Aula 9 Denise Silvia Lara - Palmares e Cucaú

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7/22/2019 Aula 9 Denise Silvia Lara - Palmares e Cucaú http://slidepdf.com/reader/full/aula-9-denise-silvia-lara-palmares-e-cucau 1/271 Universidade Estadual de Campinas Instituto de Filosofia e Ciências Humanas Departamento de História  PALMARES & CUCAÚ O APRENDIZADO DA DOMINAÇÃO Silvia Hunold Lara Tese apresentada para o concurso de Professor Titular Área de História do Brasil Disciplina HH384 - História do Brasil I Campinas, 2008

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Universidade Estadual de CampinasInstituto de Filosofia e Ciências Humanas

Departamento de História

 PALMARES & CUCAÚ 

O APRENDIZADO DA DOMINAÇÃO

Silvia Hunold Lara

Tese apresentada para o concurso de Professor Titular Área de História do Brasil

Disciplina HH384 - História do Brasil I

Campinas, 2008

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  II

 

Para meus primeiros leitores

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  III

Agradecimentos 

Como sempre, das maneiras as mais diversas, muita gente me ajudou a fazer a pesquisa e a escrever essa tese. A lista é longa e começa com Flávio dos Santos Gomesque, logo no início da pesquisa, em 2005, me cedeu todo o levantamento dadocumentação impressa sobre Palmares que havia realizado, doação generosa que veioacompanhada por várias dicas bibliográficas e sugestões. Ele inaugurou uma sérieenorme de contribuições que foram aparecendo, aqui e ali, muitas vezes de formasurpreendente. Agradeço muitíssimo a ele e a todos os que vieram em seguida: AdrianaRomeiro, Aldo Leoni, Bruno Feitler, Camila Loureiro Dias, Carlos Zeron, CatarinaMadeira Santos, Cristina Meneguello, Eneida Mercadante Sela, Érika Simone deAlmeida Carlos Dias, Gabriela Reis Sampaio, Hebe Mattos, Iara Lis Schiavinatto, JamesGreen, Jean-Frédéric Schaub, John Monteiro, Kittiya Lee, Mafalda Soares da Cunha,

Marcelo Mac Cord, Márcio Santos, Marcus Carvalho, Maria Fernanda Bicalho, MariaLêda Oliveira, Mariana Françozo, Mariza Carvalho Soares, Matthias Rohrig Assunção,Michael Hall, Pedro Meira Monteiro, Raphael Chambouleyron, Sean Purdy, SilvanaRubino, Stephan Palmié, Tiago C. P. dos Reis Miranda e Waldomiro Lourenço da SilvaJúnior. Mesmo que a tese tenha sido terminada, a pesquisa continua e o material que meforneceram será - prometo - melhor aproveitado.

Agradeço igualmente aos que me ouviram contar novidades, lamentar dificuldades e repetir histórias. Guardo com carinho e gratidão o simples sorriso de paciente compreensão, a lembrança simpática de mandar uma dica por e-mail ou adisponibilidade para escutar minhas idéias.

Obrigada também a Laura Peraza Mendes e Vinicius Todorov, bolsistas de Apoio

Técnico do CNPq (ela por dois anos e ele nos últimos meses), que acompanharam de perto a elaboração das tabelas, a garimpagem dos textos e as idas e vindas da pesquisa.Aos arquivistas e bibliotecários das diversas instituições em que trabalhei devo

agradecimentos especiais, pela paciência que tiveram para localizar livros, documentos einformações às vezes estranhas mas preciosas para a pesquisa. Dessa vez, também o quenão foi encontrado assumiu grande importância e a ajuda especial dos técnicos doArquivo Histórico Ultramarino, da Torre do Tombo, da Seção de Reservados daBiblioteca Nacional, em Lisboa, e da Seção de Manuscritos da Biblioteca Nacional, noRio de Janeiro foi ainda mais valiosa.

Essa pesquisa vem sendo financiada por uma Bolsa de Produtividade em Pesquisado CNPq e faz parte de um Projeto Temático da Fapesp. Contei ainda com o auxílio do

Faepex-Unicamp e da Capes para viagens para apresentar trabalhos e realizar consultasem certos acervos. Com uma bolsa da Rockefeller Foundation Resident Fellowships inthe Humanities Program at Northwestern University, pude permanecer cinco mesesnaquela universidade e usufruir da maravilhosa coleção "Africana" de sua biblioteca.Agradeço ao Jorge Coronado e aos colegas do Latin American and Caribean Studies da Northwestern University e do Center for International and Comparative Studies aacolhida e a oportunidade de discutir com eles os primeiros resultados de minhas pesquisas.

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  IV

Meus colegas do Cecult, como sempre, merecem lugar especial: SidneyChalhoub, Maria Clementina Pereira Cunha, Robert W. Slenes, Fernando Teixeira daSilva, Jefferson Cano, Cláudio Batalha e Joseli Mendonça constituem um time de primeira, sempre atarefado e cheio de idéias, do qual tenho orgulho de fazer parte. Juntosfazemos projetos, seminários, conversamos, discutimos; é um privilégio poder contar 

com vocês como interlocutores constantes e como parceiros de profissão. Obrigada por fazerem a vida universitária valer a pena! Todos nós devemos muito à valiosacolaboração de Flávia Peral, a quem agradeço mais uma vez. Eu não teria conseguidoescrever essa tese nos dois últimos meses se Sidney, Flávia e Fernando não tivessemdescascado os pepinos e segurado as pontas: essa vou ficar devendo para sempre!Agradeço também a meus alunos, que souberam esperar mais tempo do que o costume para que eu pudesse ler seus textos e conversar sobre suas pesquisas.

Meus familiares acompanharam de longe o trabalho, e minha mãe mostrou seuinteresse e apoio ao ler essas páginas conforme elas foram sendo escritas. Clementina meincentivou com ironia e bom-humor; Lucas e Isabel ajudaram a contar os dias quefaltavam. Sidney, apesar de todas as suas atribulações, achou tempo para assumir o posto

de revisor. Obrigada, obrigada, obrigada!Ler é atividade que implica atenção, abertura e partilha. Tenho tido a sorte de

encontrar amigos dispostos a ler, comentar e criticar o que escrevo. Agradeço o trabalhoque realizam, especialmente com relação aos textos que ainda estão "no forno",incompletos e necessitados de um olhar externo que aponte suas fragilidades e faltas. Aodedicar a tese a eles, tenho esperança de que o gesto leal e fraterno, que tanto me enchede alegria ... possa se repetir mais uma vez.

Muito obrigada!

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Índice 

Introdução 1

Capítulo 1 - Ajustes  141. Lá e cá 142. A voz da experiência 333. Homens de palavra 474. Com fé, lei e rei 64

Capítulo 2 - Diálogos  831. A força de uma tradição 83

2. Pelas Américas 1003. Além da cultura 112

Capítulo 3 - Conjunções  1251. Os negros do Palmar 1262. Escravos para Pernambuco 1363. Guerras em Angola 1484. Sobas, vassalos e kijikos 162

Capítulo 4 - Alternativas 1791. A aldeia de Cucaú 179

2. Problemas 1953. Debates em Lisboa 2094. Guerra e paz 219

Palavras Finais 228

Anexos 237

Lista de abreviaturas utilizadas nas notas 246Fontes e Bibliografia 247

Mapas e TabelasMapa 1 - As fronteiras da escravização na África Central 145Mapa 2 - As principais rotas comerciais na África Central no século XVII 147Mapa 3 - A África Central Ocidental no século XVII 150Mapa 4 - Os mocambos de Palmares e Cucaú 192Tabela 1 - Estimativa do número de africanos desembarcados no Brasil 139Tabela 2 - Escravos desembarcados no Brasil 142

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INTRODUÇÃO

Quem for ao Arquivo da Universidade de Coimbra, encontrará ali um volumoso

códice, com uma bela capa de couro, que as letras douradas da lombada indicam conter 

as "disposições dos governadores de Pernambuco" produzidas entre 1648 e 1696.1 Ele

faz parte da coleção intitulada Conde dos Arcos, adquirida pelo arquivo no início da

década de 1970. Dom Marcos de Noronha e Brito, sexto conde dos Arcos, quando

governou a capitania de Pernambuco entre 1746 e 1749, mandou copiar os papéis

existentes na secretaria de governo daquela capitania. O material deve ter ficado com a

família, sendo depois transferido para o arquivo.2 O volume contém cópia dos registros

das provisões, cartas, ordens e outros documentos enviados pelos governadores de

Pernambuco a diversas autoridades.3 São essas as tais "disposições", que estãoorganizadas por titular do governo, de Francisco Barreto a Caetano de Melo e Castro,

 precedidas de um índice.

Um belo códice, sem dúvida. A letra do copista é clara e de fácil leitura, embora

haja páginas um pouco manchadas. O volume é raro, pois contém textos que se julgavam

 perdidos, completando assim o material sobre o século XVII pernambucano guardado

 pelo Arquivo Histórico Ultramarino e por outros arquivos portugueses. Se por meio

1 Disposições dos governadores de Pernambuco (1648-1696). AUC, CCA, IV, 3ª-I-1-31.2 Para uma avaliação de toda a coleção, ver o Guia do arquivo da Universidade.  Boletim do Arquivo da

Universidade de Coimbra, vol. 1 (1973): 159. Ver também Evaldo Cabral de Mello,  A fronda dos

mazombos. Nobres contra mascates. Pernambuco, 1666-1715. São Paulo, Companhia das Letras, 1995, p. 14.

3 Para uma visão geral da atuação administrativa da secretaria da capitania de Pernambuco ver Josemar Henrique de Melo,  A idéia de arquivo: a secretaria do governo da capitania de Pernambuco (1687-

1809). Doutorado, Porto, Universidade do Porto, 2006.

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desses últimos temos acesso à correspondência que seguiu para Lisboa ou que lá foi

 produzida sobre Pernambuco, com os códices da coleção Conde dos Arcos podemos ler 

as ordens expedidas "para dentro" da capitania ou as cartas e avisos enviados para o

governo do Estado do Brasil, sediado na Bahia. No verso da folha 334 daquele códice está a cópia de um "papel" enviado por 

Aires de Souza de Castro a Gangazumba.4 Datado de 22 de junho de 1678, o documento

não parece destoar de todos os outros, mas certamente chama a atenção por seu

destinatário que, como se sabe, foi um dos líderes de Palmares.

O tal papel não é exatamente uma carta, nem uma provisão ou um aviso, pois não

segue as regras formais desses tipos documentais. Também não foi escrito para

simplesmente comunicar-se com alguém, determinar alguma providência ou chamar a

atenção sobre um procedimento administrativo. O texto foi redigido para avisar 

Gangazumba que o governador Aires de Souza de Castro, em nome do príncipe de

Portugal, lhe remetia "o bem da liberdade e [o] perdão" por ter vivido "há tantos anos

fora da [sua] obediência". A concessão se justificava pelo fato de o governador e os

"filhos e família" do destinatário terem acertado que "todos os negros [dos] Palmares e os

mais potentados deles" viriam, em paz, se instalar na aldeia de Cucaú. É, assim, ao

mesmo tempo, um aviso das negociações realizadas e o documento que selava o

compromisso assumido pelas partes.Trata-se, sem dúvida, de um texto oficial do governo da capitania de

Pernambuco. Como tantos outros documentos registrados naquele códice, o governador 

dirige-se a seu destinatário com deferência e emprega a fórmula usual nas comunicações

entre autoridades. O tom geral, contudo, não é nada ameno e as frases são um pouco

confusas para o leitor moderno. Apesar de louvar a "luz" que levou Gangazumba a enviar 

seus filhos para se colocarem aos pés do governador, a pedir perdão por terem vivido

tantos anos em "desobediência", o primeiro gesto de Aires de Souza de Castro é ameaçar 

o destinatário com uma guerra sem quartel se as promessas assinaladas no tal papel não

forem cumpridas no prazo estipulado. Para ele, não havia a "menor dúvida" sobre o que

4 Aqui e em toda a tese a grafia dos nomes próprios (de pessoas e lugares) foi atualizada. Na transcriçãodas fontes, a grafia das palavras também foi atualizada, assim como foram desdobradas as abreviaturas ea pontuação foi alterada o mínimo necessário, para facilitar a leitura.

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havia sido concedido: devolvia a mulher e os filhos de Gangazumba que haviam sido

 presos; alforriava Amaro e João Mulato, assim como todos os nascidos nos Palmares; e

concedia o sítio de Cucaú para que todos pudessem ali fazer suas aldeias, plantar e ter os

mesmos lucros que os demais vassalos de Portugal. Em troca, Gangazumba devia secomprometer a viver em paz e obediência e a entregar todos os negros que haviam fugido

 para Palmares. Para explicar as "conveniências e a firmeza de todo esse papel" o

governador remetia dois soldados honrados e experientes, que falavam a língua dos

Palmares, e terminava prometendo enviar padres para que pudessem aprender a doutrina

cristã, e a viver e morrer pela fé de Cristo.

Essa não é a única comunicação enviada por Aires de Souza de Castro a

Gangazumba: há ainda duas outras cartas, datadas de 24 de julho e 12 de novembro do

mesmo ano, que vão copiadas mais adiante naquele códice. E mais outra, de 12 de

novembro, para Gangazona, irmão de Gangazumba. Elas seguem as regras que

caracterizam textos desse tipo e mencionam a troca de cartas e presentes. Isso não

significa que em tão breve tempo laços de amizade, como entendemos hoje esse

sentimento, tenham se desenvolvido entre aqueles homens - mas sim que estamos diante

de textos que seguem os rituais da escrita administrativa e do diálogo entre autoridades

com crédito e poder equivalentes. É exatamente por serem documentos oficiais que

foram registrados pela secretaria de governo de Pernambuco e aparecem naquele códiceda coleção Conde dos Arcos.5

A leitura desses documentos suscita, de imediato, muitas perguntas. Como

explicar que um governador de uma das mais importantes capitanias do Estado do Brasil

no século XVII se corresponda com chefes de mocambos formados por escravos

fugidos? Em que condições aqueles textos foram escritos? O que significam as palavras e

expressões que empregam? Que novidades trazem sobre a história de Palmares e da

aldeia de Cucaú? Por que essa documentação permaneceu até hoje coberta pelo silêncio?

Algumas respostas podem parecer simples.

5 Os mais ávidos por novidades podem ir diretamente ao final da tese e ler a íntegra desses documentos nosanexos 1, 2, 3 e 4. Aviso logo que, além de matar a curiosidade, o gesto de pouco adiantará. Talvez sejamelhor ter um pouco mais de paciência e procurar saber por que aquele papel e essas cartas merecemtanto destaque.

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Esses documentos não foram incorporados na análise da história de Palmares

 porque estão disponíveis há não muito tempo. De fato. Embora a coleção já esteja

acessível aos pesquisadores há três décadas, ainda são poucos os que têm utilizado esse

material.6

Há contudo uma cópia do tal papel que foi remetida a Portugal em junho de1678, junto com uma carta do governador de Pernambuco, escrita no dia 22 daquele mês.

Ficou guardada entre os papéis do Conselho Ultramarino, abrigados durante muito tempo

na Seção Ultramarina da Biblioteca Nacional de Portugal, e hoje está guardada em uma

das caixas dos documentos avulsos vindos de Pernambuco no Arquivo Histórico

Ultramarino.7 Esse conjunto documental, ao contrário do que se encontra em Coimbra, é

 bastante conhecido e vem sendo consultado sistematicamente desde meados do século

XIX.

Depois da criação dos Institutos Históricos, os historiadores passaram a investir 

na busca de fontes inéditas em arquivos brasileiros e portugueses, a fim de construir a

história nacional. Os primeiros documentos sobre Palmares foram publicados nas revistas

dos institutos históricos;8 em seguida, os mais importantes foram reproduzidos em

anexos de obras dedicadas a analisar a história do que passou a ser conhecido como o

maior quilombo da história do Brasil.9 Por duas vezes, em 1938 e 2004, foram editadas

coletâneas que reuniram centenas de outros textos coletados em diversos arquivos.10 Uma

6 Apesar de referenciada pelo "Guia do arquivo da Universidade" desde 1973, a coleção tem sidoconsultada apenas por alguns especialistas da história pernambucana. Eu a descobri por meio de EvaldoCabral de Mello, em  A fronda dos mazombos. Ele mesmo indica que foi J. A. Gonsalves de Mello arevelar "a existência de tão importante coleção, que ele foi o primeiro a consultar, pouco depois da suaaquisição pela Universidade de Coimbra nos anos 70". E. C. Mello, A fronda dos mazombos, p. 14.

7 "Cópia do papel que levaram os negros dos Palmares". Doc. anexo à carta do governador Aires de Souzade Castro de 22 de junho de 1678. AHU_ACL_CU_015, Cx. 11, D. 1116 (Todas as referências àdocumentação desse arquivo, tratada pelo Projeto Resgate seguem a nova notação instituída por ele).Pode-se ler a íntegra do texto no Anexo 5.

8 O primeiro documento sobre Palmares a ser publicado foi a "Relação das guerras feitas aos Palmares dePernambuco no tempo do governador dom Pedro de Almeida de 1675 a 1678 (M. S. offerecido pelo

Exm. Sr. Conselheiro Drummond)". RIHGB, 22 (1859): 303-329. Dentre as outras publicações, ver, por exemplo, João Francisco Dias Cabral, "Narração de alguns sucessos relativos à guerra dos Palmares de1668 a 1680",  RIAGA, 7 (1875): 165-187; João Blaer, "Diário de viagem do Capitão João Blaer aosPalmares em 1645" [trad. de Alfredo de Carvalho].  RIAHGP , 10 n. 56 (1902): 87-96; Barão de Studart,"Dezenove Documentos sobre os Palmares pertencentes à Collecção Studart"  RTIC , 20 n. 20 (1906):254-289.

9 É o caso de Edison Carneiro, O quilombo dos Palmares, 1630-1695. São Paulo, Brasiliense, 1947, pp.187-246.

10 Ernesto Ennes, As guerras nos Palmares: subsídios para a sua história. São Paulo, Cia. Ed. Nacional,1938. A publicação no Brasil foi precedida por uma edição mais simples, em Portugal: Ernesto Ennes,

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terceira compilação chegou a ser organizada, mas não foi publicada.11 Apesar dessas

iniciativas, o tal papel nunca foi incluído em qualquer dessas publicações. Nas obras que

tratam da história de Palmares, até hoje, este documento também não recebeu atenção

suficiente. Apenas Ivan Alves Filho, em 1988, citou algumas de suas frases, sem lhededicar mais que um parágrafo.12 Essa falta de interesse também pode ser rapidamente

explicada.

Desde o século XVIII, Palmares foi incorporado à história do Brasil - ou da

América portuguesa - como um episódio carregado de sentidos. Na  História da América

 Portuguesa, de Sebastião da Rocha Pita, a destruição de Palmares aparece com um dos

feitos importantes do governo de Caetano de Melo e Castro, uma vitória gloriosa,

conseguida "com valor" e "com fortuna".13 O modo como esse autor descreveu os

mocambos e a ênfase dada à batalha final contra tão poderosos inimigos marcaram toda a

historiografia posterior, fornecendo-lhe uma chave interpretativa. A comparação com as

guerras servis na Roma antiga e a versão do suicídio heróico de Zumbi presentes em sua

obra ecoam em muitas outras posteriores, como em Loreto Couto, Southey, Handelmann

e Varnhagen.14

Ao longo do século XIX, os membros dos institutos históricos de Pernambuco e

Alagoas abordaram Palmares como um evento importante da história daquelas

Os Palmares: subsídio para a sua história. Lisboa, [Sociedade Nacional de Tipografia], 1937. DécioFreitas,  República de Palmares. Pesquisa e comentários em documentos históricos do século XVII .Maceió, Edufal, 2004. Para uma avaliação das fontes mais usadas pelos estudiosos vide Gérard Police,Quilombos dos Palmares. Lectures sur un marronnage brésilien. Guyane, Ibis Rouge, 2003, pp. 33-36.

