nomes geogrficos, umas vezes como Denominao de Origem, outras vezes como Indicao Geogrfica, conforme se conseguiu comprovar a ligao ao territrio. E com grande trabalho dos seus produtores e com o esforo de alguns tcnicos conseguiu-se que, primeiro em Portugal e depois a Europa, protegessem o nome de alguns dos excelentes produtos do Alentejo. Esto assim protegidos os seguintes nomes, apresentados por ordem alfabtica, para evitar azedumes... A01 AMEIXA D ELVAS DOP A02 AZEITE DE MOURA DOP A03 AZEITE DO ALENTEJO - IG A04 AZEITE DO ALENTEJO INTERIOR DOP A05 AZEITES DO NORTE ALENTEJANO DOP CARTA GASTRONMICA DO ALENTEJO Monumenta Transtaganae Gastronomica 0021
  • 22. Ana Soeiro, Secretria Geral da QUALIFICA Uma gastronomia ligada terra! CARTA GASTRONMICA DO ALENTEJO Monumenta Transtaganae Gastronomica 0022 A06 AZEITONAS DE CONSERVA DE ELVAS E CAMPO MAIOR DOP A07 BATATA-DOCE DE ALJEZUR IGP A08 BORREGO DE MONTEMOR-O-NOVO IGP A09 BORREGO DO BAIXO ALENTEJO IGP A10 BORREGO DO NORDESTE ALENTEJANO IGP A11 CABRITO DO ALENTEJO - IGP A12 CACHOLEIRA BRANCA DE PORTALEGRE IGP A13 CARNALENTEJANA DOP A14 CARNE DA CHARNECA DOP A15 CARNE DE BRAVO DO RIBATEJO - DO A16 CARNE DE PORCO ALENTEJANO DOP A17 CARNE MERTOLENGA DOP A18 CASTANHA MARVO PORTALEGRE DOP A19 CEREJA DE S. JULIO PORTALEGRE DOP A20 CHOURIO DE CARNE DE ESTREMOZ E BORBA IGP A21 CHOURIO DE PORTALEGRE IGP A22 CHOURIO GROSSO DE ESTREMOZ E BORBA IGP A23 CHOURIO MOURO DE PORTALEGRE IGP A24 FARINHEIRA DE ESTREMOZ E BORBA IGP A25 FARINHEIRA DE PORTALEGRE IGP A26 LINGUIA DE PORTALEGRE IGP A27 LINGUIA DO BAIXO ALENTEJO IGP A28 LOMBO BRANCO DE PORTALEGRE IGP A29 LOMBO ENGUITADO DE PORTALEGRE IGP A30 MA DE PORTALEGRE IGP A31 MEL DO ALENTEJO DOP A32 MORCELA DE ASSAR DE PORTALEGRE IGP A33 MORCELA DE COZER DE PORTALEGRE IGP
  • 23. Ana Soeiro, Secretria Geral da QUALIFICA Uma gastronomia ligada terra! A34 MORCELA DE ESTREMOZ E BORBA IGP A35 PAIA DE LOMBO DE ESTREMOZ E BORBA IGP A36 PAIA DE TOUCINHO DE ESTREMOZ E BORBA IGP A37 PAINHO DE PORTALEGRE IGP A38 PAIO DE BEJA IGP A39 PAIO DE ESTREMOZ E BORBA IGP A40 PRESUNTO DE BARRANCOS DOP A41 PRESUNTO DE CAMPO MAIOR E ELVAS E PALETA DE CAMPO MAIOR E ELVAS IGP A42 PRESUNTO DE SANTANA DA SERRA E PALETA DE SANTANA DA SERRA IGP A43 PRESUNTO DO ALENTEJO E PALETA DO ALENTEJO DOP A44 QUEIJO DE VORA DOP A45 QUEIJO DE NISA DOP A46 QUEIJO MESTIO DE TOLOSA IGP A47 QUEIJO SERPA DOP E se triste que a ignorncia e os desgnios desconhecidos tenham feito alterar e cair algumas denominaes emblemticas (como chibo e cabra do Alentejo ou como carne tradicional do Montado) no menos alarmante que os pedidos de proteco de nomes emblemticos ligados doaria conventual, a certos produtos lcteos, ao pinho e tantos outros tenham sofrido um eclipse total e no constem, sequer, das listas que os servios lentamente dizem estudar, h anos! Se verdade que os produtos tradicionais portugueses tm subsistido e resistido graas capacidade de resistncia e teimosa dos seus produtores, conseguindo manter-se no mercado, deliciando geraes de consumidores e dando futuro a geraes de produtores; se tambm verdade que a reputao de muitos dos nossos melhores produtos se foi conquistando ao longo dos tempos, j que o consumidor lhes conhecia a origem e as pocas bem vincadas de produo e estava disponvel para pagar o justo preo por produtos com uma qualidade particular; tambm verdade que mais recentemente a necessidade de abastecer os mercados de maneira uniforme e ao longo de todo o ano, obrigou ao recurso a raas e a variedades muito produtivas, a tecnologias cada vez mais sofisticadas e artificiais e a regies produtoras cada vez mais longnquas. Nestas circunstncias, os produtos tendem a assemelhar-se, perdem a tipicidade e o carcter distintivo, uniformizam-se no sabor e perde-se a noo importante de poca prpria para consumo. CARTA GASTRONMICA DO ALENTEJO Monumenta Transtaganae Gastronomica 0023
  • 24. Ana Soeiro, Secretria Geral da QUALIFICA Uma gastronomia ligada terra! A qualidade organolptica destes produtos piorou, quer porque o melhoramento gentico se concentrou no aumento da produtividade e na resistncia s doenas e ao transporte, quer porque os produtos so colhidos em fases de maturao incipientes, quer porque se alteram os modos de produo e o saber fazer de geraes, quer porque se recorre ao uso (e abuso) de factores de produo extrnsecos que, ao alterarem os ciclos produtivos normais, ao alongarem o tempo de vida ou ao substiturem os ingredientes tradicionais, induzem alteraes profundas, ainda que nem sempre visveis ou avaliveis. E s vacas loucas somam-se as aves com dioxinas e as lasanhas que relincham!!! Foi este panorama que levou necessidade de conferir proteco jurdica aos nomes geogrficos ou aos nomes tradicionais que acompanham muitos produtos de qualidade. Constata-se que o que foi sempre copiado e imitado foi o nome do produto! As regras de produo e os ingredientes naturais no sofrem, naturalmente, qualquer cpia, j que so caros, limitados no tempo e tm ciclos de produo longos! urgente, portanto, sair da apatia em que caiu a valorizao dos produtos tradicionais, urgente que tcnicos competentes e interessados tratem destes assuntos, possvel e desejvel que outras entidades que no apenas os servios pblicos tratem do processo de qualificao com a qualidade, o conhecimento e a celeridade que eles merecem! que enquanto aqui se diz que se estuda, h outros pases vendem! E bem vendido, como comprova um estudo mandado fazer pela Comisso Europeia ainda h bem pouco tempo! 2. Preparando o futuro imperioso que a nvel da Gastronomia alentejana no se faam transigncias nas matrias-primas e nos processos. Claro que se podem inventar receitas novas, claro que se podem fazer pratos de autor, claro que se podem ir buscar outros ingredientes... mas nestes casos no se podem usar os nomes dos pratos tradicionais! E como diz o ditado, Quem sabe, pega no porco e vai do lombo at gordura tambm verdade que at o Alentejo est abundantemente mal servido de uma carne de qualidade obscura e que muitos de ns, consumidores ignaros e tontos, nos deixmos tentar pelo mito do porco preto! Esta designao que serviu durante sculos para designar os porcos de pele escura criados no montado alentejano, desde h uns anos a esta parte por falta de definio e de regulamentao ou norma que defina o produto e defenda produtores e consumidores, passou a ser usada indiscriminadamente para vender (bem caro, por sinal) todo e qualquer CARTA GASTRONMICA DO ALENTEJO Monumenta Transtaganae Gastronomica 0024