11 Ernesto Ennes, Os primeiros quilombos (subsídios para sua história). S.l.e., s.e., 1938. Obra inédita, pertencente à Biblioteca do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Unicamp.

12 Ivan Alves Filho, Memorial dos Palmares, Rio de Janeiro, Xenon, 1988,  p. 91.13 Sebastião da Rocha Pita, História da América portuguesa [1730], São Paulo, EDUSP/Itatiaia, 1976, pp.

213-219. Rocha Pita chega a insinuar que o "fim tão útil como glorioso [que] teve a guerra (...) aosnegros dos Palmares" foi um dos elementos levados em conta para que o governador de Pernambucoobtivesse posteriormente o "superior lugar de vice-rei da Índia" (p. 219). A mesma referência é feita por 

Domingos Loreto Couto, que deve ter Rocha Pito como fonte. Cf. "Desagravos do Brasil e glórias dePernambuco" [1757] ABN , 25 (1903): 194.

14 Vide, por exemplo, D. L. Couto, Glórias de Pernambuco e desagravos do Brasil , pp. 187-194; RobertSouthey, História do Brasil [1810-19] (trad.) 4ª. ed. São Paulo, Melhoramentos/MEC, 1977, vol. 1, pp.361-362 e vol. 3, pp. 19-23; Francisco Adolfo de Varnhagen, História Geral do Brasil [1854] 7ª. ed. SãoPaulo, Melhoramentos, 1962, vol. 3, pp. 231, 258-259; Gottffried Heinritch Handelmann, História do

 Brasil [1860] (trad.) 2ª. ed. São Paulo, Melhoramentos/MEC, 1978, pp. 308-310. Para um balanço domodo com que diversos autores oitocentistas abordaram a escravidão e os movimentos protagonizados

 por negros ou escravos, incluindo o quilombo de Palmares, vide Clóvis Moura, As injustiças de Clio. O

negro na historiografia brasileira. Belo Horizonte, Oficina de Livros, 1990, especialmente pp. 61-181.

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 províncias, enaltecendo a atuação das tropas locais. Logo os paulistas contra-atacaram,

 para valorizar o feito dos bandeirantes na destruição dos mocambos.15 Varnhagen, por 

exemplo, privilegiou as realizações de Domingos Jorge Velho, enquanto o Instituto

Arqueológico e Geográfico Alagoano creditava a vitória a Bernardo Vieira de Melo,considerado um herói da história nordestina por sua atuação na chamada Guerra dos

Mascates.16 O debate se prolongou pelo século XX, especialmente com obra de Affonso

de Taunay, que fez pender a balança para os feitos dos paulistas. 17 Os mocambos podiam

ser vistos com certa simpatia, apesar de seus barbarismos, mas o sentido geral dessas

narrativas era enaltecer as personalidades locais que haviam eliminado um incômodo

obstáculo à obra da colonização, à ordem pública ou ainda ao desenvolvimento do país.

Havia, paralelamente, uma valorização de Palmares como símbolo da liberdade;

nesse caso, o destaque cabia à resistência dos mocambos e não a seus destruidores. A

literatura abolicionista, por exemplo, deu a Palmares e ao episódio do suicídio de Zumbi

"a importância de epopéia da liberdade, de sublimação de uma raça redimida no

sacrifício e na insubmissão", para usar a expressão de Pedro Calmon18. Joaquim Nabuco,

em manuscrito de 1870, apesar de considerar Palmares "uma das lendas pernambucanas",

"um fato isolado na nossa história", salientou o heroísmo da "única tentativa dos negros

entre nós para se emanciparem"19. Castro Alves, em agosto de 1870, escreveu um poema

15 Para uma análise pormenorizada da produção publicada pelos institutos históricos sobre Palmares, ver Andressa Mercês Barbosa dos Reis,  Zumbi: historiografia e imagens, Mestrado, Franca, Unesp, 2004,

 pp. 44-67 e 73-82.16 O debate entre Varnhagen e o Instituto de Alagoas, ao longo do século XIX, foi analisado por A. M. B.

Reis, Zumbi, pp. 48-50.17 Taunay considerava que a vitória bandeirante havia eliminado "o grande quisto de escravos rebeldes e

fugidos", o "baluarte da libertação de uma raça cuja sujeição decorria todo o sistema econômico do

Brasil". Ernesto Ennes, que o seguiu de perto, considerava a destruição dos mocambos uma "miniatura"do processo de ocupação metódica e colonização sistemática das vastas florestas e do extenso territórioempreendido pelos portugueses nas Américas. Affonso de Escragnole Taunay,  História geral das

bandeiras paulistas. Tomo 7. São Paulo, Typ. Ideal - Heitor L. Canton, 1936, p.136. Ernesto Ennes,  As guerras nos Palmares. Subsídios para sua história. São Paulo, Companhia Editora Nacional, 1938. Ver também, do mesmo autor, "The Palmares 'republic' of Pernambuco its final destruction, 1697". The

 Americas, 5 n. 2 (1948): 200-216.18 Cf. Pedro Calmon, História do Brasil , São Paulo, Cia. Ed. Nacional, 1941, vol. 2, p. 412, nota 3.19 Joaquim Nabuco, A Escravidão, (ed. compilada do original manuscrito por José Antonio Gonçalves de

Mello), Recife, Fundação Joaquim Nabuco/Ed/ Massangana, 1988, pp. 106-109.

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apaixonado, saudando aquele "ninho d'águias atrevido" que, numa "região de valentes",

soltou "a flâmula agitada (...) nas ondas da escravidão"20.

Ao longo do século XX, Palmares foi predominantemente caracterizado como

uma das maiores "epopéias da raça negra", como a chamou Nina Rodrigues.21

Em grande parte, essa avaliação acompanhou o movimento mais amplo em prol do reconhecimento

das contribuições africanas e negras para a história do Brasil, que tendeu ora a enfatizar 

as características africanas de Palmares, ora as lutas empreendidas pelo negro

 brasileiro.22 Palmares foi então se tornando um evento de significado nacional,

associando-se a outros grande feitos da história pátria.

 No final dos anos 20, Jayme de Altavilla considerava que Palmares, "uma

federação de estados livres dentro do Estado", havia sido "o primeiro grito de república

no Brasil (...) o vaticínio de 13 de maio de 1888 e de 15 de novembro de 1889". 23 No

 primeiro congresso Afro-Brasileiro, reunido  no Recife em 1934, Alfredo Brandão

 proclamou que o quilombo era "o mais alto feito de heroísmo da raça africana (...) o

 primeiro protesto do bárbaro sofredor (...) o primeiro grito de independência do Brasil",24 

enquanto Mário Melo defendia ser preciso “relembrar a epopéia desses negros que

lutaram contra a escravidão durante mais de três quartos de séculos”.25

 

20 O poema "Saudação a Palmares" não chegou a ser publicado antes de sua morte, mas foi posteriormenteincluído na coletânea Os Escravos. Ver, a respeito, o interessante artigo de Dale T. Graden, "História emotivo em 'Saudação a Palmares' de Antônio Frederico de Castro Alves (1870)" Estudos Afro-Asiáticos,25 (1993): 189-205.

21 Nina Rodrigues, "As sublevações de negros no Brasil anteriores ao século XIX. Palmares" Os africanos

no Brasil. [1905]. 5ª ed. São Paulo, Companhia Editora Nacional, 1977, p. 71. A tradição de umaabordagem épica da história de Palmares torna-se evidente no título original escolhido por NinaRodrigues para o artigo, "A Tróia Negra", publicado no  Diário da Bahia em 20, 22 e 23 de agosto de1905. O epíteto fora cunhado por Martins, [Joaquim Pedro de]  Oliveira, O Brasil e as colónias

 portuguesas. [1880] Lisboa, Guimarães & C. ª Editores, 1953, p. 64.22 Vide Arthur Ramos, A aculturação negra no Brasil. São Paulo, Companhia Editora Nacional, 1942, pp.

137-140.23 Jayme de Altavilla [Amphilophio de Mello], "A Redempção dos Palmares"  RIAGA, 11 (1926): 62-63.

 Nesse artigo, Altavilla conclama a necessidade de retirar as pedras das ruínas da cerca palmarina quevisitou em 1921 para com elas fazer um monumento "em qualquer logradouro de nossa linda terra", emhomenagem à "epopéia rubra que remontou os séculos e ficará perpetuamente na história da formação doBrasil. (pp. 65-6)

24 Alfredo Brandão, "Os negros na história de Alagoas". Estudos Afro-Brasileiros. Trabalhos apresentados

ao 1 Congresso Afro-Brasileiro reunido no Recife em 1934, 1º vol. Rio de Janeiro, Ariel, 1935 (ed facsimile Recife, Fundaj/Ed. Massangana, 1988), p. 60.

25 Mario Mello, "A República dos Palmares".  Estudos Afro-Brasileiros. Trabalhos apresentados ao 1

Congresso Afro-Brasileiro reunido no Recife em 1934, 1º vol. Rio de Janeiro, Ariel, 1935 (ed fac simileRecife, Fundaj/Ed. Massangana, 1988), p.185.

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Depois da publicação da obra de Edison Carneiro, em 1947, essa vertente se

tornou hegemônica. Palmares passou a ser, ao mesmo tempo, "um Estado negro à

semelhança dos muitos que existiram na África, no século XVII"26 e um exemplo da

"reação do homem negro contra a escravidão". Durante muito tempo, o texto de Carneiroconstituiu a principal referência para os que queriam conhecer a história de Palmares, no

Brasil e no exterior.27 Tanto para os que concordavam com suas posições, como até

mesmo para aqueles que se afastavam de suas escolhas políticas, como Mário Martins de

Freitas.28

A senda libertária e militante aberta por Carneiro foi fortalecida nos anos 50, mas

a ênfase nos aspectos culturais ou étnicos foi perdendo importância diante dos

significados políticos que a história palmarina adquiriu. Palmares se tornou um símbolo

da reação dos cativos à escravidão, destacado por sua resistência e pela tenacidade de

suas lideranças.29 Nos anos 60, com Luiz Luna e Alípio Goulart, Palmares continuou a

fazer parte do quadro maior das lutas contra a escravidão.30 Nos livros publicados por 

esses dois últimos autores, a queima de documentos ordenada por Rui Barbosa foi usada

 para atestar as dificuldades dos estudos sobre a escravidão negra, "um fenômeno social e

econômico dos mais relevantes da vida nacional".31 Assim, abordar essa história da

resistência negra, bem como glorificar seus heróis tornava-se um ato político, de

reconhecimento e solidariedade para aqueles que contribuíram "com trabalho, suor e

26 Edison Carneiro, O Quilombo dos Palmares [1947] 2ª ed. revista. São Paulo, Brasiliense, 1958. Asexpressões citadas encontram-se em um artigo posterior, "Singularidades dos quilombos", publicadooriginalmente em 1953 e reproduzido nessa edição, pp. 13-25.

27 Ver, por exemplo, Irene Diggs, "Zumbi and the Republic of Palmares". Phylon, 14, n. 1 (1953): 62-70. Oartigo é praticamente um resumo da obra de Carneiro, fato explicitamente reconhecido pela autora (p.64).

28 Mario Martins de Freitas,  Reino Negro de Palmares [1954]. 2ª ed. Rio de Janeiro, Biblioteca doExército, 1988.

29 Exemplos dessa perspectiva são as obras de Clóvis Moura, "O quilombo dos Palmares"  Rebeliões da

Senzala. Quilombos, insurreições, guerrilhas. [1959] 2ª ed. revista e ampliada Rio de Janeiro, Ed.Conquista, 1972, pp. 179-190; e Benjamin Péret, "Que foi o quilombo de Palmares?" [1956] in: O

quilombo dos Palmares, Porto Alegre, Editora da UFRGS, 2002.30 Luiz Luna, "República dos Palmares" O negro na luta contra a escravidão. [1968] 2ª ed. revista Rio de

Janeiro, Catedral de Brasília/INL, 1976, pp. 217-238. José Alipio Goulart, Da fuga ao suicídio. Aspectos

da rebeldia do escravo no Brasil . Belo Horizonte, Conquista, 1972, pp. 223-228.31 L. Luna, "República dos Palmares", p. 21 e J. A. Goulart, Da fuga ao suicídio, p. 11.

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sangue para ajudar a formar um povo livre e uma nação respeitada como fatalmente terá

de ser o Brasil".32

A obra de Décio Freitas, publicada em 1973, revista e ampliada várias vezes até

sua quinta edição em 1985, é o ponto culminante dessa forma de abordar a história dePalmares.33 Seu livro se constrói como um esforço crítico destinado a reparar os erros do

"revisionismo histórico", que ignorou a resistência escrava, e a descrever o ímpeto de

uma luta que poderia servir de exemplo para militantes e revolucionários. Seguindo as

 pegadas de Carneiro e Péret, Freitas alarga e aprofunda o caráter épico da história de

Palmares, entendido como "a manifestação mais eloqüente do discurso anti-escravista

dos negros brasileiros nos quase três séculos da escravidão".34 A obra de Ivan Alves

Filho dá continuidade a essa corrente: nela Palmares ("nossa primeira luta de classes")

aparece como "uma alternativa à sociedade oficial", uma primeira tentativa de romper 

com a ordem colonial, por meio da qual os escravos conseguiram construir "um mundo

fraternal e livre", que marca o início da luta pela abolição.35 

Durante o século XIX, acreditava-se que Zumbi era um título atribuído aos chefes

 palmarinos e que o último deles, juntamente com outros guerreiros, havia se jogado em

um abismo, para evitar ser preso e reescravizado pelas forças lideradas por Bernardo

Vieira de Melo e Domingos Jorge Velho.36 No início do século XX, os estudiosos

documentaram sua morte em uma emboscada em 20 de novembro de 1695 e aos poucos,sua figura foi se tornando central na história de Palmares.37 Antes, como depois, pelo

gesto do suicídio heróico que recusa a escravidão ou pela resistência tenaz vencida só às

custas de uma traição, Zumbi se tornou o grande herói das lutas dos negros no Brasil.

Caracterizado quase sempre como um jovem "enérgico, resoluto, [e] obstinado",38 ele

32 L. Luna, "República dos Palmares", p. 31.33 Décio Freitas,  Palmares. A guerra dos escravos. [1973]. 5ª ed. reescrita, revista e ampliada. Porto

Alegre, Mercado Aberto, 1984.34 D. Freitas, Palmares, p. 210.35 Ivan Alves Filho, Memorial dos Palmares, Rio de Janeiro, Xenon, 1988, pp. xii-xiii..36 Para um balanço da história da construção da figura histórica de Zumbi, ver A. M. B. Reis,  Zumbi:

historiografia e imagens.37 O suicídio de Zumbi foi popularizado pela obra de Sebastião da Rocha Pita, que serviu de fonte para

diversas autores no século XIX e XX. Documentos publicados na  Revista do Instituto Arqueológico eGeográfico Alagoano em 1904 e 1906 e a obra de Nina Rodrigues questionaram definitivamente essaversão. Vide, a respeito, A. M. B. Reis, Zumbi, especialmente capítulo 3.

38 E. Carneiro, O quilombo dos Palmares, p. 80.

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chegou a ser considerado o "Espártaco negro de Palmares",39 que se recusou a qualquer 

acordo com as autoridades coloniais, optando por uma luta bem organizada e

incansável.40

Em 1978, a data de sua morte foi instituída como Dia Nacional da Consciência Negra no Brasil. Desde então, o 20 de novembro foi se tornando uma data

simbolicamente oposta ao 13 de maio: a primeira representando a luta heróica contra a

escravidão e, por extensão, pela justiça econômica e social; a outra, a liberdade precária

concedida pelo governo imperial em 1888, que levou à marginalização e à falta de

direitos a maioria dos negros no Brasil. A cada 20 de novembro, muitas marchas e

discursos contra o racismo e as restrições à cidadania dos negros podem ser vistos e

ouvidos em quase todas as cidades do Brasil. Em 1996, completando um processo

iniciado no século XIX, Zumbi passou a ser oficialmente considerado um herói nacional  

e não apenas uma referência para os militantes do movimento negro, já que uma lei

determinou que seu nome fosse "inscrito no Livro dos Heróis da Pátria que se encontra

no Panteão da Liberdade e da Democracia".41 Foi a biografia elaborada por Décio Freitas

que proporcionou a base historiográfica para essa determinação legal, que até faz menção

ao nome cristão de Zumbi, Francisco.42

Diante dele, Gangazumba tornou-se um contraponto, um líder que havia avaliado

mal o jogo de forças, sucumbira ao peso da derrota e perdera prestígio entre os seus.43 Desacreditado entre seus companheiros, acabou morto numa conspiração - e também

39 D. Freitas, Palmares, p. 116.40 A. M. B. Reis,  Zumbi, passim. A biografia de Zumbi foi fixada a partir das pesquisas realizadas por 

Décio Freitas e apresentadas na quinta edição revisada e ampliada de seu livro em 1984. D. Freitas, Palmares, pp.116-118. Vide também, do mesmo autor,  Zumbi dos Palmares. Luanda, Ministério da

Cultura, 1995. Vide também Mary Karasch, "Zumbi of Palmares: Challenging the Portuguese colonialorder." in: Kenneth J. Andrien, (ed.), The human tradition in colonial Latin America, Human tradition

around the world . Wilmington: SR Books/Scholarly Resources, 2002, pp. 104-120.41 Cf. Coleção das Leis da República Federativa do Brasil , Brasília, Imprensa Nacional, 1996, v. 188, n.

11, nov. 1996, p. 5726. Acessível emhttp://www.camara.gov.br/internet/InfDoc/novoconteudo/legislacao/republica/Leis1996vCLXXXVIIIn11p714/parte-2.pdf 

42 Foi Andressa Reis quem chamou a atenção para esse detalhe. A. M. B. Reis, Zumbi, p. 5.43 Gérard Police chega a afirmar que o tratado de 1678 teria sido o "pecado capital" de Gangazumba. G.

Police, Quilombos dos Palmares, p. 257.

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 perdeu o lustro entre os historiadores e militantes do movimento negro no século XX.44 

 Na história de Palmares, consolidada como uma saga da liberdade, as negociações

havidas em 1678 tornaram-se um episódio de menor importância, mencionado de forma

 breve pelos estudiosos do tema, apenas para marcar uma virada na história de Palmares:foi a partir de sua recusa em aceitar a paz acordada com as autoridades coloniais que

Zumbi teria se afirmado como o novo líder de Palmares, caracterizando-se como "o

combatente mais indômito da liberdade de sua gente".45 Neste contexto, as negociações

ocorridas em 1678 e o acordo de paz acabaram sendo apreendidos sob o signo da traição

e Cucaú pôde até mesmo ser caracterizado como o "anti-Palmares tão esperançosamente

fundado pelas autoridades coloniais".46

Como o leitor já deve ter desconfiado, esta tese caminha justamente em sentido

contrário, ao focalizar um episódio que até hoje permaneceu nas sombras, pouco

conhecido e quase impopular. Ao invés de respostas rápidas, as perguntas suscitadas por 

aqueles documentos copiados no códice da coleção Conde dos Arcos demandam mais

vagar e reflexão para que se possa ensaiar alguma explicação. Não se trata,

simplesmente, de acrescentar novos dados e completar as lacunas de uma história já tão

cristalizada e que tem os olhos voltados mais para o presente do que para o próprio

 passado. Muito menos pretendo entrar no debate sobre os méritos e deméritos dos heróis

que povoam a história de Palmares. Ao focalizar os termos acordados entre os filhos deGangazumba e as autoridades em Pernambuco em 1678 e como eles puderam ser 

implementados, procuro o ponto de vista dos negros dos Palmares e das autoridades

coloniais e metropolitanas. Esse caminho implica uma leitura bastante particular das

fontes disponíveis e leva a considerar aspectos que normalmente não estão presentes na

história de Palmares.

Como veremos, a análise rapidamente se afasta da simples oposição entre

escravidão e liberdade ou entre composição com as forças coloniais e resistência heróica,

 para mergulhar na cultura política da segunda metade do século XVII. Para isso, é

44 Poucos historiadores dedicaram maior atenção a Gangazumba, que chegou a ser o personagem principaldo romance de João Felício dos Santos, Ganga-Zumba. [1961]. São Paulo, Edições de Ouro, s.d. - e deum filme dirigido por Cacá Diegues em 1964, intitulado "Gangazumba".

45 D. Freitas, Palmares, p. 121.46 D. Freitas, Palmares, p. 128.

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 preciso deixar de pensar apenas na história de Palmares para buscar os nexos que

ligavam a experiência de muitas pessoas diferentes do ponto de vista social, cultural e

 político na África Central, no Brasil e em Portugal. Tal alargamento de questões só é

 possível porque os eventos de 1678 constituem, aqui, o universo empírico de umainvestigação sobre as políticas de dominação adotadas pelos portugueses nas terras

ultramarinas e sobre o modo como os habitantes desses territórios ocupados reagiram a

elas, ajudando a constituir o que genericamente é chamado de processo da colonização. É

esse o caminho para poder compreender os termos utilizados naqueles documentos e as

ações dos homens que os produziram, do modo como eles foram escritos, e os

significados que tiveram para eles. Percorrê-lo significa não apenas considerar a

escravidão, mas as formas da escravização e, sobretudo, as relações que ambas

mantinham com a liberdade, na segunda metade do século XVII.

Certamente, ao consultar novos documentos, como os que estão registrados nos

códices da coleção Conde dos Arcos, é fácil encontrar novidades. Mais importante que

isso, no entanto, é o modo de ler as fontes. Nas últimas décadas, vários autores têm

ressaltado a necessidade de levar em conta o contexto institucional de produção de cada

 peça documental, as intenções do autor, os termos empregados na descrição dos eventos

e na qualificação das pessoas, e as traduções lingüísticas e culturais operadas em cada

texto.47 Todo um campo novo de indagações tem se aberto com o aprofundamento daanálise dos recursos narrativos em ação nas fontes históricas: além dos procedimentos de

construção dos textos, tem se levado em conta também as condições da escritura, o

destino dessas peças textuais e o modo como foram lidas na época em que foram

 produzidas.48 Não se trata de deslocar o objeto da investigação para adentrar nos terrenos

da história da leitura ou da bibliografia, mas a atenção a esses elementos permite

47 Dentre vários autores, destaco as contribuições diferenciadas de Robert Darnton e Roger Chartier. Vide, por exemplo, Robert Darnton, "Primeiros passos para uma história da leitura" O beijo de Lamourette. São Paulo, Companhia das Letras, 1990, pp. 146-172; e Roger Chartier, "Textos, impressão, leituras" in:L. Hunt (ed). A Nova História Cultural . (trad.) São Paulo, Companhia das Letras, 1992, pp. 211-238.

48 Para um balanço dos debates e principais temas abordados pela história da leitura, vide André Belo, História & Livro e Leitura. Belo Horizonte, Autêntica, 2002. Para a produção e a circulação dosmanuscritos nos séculos XVI e XVII, vide especialmente Fernando Bouza, Corre manuscrito. Una

historia cultural del Siglo de Oro. Madrid, Marcial Pons, 2001.

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aprimorar a leitura dos documentos que temos à nossa disposição, com resultados bem

interessantes.

Por tudo isso, essa tese pode ser tanto um exercício de análise daquelas quatro

disposições do governo de Pernambuco em 1678 quanto um estudo sobre os processos dadominação escravista no Brasil da segunda metade do século XVII. Ao pretender ser as

duas coisas ao mesmo tempo, é também uma oportunidade para discutir os

 procedimentos da análise histórica. Para dar conta dessa tarefa, organizei o texto em

quatro capítulos, que seguem mais ou menos a cronologia dos acontecimentos.

O caminho não será longo, mas será trilhado com vagar, e levará a lugares

distantes, como Angola e o México, acompanhando o ir e vir da correspondência

administrativa que, aliás, constitui o principal conjunto documental para a história de

Palmares. O diálogo com a produção específica sobre Palmares, com a historiografia

sobre a experiência dos escravos nas Américas e sobre a história da África também estará

 presente, conforme os assuntos que precisarem ser discutidos e analisados.

Mais que anunciar o percurso ou fazer promessas de uma viagem interessante,

 porém, prefiro apenas convidar o leitor a, gentilmente, me seguir.

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Capítulo 1

AJUSTES

Há dois procedimentos básicos seguidos pelos historiadores para lidar com o

 passado: procuramos saber o que já se produziu a respeito do tema escolhido e

consultamos o maior número de registros produzidos pelos envolvidos nos eventos

estudados. Cruzar as informações e cotejar os dados obtidos nesses dois tipos de textos é

a tarefa que vem a seguir, a partir da qual se pode ensaiar uma interpretação dos

acontecimentos e tentar desvendar os significados que tiveram para as pessoas que os

viveram.

 Nem sempre, no entanto, o que se lê na bibliografia combina com o que se lê nadocumentação. Nesse caso, é preciso caminhar com cuidado, pois na maior parte das

vezes não há como chegar a um acordo ou fazer uma média. A solução para o impasse

requer o exame detalhado das fontes e do modo como elas foram usadas pelos diversos

autores. É esse o método adotado nesse primeiro capítulo, que começa pelo exame das

fontes.

1. Lá e cá

Filho de uma boa família, cavaleiro da Ordem de Cristo, com serviços militares

nas guerras de restauração e parentes que governaram praças importantes como o Rio de

Janeiro, Bahia e Angola, dom Pedro de Almeida já havia se candidatado a um posto de

governo no Ultramar várias vezes: em 1665, 1668 e 1672 pleiteara Angola, em 1669 e

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1672 o Rio de Janeiro e em 1670 Pernambuco.1 Finalmente, em julho de 1673, conseguiu

ser nomeado pelo príncipe regente para o governo de Pernambuco por um decreto régio -

 procedimento que chegou a causar certo constrangimento no Conselho Ultramarino por 

quebrar praxes ordinárias.2

Era um cargo de certo prestígio, pois o governador dePernambuco tinha sob sua jurisdição as capitanias anexas de Itamaracá, Alagoas, Paraíba,

Rio Grande do Norte e Ceará, administradas por capitães mores.

Como só tomou posse do governo em fevereiro de 1674, permaneceu vários

meses em Lisboa e deve ter acompanhado a discussão gerada pelo pedido feito pelo seu

antecessor em 19 de agosto de 1673. Sabendo estar no final de seu mandato, Fernão de

Souza Coutinho escrevera ao príncipe para contar os percalços havidos no combate com

os "negros levantados que assistem nos Palmares".3 Essa não era a primeira vez que

tratava do assunto.

Logo depois de tomar posse no governo da capitania, em 1671, Coutinho já havia

alertado que os fugitivos eram numerosos, estavam bem fortificados e tinham ferreiros

capazes de fazer armas, por isso ameaçavam e prejudicavam os moradores da capitania.

 Nessa ocasião, o governador estava recrutando gente para atacar os Palmares, mas

 precisava de uma autorização régia para usar recursos da Fazenda Real e também pedir 

1 Agradeço a gentileza de Mafalda Soares da Cunha por disponibilizar as informações do banco de dadosdo projeto Optima Pars, do qual participa. Para mais informações vide Mafalda Soares da Cunha e NunoGonçalo Monteiro, "Governadores e capitães-mores do império atlântico português nos séculos XVII eXVIII" in: Nuno G. F. Monteiro, Pedro Cardim e Mafalda Soares da Cunha (orgs.), Optima Pars. Elites Ibero-Americanas do Antigo Regime. Lisboa, Imprensa de Ciências Sociais, 2005, pp. 191-252. Sobre ainsistência de dom Pedro para obter a nomeação, vide Ross Little Bardwell, The governors of Portugal'sSouth Atlantic empire in the seventeenth century: social background, qualifications, selection, and reward . Doutorado, Santa Barbara, University of California, 1974, p. 128.

2 Cf. Decreto de 23 de julho de 1673. ANTT, Manuscritos do Brasil, n. 33 (microf. 4114), fl. 23v. Cinco

dias depois o Conselho Ultramarino pronuncia-se alertando o príncipe regente que a nomeação não haviaseguido a tramitação regular. AHU_ACL_CU_015, Cx. 10, D. 981. Talvez por isso, a carta patente sótenha sido expedida em 2 de setembro de 1673. ANTT - Registro Geral de Mercês, Chancelaria de D.Afonso VI, liv. 28, fl. 114v.

3 Carta de Fernando de Souza Coutinho de 19 de agosto de 1673. AHU_ACL_CU_015, Cx. 10, D. 988.

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contribuições extras aos moradores.4 Sem resposta de Lisboa e da Bahia, o governador 

adiou o envio da expedição que planejava fazer contra os Palmares.5 

A demora não resultava do ritmo das comunicações. Na segunda metade do

século XVII, a distância entre o Recife e Lisboa podia ser mais ou menos curta,dependendo de vários fatores. Havia frotas anuais que ligavam as duas cidades, que

costumavam sair em abril de Lisboa e voltavam em geral nos meses de julho e agosto. A

viagem demorava em média 75 dias na ida e 60 na volta, conforme os ventos. Com o

tempo de estadia nos portos, entre a ida e a torna-viagem, poder-se-ia levar de sete a doze

meses para ir de Lisboa ao Recife e voltar a Lisboa.6 Os tempos são bem diferentes de

hoje, mas o regime de frotas, em vigor desde meados do XVII, permitia comunicações

 bastante seguras e regulares entre as duas cidades.7 

As notícias enviadas em junho de 1671 devem ter chegado a Lisboa em meados

de agosto ou setembro e foram bem discutidas no Conselho Ultramarino, que convocou

"pessoas práticas do Brasil" para avaliar a situação. Depois de muita discussão, decidiu-

se que a guerra contra os Palmares devia ser feita com tropas formadas pelos moradores

das vilas vizinhas e por tropas da infantaria paga, do terço dos índios do Camarão e dos

negros de Henrique Dias.8 Os prisioneiros deveriam ser repartidos conforme o regimento

4 Carta de Fernando de Souza Coutinho de 1º de junho de 1671. AHU_ACL_CU_015, Cx. 10, D. 917.Alguns dias depois Coutinho escreveu também para o governador do Estado do Brasil, sobre o mesmoassunto. A resposta veio em 5 de setembro de 1671, reiterando a necessidade do recrutamento desoldados e comparando o perigo de Palmares aos Tapuias na Bahia. Carta de Afonso Furtado de Castrodo Rio Mendonça de 5 de setembro de 1671. DH , 9 (1929): 433-435

5 Carta de Fernando de Souza Coutinho de 1º de outubro de 1671. AUC, CCA, IV, 3ª-I-1-31, fl. 292, doc.135

6 A. J. R. Russell-Wood, Um mundo em movimento. Os portugueses na África, Ásia e América (1415-1808). (trad.) Lisboa, Difel, 1992, pp. 55-56.

7 Evidentemente, as comunicações entre a Coroa e o governo em Pernambuco não precisavam depender somente da ida e vinda das frotas. As cartas podiam aproveitar os vários navios que cruzavam oAtlântico passando por Recife em uma ou outra direção. As datas das cartas indicam que o sistema de

frota deve ter sido o meio mais usado, salvo em situações de emergência, como se verá em breve.8 Esses terços foram formados durante o período das lutas contra os holandeses, inicialmente comandados por Henrique Dias e pelo índio Potiguar Felipe Antonio Camarão. Este último faleceu em 1648 e foisucedido por dom Diogo Pinheiro Camarão e em seguida por dom Sebastião Pinheiro Camarão, quelutou contra os Palmares. Henrique Dias chegou a ser nomeado faleceu em 1662 e foi sucedido por Antônio Gonçalves Caldeira e, em 1682, por Jorge Luís Soares, os dois últimos nomeados mestres decampo da gente preta de Pernambuco. Cf. Juliana Lopes, "A visibilidade do primeiro Camarão no

 processo de militarização indígena na capitania de Pernambuco no século XVII".  Revista Ant hropológicas, 16 n. 2 (2005): 133-152; Kalina Vanderlei Silva, "Os Henriques nas Vilas Açucareirasdo Estado do Brasil: Tropas de Homens Negros em Pernambuco, séculos XVII e XVIII"  Estudos de

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das fronteiras do Reino,9 e a Coroa deveria abrir mão do quinto para que fossem

repartidos entre os soldados, depois de descontado o custo das munições. De modo

algum, entretanto, os prisioneiros e os que se entregassem voluntariamente deveriam

 permanecer no Estado do Brasil ou em qualquer outra conquista de Portugal. Os homensdeviam ser "marcados com um R no rosto, na parte que melhor parecer" de modo que,

achados em algum lugar, fossem logo confiscados e mortos.10 A medida era extrema e

destinava-se a impedir que os prisioneiros tornassem a fugir, engrossando novamente os

Palmares.11

As recomendações foram enviadas ao príncipe em 9 de outubro de 1671 mas, ao

que tudo indica, ele não tomou nenhuma decisão. Em Pernambuco, enquanto isso,

Coutinho enfrentava dificuldades para juntar gente, angariar mantimentos e obter 

munições e acabou protelando a expedição por mais de um ano. Resolveu-se afinal

mandar o coronel Antonio Jácome Bezerra, no comando de soldados pagos e de

ordenanças, para seguirem por caminhos diferentes até os Palmares, ali se instalassem em

um arraial e combatessem os mocambos. As penas que determinou para os que

desertassem eram duras: três tratos de braço solto12 e degredo para o Ceará por dez

 História, 9, n.2 (2002): 145-194. Ao longo da tese, uso genericamente os termos terços "dos Henriques"e "dos índios do Camarão" para designar genericamente essas tropas.

9 Os parágrafos 78 a 81 do Regimento das fronteiras determinam os procedimentos para repartição das prezas feitas entre os soldados, depois de descontado o quinto da Coroa. Vide Regimento das Fronteiras,29 de agosto de 1645. José Justino de Andrade e Silva, Collecção Chronologica da Legislação Portugueza Lisboa, Imprensa de J. J. A. Silva, 1854, pp. 288-289 (acessível em Ius Lusitaniae. Fonteshistóricas de Direito português. http://www.iuslusitaniae.fcsh.unl.pt/)

10 Estavam isentos dessa determinação as mulheres e as crianças com menos de sete anos. As discussões podem ser acompanhadas pelos anexos à carta de Fernão de Souza Coutinho de 1 de junho de 1671,mencionada acima. AHU_ACL_CU_015, Cx. 10, D. 917. A consulta do Conselho Ultramarino de 9 de

outubro de 1671 traz as decisões finais do Conselho, mas não foi possível saber qual foi a decisão régia.AHU_ACL_CU_Consultas Mistas, Cod. 17.

11 Além das penas, o caráter extremo da medida inclui a permissão para remeter os escravos apreendidosem Palmares para Castela, aparentemente sem o pagamento de impostos.

12 Dar tratos de polé significa içar a pessoa pelos pulsos por meio de cordas e uma roldana fixada em umaarmação de madeira, como no caso da forca (a polé), com pesos amarrados nos pés, e depois deixá-lacair subitamente, de modo a destroncar os braços. Imagino que "três tratos de braço" seja suspender por três vezes alguém na polé. Cf. Raphael Bluteau, Vocabulário portuguez e latino. Coimbra, Collegio dasArtes da Companhia de Jesus, 1712. (Ed. fac-simile, CD-Rom, Rio de Janeiro, UERJ, s.d.), verbete"polé".

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anos.13 Bezerra chegou a reunir 600 homens; todavia, mesmo com essas penas, houve

muitas deserções14 e as expedições não tiveram sucesso.

Cristóvão Lins, alcaide mor de Porto Calvo, que teve seus canaviais queimados

 pelos negros fugidos, conseguiu juntar alguma gente para atacar os Palmares. Achou ummocambo com 700 casas, lutou contra eles e conseguiu entrar na povoação; teve porém

que voltar por falta de mantimentos. No final, apenas 60 prisioneiros foram entregues ao

Almoxarife da capitania. Os que haviam fugido de seus senhores foram devolvidos

mediante o pagamento de 12 mil reis, por "ser estilo antiqüíssimo nestas capitanias"; os

outros foram repartidos entre os soldados, depois de descontado o quinto da Coroa.

Segundo o governador, nenhum permaneceria em Pernambuco, pois até mesmo os

senhores haviam se comprometido a despachar os recapturados no primeiro navio.15 

O tom geral da carta de 19 de agosto de 1673 era de desalento: o governo estava

terminando, as dificuldades eram muitas e Coutinho menciona não ter tido as repostas

necessárias a tempo. Dessa vez, o Conselho Ultramarino demorou um pouco mais para

analisar o assunto e, no final, acabou por reafirmar as recomendações feitas havia quase

três anos, em outubro de 1671. Não deixou de observar contudo que dom Pedro de

Almeida deveria levar as ordens necessárias para "dar [a esse negócio] a execução que

deve ser com a brevidade que ele pede, pois se acha tão retardado e ser tão preciso

acudir-se ao excesso que estes negros fazem naquelas capitanias".16 Vários historiadores insistem na preocupação existente em Lisboa com as guerras

contra os Palmares. Décio Freitas chega a dizer que elas haviam se tornado uma das

"mais importantes missões atribuídas pela Coroa aos governadores de Pernambuco".17 O

que a documentação revela, no entanto, é uma diversidade de atitudes em relação ao

assunto. Como se pode ver no caso da correspondência enviada por Fernão de Souza

13 Bando de Fernando de Souza Coutinho de 20 de outubro de 1672. "Segundo Livro de Vereações da

Câmara de Alagoas", RIAGA (1875):176-177.14 Há várias medidas contra os desertores em AUC, CCA, IV, 3ª-I-1-31. Ver, por exemplo, fl. 275, doc. 82.A ordem para que todos os pardos forros também fossem engajados está em AUC, CCA, IV, 3ª-I-1-31,fls. 275v - 278.

15 Carta de Fernando de Souza Coutinho de 19 de agosto de 1673. AHU_ACL_CU_015, Cx. 10, D. 988.16 Consulta do Conselho Ultramarino de 18 de novembro de 1673. AHU_ACL_CU_Consultas de

Pernambuco, Cod. 265, fls. 2-2v.17 Décio Freitas,  Palmares. A guerra dos escravos. [1973]. 5ª ed. reescrita, revista e ampliada. Porto

Alegre, Mercado Aberto, 1984, p. 97. Ver também Mario Martins de Freitas,  Reino Negro de Palmares[1954]. 2ª ed. Rio de Janeiro, Biblioteca do Exército, 1988, p. 222.