  • 25. Ana Soeiro, Secretria Geral da QUALIFICA Uma gastronomia ligada terra! bocado de carne de todo e qualquer porco, de preferncia bem gorda, para que o sabor tente parecer-se com a genuna carne do Porco de Raa Alentejana, criado em montanheira! Proveniente de porcos de gentica indefinida, sem conhecerem nem montado nem bolota, nem mesmo no dia em que vo encaixotados para os matadouros, servem hoje para, engalanados com nomes como secretos, plumas, fveras, lombetes, presas, tassalhos, mas sempre acolitados e adjectivados com a indefinida meno ao porco preto, irem fazendo a fortuna de uns e a desventura de outros: os que insistem em produzir a verdadeira, genuna e qualificada carne de porco alentejano Mais ou menos coberto de sal, mais ou menos atascado em massa de pimento, mais ou menos carregado de vinho tinto para lhe carregar a cor, em restaurante de luxo ou em mesa mais modesta, acolitado com migas, batas fritas de pacote ou qualquer outro indistinto acompanhante, o actual porco preto ilustra bem o ditado portugus com papas e bolos se enganam os tolos. E os produtores e a Gastronomia Alentejana sofrem! Pelo exemplo se v quo imperioso se torna precaver o futuro! Temos possibilidade actualmente de proteger os nossos melhores pratos gastronmicos atravs do sistema de valorizao das Especialdades Tradicionais Garantidas. claro que vamos penar tempo sem fim at porque no se acredita que as estruturas ministeriais estejam preparadas para este novo tipo de qualificao! E se nos mais conhecidos, as dificuldades que levantam so enormes, preparemo-nos para violenta disputa neste sistema menos (deles) conhecido. Tero aqui as Confrarias Gastronmicas papel de relevo. Reunindo o receiturio, demonstrando a especificidade e a tradicionalidade, reunindo os produtores e os preparadores podero sem dvida assumir o papel de Agrupamento de Produtores requerente. Pela nossa parte Associao QUALIFICA j estamos preparados para apoiar estas iniciativas, j temos critrios definidos quer para a qualificao de receitas quer de restaurantes que as sirvam, j temos procedimentos para efectuar um registo nacional provisrio que as ampare at que as ms do tempo (ministeriais) consigam dar vazo demanda que vir decerto a acontecer. Parar morrer e o nosso Patrimnio Cultural, ainda que imaterial e a nossas economias locais, que tm na Gastronomia e nos Produtos Tradicionais Qualificados um esteio importante no podem ficar parados no tempo espera que algum se lembre deles. Vamos obra, que de relevo e o tempo urge! H que aproveitar o saber da nossa gente e as singularidades dos nossos produtos e fazer a ligao entre o passado e o futuro. CARTA GASTRONMICA DO ALENTEJO Monumenta Transtaganae Gastronomica 0025
  • 26. Carta Gastronmica do Alentejo, Qualidade Alimentar Joo Cotta Dias Mdico-Veterinrio
  • 27. Joo Cotta Dias, Mdico Veterinrio Carta Gastronmica do Alentejo, Qualidade Alimentar No mbito da Carta Gastronmica do Alentejo, abordar o conceito de qualidade , em nossa opinio, o pressuposto que vai garantir a perenidade de um regime alimentar cujas origens e caractersticas so inerentes s condies edafo-climticas da Regio e ao comportamento da populao autctone. Esta acolheu, de modo pacfico, diversos povos que, ao longo dos sculos, se fixaram e influenciaram, de forma mais ou menos assinalada, o tipo de alimentao praticado sem, no entanto, alterar os seus constituintes bsicos. Desde o perodo neoltico at ao actual e vulgarizado fast-food sempre houve a preocupao de fazer a melhor escolha, para satisfazer uma necessidade concreta e que se pode expressar por Adequao ao Uso e veio a ser adoptada para definir Qualidade em que os rgos dos sentidos e o conhecimento emprico so os factores preponderantes, quase exclusivos, para influenciar a deciso final. No decurso dos sculos XVII e XVIII surgem assinalveis mudanas que do origem civilizao industrial que vai perdurar at aos nossos dias e proporcionar a uma grande parte da populao terrena valores scio-culturais e materiais verdadeiramente deslumbrantes. Ainda que tivesse tambm gerado uma capacidade de agresso e de distribuio susceptveis de perigar vida do homem e at do seu planeta. O conceito de qualidade foi-se adaptando dinmica nascida da chamada revoluo industrial que influenciou, naturalmente, as condies de produo e de acesso a bens alimentares cuja qualidade passou a ser encarada sob o ponto de vista global onde a par dos aspectos higio-sanitrios, nutricionais e organalpticos, passaram a ser considerados, entre outros, a imagem comercial, o circuito de distribuio, a informao ao consumidor, a publicidade, etc. Nesta perspectiva, pode afirmar-se, com toda a propriedade, estarmos perante um conjunto de mltiplos factores diferenciados para serem encarados no mbito de um sistema e, no apenas, de um produto. O comportamento adoptado durante sculos para determinar a escolha de um bem material revela-se insuficiente perante a evoluo registada em muitas reas de actividade humana e incapaz de satisfazer as exigncias criadas pela tercializao da economia e da sade, e hoje aceita-se para definir Qualidade: O conjunto das propriedades e caractersticas de um servio ou de um produto que lhes conferem a aptido para satisfazer as necessidades expressas ou implcitas. Este sentido lato e objectivo permite que a entidade fornecedora do servio ou do produto possa estabelecer procedimentos de actuao para garantir aos seus clientes que sp cumpridas as exigncias relativas qualidade de um modo permanente e fivel. CARTA GASTRONMICA DO ALENTEJO Monumenta Transtaganae Gastronomica 0027
  • 28. Joo Cotta Dias, Mdico Veterinrio Carta Gastronmica do Alentejo, Qualidade Alimentar No contexto da gastronomia alentejana h factores que lhe so inerentes e fundamentais para a sua especificidade, tais como aplicar procedimentos e prticas prprias da tradio e usar gneros alimentcios provenientes da fauna e da flora naturais e aqueles que, ao longo dos sculos, se foram adaptando s condies geo-climticas e geogrficas do Alentejo. de realar o facto de no decurso dos sculos, os diferentes povos que se fixaram no Alentejo influenciaram, de algum modo, os costumes alimentares das gentes da Regio, no entanto, passado algum tempo de adaptao, aqueles que invadiram, adoptaram a gastronomia dos invadidos e com estes verificou-se, em muitos casos, a miscigenao. um regime alimentar variado ao longo do ano e rico em nutrientes e sabores que lhe permitiu uma assinalvel longevidade e uma relevante transversalidade social. Esta realidade a prova inequvoca da existncia de uma cozinha profundamente integrada no eco-sistema da regio e fortemente enrazada nos hbitos alimentares dos seus habitantes. Avaliar a aptido de um alimento com recurso a provas sensoriais, revelou-se insuficiente para garantir a sua qualidade intrnseca, bem como a sade do consumidor. Alis, a sua execuo quer no acto de aquisio do bem alimentar, quer no momento que antecede o seu consumo, no na realidade eficaz para alcanar a desejada segurana. Durante longos anos o controlo da qualidade resumia-se a uma verificao e/ou inspeco praticada, de um modo geral, na fase final da produo do