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Coutinho, ao mesmo tempo em que medidas graves eram aventadas pelos conselheiros

do Ultramarino, o príncipe não tomava nenhuma decisão efetiva. O tempo de mais um

governo havia se passado, sem que a questão tivesse sido resolvida. Lá em Lisboa e cá

em Pernambuco, os ritmos e as necessidades parecem ter sido bem diferentes. Não se conhece o teor das ordens dadas a Pedro de Almeida, mas este, logo que

chegou a Pernambuco, começou a dar providências para dar cabo da missão, relatando

seus problemas e sucessos iniciais em abril de 1674. Tratando de diversos assuntos,

aproveitou para dizer que, para ele, o melhor meio de acabar com os Palmares era

colocar os índios sob o governo de Camarão instalados à volta de Palmares, a fim de

impedir que eles descessem e fizessem assaltos e que novos fugitivos ali fossem se

refugiar.18 Trocou cartas com o governador do Estado do Brasil19 e armou tropas para

enviar aos Palmares - medidas que o Conselho não considerou suficientes, preferindo

recomendar ao príncipe que as instruções oferecidas em 9 de outubro de 1671 - aquelas

do início do governo de Souza Coutinho - fossem seguidas.20 

 Nesse meio tempo, enquanto em Lisboa nenhuma providência efetiva era tomada,

em Pernambuco o governador soltou um bando, em 19 de outubro de 1674, por meio do

qual finalmente anunciava uma expedição para acabar "com a insolência dos negros

levantados dos Palmares". Ela seria composta por "soldados pagos, brancos, índios,

homens pardos da ordenança e pretos do terço que foi de Henrique Dias". Para incentivar os moradores, prometia distribuir os prisioneiros entre os participantes, depois de

descontado o quinto, desde que fossem vendidos para fora da capitania, com exceção das

"crias" de dez anos.21 Ao que tudo indica, as recomendações do Conselho Ultramarino

seriam enfim aplicadas. Com certo desconto, já que o degredo era apenas para fora da

capitania.

Décio Freitas e Ivan Alves Filho mencionam, com base em referências constantes

em pedidos de mercê feitos por soldados, em datas posteriores, o envio de uma expedição

18 Carta de dom Pedro de Almeida de 30 de abril de 1674. AHU_ACL_CU_015, Cx. 10, D. 1007.19 Carta de Afonso Furtado de Castro do Rio de Mendonça de 18 de setembro de 1674.

AHU_ACL_CU_Consultas de Pernambuco, Cod. 265; e DH, 10 (1929):113-115.20 Consulta do Conselho Ultramarino de 26 de setembro de 1674. AHU_ACL_CU_Consultas de

Pernambuco, Cod. 265, fl. 3v.21 Bando de dom Pedro de Almeida de 19 de outubro de 1674. "Segundo Livro de Vereações da câmara da

vila de Alagoas, de 1666 a 1681". RIAGA, 7 (1875):178

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composta por índios e soldados pagos, incluindo o terço dos Henriques, que partiu em

dezembro de 1674, e outra, comandada pelo governador dos índios, Sebastião Pinheiro

Camarão, que partiu em agosto de 1675.22 Não encontrei documentos sobre elas nas

fontes administrativas da secretaria de governo de Pernambuco. Há registros, no entanto,de que o governador de Pernambuco chegou a solicitar o auxílio de alguns paulistas que

estavam na Bahia. Segundo o governador geral do Brasil, com quem dom Pedro tratou

do assunto, não valia a pena contar com isso, pois esses homens eram "gente

 bastantemente voluntária" que havia demorado muito a fazer a guerra contra os índios na

Bahia. Além disso, achava difícil que eles colaborassem na guerra contra os Palmares,

 pois julgavam mais fácil enfrentar os índios, com os quais estavam acostumados, do que

enfrentar os negros com os quais "nunca pelejaram" e que andam fortificados e "têm

resistido a tão grandes soldados".23 

Em março de 1675, porém, algo dessas consultas deve ter dado resultado, pois o

sertanista Estevão Ribeiro Baião Parente, um português que havia se estabelecido em São

Paulo e pelejara contra os índios na Bahia, se ofereceu para ajudar a combater Palmares e

foi aceito pela câmara da vila de Alagoas.24 O episódio indica, portanto, que também cá

na colônia nem sempre os governos do Estado do Brasil e de Pernambuco concordavam

quanto aos procedimentos a serem adotados contra Palmares.

A correspondência administrativa trocada com a Corte e com o governo geral doEstado do Brasil revela que diferentes estratégias eram tentadas ao mesmo tempo: podia-

se usar as tropas formadas por índios e negros, que haviam se mostrado eficientes na

expulsão dos holandeses; as ordenanças, compostas pelos moradores, muitas vezes

relutantes em abandonar suas atividades; aquelas constituídas por soldados pagos, talvez

22 D. Freitas, Palmares, pp. 87-88. Ver também Ivan Alves Filho, Memorial dos Palmares, Rio de Janeiro,Xenon, 1988, pp. 63-66.

23 Carta de Afonso Furtado de Castro do Rio Mendonça de 25 de fevereiro de 1675.  DH , 10 (1929):134-137.

24 Termo de vereação da Câmara da Vila de Santa Maria Madalena da Lagoa do Sul de 11 de março de1675. "Segundo Livro de Vereações da câmara da vila de Alagoas, de 1666 a 1681".  RIAGA, 7(1875):178-179. Como se pode verificar o termo "paulista" não significa neste contexto que se trate de

 pessoas nascidas em São Paulo, mas de sertanistas que integravam expedições como as que partiam deSão Paulo, para prear índios ou caçar escravos amocambados.

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mais profissionais; ou ainda recorrer aos experientes sertanistas de São Paulo.25 Cada

uma tinha vantagens e desvantagens, envolvendo questões políticas e financeiras

diversas, além de escolhas militares.

O novo governador parece ter se esforçado, todavia as medidas demoravam a ser implementadas ou não eram exitosas. A documentação é bastante escassa para o governo

de dom Pedro de Almeida. O livro que registra as ordens e determinações remetidas para

as autoridades da capitania anota apenas dois documentos de seu governo.26 As cartas

enviadas para Lisboa, guardadas no Arquivo Histórico Ultramarino, também não são

muitas em comparação com o volume da correspondência de outros governadores do

mesmo período. Sobre Palmares, há pouca coisa.

 Na falta de fontes administrativas, a bibliografia tem utilizado de forma exaustiva

uma crônica escrita em 1678, depois que dom Pedro de Almeida deixou o governo, que

enaltece seus feitos.27 O procedimento é problemático, pois se trata de uma versão dos

fatos em que propositalmente o governador é a figura central, como se verá com detalhes

em breve. A bibliografia, entretanto, não tem levado isso em conta, tomando o que vai ali

escrito como se fosse uma descrição fiel dos fatos. Diversos autores mencionam, por 

exemplo, que entre novembro de 1675 e julho de 1676 realizou-se uma expedição

comandada por Manuel Lopes, que conseguiu atacar um dos mocambos, matar vários

quilombolas e aprisionar setenta deles, enquanto cerca de cem outros voltavam para seussenhores.28 É essa fonte que permite que vários autores afirmem que, por conta das

25 Para uma análise da organização militar no século XVII, vide Pedro Puntoni, "A Arte da Guerra noBrasil: tecnologia e estratégia militares na expansão da fronteira da América portuguesa (1550-1700)" in:Celso Castro, Vitor Izecksohn, Hendrik Kraay (eds.),  Nova história militar brasileira. Rio de Janeiro,Editora FGV, 2004, pp.43-66; e também Stuart B Schwartz, "Uma nota acerca da organização militar 

 portuguesa e brasileira" in: Stuart. B. Schwartz e Alcir Pécora (orgs.), As excelências do governador. SãoPaulo, Companhia das Letras, 2002, pp. 317-320. Uma visão mais geral do tema pode ser encontrada em

Antonio Manuel Hespanha (org.), Nova História Militar de Portugal . Lisboa, Círculo dos Leitores, 2004,2 vols.

26 Cf. Disposições dos governadores de Pernambuco (1648-1696). AUC, CCA, IV, 3ª-I-1-31, índice e fl.328.

27 Vide "Relação das guerras feitas aos Palmares de Pernambuco no tempo do governador dom Pedro deAlmeida de 1675 a 1678 (M. S. offerecido pelo Exm. Sr. Conselheiro Drummond)".  RIHGB, 22 (1859):303-329. Utilizo, provisoriamente, essa versão da crônica escrita em 1678, que é a adotada pela

 bibliografia.28 Cf. Nina Rodrigues, Os africanos no Brasil. [1905]. 5ª ed. São Paulo, Companhia Editora Nacional,

1977, p. 81.

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ações de Manuel Lopes, "os negros tiveram 800 baixas, mais ou menos" e, num dos

ataques, Zumbi teria sido ferido na perna.29

Alguns vão mais longe. Segundo Décio Freitas, por exemplo, logo houve forte

retaliação por parte dos palmarinos:"Em toda parte - Porto Calvo, Alagoas, Ipojuca, São Miguel e Serinhaém- as pequenas guarnições se mostravam impotentes para conter asformações palmarinas. Os índios fugiam aterrorizados. Senhores deengenho faziam à noite atalaia em suas casas. Engenhos e canaviais eramdevorados pelas chamas. Não havia como impedir os ataques palmarinos.(...) em todo o resto de 1676, os antigos escravos de certo modo foramamos no sul de Pernambuco."30

Não encontrei documentos que permitam chegar a essa conclusão. Como já

observei acima, a correspondência entre o governo de Pernambuco e Lisboa e as

determinações do governador para as câmaras e outras autoridades da capitania nesse

 período é bastante silenciosa quanto a Palmares. O silêncio, nesse caso, não significa

desleixo, mas dificuldade. A leitura da documentação administrativa desse período revela

que a maior parte das decisões é precedida de conselhos - era assim com o soberano, que

recebia pareceres dos conselheiros do Ultramarino e dos outros ministros e secretários de

Estado; era assim com o governador da capitania, que dependia das outras autoridades

locais - o provedor da Fazenda, o ouvidor e os membros das câmaras. 31 As cartas

trocadas entre as autoridades registram o diálogo entre as instâncias de governo etambém a necessidade de um consenso para que as ordens fossem implementadas. Os

textos, nesse caso, constituem um passo na implementação das decisões. Ausência ou

 pequena quantidade de textos - sem contar os perdidos por ação do tempo ou por incúria

arquivística - significa dificuldade de obter uma decisão e de registrá-la por escrito para

que fosse colocada em prática.

As fontes existentes nos arquivos referentes ao governo de dom Pedro de

Almeida permitem saber que nem tudo andava bem na capitania. O governador 

enfrentava oposições internas e havia se indisposto com gente importante. Desde que

29 Edison Carneiro, O quilombo dos Palmares [1947] 2ª ed. revista. São Paulo, Brasiliense, 1958, p. 106;M. M. Freitas, Reino negro de Palmares, p. 223; D. Freitas, Palmares, p. 89.

30 D. Freitas, Palmares, p. 90.31 Para um panorama sobre o tema, vejam-se os diversos artigos do volume IV, O antigo regime (1620-

1807), coordenado por A. M. Hespanha in: J. Mattoso (dir),  História de Portugal. Lisboa, Estampa,1993.

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tomara posse do cargo, entrara em choque com João Fernandes Vieira quanto à jurisdição

sobre as fortificações de Pernambuco.32 As dissensões deviam ser grandes, pois em junho

e julho de 1675 as câmaras de Pernambuco, Paraíba e Itamaracá haviam pedido que João

Fernandes Vieira fosse nomeado governador da Capitania de Pernambuco, "por ser  pessoa de muitos cabedais e experimentado nas tiranias que os negros levantados dos

Palmares obram para as poder facilmente extinguir".33 Como bem mostrou Evaldo

Cabral de Mello, toda a segunda metade do século XVII foi atravessada por tensões e

conflitos de jurisdição entre as câmaras, os governadores e a Coroa portuguesa.34 Dom

Pedro de Almeida não escapou a essa regra, ainda que tenha sido figura de menor 

 projeção.

As providências tomadas pelo governo de Pernambuco contra Palmares

 participavam desse jogo entre os poderes na capitania e dele dependiam para alcançar 

algum resultado. Talvez a idéia de recorrer a tropas que não dependessem tanto das

câmaras ou dos moradores tenha florescido nesse contexto. A consulta sobre usar os

 paulistas que fez ao governo geral do Estado do Brasil, mencionada acima, indica que a

 possibilidade era discutida em Pernambuco. A tentativa deu algum resultado, embora o

sertanista não tenha vindo de São Paulo e nem tenha sido o governador a tomar a

iniciativa - ao contrário do que registra a historiografia (talvez por ter se apoiado

demasiadamente na crônica de 1678).As tensões entre o governo e as câmaras talvez expliquem o fato de que Fernão

Carrilho tenha sido primeiro contratado pelas autoridades de Alagoas e só depois

nomeado por dom Pedro de Almeida. Os dados biográficos de Fernão Carrilho nem

sempre são convergentes, a bibliografia porém indica ter ele se destacado por bater em

32 Em 1677, o governador chegou a deixar de cumprir uma provisão régia que atribuía a Vieira aarrecadação e despesa das verbas para as obras nas fortalezas, sendo por duas vezes advertido pelo

 príncipe regente. Para uma avaliação da contenda entre o governador e João Fernandes Vieira, vide JoséAntonio Gonçalves de Mello,  João Fernandes Vieira, mestre-de-campo do Terço de Infantaria de Pernambuco. Lisboa, Comissão Nacional para as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses,2000, pp. 424-427.

33 Cf. Consulta do Conselho Ultramarino de 22 de dezembro de 1675 e de 20 de outubro de 1675.AHU_ACL_CU_Consultas de Pernambuco, Cod. 265 e BNRJ-Ms, Cod. II, 33, 4, 32.

34 Evaldo Cabral de Mello,  A fronda dos mazombos. Nobres contra mascates. Pernambuco, 1666-1715.São Paulo, Companhia das Letras, 1995, especialmente capítulos 1 e 2. O tema é desenvolvido também

 por Vera Lúcia Costa Acioli,  Jurisdição e conflitos. Aspectos da administração colonial. Recife,EDUFPE/EDUFAL, 1997.

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mocambos na Bahia e em Sergipe, e também pelo auxílio prestado a incursões em busca

de minas de prata em Itabaiana.35 Era, portanto, um sertanista experiente, mas não um

"paulista", como havia aventado o governador.

Os livros que registram as atas da câmara de Alagoas e de Porto Calvo indicamque a contratação de Carrilho foi realizada em fevereiro de 1676. Na sessão, que parece

ter sido solene, estavam presentes juízes, vereadores e capitães mores das Alagoas - sem

que tenha sido feita qualquer referência a dom Pedro de Almeida.36 Foram eles que se

comprometeram a pagar 700 mil réis para custear a expedição a ser comandada por 

Carrilho, enquanto este se obrigava a marchar contra os Palmares em agosto de 1676

com uma tropa de "200 arcos e 100 armas de fogo". Os prisioneiros seriam entregues

mediante o pagamento de 12 mil réis por cada escravo apreendido nessas capitanias,

valor a ser pago também por aqueles que "viessem buscar abaixo seus senhores";

somente as "crias" de menos de 3 anos ficavam livres de qualquer pagamento. Como se

vê, o acerto previa medidas bem diferentes das recomendadas pelo Conselho

Ultramarino, sem qualquer cláusula mencionando a obrigação de mandar os prisioneiros

 para fora da capitania.

A nomeação de Carrilho só foi feita alguns meses depois, por meio de carta

 patente. Nela, o governador dom Pedro de Almeida lhe conferia poderes para dispor o

que lhe parecesse mais conveniente fazer na guerra contra os Palmares, com alçadasuperior aos capitães das ordenanças e demais soldados e oficiais que o acompanhassem.

A guerra passava, assim, a ter um capitão-mor para governá-la, com experiência na

destruição de "negros levantados" na Bahia e em Sergipe.37 A solução encontrada foi,

 portanto, bem distante da aventada pelo Conselho Ultramarino em 1671 e também não

35 Fabiano Vilaça dos Santos, "Feitos de Armas e Efeitos de Recompensa: perfil do sertanista FernãoCarrilho".  Klepsidra, Revista Virtual de História, 19 (2004),

http://www.klepsidra.net/klepsidra19/fernaocarrilho.htm.36 Termo de aceitação de condições de 3 e 12 de fevereiro de 1676. "Segundo Livro de Vereações dacâmara da vila de Alagoas, de 1666 a 1681".  RIAGA, 7 (1875):179-180. O documento foi publicadonovamente por E. Carneiro, O quilombo dos Palmares, pp. 236-238 (na 1ª. ed., pp. 218-221). Mesmoassim, o próprio E. Carneiro (p. 107), M. M. Freitas, O reino negro de Palmares, pp. 229, e D. Freitas, Palmares,  p. 98, entre outros, mencionam o convite do governador. Fazem-no, provavelmente por contada "Relação das guerras feitas aos Palmares de Pernambuco no tempo do governador dom Pedro deAlmeida de 1675 a 1678".

37 Carta patente de Fernão Carrilho de 1 de julho de 1676. "Segundo Livro de Vereações da câmara da vilade Alagoas, de 1666 a 1681". RIAGA, 7 (1875):181-182.

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estava perto das alternativas de aproveitamento das tropas locais. É difícil saber o motivo

que levou as câmaras a contratarem alguém de fora da capitania, conferindo-lhe poderes

talvez maiores do que os comandantes locais. Talvez tenha sido a esperança de maior 

eficiência, mas as cláusulas acertadas entre Carrilho e as câmaras indicam que essa poderia ser uma forma de escapar das determinações vindas de Lisboa e de Olinda.

Carrilho tinha uma boa oportunidade de enriquecer e ganhar prestígio político e os

moradores delegavam os custos a ele, limitando suas contribuições ao ajustado

 previamente. O governador deve ter se rendido às circunstâncias.

Talvez por seguir de perto a crônica de 1678, os autores sejam unânimes em

ressaltar as qualidades do novo comandante. "Com o aparecimento de Fernão Carrilho,

toda a cena se modifica", chegou a afirmar Edison Carneiro.38 Não foi bem assim.

Carrilho assumiu seu posto e passou a cuidar dos preparativos para a expedição.

As câmaras de Porto Calvo, Alagoas e Rio de São Francisco, porém, não conseguiram

honrar o compromisso e se desentenderam. Alagoas acabou assumindo parte do

suprimento da tropa e seu armamento; todavia fez primeiro com que Carrilho se

comprometesse a usar em primeiro lugar seus próprios homens, recorrendo aos

moradores só em caso de não poder compor a tropa.39 Depois conseguiu que Carrilho

 pagasse pelos negros cedidos para levar mantimentos, se fossem mortos durante a luta.40 

Em dezembro, pediu que o próprio Carrilho contribuísse para os custos da expedição.41 As guerras contra Palmares envolviam vários problemas: além do custo dos

mantimentos, era preciso arranjar escravos para transportá-los e, acima de tudo, os

moradores tentavam escapar do recrutamento. Como se vê, não eram apenas os assaltos

 promovidos pelos negros dos Palmares que preocupavam os moradores das vilas da

região.

Enquanto a expedição demorava a sair, outras pessoas em Lisboa tomavam a

iniciativa de propor estratégias para a guerra contra os Palmares. Em junho de 1677, o

38 E. Carneiro, O quilombo dos Palmares, p. 100.39 Acórdão de 3 de agosto de 1676. "Segundo Livro de Vereações da câmara da vila de Alagoas, de 1666 a

1681". RIAGA, 7 (1875): 181.40 Acórdão de 21 de agosto de 1676. "Segundo Livro de Vereações da câmara da vila de Alagoas, de 1666

a 1681". RIAGA, 7 (1875): 181.41 Acórdão de 8 de dezembro de 1676. "Segundo Livro de Vereações da câmara da vila de Alagoas, de

1666 a 1681". RIAGA, 7 (1875): 182.

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Conselho Ultramarino discutiu as sugestões enviadas por Manuel Inojosa.42 Esse

 português era homem experimentado no combate aos índios na Bahia e resolveu

recomendar o uso de índios daquela capitania, por serem melhores carregadores do que

os de Pernambuco. Propunha que a entrada contra os Palmares fosse feita "pela parte dosertão donde eles senão temem nem vigiam", pois os negros estariam acostumados a ser 

atacados a partir do litoral. Além disso, nessa região havia índios inimigos dos negros

dos Palmares, que por certo prestariam valioso auxílio. A tropa seria formada por "200

homens brancos armados e 400 índios mansos" fornecidos pelo governo geral do Brasil,

auxiliados por 100 homens do Camarão e outros 100 do terço que foi de Henrique Dias,

que a eles deveriam se juntar depois que o arraial nos Palmares estivesse instalado.

Aparentemente, era bom conhecedor da situação, pois não apenas mencionava ser 

 preciso evitar que os habitantes de Palmares fossem avisados das expedições como

 propunha medidas severas contra as deserções: o "cabo maior", isto é, o comandante

geral dessas tropas, poderia ter o poder de "estropiar e enforcar todo o soldado ou índio

que da dita conquista fugir ou cometer caso por onde não mereça ser perdoado".43

Inojosa sugeria ainda que os prisioneiros não deviam ser devolvidos a seus

senhores, mas ficar com os "conquistadores", descontando-se apenas o quinto da Coroa,

que devia chegar a cinco ou seis mil cruzados, considerando-se haver "onze ou doze mil

almas" no Palmares. Era dinheiro mais que suficiente para pagar os custos da operação.Os maiores de doze anos deviam ser mandados para o Reino, para serem vendidos,

"porque ficando na terra se tornarão a ir para os seus Palmares e levarão outros consigo".

É interessante observar que Inojosa fala explicitamente na "conquista e

 povoação" dos Palmares e ele se candidatava, é claro, a realizar a obra e poder se intitular 

"conquistador". Seu plano incluía estabelecer no lugar uma povoação, para servir de base

 para as operações, onde se instalariam os índios do Camarão e os negros de Henrique

Dias e, depois, os degredados da Bahia e de Pernambuco, e que seria apoiada com "todo

o favor", gente, munições e ferramentas fornecidas pelas vilas da região. Assim,

"conquistar" os Palmares significava não apenas uma vitória militar mas apaziguar a

42 Consulta do Conselho Ultramarino de 28 de junho de 1677. AHU_ACL_CU_Consultas de Pernambuco,Cod. 265, fls. 14v-15.

43 Carta de Manoel de Inojosa, sem data (anterior a maio de 1677). BA, Cod. 50-v-37, fls. 230-231.

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região, colonizando-a: para domar a rebeldia dos negros era necessário primeiro vencê-

los pela guerra e depois instalar na região uma povoação - ou seja, colocar em seu lugar 

gente que reconhecesse a jurisdição do príncipe português e obedecesse suas leis.

Como se pode observar, atacar os Palmares podia ser também uma oportunidade para ganhar títulos, terras e escravos. Para homens experimentados no sertão,

acostumados a bater nos mocambos, que podiam confiar em seus talentos militares, essa

 podia ser uma forma de chegar a uma posição superior nas hierarquias civis e políticas da

colônia. Para que a estratégia pudesse ser colocada em prática, entretanto, era preciso

contar com a devida chancela das autoridades - que podiam garantir os títulos e conceder 

as terras. A vitória sobre Palmares, nesse caso, seria apenas uma etapa dessa campanha.

Diante da proposta, os conselheiros, mais uma vez, consultaram "várias pessoas

 particulares assim da Bahia como de Pernambuco" que estavam na Corte. Aceitaram, em

termos gerais, as sugestões de Inojosa, mas concordaram que era preciso atacar os

Palmares pela Bahia e por Pernambuco, e julgavam melhor encarregar João Fernandes

Vieira da execução dos planos, "dando-se [a] estes negros uma guerra viva sem se

levantar mão dela, até se extinguirem ou [se] reduzirem". Vieira seria nomeado

governador daquela guerra e deveria ter auxílio do novo governador de Pernambuco, e do

governo geral do Brasil, contribuindo os moradores de Pernambuco com o quinto do

valor das benfeitorias feitas pelos holandeses nas casas em que viviam.44 A estratégia de Inojosa não deu certo para ele, mas beneficiou tanto o Conselho,

quanto Fernandes Vieira. Ao enviar sua decisão ao príncipe, os conselheiros reiteraram

as sugestões feitas em 1671 e 1673 e, no mesmo dia, tomaram providências mais

específicas sobre o uso do quinto do valor das benfeitorias.45 Como haviam preterido

Inojosa, não mencionaram a "conquista", nem a instalação de uma povoação. Pelo jeito,

o assunto voltou a ser meramente militar - e João Fernandes Vieira lhes parecia ser,

talvez por isso, a pessoa indicada para tomar as providências necessárias - e se havia

achado uma solução para custear o empreendimento.46

 44 Consulta do Conselho Ultramarino de 28 de junho de 1677. AHU_ACL_CU_Consultas de Pernambuco,

Cod. 265, fls. 14v-15.45 Consulta do Conselho Ultramarino de 28 de junho de 1677. AHU_ACL_CU_015, Cx. 11, D. 1073.46 D. Freitas, Palmares, pp. 101-104, menciona uma segunda proposta, que atribui a João Fernandes Vieira

e teria sido discutida nessa ocasião. Ernesto Ennes, entretanto, data a proposta de 1686, o que é mais

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Tudo indica que, mais uma vez, os planos feitos em Lisboa não chegaram a ser 

 postos em prática, já que não há qualquer registro de uma determinação enviada nesse

sentido para Pernambuco.47 Se as notícias da discussão chegaram de algum modo a

Pernambuco, é bem provável que tenham desagradado o governador pois, como vimos,ele vinha tendo vários desentendimentos com João Fernandes Vieira.48

Enquanto isso, nas Alagoas, Carrilho já fora nomeado e continuava a enfrentar 

 problemas para armar a expedição contra os Palmares. A tensão devia ser grande, pois a

câmara local recusou-se a obedecer a uma ordem de dom Pedro de Almeida, afirmando

que seus moradores não iriam contribuir com os escravos para o comboio dos

mantimentos e que, se fossem obrigados a isso, "desprezariam a terra e iriam [para] fora"

dela.49 Em janeiro, concordaram por fim em enviar os escravos, desde que ressarcidos

 pelos que fossem mortos e reembolsados pelas munições que fornecessem.50 

A bibliografia, com base na crônica escrita em 1678, detalha a expedição de

Fernão Carrilho datando-a de setembro de 1677. Ele teria saído de Porto Calvo com um

efetivo bem menor do que o prometido pelo governador, depois de cerimônias que

incluíram missa cantada e discursos de exaltação à vitória. Andou 13 dias pelos matos,

até atacar Aqualtune, onde vivia a mãe de Gangazumba.51 A maior parte dos habitantes

do mocambo conseguiu fugir; mas os prisioneiros informaram que Gangazumba e seu

irmão Gangazona estavam em Sucupira. Após alguns dias de descanso, a tropa seguiu para esse mocambo, que foi encontrado sem ninguém, arrasado e queimado, pois os

 provável, pois ela menciona as expedições mandadas fazer no tempo dos governadores dom Pedro deAlmeida e Aires de Souza de Castro, cujo tempo em Pernambuco terminou em 1682. Cf. Ernesto Ennes, As Guerras nos Palmares: subsídios para a sua história. São Paulo, Cia. Ed. Nacional, 1938, doc. 36 (ooriginal está em BA, Cod. 50-v-37, fls. 260-262v).

47 Décio Freitas publica uma consulta do Conselho Ultramarino datada de 8 de novembro de 1677recomendando que a proposta de Manoel Inojosa fosse remetida a dom Pedro de Almeida para que eleinformasse sobre usa utilidade. A data é estranha, pois a proposta de Inojosa foi avaliada no Conselho em

28 de junho desse ano. Infelizmente, não consegui encontrar o original desse documento. Cf. D. Freitas, República de Palmares. Pesquisa e comentários em documentos históricos do século XVII . Maceió,Edufal, 2004, pp. 141-142.

48 J. A. G. Mello, João Fernandes Vieira, pp. 424-427.49 Termo de Vereação da câmara de Santa Maria Madalena da Lagoa do Sul de 7 de dezembro de 1677.

"Segundo Livro de Vereações da câmara da vila de Alagoas, de 1666 a 1681".  RIAGA, 7 (1875): 182-183.

50 Termo de vereação de 16 de janeiro de 1678. "Segundo Livro de Vereações da câmara da vila deAlagoas, de 1666 a 1681". RIAGA, 7 (1875):183

51 D. Freitas diz que o ataque foi feito contra Acotirene. Palmares, p. 115.

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negros haviam fugido para os matos. Carrilho assentou um arraial nesse local, dando-lhe

o nome de "Bom Jesus e a Cruz", e despachou um mensageiro para dar as novas ao

governador e pedir reforços. Manuel Lopes foi o encarregado de arregimentar homens e

mantimentos e, em seguida, de subir em direção aos Palmares.Enquanto isso, as tropas perseguiam os fugitivos e, em um dos combates, não só

foram mortos chefes palmarinos importantes, como um deles, chamado Gangamuissa,

fora feito prisioneiro.52 Três semanas depois, uma coluna atacou a cerca de Amaro, onde

estava Gangazumba. Toculo, outro filho de Gangazumba, foi morto, e ele próprio

escapou com dificuldade, ferido na perna e abandonando suas armas pelo caminho. Na

ocasião foram presos dois de seus filhos e vários sobrinhos e netos, além do chefe

Acaiuba. As matas em torno da cerca de Amaro foram vasculhadas; houve novos

combates, mais prisioneiros e mais mortos. Ivan Alves Filho informa ainda que num dos

combates a rainha dos Palmares teria sido também aprisionada.53 

Acreditando ter debilitado de todo o inimigo, Carrilho enviou dois prisioneiros,

Matias Dambi e Madalena Angola, sogros de Gangazumba, com uma proposta para que

depusessem as armas em troca do fim das hostilidades.54 É possível que os dois

 prisioneiros tenham sido acompanhados por soldados, pois anos depois, ao candidatar-se

a um cargo militar, Antonio Pinto Ribeiro contou ter participado da "redução dos negros

dos Palmares, obrigando com suas razões ao seu principal chamado Gangazumba (queencontrou no sertão) a mandar três filhos e dois genros a pedir pazes ao governador Aires

de Sousa de Castro".55

No final de janeiro de 1678, Carrilho retornou a Porto Calvo, deixando nos

Palmares as tropas de Manuel Lopes. Entrou em Porto Calvo com cerca de 200

 prisioneiros, acreditando ter destruído Palmares. Foi recebido com festas e houve

52 I. Alves Filho dá Gangamuissa como morto nesse ataque. Memorial dos Palmares, p. 85.53 I. Alves Filho, Memorial dos Palmares, p. 85.54 É difícil saber quando foram enviados os dois prisioneiros. Carneiro dá a entender que foi antes de

Carrilho voltar a Porto Calvo. E. Carneiro, O quilombo dos Palmares, pp. 114-115. Na narrativa de D.Freitas e na de I. Alves Filho, o episódio está situado depois da volta a Porto Calvo. Cf. D. Freitas, Palmares p. 117; e I. Alves Filho, Memorial dos Palmares,  p. 88.

55 Nomeação de pessoas para o posto de sargento-mor da ordenança da praça de Pernambuco, em 28 de janeiro 1684. AHU_ACL_CU_Consultas Mistas, Cod. 17, fl. 399 v

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distribuição dos prisioneiros entre os soldados, depois de separado o quinto da Coroa. 56 

Enquanto isso, os destacamentos sob comando de Manuel Lopes continuavam a fustigar 

os quilombolas, fazendo mais prisioneiros e enfrentando problemas com o abastecimento

de víveres e com a falta de apoio de alguns senhores de engenho.57

Décio Freitas registraque antes do regresso de Carrilho duas outras expedições haviam seguido para Palmares,

e continuaram por lá guerreando ainda por mais três meses.58 

Talvez tenha sido a falta de mantimentos que precipitara o retorno de Carrilho a

Porto Calvo, ou a possibilidade de uma via alternativa para terminar com a guerra.

Todavia, sempre era bom prevenir e, em fevereiro, o governador isentou os voluntários

que entrassem nos matos para acabar com os remanescentes nos mocambos de pagar o

quinto pelas presas que fizessem. 59 Ao mesmo tempo, enviou um alferes para Palmares,

a fim de reiterar a proposta feita por Carrilho.60 Ainda que pelo menos duas outras

colunas continuassem lutando, com vitórias significativas até meados de março, claro

estava que a continuidade da guerra teria que enfrentar, mais uma vez, a carência de

recursos.61

Apoiada na crônica de 1678, a bibliografia tende a marcar o triunfo conseguido

 pelas tropas de Fernão Carrilho e Manoel Lopes, associando-o diretamente ao início de

negociações com Gangazumba, o líder palmarino derrotado. O que o governador dom

Pedro de Almeida contou a Lisboa em fevereiro de 1677 foi, no entanto, um poucodiferente. Devia estar contente com a vitória, mas não disse palavra sobre qualquer 

negociação. Ao contrário.

As notícias que enviou a Lisboa não eram detalhadas. Ele aproveitou uma

"embarcação [que ia] de passagem", para informar com rapidez o príncipe que havia tido

dificuldades em fazer com que as câmaras entrassem em acordo e ajudassem com víveres

e soldados numa expedição contra Palmares. Havia conseguido persuadi-las, obtendo o

56 Uma descrição detalhada dessas expedições pode ser encontrada em I. Alves Filho,  Memorial dos Palmares,  pp. 78-86.

57 E. Carneiro, O quilombo dos Palmares, p.116; I. Alves Filho, Memorial dos Palmares, pp. 86-87.58 D. Freitas, Palmares, pp. 117-118.59 Bando do governador dom Pedro de Almeida de 14 de fevereiro de 1678. "Segundo Livro de Vereações

da Câmara de Alagoas", RIAGA (1875): 183-184.60 Apenas D. Freitas indica ser o alferes do terço dos Henriques. Palmares, p. 118.61 O contexto é analisado por I. Alves Filho, Memorial dos Palmares, pp. 82-88.

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"geral beneplácito de todos" e nomeado Fernão Carrilho para ser o capitão-mor daquela

conquista. Ele permaneceu cinco meses nos matos e voltara vitorioso, tendo "feito geral

destruição naqueles bárbaros": matara muita gente "dos de guerra", inclusive

Gangazumba e dois de seus filhos e prendera outros tantos, incluindo três mulheres do reie dez de seus netos. Segundo o governador, "aqueles dilatados Palmares [estavam]

desertos dessa canalha".62 A carta o coloca como o grande coordenador da campanha, por 

ter obtido o acordo de todos. Esse era um modo de evidenciar sua atuação como bom

governante, qualidade reforçada pela vitória obtida.

Dom Pedro de Almeida pretendia levar os prisioneiros para o Reino, como

"mostras (...) desta vitória", e dar pessoalmente informações mais detalhadas ao príncipe.

Decerto seria uma entrada em grande estilo na Corte. Pelo jeito, imaginava poder voltar 

em breve a Lisboa, já que seu sucessor já havia sido nomeado.63 Sua carta foi lida pelo

Conselho Ultramarino no final de abril de 1678, que remeteu as novas ao príncipe,

lembrando-o que havia consultas sobre o mesmo assunto que ainda aguardavam seu

 parecer.64 A secretaria do Conselho, porém, registrou a carta do governador como dando

"conta da vitória que alcançaram os moradores daquela capitania dos negros dos

Palmares". Pelo jeito, em Lisboa, as notícias parecem ter sido entendidas de forma bem

diferente do que supunha o governador em Pernambuco.65

A bibliografia, entretanto, analisa esses eventos apenas a partir da ótica doanônimo cronista de 1678. Mesmo que a fonte seja a mesma, as informações e as

interpretações são divergentes em relação aos eventos que se seguem ao retorno de

Fernão Carrilho a Porto Calvo.

 Nina Rodrigues diz que o alferes enviado por dom Pedro de Almeida levou uma

"intimação ao rei": as tropas de Carrilho se preparavam para voltar e acabar com o

quilombo mas, se eles quisessem "viver em paz com a colônia", o governador designaria

62 Carta de dom Pedro de Almeida de 4 de fevereiro de 1678. AHU_ACL_CU_015, Cx. 11, D. 1103.63 Aires de Souza de Castro foi nomeado em agosto de 1677. Informação constante no banco de dados

informações do banco de dados do projeto Optima Pars (ver nota 1).64 Consulta do Conselho Ultramarino de 28 de abril de 1678. BNRJ-Ms, Cod. II - 33,4,32. Ver também

anotações à margem da carta de dom Pedro de Almeida de 4 de fevereiro de 1678. AHU_ACL_CU_015,Cx. 11, D. 1103.

65 Às vezes, geravam até informações distorcidas, como no caso de um parecer do Conselho Ultramarinoque chegou a afirmar que a proposta havia sido enviada aos negros dos Palmares por Aires de Souza deCastro. AHU_ACL_CU_015, Cx. 11, D. 1116.

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terras para viverem e restituiria as mulheres e filhos que estavam em seu poder.66 Edison

Carneiro refere-se ao "recado" enviado por Carrilho ao rei dos Palmares prometendo

cessar os ataques se eles depusessem as armas, "promessas" reiteradas mais tarde pelo

governador, sem dar maiores detalhes.67

Para Clóvis Moura, os dois prisioneiros foramenviados a Palmares com "ordens de rendição" e, diante da continuidade das

escaramuças nas matas, dom Pedro de Almeida "mudou de tática", industriando o alferes

 para dizer aos sobreviventes que seriam exterminados se não fizessem a paz.68

A declaração de Carrilho sobre a completa destruição dos Palmares é relativizada

 por Décio Freitas que a explica pelo intuito de obter recompensas e mercês por parte do

capitão. Dom Pedro de Almeida, sem se deixar iludir pela vanglória de Carrilho, também

teria tido motivo semelhante para "entabular negociações com vistas a uma solução

 política do caso palmarino". Ele também estava sequioso por celebrar suas façanhas, e

contava com o trunfo de ter entre os prisioneiros os filhos e parentes de Gangazumba, o

que compensava os "medíocres resultados militares da campanha".69 

A guerra contra Palmares colocava em jogo interesses bem diversos, pois

envolvia avaliações políticas, financeiras e militares por parte das autoridades locais, dos

moradores, dos sertanistas, do governo da capitania, do Estado do Brasil, dos

conselheiros do Ultramarino e do próprio príncipe. As opiniões variavam conforme os

grupos e muitas vezes não eram convergentes. Do mesmo modo, a convivência com osmocambos ou as negociações com eles não podem ser analisadas levando em conta

apenas a oposição entre o governo (ou os senhores) e os fugitivos. Por isso, para seguir 

adiante, é necessário saber mais sobre essas pessoas, seus interesses e experiências. O

caminho permitirá que possamos compreender as condições em que se deram as

negociações e os termos que foram ajustados em 1678.