gnero alimentcio. Existiam algumas excepes, nomeadamente, para a carne em que os animais chamados de talho, eram inspeccionados em vida e post-mortem nos respectivos matadouros pelo mdico-veterinrio CARTA GASTRONMICA DO ALENTEJO Monumenta Transtaganae Gastronomica 0028 municipal, na qualidade de autoridade sanitria. No sculo passado o acentuado crescimento urbano originou profundas alteraes no mercado dos produtos alimentares e os seus agentes integrantes, os produtores, os transformadores e os distribuidores, para poderem cumprir as exigncias legais e as especficas e interligadas s respectivas actividades originaram uma evoluo no sentido da responsabilidade colectiva e no estabelecimento de relaes profissionais, bem como a existncia de procedimentos de controlo para assegurar as caractersticas e as qualidades prprias dos respectivos alimentos. A produo de bens alimentares seguros para o consumidor cabe aos respectivos operadores que so os primeiros e os principais responsveis pelo cumprimento da legislao e normas aplicveis e de reduzir ao mnimo a ocorrncia de um perigo. Perante novas e mais complexas realidades na produo de bens alimentares para que haja uma efectiva e eficaz proteco do consumidor, tem de se recorrer a diversos exames de apreciao fsicos, qumicos, bioqumicos, microbiolgicos, toxicolgicos, parasitolgicos,
  • 29. Joo Cotta Dias, Mdico Veterinrio Carta Gastronmica do Alentejo, Qualidade Alimentar nveis de radioactividade e outros julgados necessrios. Os dois princpios bsicos da qualidade so produzir sem defeitos e evitar avarias, isto implica saber, organizao e correcta metodologia de actuao. Cientistas e tcnicos norte-americanos criaram um sistema de controlo de qualidade dos alimentos que , sem dvida, uma importante ferramenta operacional para garantir a inocuidade do alimento e salvaguardar a sade pblica. Este sistema foi recomendado, em 1980, por trs importantes entidades internacionais Organizao Mundial de Sade (OMS), Comisso Internacional de Especificaes Microbiolgicas dos Alimentos (ICMSF) e Organizao para a Agricultura e Alimentao (FAO). Conhecido pelo conjunto de letras HACCP (Hazard Analysis and Critical Control Points Anlise dos Perigos e Pontos Crticos de Controlo) a sua aplicao permite evitar a ocorrncia de um perigo numa atitude de vigilncia pro-activa, fazendo a preveno no decurso do processamento dos alimentos, em vez do comportamento reactivo, de controlar o produto final, como era prtica corrente. A aplicao deste sistema implica o apoio empenhado dos responsveis pelas empresas e o desempenho competente e dedicado da equipa pluridisciplinar encarregada pela sua execuo e assegurando, previamente, que os princpios gerais de higiene e o recurso a cdigos de boas prticas esto implementados e so cumpridos. O sistema deve ser aplicado nas diferentes fases da cadeia alimentar, desde a produo primria at ao consumidor para prevenir os potenciais perigos (biolgicos, qumicos e /ou fsicos). A publicao pela Comisso das Comunidades Europeias do Livro Branco sobre a Segurana dos Alimentos, no ano de 2000, d a conhecer uma outra dimenso, ao considerar a necessidade de criar novos padres que possam garantir os mais elevados nveis de segurana alimentar e de proteco da sade humana. Esta nova abordagem que envolve todos os aspectos relacionados com a produo de alimentos, desde a explorao agrcola at mesa, obriga a considerar reas susceptveis de influenciar toda a cadeia alimentar como o caso da produo de alimentos destinados aos animais. Para alcanar a desejada proteco da sade dos consumidores, assumem elevada importncia os aspectos relacionados com a sade humana, o ambiente, a sade e o bem estar animal e os procedimentos relativos a rastreabilidade dos alimentos para o consumo humano e dos animais, bem como os respectivos ingredientes. Toda a actividade que envolva a proteco da sade dos consumidores deve ter o aconselhamento cientfico, permanente e actualizado e o apoio I&D sobre a segurana dos CARTA GASTRONMICA DO ALENTEJO Monumenta Transtaganae Gastronomica 0029
  • 30. Joo Cotta Dias, Mdico Veterinrio Carta Gastronmica do Alentejo, Qualidade Alimentar alimentos. Est, naturalmente, prevista a existncia de uma rede de controlo e vigilncia que contempla aspectos da sade pblica, das zoonoses dos resduos, da radioactividade, bem como o sistema de alerta rpido. De acordo com o novo conceito , a responsabilidade pela segurana alimentar atribuda, principalmente, aos produtores de alimentos para animais, aos produtores pecurios, aos agricultores e a todos os outros operadores do sector alimentar. As autoridades nacionais competentes garantem atravs de sistemas de controlo e vigilncia a observncia daquela responsabilidade. A Comisso faz auditorias aos respectivos sistemas. No mbito da Comisso criada a Autoridade Alimentar Europeia com o objectivo de proteger a sade dos consumidores atravs da segurana dos alimentos e deve agir de acordo com os melhores conhecimentos cientficos, ser independente dos interesses industriais e polticos, estar aberta a rigorosa anlise pblica, ser referncia cientfica e colaborar com os organismos nacionais competentes. A concepo desta importante estrutura para, de forma coordenada e abrangente, garantir a segurana dos alimentos, para uma proteco eficaz da sade dos consumidores, coloca a UE na posio cimeira, a nvel mundial, no que se refere qualidade e sustentabilidade da produo alimentar. nossa convico de que o apoio ao desenvolvimento agro-pecurio a estabelecer pela nova PAC ser condicionado por importantes e decisivos factores, dos quais destacamos a segurana alimentar, a proteco ambiental e o adequado uso dos solos e da gua. A persistncia de uma estrutura social de gnese agrrio-rural permitiu chegar ao sculo XXI uma gastronomia de ancestral tradio, com patrimnio cultural e se identifica e faz parte integrante do Alentejo, que tem j oficialmente reconhecida uma longa lista de Produtos Tradicionais com denominaes protegidas que esto caracterizados, descritos e reconhecidos com Denominao de Origem, com Indicaes Geogrficas e com Tradicionalidades Garantidas. A lista no est fechada porquanto ainda existem gneros alimentcios que aguardam reconhecimento oficial de Produto Tradicional e assim ampliar a oferta de bens alimentares prprios e genunos da gastronomia alentejana. As potencialidades da regio para a produo de bens alimentares uma realidade persistente mas, no entanto, continuam a existir amplos e evidentes sinais de sub-aproveitamento de terras que devem ser objecto de programas especficos que promovam a produo daqueles bens de modo a servir a gastronomia regional e tambm para conquistar novos mercados internos e externos com alimentos de qualidade e de genuinidade garantidas. Os programas a implementar devem respeitar as condicionalidades estruturais e ambientais CARTA GASTRONMICA DO ALENTEJO Monumenta Transtaganae Gastronomica 0030