66 N. Rodrigues, Os africanos no Brasil , p. 83.67 E. Carneiro, O quilombo dos Palmares, p. 115.68 Clóvis Moura, "O quilombo dos Palmares"  Rebeliões da Senzala. Quilombos, insurreições, guerrilhas. 

[1959] 2ª ed. revista e ampliada Rio de Janeiro, Ed. Conquista, 1972, p. 187.69 D. Freitas,  Palmares, pp. 118 e 121, respectivamente. I. Alves Filho faz as mesmas ponderações,

 Memorial dos Palmares, p. 88.

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2. A voz da experiência

O que teria levado Fernão Carrilho, dom Pedro de Almeida e Gangazumba a

negociar um acordo?

Várias passagens da crônica escrita em 1678 indicam que a oferta de paz pode ser entendida como uma tática do governador para solidificar a derrota infligida aos

habitantes dos Palmares, aproveitando que os principais mocambos estavam destruídos e

muitos de seus guerreiros mortos.70 Poderia ter sido também um meio de protelar o

 provável recomeço dos enfrentamentos, que tantos ônus e dissensões traziam para os

moradores das vilas da região. Ou ainda uma manobra para quebrar a unidade dos

rebeldes e assegurar o término da guerra.71 

Décio Freitas comenta que, depois da campanha de Manuel Lopes "e da onda deterrorismo negro que se lhe seguiu", o dilema entre continuar a guerra e tentar a

alternativa da negociação estava presente nos dois lados da contenda. Os comerciantes e

as "categorias populares", que arcavam com o custo das expedições e estavam

amedrontados com os ataques palmarinos, tinham posições "pacifistas", enquanto a

"classe dirigente" defendia uma política de enfrentamento. Nos Palmares, as opiniões

dividiam-se também entre os partidários das negociações e os que achavam que a

sobrevivência de Palmares só seria assegurada com "a guerra e a luta pela libertação da

massa escrava do litoral". Segundo esse autor, tais divisões permaneceram durante todo o

 período subseqüente.72

Outros autores também mencionam posições diversas entre as autoridades

coloniais e os moradores pernambucanos sobre continuar a guerra ou fazer a paz. Flavio

Gomes coloca a questão num contexto mais amplo, ao sugerir que, além da guerra, as

autoridades coloniais já haviam tentado outras estratégias para enfrentar Palmares, como

ocupar as fronteiras econômicas com fortins e aldeamentos indígenas. O acordo seria um

70 "Relação das guerras feitas aos Palmares de Pernambuco", pp. 320-325.71 Vide Benjamin Péret, "Que foi o quilombo de Palmares?" [1956] in: O quilombo dos Palmares, Porto

Alegre, Editora da UFRGS, 2002, p. 98; D. Freitas, Palmares, pp. 121-123; I. Alves Filho, Memorial dos Palmares, p. 93.

72 D. Freitas,  Palmares, pp.105-106. A mesma análise está presente em I. Alves Filho,  Memorial dos Palmares, pp.80-81.

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modo de obter que os quilombolas, como em outras partes das Américas, "paralisassem

[os] ataques e se mantivessem vivendo em seu mocambos no alto das serras".73 

Há poucos comentários sobre as motivações do lado palmarino.

Algumas fontes indicam que a iniciativa pode ter partido dos habitantes dePalmares, atemorizados com as mortes e a destruição causada pelas tropas coloniais,

assim como pelo fato de terem sido aprisionados "mulheres e filhos dos principais".74 

Documentos posteriores mencionam que era "estilo" dos negros aproveitarem o momento

de substituição do governador da capitania para oferecer acordos de paz, demorando nas

negociações, como forma de protelar novas investidas contra os mocambos.75 Outras

fontes sugerem que o medo de novas investidas, diante dos estragos feitos pelas tropas de

Fernão Carrilho, tenha sido o principal motivo para o armistício.76 Como vimos, as

expedições dos anos 1677 e 1678 haviam provocado pesadas baixas e muitos haviam

sido capturados, incluindo vários membros das famílias dos chefes dos mocambos. Como

vimos, Gangazumba chegou até mesmo a ser dado por morto, assim como dois de seus

filhos.77

Mário M. Freitas considera o acordo "um dos mais inteligentes golpes políticos"

de Gangazumba, que conseguiu assim reaver sua família e a de seus cabos de guerra.

Para esse autor, após a paz ser assentada, "o sossego voltou ao seio da família negra e o

rei Zambi, o supremo chefe daqueles reis menores, foi render graças a Deus no temploque mandara erigir na cerca real do Macaco, quando as mulheres e filhos de seus

73 Flávio dos Santos Gomes,  Palmares. Escravidão e liberdade no Atlântico Sul . São Paulo, Contexto,2005, pp. 117-125. As observações de F. Gomes estão apoiadas na análise de Richard Price sobre osSaramakas do Suriname, que examinaremos mais adiante. Cf. R. Price,  First-time. The historical visionof an Afro-American people. Baltimore, John's Hopkins University Press, 1983; e  Alabi's world. Baltimore, John's Hopkins University Press, 1990.

74 A própria "Relação das guerras feitas aos Palmares de Pernambuco", p. 328 menciona a " petição do reidos Palmares, em que  pedia paz, liberdade, sítio e entrega das mulheres" (grifos meu).  Vide também

Carta do provedor da Fazenda Real da capitania de Pernambuco ao príncipe regente de 22 de junho de1678. AHU_ACL_CU_015, Cx. 11, D. 1118.

75 É o que informa Aires de Souza de Castro em 14 de novembro de 1685 ao Conselho Ultramarino.AHU_ACL_CU_015, Cx. 13, D. 1329

76 Carta do provedor da Fazenda Real da capitania de Pernambuco ao príncipe regente de 22 de junho de1678. AHU_ACL_CU_015, Cx. 11, D. 1116. Um parecer do Conselho Ultramarino de 25 de junho de1687 chegou a mencionar que Carrilho tinha fama de feiticeiro, por ter feito tantos prisioneiros "queexcede as forças humanas". Ernesto Ennes, As guerras nos Palmares, doc. 12.

77 Carta de dom Pedro de Almeida ao príncipe regente de 4 de fevereiro de 1678. AHU_ACL_CU_015,Cx. 11, D. 1103.

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vassalos regressavam salvos aos seus refúgios de liberdade e de amor!"78 Ele é, aliás, o

único a não mencionar qualquer conflito de opiniões entre Gangazumba e Zumbi.

Clóvis Moura tem uma visão oposta. Ele entende que Gangazumba, diante da

morte dos principais guerreiros, da prisão de tantos, inclusive de membros de sua famíliae da destruição dos mocambos, "não agüentou, com o ânimo que as circunstâncias

exigiam, os golpes e as derrotas" e achou ser "vantajoso" entender-se com os

 portugueses.79 Ele, como outros autores, não dedica muita atenção aos termos do acordo

ou aos interesses nele envolvidos. A maior parte focaliza a seqüência dos

acontecimentos. Com exceção de Mário M. Freitas, as interpretações organizam-se de

modo a construir uma explicação lógica para a resistência liderada por Zumbi e dar-lhe

destaque - ainda que os detalhes nem sempre sejam oferecidos igualmente pelos autores.

Como se vê, a bibliografia circunscreve a análise ao episódio das negociações

ocorridas em 1678. Apenas Flávio Gomes abre o campo de visão, mencionando a

hipótese de conexões atlânticas e exemplos anteriores e posteriores a Palmares. A

 possibilidade é sugestiva e merece ser examinada. Por enquanto, ficaremos no âmbito

dos exemplos na área de colonização portuguesa. Focalizo algumas experiências

anteriores pois, afinal, eram as que podiam servir de referência para aquelas pessoas.

Em 1597, ao avaliar a situação do Estado do Brasil, o provincial da Companhia

de Jesus, Pedro Rodrigues, mencionou que, além dos aimorés e dos franceses, os portugueses enfrentavam "os negros de Guiné alevantados que estão em algumas serras,

donde vêm a fazer assaltos e dar algum trabalho", alertando que "pode vir tempo em que

se atrevam a cometer e destruir as fazendas, como fazem seus parentes na ilha de São

Tomé".80 Referia-se, com grande probabilidade, ao levante liderado por Amador que

tomou conta da ilha em 1595. Este é um bom começo para um passeio pelas experiências

de negociação com os escravos no ultramar português.

Desde o início da ocupação colonial, São Tomé fora palco de revoltas,

levantamentos e "alvoroços", que envolveram os moradores e seus escravos ou escravos

78 M. M. Freitas, Reino negros de Palmares,  p. 252.79 C. Moura, "O quilombo dos Palmares", p. 187.80 Carta do Padre Pedro Rodrigues, provincial da Companhia de Jesus, de 1º de maio de 1597.  ABN , 20

(1898): 255.

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fugidos que se agrupavam em mocambos, nos matos da ilha.81 Nem todos esses

"levantamentos" foram protagonizados por escravos, mas desde que a ilha iniciara a

 produção de açúcar, as fugas eram constantes. Em 1595, porém, foi diferente.

Aproveitando-se da reunião dominical dos moradores na igreja no início de julho,Amador liderou muitos "homens da sua cor", queimaram a cidade de São Tomé e

destruíram vários engenhos. Libertou também muitos escravos e foi ganhando adeptos

(além do auxílio de fugitivos que estavam nos matos, comandados por um negro

chamado Cristóvão). As fontes indicam que Amador chegou a liderar quase 4 mil

escravos, que o proclamaram rei. Houve algumas batalhas entre os levantados e tropas do

governo e, em meio aos enfrentamentos, o governador da ilha lançou um bando

 prometendo que em quinze dias perdoaria todos os rebeldes que retornassem para seus

donos.82 O prazo chegou a ser prorrogado por mais três dias, e dizem os relatos que a

 promessa convenceu a quase todos. O rei Amador resistiu até 14 de agosto, quando foi

enfim levado preso por cinco líderes que o acompanhavam. Amador foi puxado por 

cavalos, teve as mãos decepadas, foi esquartejado e partes de seu corpo expostas nos

lugares públicos da vila. Dos outros cinco, dois foram perdoados, dois ficaram presos e

um foi esquartejado por ter morto um padre durante a revolta. Diz um dos relatos que a

ilha tornou a ficar "quieta e segura", voltando a produzir açúcar com os 25 engenhos que

restaram de pé.83

Dessa vez, em São Tomé, não se tratava de gente que vivia pelos matos e de

quando em vez atacava viajantes e fazendas, mas de uma revolta. Rápida e de grandes

81 Cf. Isabel Figueiredo de Barros e Maria Arlete Cruz, "Revoltas de escravos em São Tomé no séculoXVI".  Leba, 7 (1992): 373-388; Catarina Madeira Santos, "A formação das estruturas fundiárias e aterritorialização das tensões sociais: São Tomé, primeira metade do século XVI" Stvdia, 54/55 (1996):51-91; "Rebelião e sociedade colonial: 'alvoroços' e 'levantamentos' em São Tomé (1545-1555)". Revista Internacional de Estudos Africanos, 4/5 (1986): 17-74;

82 "Relatione venuta dall'Isola di S. Tomé", MMA, III, doc. 151, p. 523.83 "Relatione venuta dall'Isola di S. Tomé",  MMA, III, pp. 521-523. Sobre esses eventos ver também

Manuel do Rosário Pinto, "Relação do descubrimento da ilha de Sam Thomé, serie dos serenissimo reysde Portugal, desde o tempo que a dita ilha foy descuberta the o prezente, catalogo dos bispos, egovernadores, cazos e suscessos que nella tem hauido, com as noticias que pode descobrir Manoel doRozario Pinto natural da mesma ilha", publicado por António Ambrósio, «Manuel do Rosário Pinto (asua vida)" in Stvdia, 30/31 (1970): 244-247. Manuel do Rosário não menciona a proposta de perdão,indicando apenas que, depois de uma batalha em que morreram mais de 200 revoltosos, muitos vieram se"apadrinhar", ficando o Amador "sem poder". Para um balanço breve dessa revolta, ver Isabel CastroHenriques. São Tomé e Príncipe. A invenção de uma sociedade. Lisboa, Vega Editora, 2000, pp.110-120.

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 proporções, ela foi sufocada pelas armas. Mesmo assim, houve uma proposta de perdão.

Pode ter sido usada como subterfúgio para minar as forças dos revoltosos, mas tudo

indica que foi aceita por grande parte dos insurgentes. Embora explicitada com clareza

no relato seiscentista que serve de base para os estudiosos que trataram dessa revolta, elanão chegou a ser discutida pela bibliografia que, quando muito, tratou da traição

cometida pelos comandantes que entregaram Amador às autoridades da ilha. O fato de ter 

sido desconsiderada pela bibliografia não significa, entretanto, que idéias desse tipo não

tenham circulado no universo dos administradores coloniais.

O dilema entre guerrear ou negociar foi discutido em muitas ocasiões e as

alternativas avaliadas de forma e com intenções bem diferentes. Pode ter surgido em

ocasiões de revoltas abertas, como no caso de São Tomé, mas também como recurso no

enfrentamento dos mocambos. Um bom exemplo desses casos, que mais interessam aqui,

foi o que aconteceu na Bahia no final do ano de 1640, em que a câmara de Salvador e o

vice-rei do Brasil, marquês de Montalvão se enfrentaram, diante de propostas

diametralmente opostas para acabar com os mocambos que haviam se formado na região

do rio São Francisco.

Segundo o que vai registrado na ata da câmara de Salvador, o marquês vice-rei

havia convocado a Junta de governo para decidir o que fazer com aqueles "negros

levantados".84 O marquês pretendia enviar o terço de Henrique Dias, bem como um padre jesuíta "que sabe a língua dos negros", para que "tratassem com eles de os reduzir", em

troca da liberdade e do alistamento no terço dos libertos. Alistados e livres, poderiam

 permanecer no mocambo, desde que "não admitissem mais negros fugidos". Os

vereadores consideraram que "por nenhum modo convinha tratar de concertos nem dar 

lugar aos escravos a que conciliassem sobre este negócio e o que convinha somente era

extingui-los e conquistá-los para os que estavam domésticos não fossem para eles e os

levantados não aspirassem [fazer] maiores danos" contra os moradores. Na ocasião, a

84 Termo da câmara de Salvador de 25 de novembro de 1640. (Arquivo Municipal de Salvador, Livro deatas do senado da câmara de Salvador, livro 3, armário 62) in: Luiz Viana Filho, O negro na Bahia. 2ªed. São Paulo, Martins/ INL, 1976, pp.139-140. Todas as citações desse parágrafo e do próximo foramretiradas desse documento. Agradeço a Flávio dos Santos Gomes a lembrança desta referência, que aliásfoi mencionada por ele em A Hidra e os pântanos. Mocambos, quilombos e comunidades de fugitivos no Brasil (séculos XVII-XIX), São Paulo, Ed. Unesp/Ed. Polis, 2005, p. 402

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maior parte das opiniões foi favorável à guerra e a idéia do marquês vice-rei foi

descartada.

 No final de outubro, solicitou à câmara que mais uma vez se pronunciasse sobre o

assunto. A câmara continuou contrária a "pôr-se em concerto com esses negros",repetindo que o melhor era conquistá-los. Contudo, não se devia fazer como das outras

vezes, pois os que eram aprisionados depois de algum tempo voltavam a fugir, levando

companheiros. Por isso, melhor seria que os prisioneiros fossem empregados nas galés da

capitania, pagando-se por cada um deles 12 mil réis "para prêmio de quem lá fosse

 buscar estes negros", e que as mulheres fossem mandadas para fora da capitania.

Preocupados que a medida gerasse abusos, explicavam que a condenação às galés

aplicava-se "somente aos [negros] dos mocambos, conhecidos por estes" e não aos que

 para lá tinham ido à força ou enganados. As "crias que se achassem nascidas e criadas

nos mocambos" ficariam para o governador, como antes se havia praticado.

A proposta do marquês parecia envolver mais que um subterfúgio para extinguir 

os mocambos. Ao associar o alistamento no terço dos Henriques com a permanência nos

mocambos, envolvia um modo de incorporar os negros levantados à ordem colonial. A

câmara, ao contrário, considerava serem eles escravos  fugitivos, com os quais não havia

 possibilidade de qualquer negociação. Ainda que o debate tenha sido filtrado pela

formalidade da ata e pela pena de quem a escreveu, a diferença na nomenclatura revelaavaliações políticas bastante diferenciadas - levando a propostas antagônicas.

Pouco tempo depois, o marquês de Montalvão enviou a Lisboa um memorial

sobre o assunto.85 Não chegou a mencionar sua proposta, apenas a decisão da câmara,

com algumas modificações: os homens apanhados vivos seriam enviados para as galés;

as mulheres seriam restituídas para seus donos mediante o pagamento de 12 mil réis, que

seriam depois distribuídos entre os soldados, e as "crias" ficariam com o marquês, depois

de descontado o quinto da Coroa. Contou ainda que, em seguida às deliberações, enviara

contra os mocambos "umas tropas de índios e outras de negros", que fizeram 46

 prisioneiros, depois enviados para as galés. Contudo, como entre eles havia "um que os

85 Ainda não consegui localizar o original da carta enviada a Lisboa. Seu conteúdo é deduzido do resumoque dela fez o Conselho Ultramarino em consulta de 28 de maio de 1642. AHU_ACL_CU_ConsultasServiço Real, Cod. 30, fls. 191 e segs. Verificar também, sobre esse assunto, o parecer do Conselho daFazenda de mesma data. AHU_ACL_CU_005, Cx. 1, D. 39.

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governava", o marquês "o persuadiu a que lhe fossem entregar a gente que ficava nos

mocambos e, prometendo-lho, o fez capitão de Henrique Dias governador dos negros, e

os mandou fazer outra entrada".

Ou seja, o partido da guerra contra os mocambos havia prevalecido; mesmoassim, era possível algum tipo de negociação, ainda que apenas com um indivíduo. Nesse

caso, uma das lideranças presas foi nomeada capitão do terço de Henriques Dias e, como

tal, participou de outra expedição que atacou um mocambo junto ao rio São Francisco,

voltando já depois de vencido o tempo do governo do marquês, com muitos prisioneiros.

Essa volta foi atribulada e muitos dos presos acabaram desencaminhados e vendidos

 pelos caminhos.

O episódio gerou uma enorme discussão em Lisboa, com consulta ao Juiz da

Índia e Mina, a outros governadores do Brasil. O centro do debate era a legitimidade das

medidas tomadas com relação aos prisioneiros - se podiam ser redistribuídos, vendidos,

se deviam ser devolvidos a seus antigos donos e como se devia proceder nesse caso - não

havendo qualquer questionamento em relação à alforria concedida ao chefe aprisionado e

sua nomeação como oficial do terço dos Henriques.86 

Talvez a proximidade da guerra contra os holandeses e a concessão de alforria

 para o recrutamento de escravos para a luta, que esteve na origem do terço de Henrique

Dias,87 tenha servido de inspiração para a atitude de Montalvão. Talvez tenha até mesmose lembrado do que havia ocorrido em São Tomé, em 1595. Difícil saber. De qualquer 

modo, se a via da negociação coletiva por meio de um padre não fora aceita, a proposta

feita ao chefe aprisionado não parece ter oferecido dúvidas, já que não há registro de

qualquer discussão sobre ela nos dois lados do Atlântico.