  • 31. Joo Cotta Dias, Mdico Veterinrio Carta Gastronmica do Alentejo, Qualidade Alimentar que visem o adequado uso de bens escassos solo arvel e gua que importa preservar e consumir com parcimnia, bem como o recurso a prticas de explorao que respeitem o ambiente e a paisagem. Parece-nos ser importante que os programas contemplem aces de investigao e desenvolvimento (I&D) para aprofundar o conhecimento e as potenciais capacidades de aproveitamento, como o caso das ervas aromticas na indstria farmacutica e na cosmtica, dos produtos hortcolas e frutcolas no sentido da sua expanso, da salsicharia promovendo o seu lanamento em potenciais mercados interno e externo e dos produtos marinhos da Costa Atlntica do Alentejo que podem, eventualmente, vir a dar um forte contributo para o bem-estar scio-econmico da Regio e do Pas. A qualidade dos bens alimentares de origem vegetal ou animal produzidos no Alentejo uma realidade secular que nos cabe a ns preservar e adaptar s novas exigncias ligadas ao ambiente, biodiversidade, ao desenvolvimento sustentvel, aplicao de sistemas intensivos e extensivos e seus efeitos relativamente pegada ecolgica e responsabilidade social de modo a salvaguardar a nossa qualidade de vida e, especialmente, no comprometer a das geraes futuras. O desenvolvimento da funo qualidade no sector alimentar apresenta algumas dificuldades, em consequncia das suas peculiares caractersticas e de entre as quais destacamos: a enorme variedade de meios tcnicos e de procedimentos tecnolgicos utilizados; a imensa diversidade de agentes com a significativa presena de pequenas e mdias empresas onde ainda so frequentes e acentuadas carncias de natureza tcnico-profissional CARTA GASTRONMICA DO ALENTEJO Monumenta Transtaganae Gastronomica 0031 e cultural, entre outras; a participao empenhada de todas as entidades que, directa ou indirectamente, esto envolvidas na produo de bens alimentares do prado ao prato; a transparncia e a lealdade do comrcio e das trocas comerciais; a necessidade imperativa de proteco do ambiente e dos recursos naturais. Neste contexto, a valorizao dos recursos humanos tem de ser uma preocupao permanente, quer a nvel poltico quer dos agentes sociais e econmicos em que a formao profissional ocupa um lugar de primordial importncia entendida numa perspectiva de qualificao de dirigentes, de quadros tcnicos e de operrios. Por outro lado, deve ser encarada em toda a sua grandeza e inserida nas preocupaes sociais, econmicas e culturais para o desejado desenvolvimento do tecido empresarial e para a dignificao de todos aqueles que nele trabalham. O conceito de qualidade em que a milenria adequao ao uso se transfigura no modelo
  • 32. Joo Cotta Dias, Mdico Veterinrio Carta Gastronmica do Alentejo, Qualidade Alimentar de conformidade com a especificao e utiliza como meios de estratgia, entre outros, a formao, a participao, a informao e o investimento tecnolgico quando aplicado a um produto alimentar fica dependente da interaco e da multidisciplinariedade de diversos factores, formando um sistema complexo cuja gesto congrega diversos meios e coordena-os de modo a atingir o objectivo fundamental que consiste em satisfazer as expectativas do consumidor e cumprir as promessas do produtor. Nesta circunstncia, , em nossa opinio, de relevante importncia e de grande oportunidade a criao de uma estrutura de cpula, de mbito inter-profissional, que congregue agentes econmicos, autarquias, entidades regionais de ensino superior e tcnico-profissional, de investigao e desenvolvimento e servios regionais especficos da Administrao Pblica. O Dr. Joseph M. Juram, mundialmente conhecido na rea da qualidade, afirma: Entramos no novo sculo que vai estar virado para a Qualidade. Terminamos um que esteve voltado para a Produtividade. Temos conscincia que a temtica da qualidade uma questo fulcral e de sobrevivncia, quer se trate de um servio, de uma empresa, de uma regio ou de um pas. Em muitas circunstncias, a qualidade usada como estratgia de investimento e de legtimas esperanas num adequado e desejvel bem estar social e econmico. Por isso parece-nos ser uma relevante oportunidade de propor com o objectivo de alcanar o desenvolvimento integrado da Gastronomia Alentejana a aplicao do conceito de Qualidade Total para perpectuar os seus ancestrais sabores e aromas e permitir o crescimento e a expanso de bens alimentares tradicionais produzidos no Alentejo e deste modo criar as desejveis condies de bem estar social e econmico no s para a Regio, mas, tambm, para o Pas. CARTA GASTRONMICA DO ALENTEJO Monumenta Transtaganae Gastronomica 0032
  • 33. Joo Cotta Dias, Mdico Veterinrio Carta Gastronmica do Alentejo, Qualidade Alimentar BIBLIOGRAFIA DIAS, Joo Cotta. Controlo da Qualidade Alimentar, Colquio sobre Resduos nos Alimentos de Origem Animal, ESMV, 1985 DIAS, Joo Cotta. A Qualidade dos Alimentos Fundamental para a Sade das Populaes, I Encontro promovido pela Associao Portuguesa para a Promoo da Sade Pblica, 1989 DIAS, Joo Cotta. Controlo de Qualidade na Indstria de Salsicharia, I Congresso Nacional da Suinicultura, 1989 DIAS, Joo Cotta. Alocuo na Sesso de Abertura nas Primeiras Jornadas para a Qualidade Alimentar APQ Abril, 1990 DIAS, Joo Cotta. A Formao Profissional e o Controlo da Cadeia Alimentar, Seminrio Segurana da Cadeia Alimentar, 1991 DIAS, Joo Cotta. Alocuo na Sesso de Abertura das 2 Jornadas Nacionais para a Qualidade Alimentar, Porto, 1991 DIAS, Joo Cotta. Discurso na Sesso de Abertura da Campanha de Motivao para a Qualidade, APQ Abril, 1991 DIAS, Joo Cotta. Alocuo na Sesso de Abertura do 17. Colquio da APQ Qualidade, a Opo Nacional, Braga, 1991 DIAS, Joo Cotta. Alocuo na Sesso de Abertura do lanamento do Programa Integrado de Qualidade Total, Cmara Municipal de Oeiras, 1991 DIAS, Joo Cotta. As Confrarias e a sua Influncia na Qualidade dos Produtos 2 Encontro Nacional das Confrarias Bquicas e Gastronmicas, Viseu, 1997 DIAS, Joo Cotta. Alocuo na Sesso de Abertura do 1. Congresso Nacional das Confrarias Bquicas e Gastronmicas, vora, 1999 DIAS, Joo Cotta. Alocuo na Cerimnia de Entronizao de Novos Confrades de Honra na Confraria dos Enfilos do Alentejo (Comissrio Europeu da Agricultura, Ministros da Agricultura da UE e Director-Geral da Agricultura do Secretariado Geral do Conselho), vora, 2000 Ana Soeiro e Colaboradores. Produtos Tradicionais Portugueses, Ministrio da Agricultura, do Desenvolvimento Rural e das Pescas Direco-Geral do Desenvolvimento Rural, 2001 Pedro Folque. Nutrio Animal, Fabrico de Alimentos e Segurana Alimentar, Revista Alimentao Animal, N. Abril/Maio/Junho, 2012 CARTA GASTRONMICA DO ALENTEJO Monumenta Transtaganae Gastronomica 0033
  • 34. Joo Cotta Dias, Mdico Veterinrio Carta Gastronmica do Alentejo, Qualidade Alimentar Manuel Chaveiro Soares. Segurana Alimentar: Uma Experincia Profissional, Revista Alimentao Animal, N. Abril/Maio/Junho, 2012 Armando Sevinate Pinto. Entrevista Revista Ingenium, Ordem dos Engenheiros, N. Julho/Agosto, 2012 Jaime Piarra. Interprofissional da Fileira da Carne de Porco - Finalmente uma Realidade, Revista Alimentao Animal, Julho/Agosto/Setembro, 2012 Ruedi Bachman. Gesto da Qualidade Estratgia, Revista Qualidade APQ, Outubro, 2012 David Baldack. Ciclo de Conferncias Futuro da Alimentao, Ambiente, Sade e Economia, FCG, Novembro, 2012 CARTA GASTRONMICA DO ALENTEJO Monumenta Transtaganae Gastronomica 0034
  • 35. Algumas notas sobre a presena e influncia dos romanos na pennsula ibrica Ins de Ornellas e Castro & Fernando Melo
  • 36. Ins de Ornellas e Castro & Fernando Melo Algumas notas sobre a presena e influncia dos romanos na pennsula ibrica laia de introduo notvel como a histria fez praticamente coincidir o incio do Imprio Romano (Augusto, 27 a.C.) com o da Era Crist. Mais notvel ainda o quanto ambas, apesar de distantes do nosso tempo, criaram estticas de vida que, sendo diferentes, permanecem sensveis nos nossos dias. A mesa fortemente influenciada desde h dois milnios pelas duas, ora enquanto celebrao sacramental, portanto salvfica, ora como lugar de partilha e reunio. Sagrado e profano vivendo lado a lado, sem beliscaduras nem concorrncia. de salientar, contudo que a fixao da era crist acontece na prtica mais tarde; a contagem dos tempos depois de Cristo feita, como se sabe, com retroactivos. A fora da Pscoa no culto cristo marca o incio de cada ciclo anual da igreja catlica e, por sua vez, celebra o mistrio da ressurreio de Cristo, que s S. Paulo e S. Pedro viriam a corporizar na forma inteira, dando-lhe morada teolgica. H, pois, um momento de charneira e transio em que o grande imprio dominou. A conquista romana e o estabelecimento das suas muitas praas e prticas desenrolou-se ao longo dos ltimos quatrocentos anos do perodo pr-cristo, com os resultados que se conhecem. O mundo antigo foi quase todo rebaptizado ou duplicado caso dos nomes dos deuses, por exemplo - por fora da nova ordem poltica, mas o cunho grego e a agricultura fencia nunca na verdade chegaram a ser subjugados; antes, foram integrados, divulgados e expandidos como talvez no tivesse acontecido se no houvesse imprio romano. O Mediterrneo, interface que serviu todo o mundo clssico, incluindo o Egipto, foi espao de confluncia e gestao de todas as grandes tendncias culinrias actualmente conhecidas no velho continente. Era matricial o Al Andaluz, a larga tira de territrio que cobria quase toda a pennsula ibrica, parte do sudoeste francs, mordendo ainda o Norte da frica. E no Al Andaluz que muito do que temos como nosso, ibrico, portugus, tem a sua origem; a sua razo. Assim como determinante que no nos detenhamos em definies que pela aparente simplicidade se tornam subitamente atraentes. Falamos da que hoje se conhece como dieta mediterrnica, conceito vago e demasiado multiforme para que se possa construir conhecimento sobre ele. Portugal ter, seguramente uma leitura mediterrnica na sua mesa. Mas tambm h que atentar s influncias continental e atlntica para se lhe definir um registo acertado, bem como integrar na mesma escala de tempo o colossal desenvolvimento que os romanos imprimiram em todos os territrios conquistados. As Bases. Trabalhar a terra, viver da terra, melhorar a terra O Azeite. A oliveira, desde a folha at raiz, passando pelo fruto tem estatuto bblico e perspectivas histrico-sociais que vo muito alm do produto. Tendo a agricultura sido um dos grandes pilares da cultura romana, juntamente com a protagonismo da azeitona e do azeite, somos levados a acreditar o ouro lquido como elemento-chave para uma leitura CARTA GASTRONMICA DO ALENTEJO Monumenta Transtaganae Gastronomica 0036
  • 37. Ins de Ornellas e Castro & Fernando Melo Algumas notas sobre a presena e influncia dos romanos na pennsula ibrica correcta do labor romano na pennsula ibrica. Tem-se o cultivo da oliveira como obra dos fencios em toda a orla mediterrnica, o que a situa tambm como principal cultura desta grande regio. Mesmo com o mar de permeio, nunca deixou de se dar de forma quase protocolar a viagem entre c e l, como que ignorando a dificuldade e peso das empreitadas martimas. No espanta, por isso, que alm de integrar o cdice culinrio egpcio, fosse o azeite tambm, por aquelas paragens de prodgios, ingrediente medicinal e de beleza. A Grcia ainda hoje tem vaidade no seu estatuto de terra antiga de bom azeite, assente em mais de cinco sculos de avano em relao aos romanos. Foi quase mil anos antes de Cristo que o pas olmpico fundou o patrimnio olivcola, de que s agora comeamos a perceber os verdadeiros contornos. No auge do imprio, Roma importava todo o azeite que podia, e era ento a Ibria um dos principais produtores; a produo italiana no era de todo suficiente para a ambio consumista. O Vinho. A videira, espcie notvel que mesmo nos mais inquinados terrenos consegue produzir um fruto uva impoluto, que por sua vez, fermentados os seus acares cria a verdadeira bebida dos deuses, o vinho. Alm dos componentes alcolico, aromtico e corante, contm o que para a sobrevivncia da espcie humana foi muitas vezes crucial: cerca de 80% de gua pura. Beber vinho significava tambm beber gua pura. H quem sustente mesmo que foi para esse fim que o homem massificou a produo de vinho. Antes de discordarmos desta interpretao, temos sempre de atentar que a maioria das epidemias se transmitia, ento como hoje, no bucho de mosquitos e outros insectos, frequentadores assduos das guas paradas e imprprias para consumo dos pntanos e canais. Ento era o vinho que se utilizava at como desinfectante e paliativo de feridas abertas. Alm do efeito cauterizante do pouco lcool que continha, seguramente lavava a zona magoada como nenhuma outra gua. Quem verdadeiramente o inventou, no sabemos, mas tem-se como certo que a plantao de vinha em extenso foi iniciada pelos gregos e dali ter ento migrado para a pennsula ibrica. Podero ter sido os etruscos da Itlia central que iniciaram os romanos no assunto do vinho? Difcil dizer. Mas foram os romanos, com a sua notvel capacidade de sistematizao, que pela Europa fora marcaram os lugares de vinha, acabando por definir o mesmo mapa vinhateiro que ainda hoje permanece. H uma certa evidncia de que o vinho do tempo dos romanos era bastante doce, maioritariamente branco; para cozinhar e para beber. Tudo factos que importa averiguar e aprofundar, devidamente contextualizados no espao e no tempo. H, ainda, alguns relatos de desdobrar, ou traar o vinho com gua do mar quando chegava o momento de beber. A uva em si era venerada, fresca e na forma de passa, armazenada depois nas despensas dos romanos como conserva de primeirssima escolha, saindo intermitentemente das vasilhas durante os rigores do inverno. Po. As padarias de Roma eram praticamente todas propriedade de gregos, nos primeiros CARTA GASTRONMICA DO ALENTEJO Monumenta Transtaganae Gastronomica 0037