Este não foi um episódio isolado. Também em relação aos negros dos Palmares

houve negociações anteriores a 1678, especialmente na época do governo de Francisco

86 Consulta do Conselho Ultramarino de 28 de maio de 1642. AHU_ACL_CU_Consultas Serviço Real,Cod. 30, fls. 191 e segs.

87 Ver, a esse respeito, José Antônio Gonsalves de Mello, Henrique Dias: Governador dos crioulos, negrose mulatos do Brasil . Recife, Fundação Joaquim Nabuco/Editora Massangana/CNPq, 1988; e HebeMattos, "Henrique Dias: expansão e limites da justiça distributiva no Império Português" in: RonaldoVainfas; Georgina Silva dos Santos; Guilherme Pereira das Neves (orgs.),  Retratos do Império.Trajetórias individuais no mundo português nos séculos XVI a XIX . Niterói, EDUFF, 2007, pp. 29-46.

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de Brito Freire. Também aqui elas aparecem em meio a várias alternativas para lidar com

os negros levantados nos mocambos.

 No início de seu governo, em 1661, tomando conhecimento dos assaltos feitos em

casas e fazendas nas Alagoas pelos "negros do mato", Brito Freire resolveu enviar novaexpedição contra os Palmares. Planejou enviar seis tropas de 150 a 200 homens cada

uma, por caminhos diferentes, para atacar os mocambos, com ordens para destruir todas

as roças que lá encontrassem e "arcabuziar (...) como rebeldes e levantados" os que

resistissem.88 Esperava assim acabar com a insolência dos negros dos Palmares, que

haviam conseguido vencer expedições anteriores e se faziam cada vez mais ousados.

Ao que tudo indica, ele não estava para brincadeiras e tomava medidas severas

contra Palmares e outros negros que incomodavam os moradores. No caso, por exemplo,

de uma "tropa de trinta negros e alguns mulatos [que] andavam salteando nas estradas,

tomando as escravas dos moradores" da região de Santo Antonio, ele enviou soldados

com ordens para prender os assaltantes, autorizando-os a matar os que resistissem, e

colocar suas cabeças e quartos pelas estradas, isentando os soldados de qualquer 

 punição.89 

Para o ataque contra Palmares, tomou várias providências, expedindo ordens para

aprovisionar as tropas, arranjar a munição necessária e traçar estratégias durante todo o

ano de 1661. Mesmo assim, em um dos muitos regimentos que expediu aos comandantesdas tropas que pretendia enviar contra os Palmares, deu instruções precisas para que,

assim que tivessem feito alguns prisioneiros, fossem escolhidos "dois dos mais antigos e

capazes" para que levassem um papel que havia entregue ao capitão da expedição, pelo

qual fazia ofertas aos negros, "em nome de El-rei nosso senhor". O conteúdo do tal papel

deveria ser lido e explicado aos dois prisioneiros, para que eles pudessem depois explicá-

lo ao chefe dos mocambos. Os que quisessem vir "com o dito papel tratar alguma coisa"

com o governo poderiam "vir livremente sem lhe fazer mal nenhum, antes lhe darão

88 Vide, entre outros, o Regimento de 24 de dezembro de 1661. AUC, CCA, IV, 3ª-I-1-31, fl. 62v-63, doc.54.

89 Ordem de Francisco de Brito Freire de 1º de fevereiro de 1661. AUC, CCA, IV, 3ª-I-1-31, fl. 68-68v,doc. 64.

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alguns soldados para virem em sua guarda".90 Não se pode saber o que dizia o tal papel,

mas documentos posteriores revelam ter sido "editais (...) em que [se] lhes assegurava

 para sempre liberdade, assim aos pais como às crias de toda a sua descendência, e sítio

donde eles nomeassem para fazerem plantas e aldeias".91

 Francisco de Brito Freire ia bem além da proposta do marquês de Montalvão.

 Não pensava em alistar ninguém no terço dos Henriques, mas previa a concessão de terra

e liberdade para os nascidos nos mocambos. A proposta era feita em meio aos combates,

utilizando prisioneiros como intermediários. Não constituía uma alternativa à guerra, pois

a preparação do tal papel precedia o envio das tropas; fora levado na bagagem do capitão

 junto com suas armas.

O expediente foi tentado de novo no ano seguinte, precedido dessa vez de

consultas aos moradores. Em dezembro de 1662, diante do fato de que as expedições e

 promessas enviadas não haviam surtido efeito, o governador consultou pessoas

experientes e se resolveu a liberar quem quisesse atacar os Palmares, concedendo-lhes

ficar com os prisioneiros que fizessem, desde que tivessem fugido havia mais de um ano;

sobre esses prisioneiros não haveria qualquer taxa. Além disso, ele abriria mão das crias,

que de costume ficavam com os governadores, para que fossem distribuídas entre os

voluntários. Para que tudo pudesse ser executado sem contestações posteriores, Brito

Freire ordenou que os vigários consultassem os moradores de suas freguesias.92 Tudo indica que a providência teve sucesso, pois em abril de 1663 Brito Freire

enviou uma carta ao governador do Estado do Brasil contando boas novidades. Explicava

ter feito muitas diligências contra os negros dos Palmares "que tanto inquietavam estes

moradores", sem ter conseguido vencê-los; por isso havia resolvido "mandar-lhe uns

cartazes em que lhe[s] prometia terra para suas lavouras e deixá-los viver livremente

contanto que não admitissem mais escravos dos moradores, antes se obrigariam a

entregar os que para lá fugirem."93 Como fora avisado de que no Rio de São Francisco "o

90 Regimento de Francisco de Brito Freire 29 de dezembro de 1661. AUC, CCA, IV, 3ª-I-1-31, fl. 66-66v,doc. 60. Cf, também Regimento de Francisco de Brito Freire 4 de janeiro de 166[2]. AUC, CCA, IV, 3ª-I-1-31, fl. 66v-67v, doc. 61.

91 Edital de 6 de dezembro de 1662. AUC, CCA, IV, 3ª-I-1-31, fl. 86v-87, doc. 123.92 Edital de 6 de dezembro de 1662. AUC, CCA, IV, 3ª-I-1-31, fl. 86v-87, doc. 123.93 Carta de 17 de abril de 1663. AUC, CCA, IV, 3ª-I-1-31, fl. 91, doc. 137.

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cabo de um mocambo vinha a tratar deste ajustamento", enviava para lá o padre João

Duarte Sacramento para cuidar do assunto.94 

As negociações não foram bem sucedidas. Em carta dirigida ao governador do

Estado do Brasil, quatro meses depois, informa as providências tomadas e a propostafeita por intermédio do padre Sacramento e conta que "os negros, faltos do conhecimento

da razão, não a souberam avaliar porque não só o despediram com desprezo e palavras

escandalosas [como] mais ainda obstinadamente mandou o seu maior, que governa a

todos, degolar o cabo de um mocambo e a outro seu companheiro por quererem aceitar o

ajustamento". Diante disso, considerava que os negros eram "indignos de nenhuma

 piedade [sic] e merecedores de um cruel castigo", e resolvia que o melhor era mesmo não

dar "quartel a nenhum dos ditos negros de 15 anos para cima e que quando se

aprisionassem alguns fossem enforcados nessa praça". Pedia que o governador geral

confirmasse a resolução, pois a medida não constava das leis civis e militares.95

A matéria era urgente e a resposta veio logo em 9 de setembro, apoiando as

resoluções tomadas por Brito Freire. O governador geral considerava apenas não ser 

 justo degolar todos os prisioneiros, mas somente os que fossem reconhecidos como

cabeças dos mocambos. Por isso, mandava combater e prender todos os que não

quisessem se sujeitar:

"enquanto durar o conflito não dê quartel a quem se defender, e aprisionetodos os que se lhe sujeitarem; pois deste modo só se não falta à piedadecatólica, mas nem à obrigação militar; pois na clemência se facilita orendimento; e se se virem que de nenhum modo não têm quartel, poderáneles obrar a desesperação, o que muitas vezes não consegue o valor. E[a] entrada que for, a povoação se abrasará e consumirá tudo, de maneiraque não fique mais que as memórias de sua destruição, para últimodesengano dos negros dessa Capitania, e desta, donde também se padecem bastantes perdas dos que fogem para os mocambos. Que aindaque é tão grande o número dos daquele, como me dizem, [que] poderãosó ficar no Brasil os que tiverem idade que [os] segure o temor de se

94 Carta de 17 de abril de 1663. AUC, CCA, IV, 3ª-I-1-31, fl. 91, doc. 137. Cf. também carta de 18 de abrilde 1663, AUC, CCA, IV, 3ª-I-1-31, fl. 74, doc. 85.

95 Carta de 23 de agosto de 1663. AUC, CCA, IV, 3ª-I-1-31, fl. 93v-94v, doc. 144. O episódio érapidamente comentado por J. Antônio Gonsalves de Mello, "Brito Freyre, a sua história e Pernambuco"in: Francisco de Brito Freire, Nova Lusitânia.  História da guerra brasílica. 2ª ed. Recife, Secretaria deEducação e Cultura, 1977, apêndice; e M. C. Medeiros, Igreja e dominação no Brasil escravista. O casodos oratorianos de Pernambuco, 1659-1830. João Pessoa, Idéia, 1993, p. 110.

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tornarem a ir aninhar naquela parte; e os mais se podem exterminar comoordenarei, depois de virem prisioneiros".96

O português é arrevesado, mas a mensagem é clara: luta sem quartel, arrasando os

mocambos e deixando no Brasil apenas as crianças, para exemplo de todos os escravos

em Pernambuco e na Bahia. A experiência deve ter marcado Brito Freire, pois incluiu, no

relatório final de seu governo, a "entrada geral" que mandou fazer com "onze tropas

 juntas" e que permaneceu no sertão por cinco meses. Ali se pode ler que, estando "os

negros medrosos e quebrantados" pelas mortes causadas, pela sede e fome advinda da

destruição de suas plantações, ele havia procurado "reduzi-los com indústria e suavidade

 para arrancar as raízes dos males que se padecem há tantos anos". Para isso, mandara

"lançar nos seus mocambos alguns línguas para os persuadir a que

 baixassem e se reduzissem (como já se havia reduzido a nação dosTapuias) a viver junto a nós, em sítios assinalados; e quando se nãoaproveitassem desta benevolência lhes repetiria novos e maiores apertos,com que ultimamente mandaram alguns negros falar com os filhos [sic]do sargento mor Antonio Vieira, para que eu os certificasse da verdade, pois pela [sic] não saberem haviam degolado dois, cuidando que eramespias nossas, com que se voltaram aos seus e me tornaram avisar [que]estavam juntando todos para descerem os principais a ter comigo e aceitar o que lhes oferecia."97

Nesse texto, Brito Freire comenta não ter tido notícia do sucesso ou não da

empreitada por se "acabar o tempo da [sua] assistência naquele governo". Como se vê, a

versão é ligeiramente diversa da que se pode obter pela documentação administrativa.

Alguns anos mais tarde, incluiu os "negros dos Palmares" entre "as coisas mais notáveis"

da história brasílica que escreveu sobre as guerras contra os holandeses. Seu livro foi

escrito entre 1669 e 1675, quando esteve preso, depois de retornar a Portugal e negar-se a

conduzir o rei deposto ao exílio nos Açores.98 Mais uma vez, suas observações sobre os

acontecimentos nessa região misturam características do testemunho, da memória e da

história e merecem ser tratadas aqui.

96 Carta do conde de Óbidos para Francisco de Brito Freire de 9 de setembro de 1663. DH, 9 (1929): 127-129.

97 Francisco de Brito Freire, [Relatório dos serviços prestados em Pernambuco], s.d. BNL-Res, Cx. 236 n.51.

98 Francisco de Brito Freire,  Nova Lusitania, historia da guerra brasilica, a purissima alma e savdosamemoria do serenissimo principe dom Theodosio, principe de Portvgal . Lisboa, Officina de João Galrão,1675. Ed atual. e rev. São Paulo, Beca, 2001.

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Ao tratar das calamidades que afligiam os moradores da capitania no início dos

anos 30 do século XVII, ele menciona os holandeses, os Tapuias e os negros dos

Palmares. Depois de uma breve descrição do modo como viviam os habitantes dos

mocambos e dos danos que faziam às "fazendas, casas e lavradores", discorre sobrealguns meios para reduzi-los. Suas considerações partem do fato de que, "apesar das

diligências (...) antes aqueles negros se aumentam que diminuem". Sugere a distribuição

dos prisioneiros entre os soldados, a fim de que as campanhas fossem feitas sem dar 

descanso aos fugitivos, bem como recomenda que suas lavouras sejam destruídas, o que

lhe parecia ser melhor do que persegui-los pelos campos. Uma vez que fossem

desalojados, dever-se-ia instalar na região duas povoações para que servissem de base

 para as operações. Considerava ainda a possibilidade de

"reduzi-los com indústria, dando favor e liberdade a alguns dos quetrazemos para persuadirem os mais que venham lograr seguramente, paraas almas e para as vidas, na escola da nossa doutrina e no amparo danossa assistência, o fruto da sua quietação. E sem nenhum receio detornarem a ser cativos, viverem livres na forma de todos os outros negrosseus parentes alistados no terço de Henrique Dias, que el-rei mandoulivrar: e assim lhes constaria, aos olhos dos mesmos senhores, andaremlivres".99 

A passagem é duplamente interessante. Em primeiro lugar, ela revela o trabalho

da memória. Brito Freire situa o drama vivido pelos moradores com os Palmares junto a

acontecimentos ocorridos em 1634. Como seu livro trata das lutas contra os holandeses

na Bahia e em Pernambuco, não poderia incluir acontecimentos de seu governo. Não

deixa de ser interessante, contudo, que faça a inclusão dos Palmares em sua história e

mencione seu próprio nome na passagem, ao referir-se ao procedimento que adotou com

os Tapuias. Deve-se notar, também, que a lembrança soma a continuidade da guerra à

oferta da liberdade em troca do alistamento no terço dos Henriques, sem qualquer 

referência à concessão de terras ou à liberdade para os nascidos nos mocambos.

Em segundo lugar, o interesse no trecho decorre das análises que suscitou na

historiografia. As sugestões de Brito Freire são mencionadas por vários autores, em geral

 para marcar a existência dos Palmares desde as décadas iniciais do século XVII ou para

mostrar que as formas alternativas à guerra estavam destinadas ao fracasso. Ronaldo

99 F. B. Freire, Nova Lusitania, pp.280-282 (na ed. 1675) ou pp. 178 (ed. 2001).

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Vainfas, por exemplo, ao comentar essa proposta de Brito Freire, observa que "havia

algo de estratégico nesse aparente recuo senhorial em face da rebeldia negra organizada",

 pois a concessão da alforria podia significar a suspensão dos ataques, e a devolução dos

fugitivos quebrava o nexo entre os mocambos e os escravos das fazendas e engenhos.Assim, esse era um recurso que enfraquecia os quilombos e facilitava a repressão,

enquanto se obtinha uma trégua. Para os quilombolas, os tratados seriam "um meio de

obter a alforria para os amotinados e garantir, ao menos  pro tempore, a autonomia das

 povoações negras".100 De todo o modo, para esse autor, tais propostas constituíam um

"paradoxo incrível (...) a revelar a hesitação e medos dos agentes do colonialismo

lusitano".101 

Talvez se possa avaliar a questão com maior nuance ao ponderar seus aspectos

 políticos. Como se pode verificar nos episódios descritos acima, havia muitos interesses

em jogo. A avaliação das medidas a serem adotadas contra os mocambos passava, em

 primeiro lugar, por uma forma diferenciada de qualificá-los (se escravos fugitivos ou

negros levantados). Em seguida, dependia dos custos financeiros e políticos implicados

nas alternativas - que não necessariamente eram excludentes. Em terceiro lugar, envolvia

um debate sobre o destino dos prisioneiros feitos na guerra ou dos negros com os quais

se fizesse alguma negociação.

É evidente que o embuste era possível e que a promessa de liberdade ou doalistamento militar podia ser apenas um subterfúgio. A possibilidade de qualquer ajuste -

individual ou coletivo - implicava o reconhecimento do outro como um oponente

 político: capaz de ponderar propostas, decidir segundo sua própria avaliação e manter o

acordado. O terço dos Henriques constituía um exemplo bem sucedido de colaboração, e

 parecia implicar custos menores - pelo menos enquanto o novo soldado cumprisse as

novas funções. A guerra, como vimos, era uma empresa custosa que sobrecarregava os

moradores.

A experiência vinha mostrando que, apesar de diversos, os planos e as estratégias

quase sempre redundavam em fracasso. Mesmo quando as autoridades e senhores de

100 Ronaldo Vainfas, "Deus contra Palmares. Representações senhoriais e idéias jesuíticas" in: João JoséReis e Flávio dos Santos Gomes (org.), Liberdade por um Fio. S. Paulo, Companhia das Letras, 1996, p.65.

101 Ronaldo Vainfas, "Deus contra Palmares", pp. 62-65.

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engenho conseguiam destruir um mocambo ou prender alguns ou muitos fugitivos, a

resistência dos negros dos Palmares parecia ser invencível. Além de contarem com

aliados, que os avisavam das expedições, a região onde estavam instalados era inóspita,

as dificuldades em recrutar soldados enormes e os custos das expedições imensos. Tudoindica que não havia concordância entre os moradores das vilas vizinhas e as autoridades

coloniais quanto a medidas importantes. Quem deveria arcar com as despesas das

incursões repressivas? Quais as melhores estratégias? Para compor a tropa se devia

recorrer aos índios, ao terço dos Henriques ou aos paulistas e a outros sertanistas

experientes? As divergências entre os governadores, as câmaras e os senhores de

engenho atrasavam as expedições e ajudavam a boicotar os resultados esperados.

O que fazer com os prisioneiros? Deviam ser vendidos para fora da capitania ou

dados como prêmio aos que lutassem contra os mocambos? Podiam ser usados para

 pagar parte dos custos das operações militares ou sua tomadia devia ser paga pelos

senhores? Parte do dilema residia na necessidade de ponderar o interesse dos senhores

dos fugitivos e o da segurança geral da capitania. Outra parte estava no reconhecimento

de diferenças entre as mulheres e os homens, os que fugiam por vontade própria e os que

eram obrigados a ir para os mocambos, e entre os que haviam sido escravos e os nascidos

fora do domínio senhorial. O costume de dar as "crias" para os governadores significa a

quebra do princípio escravista de que os filhos seguiam a condição da mãe - já que,nascidos de escravas, libertas ou livres, acabavam por ganhar um (novo) senhor.

Finalmente, é preciso levar em conta a grande diferença entre conceder a alforria

a um indivíduo, em troca de colaboração, e oferecê-la de modo coletivo, mesmo que não

 para todos os levantados, por meio de um acordo de paz. No caso das propostas feitas

 pelo marquês de Montalvão e por Brito Freire, a liberdade vinha ainda acompanhada pela

concessão de terras. Se aceitas e implementadas, elas significariam a continuidade dos

mocambos, como havia explicitado Montalvão. Tratava-se de reduzir negros levantados à

obediência - talvez não àquela de seus senhores, mas a das autoridades coloniais.