  • 38. Ins de Ornellas e Castro & Fernando Melo Algumas notas sobre a presena e influncia dos romanos na pennsula ibrica tempos do imprio. O trigo passou a ser cultura de latifndio, pela fuso sistemtica das pequenas propriedades umas com as outras. Era importante para os romanos daquele tempo ter muita terra, em torno de uma casa de traa marcadamente grega, se possvel de dimenso csmica. O efeito dessa alterao em Itlia foi duplo: o trigo ficou nas mos de poucos e muitos foram empurrados para a cidade, onde tinham de esperar que o cereal chegasse. Antes de se chegar ao po, cozido em padarias, preparava-se uma espcie de papa de cereais, nutritiva e benfica para a sade, a partir de trigo e espelta. E pelas aldeias fora, como seria de esperar, cada um cozia o seu po. No Sc. III d.C., j eram as mulheres que se ocupavam das artes da panificao, produzindo criaes espantosamente parecidas com alguns pes que hoje consumimos. Sementes, folhas e ervas aromticas podiam cobrir os pes depois de pincelados com ovo, e as massas de que eram feitos tinham j separao de categorias entre si. Tudo, afinal, se sistematizava. A mesa e a revoluo culinria romana O assunto da mesa mediterrnica tem o lado cndido de se poder cingir a po, vinho e azeite, em termos de grandes vectores. A abordagem simplista no contudo suficiente para se chegar a entender como as diferentes cozinhas da orla do Mediterrneo se foram diferenciado umas das outras, com o tempo. As declinaes que assume a leitura mediterrnica, mostram uma grande variabilidade e um assombroso despontar de novos braos, a cada momento. E a interveno da cultura romana torna impossvel fazer uma leitura das origens da alimentao moderna sem ter em conta os muitos prodgios operados nas artes da cozinha, agricultura, vitivinicultura, no mbito da esfera do imprio. Debruamo-nos por isso um pouco e de forma leviana, porquanto solta de uma cronologia fixa e demonstrvel, nalguns pontos relevantes do longo processo dos romanos no tocante comida e costumes da mesa. Houve sempre uma aparente contradio nos hbitos alimentares dos romanos, proporcionada pela sua obsesso com a pureza e salubridade de tudo o que comiam e ao mesmo tempo pela tendncia para as grandes e prolongadas festas. Nestas ltimas, no havia limites e havia um extenso receiturio que se fazia passar prtica, alm de montagens no poucas vezes sumptuosas, fundando o ramo que ainda hoje se conhece como cozinha de palcio. Nos momentos festivos, ingeria-se alimentos menos saudveis, muitas vezes perigosos para a sade. injusto, de qualquer forma, reduzir a uma crtica estritamente social os excessos a que os romanos do tempo imperial se dedicavam. Nos nossos dias festivos, comemos mais do que no quotidiano e nos colectivos sentimos que podemos ser um pouco mais arrojados na escolha do que comemos. A cozinha tradicional portuguesa , toda ela, festiva, servindo-se e expondo-se na mesa copiosamente em travessas, para repartir por todos. Comer pode ser entendido como alimentar-se com (cum:com + CARTA GASTRONMICA DO ALENTEJO Monumenta Transtaganae Gastronomica 0038
  • 39. Ins de Ornellas e Castro & Fernando Melo Algumas notas sobre a presena e influncia dos romanos na pennsula ibrica erere:alimentar-se; cum erere). O sentido de partilha e ao mesmo tempo de abundncia festiva um dos grandes desgnios da mesa portuguesa. Actualmente, no entendimento do grande pblico a cozinha francesa representa a sofisticao suprema, um pouco talvez at a gourmandise, viver para comer, de forma elaborada e profunda, olhando sem contemporizaes para o pormenor mais nfimo. A cozinha dita mediterrnica representa, erradamente, um contraponto actual desta atitude, situando-a longe da sofisticao e demasiado prxima do produto propriamente dito, como se o processamento culinrio no tivesse importncia, ou fosse apenas uma questo de calor que fosse preciso fornecer a protenas e acompanhamentos, a fim de chegar ao prato. No pode haver interpretao mais errada do gigantesco e complexo legado deixado pelos romanos. A cozinha sofisticada e sistematizada que hoje a cozinha francesa e a cozinha franca, de produto inteiro e minimalista, que insistemente rotulamos de mediterrnica evanescem, na verdade da cozinha romana; do tempo do genial Marco Gvio Apcio (Sc. I d.C.), a quem atribudo o mais antigo tratado de cozinha de todos os tempos. Levou ao extremo a repartio e compartio do conhecimento do seu tempo nas coisas de comer, no qual ele prprio foi actor e criador importante. Cruzado com os costumes, sabores e temperos do Al-Andaluz, a que fizemos referncia atrs, produz um caminho de verdadeiros prodgios e descobertas acerca do nosso territrio. Ganha particular protagonismo o territrio portugus, se lido luz dos saberes de dois mil anos, agora a merecer e conhecer interesse por parte dos investigadores do que alimentao diz respeito. A cozinha francesa resulta de muita da novidade se ter concentrado na ento Glia, 2 ou 3 sculos aps Apcio. E s a comeou a desenhar-se o princpio da que conhecida como cozinha francesa. Preocupamo-nos muitas vezes em vo com a origem de alguns ingredientes e alimentos, quando quase tudo foi descoberto, inventariado, estudado e sistematizado pelo imprio romano. O pouco mas significativo, diga-se que ajuda a compor o cenrio foi o muito que veio da Amrica Central e do Sul, aps as descobertas. Na verdade, s a partir do Sc. XVII tivemos acesso a ingredientes que hoje temos na conta de fundadores na nossa cozinha, tais como milho, tomate, batata, pimento, chocolate, etc. Tal no quer contudo dizer que no tenhamos atingido patamares de enorme recorte de sabor, tcnica e sustentabilidade nos mais de mil e quinhentos anos de cozinha, sabor e gosto. Caminhos possveis de pesquisa O peixe era muito importante no tempo dos romanos e o Mediterrneo era prdigo em espcies spidas aptas boa cozinha. A frescura era uma obsesso dos romanos e um preparado produzido a partir de pescado seleccionado garum tinha alto valor culinrio, aplicando-se frequentemente em molhos tanto de peixe como de carne. Trabalhava-se e apreciava-se muito a sardinha, hiperbundante no grande mar europeu e que era to dada CARTA GASTRONMICA DO ALENTEJO Monumenta Transtaganae Gastronomica 0039
  • 40. Ins de Ornellas e Castro & Fernando Melo Algumas notas sobre a presena e influncia dos romanos na pennsula ibrica seca como conserva. As salmouras e as marinadas davam-lhe nova vida, para gudio dos gourmets de ento. O salmonete era particularmente apreciado pela textura firme da sua carne e pela intensidade de sabor, exigindo frescura a toda a prova. Outros peixes frequentes na mesa dos romanos de posses e que no permitiam contemporizaes em matria de frescura eram a dourada e o robalo. As ostras ao natural leia-se vivas eram particularmente apreciadas e consumidas. Junto s grandes casas dos senhores da terr, havia pequenos depsitos com gua do mar, destinados ao armazenamento temporrio do peixe vivo (peixe: pisces) para consumo domstico, a que se dava o nome de piscinae, ou piscinas. Findo este perodo de demanda do pescado vivo para consumo prprio, comeou a haver condies de armazenamento, ficando contudo a designao de piscinas, tanto para banhos pblicos como para refrescamento privado das famlias. Os movimentos atravs do Mar Mediterrneo levaram a que descobertas como o foie gras ou fgado gordo descoberto e fomentado pelos egpcios, chegasse para criar razes na Europa de influncia mediterrnica. Chamaram-lhe os romanos jecur ficatum, ou fgado (jecur) alimentado a figos, consagrando a dieta a que os gansos do tempo dos faras se entregavam antes de se lanarem no ciclo anual de migrao. A ingesto de figos fazia com que os fgados das aves ficassem particularmente volumosos, funcionando como depsitos de energia para gastar ao longo da grande empreitada voadora. Perceberam os romanos depressa as virtudes destes rgos sobredimensionados e trouxeram-nos para a pennsula ibrica, sujeitando-os a cozeduras relativamente rpidas que permitiam conserv-los por dois ou trs meses, prontos a consumir. O foie gras ainda hoje uma comida de camponeses no sudoeste francs e importante tambm na Catalunha. A capoeira tinha papel relevante na cozinha dos romanos, particularmente coelhos, galinhas e galos. Estes ltimos, supostamente modificados por um centurio romano, capando-os em tenra idade para que no importunassem com o seu canto, atingiam tamanho e peso considerveis, pelo desequilbrio glandular. Chamavam-se como se chamam hoje, capes e aps a queda do imprio romano, com a adopo da f crist, eram o assado natalcio por excelncia. Muitos povoados portugueses tm por hbito chamar capo ao galo e galinha pica no cho, o que no correspondendo verdade, se deixa normalmente passar. At porque com esses que se produzem as maravilhosas cabidelas estufados longos que se finalizam com sangue fresco das prprias aves que se provam em todo o pas ao longo do inverno. O porco tinha contornos de animal sacrificial no incio, passando depois fonte de diversas delcias, com finalidades culinrias tambm elas diversas. responsabilidade dos romanos a inveno de alguns dos enchidos que ainda hoje produzimos, bem como da tcnica de fumo, salga especialmente para os presuntos que lhes dava vida longa. Fundador no Al Andaluz, o porco pontifica na pennsula ibrica. H que dizer aqui que a carne de vaca CARTA GASTRONMICA DO ALENTEJO Monumenta Transtaganae Gastronomica 0040
  • 41. Ins de Ornellas e Castro & Fernando Melo Algumas notas sobre a presena e influncia dos romanos na pennsula ibrica no s no era popular como tambm era proibida, j que o bovino era considerado mais um meio de transporte do que ingrediente culinrio. Claro que com o tempo a pena e o melindre foram amaciando, abrindo portas para experincias e consumo. O leite, esse, foi sempre importante. A caa maior era importante na mesa imperial, eternizada por receiturio hoje milenar e tcnicas que vo desde as marinadas at preparao dos lumes para a correcta assadura das peas. No captulo dos legumes, havia grande variedade centenas - de alfaces e couves. A cebola e os espinafres pontificavam enquanto fundos e acompanhamentos. Eram vrios os estufados longos cozinha dita de tacho - que se produziam ento, com caldos de que depois se escrevia e falava. Viriam tambm do oriente, os espargos, as alcachofras e as chalotas, entre outros, para aumentar a grandiosidade e recorte tcnico da que bem pode ser chamada de alta cozinha romana. De repente, salsa, alho, alho-porro (conhecido entre ns como alho francs) e aipo criavam bases de cozinha que ainda hoje, volvidos dois mil anos, ainda utilizamos. A manteiga e o azeite ajudavam a compor um dos mais gloriosos elencos culinrios de todos os tempos. O encontro entre os imprios romano e chins, no Sc. I a.C., teve, de facto, dois sentidos. Os longos combios de camelos que traziam, atravs dos mais de 7 mil quilmetros, pela China e sia Central at bacia mediterrnica, especiarias como gengibre, noz-moscada, cravinho, canela e pimenta, vindas na sua maioria da ndia, levavam depois de volta, entre outros, ps de videira que os prprios romanos ajudaram a plantar naquelas paragens distantes. Inaugurava-se assim o patrimnio vitivincola chins, totalmente pela mo dos romanos. CARTA GASTRONMICA DO ALENTEJO Monumenta Transtaganae Gastronomica 0041
  • 42. Memria dos Sabores do Mediterrneo Doutor Cludio Torres
  • 43. Cludio Torres MEMRIA DOS SABORES DO MEDITERRNEO Ao longo da histria e mais ainda quando penetramos em pocas medievais ou mesmo pr medievais, os poucos textos escritos e com mais razo aqueles que so dedicados a tratados de gastronomia e culinria so invariavelmente o reflexo de grupos sociais aristocrticos ou dominantes que relatam a vida senhorial com os seus refinados banquetes, ou ento a vida abastada dos conventos. Nas cidades islmicas, sobretudo nas suas reas palatinas, os hbitos alimentares seriam certamente os mesmos ou pelo menos muito parecidos na elaborao e consumo de suculentos assados e espetadas de borrego ou cabrito. As diferenas teramos de procura-las no refinamento dos servios de mesa e sobretudo na utilizao de novos gneros hortcolas e especiarias. No processo de islamizao, com a abertura de novos mercados para alm dos portos mediterrnicos, sobretudo na Prsia e na ndia, so introduzidos e generalizam-se o acar e o arroz, entram nos hbitos alimentares mediterrnicos outros legumes como a alface, a beringela, a abbora e o tremoo; so conhecidas novas frutas como o pssego, o damasco, a laranja amarga e o limo. Foram tambm introduzidas nessa altura muitas especiarias at ento mal conhecidas como o cravinho, a canela, a pimenta, os cominhos e o aafro. Ora a informao histrica recolhida pela arqueologia descobre e sistematiza tambm a vida daqueles que no sabiam escrever, daqueles que nunca tinham tido histria. O simples artefacto de cozinha, a humilde panela, enegrecida pelo fogo, para ns, arquelogos, preciosa para compreender os hbitos alimentares, a topografia cultural da cozinha que, afinal, o espao mais nobre da casa camponesa. As tcnicas e saberes alimentares sempre marcaram uma forte continuidade civilizacional. Passam os exrcitos e os almocreves e a mulher camponesa insiste teimosamente em repetir os gestos que viu fazer aos seus antepassados. Em poca islmica, quando de certa forma so firmadas as velhas autonomias regionais mediterrnicas e portanto reforadas as tradicionais comunidades camponesas, a alimentao era dominada por uma enorme variedade hortcola, assente na fava, gro-de-bico, tremoo, ervilha, chcharo, a que se foram acrescentando outras espcies introduzidas a partir do sculo X, como o arroz, o trigo duro, o espinafre a beringela e a alcachofra. Antes da adopo da carne de porco, imposta mais tarde pela Inquisio, era o carneiro que predominava na culinria alentejana. Sobretudo atravs dos ensopados, cozidos e guisados de todos os gneros, a carne de carneiro e borrego no s dominou os gostos e sabores no Alentejo e em todo o Mediterrneo, como ainda hoje o manjar mais apreciado e desejado nas festas e aniversrios, nos casamentos e batizados, nas romarias e encontros festivos. Os tradicionais ensopados de borrego bem apurados e apaladados com a hortel e outras ervas aromticas, so a marca inimitvel de saberes passados que de gerao em gerao atingiram o mximo requinte. Aqui para o Sul, em todos os antigos pases muulmanos, no Alentejo e na Andaluzia, CARTA GASTRONMICA DO ALENTEJO Monumenta Transtaganae Gastronomica 0043
  • 44. Cludio Torres MEMRIA DOS SABORES DO MEDITERRNEO nas cerimnias colectivas ou familiares sempre servido o borrego. Ainda hoje, no Baixo Alentejo e na Serra Algarvia, nas festas de convvio dos rapazes, uma cabea de carneiro que marca os rituais da cumplicidade. Alis, de forma muito mais geral, tambm nas festividades solsticiais de Primavera, com razes antigas nas comunidades crists do Mediterrneo, tradicionalmente sacrificado o anho ou borrego pascal. Em todo o Mediterrneo, a oliveira, integrada na horta familiar, era plantada em associao com a videira e a figueira. Neste contexto, assim como a azeitona no era s para fazer azeite, to pouco as uvas serviam apenas para fazer vinho. No podemos esquecer que o figo seco, a uva passa e a azeitona curtida, foram, juntamente com o po, a base alimentar das gentes do Sul. Um pedao de po, um punhado de azeitonas e uma mo cheia de figos permitiam a um ceifeiro aguentar um violento dia de trabalho de sol a sol. Esta carga proteica e vitamnica era tambm reforada com a uva passa muito utilizada na composio e tempero de guisados, dando-lhes aquele toque agri-doce, to caracterstico das tradies mediterrnicas. sintomtico que a palavra acepipe usada no portugus atual no sentido de pitu, iguaria e aperitivo, tem a sua origem na palavra rabe zabib que designa precisamente a uva passa! Antigamente e sobretudo entre as classes dominantes, os hbitos alimentares centravam-se quase exclusivamente no consumo de muita carne, nos assados e espetadas com desperdcio de molhos e gorduras que ardiam nas brasas. Porque para a generalidade da populao, como a carne inacessvel, o elemento ao qual sempre se recorre quando tudo falta, a base fundamental e indispensvel cozinha mediterrnica sem dvida o trigo, em farinha para papas, cozido em po, preparado em massas, ou combinado com centeio ou cevada. Se a tradicional almndega com pouca carne, no tiver uma sabia e necessria adio de po embebido em molho e ervas aromticas, torna-se seca e dura, perdendo a sua qualidade gastronmica. Esta a arte de fazer melhor com menos. A arte de substituir a quantidade pela qualidade. A arte e o milagre de suprir a pouca carne por umas folhas de coentros, uma ervinha aromtica e um fio de azeite. Porque o azeite, mais verde, maduro ou aromatizado, que vai substituir as gorduras animais dominantes nos climas mais frios do Norte. Hoje, felizmente, comeamos a aprender a recuperar estes sabores, a escolher o tempero em funo da comida, a usar com mais sensibilidade o azeite cru nas sopas e nas migas, a utiliz-lo nos fritos em vez dos leos polinsaturados. Tradicionalmente, o azeite era armazenado em potes de barro onde, muitas vezes, se mergulhavam enchidos, fumados, queijos ou frutos secos, o que, alem de assim serem conservados, conferiam ao azeite novos gostos e sabores. Finalmente h a referir que a informao arqueolgica nos ajuda a compreender como em pocas antigas eram cozinhados os alimentos. Que utenslios eram utilizados e de que maneira. Por exemplo, a proporo de panelas enorme comparada com a das frigideiras. CARTA GASTRONMICA DO ALENTEJO Monumenta Transtaganae Gastronomica 0044
  • 45. Cludio Torres MEMRIA DOS SABORES DO MEDITERRNEO Este facto, aparentemente andino, permite-nos comprovar que a sopa e o cozido eram alimentos habituais, ao contrrio das frituras. A panela era de facto a rainha da cozinha. Bem aconchegada no borralho e a cozer lentamente um punhado de couves e nabos, um naco de abbora, uma mo cheia de favas e um fio de azeite. Eis a sopa, o alimento mais importante a chave de muitos sculos de sobrevivncia e muitos saberes. Depois temos uma srie de outras comidas tradicionais que passam por uma grande variedade de papas. Eram papas de trigo ou de milho pano. Eram farinhas de fava, de gro e mesmo de lentilhas. Papas de farinha de alfarroba, de bolota e de chcharo. Tudo isto entrava numa dieta variadssima onde os condimentos e ervas aromticas tinham um papel fundamental e onde tambm entravam por vezes outras farinhas feitas de frutos secos como a pera, ma e pssego. Porm, a farinha a srio era a farinha de trigo para fazer o po. E para com ele fazer gaspacho, migas e ensopados. Para fazer aorda preciso po! E po havia de muita espcie. Com mais ou menos centeio ou mesmo cevada. Conforme o po e os condimentos assim tambm as aordas. Aorda provm da palavra rabe ath-thurda de onde tambm deriva tarida utilizada nos pases islmicos do Mediterrneo. Com pequenas variaes, era e continua a ser, nesta regio, um alimento primordial. gua limpa, po migado, salsa e coentros, dois dentes de alho e um fio de azeite. O mais simples dos milagres. Um milagre tantas vezes repetido que se corporizou num patrimnio identificador de uma cultura, de uma velha cultura que em Portugal apenas sobrevive no Alentejo e na Serra Algarvia. Ao contrrio dos campos abertos, varridos pelos ventos e pelos homens, as serras escondem as suas tradies, sabem conservar melhor os seus saberes, sabem guardar e proteger com cuidado as suas memrias. CARTA GASTRONMICA DO ALENTEJO Monumenta Transtaganae Gastronomica 0045
  • 46. Saberes e Sabores do Alentejo Prof. Doutor Galopim de Carvalho
  • 47. Galopim de Carvalho Saberes e Sabores do Alentejo Numa arte de cozinhar que recebeu aromas e sabores trazidos, entre outros, pelos ocupantes romano e visigtico e, depois, pelo invasor muulmano, a cozinha do Alentejo, a par dos seus cantares, uma expresso cultural bem conhecida e devidamente apreciada. O povo que resultou desta mistura e que aqui se fixou, descobriu e aperfeioou, ao longo de geraes, aromas e sabores que foram transformando o simples acto fisiolgico de qualquer animal, que a ingesto de alimentos, num outro marcado pelo prazer, quer o dos sentidos, quer o da convivncia. Perfeito conhecedor deste