Como se vê, a equação é bastante complexa. Até agora temos analisado sobretudo

o lado dos que lutavam contra os mocambos. Pelo visto, as reações podiam ser as mais

diversas - da aceitação parcial, da dissimulação ou da recusa completa, com a degola

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exemplar dos que tivessem começado a negociar. Antes de seguir essa trilha, no entanto,

é importante saber mais sobre os termos ajustados em 1678.

3. Homens de palavra

Todos os autores que tratam com um pouco mais de detalhe das negociações

utilizam-se da crônica de 1678 para narrar a entrada no Recife, em meados de junho, de

uma embaixada palmarina. Como dom Pedro já havia sido substituído por Aires de

Souza de Castro, ela foi enviada ao novo governador. Depois das cerimônias de recepção

e das homenagens, o conselho da capitania foi reunido, para discutir a resposta que os

quilombolas traziam de Palmares. Estavam presentes dom Pedro de Almeida, Aires de

Souza de Castro, o ouvidor geral, o provedor da Fazenda e os oficiais militares que

haviam liderado as expedições, além dos membros da comitiva vinda de Palmares.102

Mais uma vez, embora a fonte seja a mesma, o modo de expor e interpretar os

acontecimentos varia entre os autores. Em Nina Rodrigues, a descrição da embaixada

ganha destaque, pois não apenas era mostra evidente da "influência africana e da

independência e constituição bárbara ou selvagem em que vivia Palmares" como também

da "real importância do Estado negro com o qual a colônia tratava agora como de nação a

nação celebrando tratados de paz". Depois de observar o "curioso contraste" entre esses

acontecimentos e o esforço para afirmar a destruição de Palmares, Nina Rodrigues

conclui: "não se comportaria assim um governo forte com agrupamentos fortuitos de

negros fugidos que se devem reduzir à obediência". Assim, na narrativa construída por 

esse autor, o episódio serve para reafirmar o poderio dos mocambos instalados na Serra

da Barriga e mostrar o quanto eram "ilusórias as esperanças do governador" de que

estavam enfim destruídos. 103

Edison Carneiro detalha um pouco mais as negociações em torno dos termos da paz, realizadas em reunião do Conselho da capitania, convocada especialmente para

cuidar do assunto. Aqui, porém, é o "pedido" de Gangazumba por "liberdade, paz,

entrega das mulheres e local" que é discutido e aceito pelo Conselho, que terminou por 

102 "Relação das guerras feitas aos Palmares de Pernambuco", p. 328.103 N. Rodrigues, Os africanos no Brasil , p. 84

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apoiar a proposta do governador de dar aos palmarinos as terras que escolhessem para

habitar e plantar, de libertar os nascidos em Palmares e lhes facultar comércio e trato com

os moradores. Para esse autor, as negociações não eliminam atitudes conflitantes, como

 prometer a paz e ao mesmo tempo incentivar voluntários a atacar o quilombo com a promessa de isenção do pagamento do quinto. O ponto que mais chama sua atenção,

contudo, são as dúvidas, nos "círculos oficiais", sobre "o sossego a tanto custo

conseguido", um receio, segundo ele, confirmado pelos termos benevolentes acertados

com os negros, que "mais parecem ditados pelos palmarinos".104

Mário Martins Freitas segue na mesma direção, mas estabelece uma diferença

entre dom Pedro de Almeida e Aires de Souza de Castro. O primeiro, confiante na

destruição dos Palmares e sedento de glória, havia proposto a paz como um dos atos

finais de seu governo, assim como permitira a isenção do quinto para os voluntários que

capturassem os negros que continuavam espalhados pelos matos. Castro, por sua vez,

"ignorando a situação política e a organização do reino negro dos Palmares", fiou-se nas

informações do capitão Carrilho e acabou sendo "complacente com a embaixada de

Gangazumba e prometeu fazer a paz nas bases pedidas". Mesmo assim, a solenidade da

reunião do conselho e da recepção à embaixada pareciam-lhe ser "um concerto de

 potência a potência".105

Ao invés de aprofundar o debate nos termos em que está colocado, prefiro buscar a via alternativa da leitura das fontes disponíveis. Nesse caso, o "papel" que resultou da

reunião entre os enviados de Palmares e as autoridades da capitania de Pernambuco é o

 principal documento. Tendo em vista a importância desse documento, sua análise será

feita com vagar e paciência na interpretação de detalhes.

Como já observei, a bibliografia pouco se demorou sobre os termos ajustados na

ocasião. Apenas alguns dos autores lhe deram mais atenção: Mário Martins Freitas,

Décio Freitas, Ivan Alves Filho e Flávio Gomes.106 Como M. M. Freitas e Décio Freitas

citam um pequeno trecho entre aspas, é possível verificar que a fonte utilizada por eles

foi a crônica publicada pela  Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro em

104 E. Carneiro, O quilombo dos Palmares, p. 118.105 M. M. Freitas, Reino negro de Palmares, pp. 249-251.106 M. M. Freitas,  Reino negro de Palmares, pp. 251-252; D. Freitas,  Palmares, pp. 109-110; I. Alves

Filho, Memorial dos Palmares, pp. 90-91; e F. S. Gomes, Palmares, p. 131.

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1859.107 Ivan Alves Filho, que indica ter consultado a cópia existente no Arquivo

Histórico Ultramarino,108 também se apóia na publicação de 1859 ao resumir as

determinações do acordo. Como não há qualquer anotação ou citação nessa passagem do

livro de Flávio Gomes, é difícil saber a fonte utilizada por ele.Apesar da convergência de fontes, o modo como cada um desses autores se refere

às condições da paz ajustada entre os embaixadores de Palmares e o conselho reunido em

22 de junho de 1678 é bem diferente. Para Mário M. Freitas, o conselho discutiu "a paz

 pedida" por Gangazumba e aceitou a proposta do governador, resumida assim:

"1) que se lhes desse o sítio que eles designassem ou escolhessem parasuas habitações e plantas;

2) que a esse sítio se recolhessem no prazo de três meses;

3) que seriam livres os negros nascidos nos Palmares, conforme propunhaGangazumba;

4) que fossem restituídos pelo rei todos os escravos fugidos das fazendase engenhos;

5) que teriam comércio e trato com os brancos;

6) que lograriam os foros de vassalos de el-rei e que ficariam obedientesàs ordens do governador da capitania;

7) que o rei negro seria nomeado mestre-de-campo de toda a sua gente eresponsável pela ordem entre os negros;

8) que seriam restituídas as mulheres do rei e dos demais potentados, seuscabos maiores".109

Décio Freitas registra que dom Pedro de Almeida defendeu "a conveniência das

 pazes com os palmarinos" e propôs um acordo "nas seguintes bases: 1) liberdade para os

nascidos nos Palmares; 2) concessão de terras para viverem e cultivarem; 3) garantia de

comércio e relações com os moradores circunvizinhos; 4) gozo do foro de vassalos da

107 M. M. Freitas,  Reino negro de Palmares, p. 252. O trecho citado ("quando algum por rebelde

repugnasse a sua e nossa obediência ele o conquistaria, e daria guias para as nossas armas odesbaratarem") está em "Relação das guerras feitas aos Palmares de Pernambuco", p. 328; D. Freitas, Palmares,  p. 110. Os dois trechos citados por esse autor ("conduzir alguns contrários, que viviamdistantes das suas cidades" e "conduziria a todos ao nosso domínio, e quando algum por rebelderepugnasse a sua e nossa obediência ele o conquistaria, e daria guias para as nossas armas odesbaratarem"), também estão na "Relação das guerras feitas aos Palmares de Pernambuco", p. 328, coma ressalva que ali se lê "corsários" e não "contrários".

108 I. Alves Filho,  Memorial dos Palmares,  p. 91. Estranhamente, porém, ao resumir as cláusulas doacordo, ele referencia, na nota 57 (p.116) da "Relação das guerras feitas aos Palmares de Pernambuco".

109 M. M. de Freitas, Reino negro de Palmares, pp. 251-252.

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Coroa", ficando "implícito que os negros nascidos fora de Palmares seriam reduzidos ao

cativeiro". 110 Mais uma vez, Ivan Alves Filho segue de perto a análise de Décio Freitas e

resume as cláusulas do seguinte modo: "concessão de terras aos palmarinos em local em

que pudessem viver e plantar; liberdade para todas as pessoas nascidas em palmares;liberdade de comércio entre os palmarino e os moradores das vilas e vilarejos coloniais;

os palmarinos seriam considerados doravante vassalos do rei de Portugal. O acordo

deixava implícito que os palmarinos nascidos fora de Palmares seriam novamente

escravizados."111 

Para Flávio Gomes, as condições e termos são um pouco diferentes:

"os palmaristas concordaram com um tratado de paz, considerando que aautonomia de Palmares fosse respeitada. O referido governador aceitou

inicialmente, colocando as seguintes condições: a liberdade dos negrosnascidos em Palmares seria respeitada; os palmaristas poderiam continuar mantendo trocas mercantis com taberneiros, comerciantes e vendeiros daregião; as terras nas quais os palmaristas iriam viver seriam agorademarcadas pela Coroa; novos cativos que fugissem para Palmaresdeveriam ser imediatamente devolvidos para as autoridades coloniais eseus respectivos proprietários; a partir da assinatura daquele tratado, palmaristas passariam à condição de vassalos do rei."112

É notável a diferença entre os autores. Divergem quanto a quem propõe ou aceita

as condições e quanto ao que ficou acertado nas negociações. O resumo oferecido por M.

M. Freitas é sem dúvida mais completo do que o apresentado pelos outros três, queguardam maior proximidade entre si. Mesmo que fiquemos com as cinco cláusulas que

todos enfatizam, a variação é grande.

A restituição dos fugitivos, que aparece como uma cláusula implícita em Décio

Freitas e Ivan Alves Filho, torna-se uma determinação a ser imediatamente cumprida em

Flávio Gomes. Também não há consenso sobre o teor dessa cláusula: são "os escravos

 fugidos das fazendas e engenhos", os "nascidos  fora de Palmares" ou "os novos cativos 

que fugissem para os Palmares" que devem ser "restituídos", "reduzidos ao cativeiro",

110 D.Freitas, Palmares, p.121. I. Alves Filho, p. 90.111 I. Alves Filho,  Memorial dos Palmares, p. 90. Estranhamente, na página seguinte, depois de indicar o

arquivo que guarda o original, cita alguns de seus trechos, incluindo o compromisso de Gangazumba de"entregar todos os escravos que destas capitanias haviam fugido para esses Palmares". É de se perguntar se entregar os fugitivos poderia significar outra coisa diferente do que serem eles "novamenteescravizados"...

112 F. S. Gomes, Palmares, p. 131.

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"novamente escravizados" ou "devolvidos para as autoridades coloniais e seus

respectivos proprietários"? A escolha do lugar onde os habitantes de Palmares iriam se

estabelecer também varia, sendo feita ora pelo pessoal de Gangazumba, ora sendo

"demarcada" pela Coroa. O comércio - "com os brancos" para um autor, com os"moradores das vilas e vilarejos coloniais" para outro, ou apenas com "taverneiros,

comerciantes e vendeiros da região" - pode ser uma prática que passará a existir, ganhar a

condição de livre, ou simplesmente continuar .

As diferenças apontadas aqui não são de pequena monta: dizem respeito a

compreensões díspares sobre os sujeitos responsáveis pelas ações a serem executadas,

sobre a amplitude das decisões tomadas e sobre quem ou o quê elas incidem. As

divergências não parecem estar baseadas em informações retiradas de fontes diversas,

mas na interpretação elaborada pelos autores. É surpreendente, também, que nenhum

deles tenha ido além do resumo, para explicar o significado de certos termos como, por 

exemplo, ter foro ou ser vassalo da Coroa ou do rei (que, a bem dizer, a essa altura era

 príncipe regente).

Para dar conta de dirimir dúvidas e questões, a consulta às fontes é um bom

 procedimento. Nesse caso, porém, temos dois originais: a cópia que foi anexada à carta

enviada por Aires de Souza de Castro ao príncipe em 22 de junho de 1678, que se

encontra no Arquivo Histórico Ultramarino, e aquela que foi registrada nos livros dasecretaria do governo de Pernambuco e copiada no códice guardado no Arquivo da

Universidade de Coimbra.113 Qual delas escolher?

O texto varia pouco nas duas cópias, como se pode ver pela tabela comparativa

que compõe o anexo 6. A maior parte das diferenças pode com facilidade ser tributada à

atenção dos copistas, menos em dois casos: a menção ao batismo dos filhos de

Gangazumba que compunham a embaixada e o prazo de trinta dias para a resposta -

ambas presentes apenas no manuscrito do Arquivo Histórico Ultramarino. Além disso,

esse documento foi assinado pelo governador. Era prática comum nas secretarias desse

 período produzir uma ou mais cópias dos documentos, que eram assinadas pelas

autoridades simultaneamente, para depois serem remetidas a seus destinos. Isso acontecia

113 Os documentos vão reproduzidos na íntegra nos anexos 5 e 1, respectivamente.

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com certa freqüência nas comunicações entre os governantes coloniais e a metrópole,

como se pode verificar na documentação guardada no Arquivo Histórico Ultramarino.

Assim, o manuscrito que está em Lisboa deve ter sido produzido ao mesmo tempo que

aquele enviado a Palmares.O registro da correspondência enviada e recebida era feito em livros específicos,

em geral diferentes, que permaneciam nos arquivos das secretarias. Não são assinados -

quando muito, mencionam a assinatura, indicando o nome de quem assina, ou a

existência de rubricas. É o caso do manuscrito que pertence à coleção Conde dos Arcos,

que não menciona qualquer assinatura - lembrando ainda que, nesse caso, estamos diante

de uma cópia da cópia registrada no livro da secretaria de governo da capitania. Esse fato

talvez explique a ausência da menção ao prazo para a decisão de Gangazumba e a

implementação do acordo: acrescentada posteriormente, ao final do texto, depois da

fórmula tradicional de despedida e datação, a cláusula não consta do registro. Pode

também indicar que o próprio registro foi feito ao mesmo tempo em que o acordo foi

redigido: o escrivão produziu as cópias, registrou-as antes das assinaturas e a cláusula

extra foi acrescentada em seguida, ficando fora do livro da secretaria.

De qualquer modo, por ser um manuscrito avulso, assinado, e por conta das

observações feitas acima, o documento que tomarei aqui como base para a análise é o

que se encontra guardado em Lisboa. Vejamos o que ele diz.Em primeiro lugar, trata-se de um "papel" - não de um acordo, tratado ou outra

coisa. Aires de Souza de Castro menciona em sua carta ter feito uma "proposta" que foi

levada pelos "negros".114 Por meio do “papel”, em nome do príncipe regente, o

governador remete a Gangazumba "o bem da liberdade e perdão" por viver ele "há tantos

anos fora da [sua] obediência". O texto é claro: é a falta de obediência ao príncipe que é

 perdoada e o envio dos "filhos e família" é considerado sinal de submissão suficiente

 para criar condições para que o governador pudesse fazer  concessões e  promessas.

Todavia, ao invés de discriminar quais seriam elas, o texto continua testando o

compromisso assumido entre as partes. O trecho é interessante sobretudo pelas palavras

empregadas, que contrapõem a dúvida à firmeza e segurança, assim como interesses e

114 Carta de Aires de Souza de Castro de 22 de junho 1678. AHU_ACL_CU_015, Cx. 11, D. 1116.

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utilidades à luz divina e à salvação. E termina com uma ameaça: se no "tempo

assinalado" o que foi oferecido não for cumprido, haverá guerra: as tropas já estão juntas

e tinham poder suficiente para derrotá-los "de todo".

Só depois desse intróito, é que os pontos prometidos são enunciados:1) todos os "negros" dos Palmares e seus "potentados" estão incluídos na paz ajustada;

2) os que não quiserem seguir a paz acordada serão "obrigados" a isso;

3) todos os "negros" das capitanias que haviam fugido para Palmaresserão "entregues",

4) o "sítio [ou "paragem"] a que chamam Cucaú" será concedida por mercê, para que possam morar e fazer "suas aldeias",

5) os moradores de Cucaú poderão plantar seus frutos e ter "os mesmos

lucros que têm os mais vassalos" do príncipe português sem seremobrigados "por força a nenhum trabalho particular salvo se for para oserviço do dito senhor";

6) é concedida "alforria" para os que forem "nascidos" nos Palmares,

7) os "filhos e mulheres que (...) estavam cativos" e iam ser despachados para o Reino serão restituídos,

8) é dada alforria ao negro Amaro ("cativo") e a João Mulato,

9) o governador será avisado se houver quem não queira se submeter à"obediência", para que se mande fazer a guerra contra eles.

A continuação segue o espírito das frases iniciais, com a afirmação de que oenvio dos dois soldados é testemunho da "estimação" feita à "gente preta que obra

debaixo da obediência" do governo, e da promessa de honras iguais às feitas aos filhos,

que foram batizados. O ritmo é quebrado com a menção ao envio de padres para o ensino

da doutrina cristã e há um acréscimo final que estipula um prazo de trinta dias para a

decisão e outros trinta para a execução do que foi acertado.115 Bem contadas e

discriminadas, temos aí doze condições claramente enunciadas.

 Não vou insistir na diferença entre o que se lê no "papel" e nos livros dos autores

citados acima. Remeto o leitor para o anexo 7, onde se encontra também o que vai dito

na crônica publicada pela  Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro em

115 Cópia do papel que levaram os negros dos Palmares. Doc. anexo à carta de Aires de Souza de Castro de22 de junho de 1678. AHU_ACL_CU_015, Cx. 11, D. 1116. Ver anexo 5.

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1859, para quem quiser empreender uma comparação mais detalhada entre os vários

textos.

É mais interessante investigar o próprio texto, suas palavras e determinações.

Mário M. Freitas observou que a reunião de negociação mais parecia "um concerto de potência a potência".116 O modo como aquele papel foi escrito me leva a concordar com

a hipótese. As cláusulas reconhecem a existência de hierarquias nos lados em

negociação: em Palmares há Gangazumba e sua família, os potentados, os nascidos em

Palmares e os negros da capitania que haviam fugido - além de alguns indivíduos

específicos; em Pernambuco há o governador, que age em nome do príncipe de Portugal.

As promessas do lado dos palmarinos dizem respeito a fazer a paz e a obedecer  ao

governador de Pernambuco, e por meio dele ao príncipe. O príncipe de Portugal passa

assim a ser o senhor de todos ("meu e vosso senhor") - mas isso não elimina a hierarquia

 palmarina, já que Gangazumba, por meio dos filhos embaixadores, assume o

compromisso em nome de todos os que estão sob seu poder. Este, aliás, não é

questionado nem limitado por qualquer palavra no documento. O governador negocia em

nome do príncipe, assim como os filhos de Gangazumba falam em seu nome.

A obediência, essa "virtude que inclina a executar os mandados do superior e

sujeita a vontade de um homem à de outro",117 cria nesse caso uma cadeia hierárquica

que liga Gangazumba ao governador e este ao príncipe - o único a não ser obediente aninguém; salvo a Deus. Esse ordenamento, que pressupõe uma solidariedade que

caminha verticalmente em direção ao soberano, faz parte da concepção de vassalagem,

tal como entendida nesse período,118 embora algumas vezes "vassalo" possa ser 

entendido mais como um título honorífico, aplicado apenas aos fidalgos de linhagem,

como indica o Vocabulário de Bluteau.119 

116 M. M. Freitas, Memorial dos Palmares, p. 251.117 Raphael Bluteau, Vocabulário portuguez e latino. Coimbra, Collegio das Artes da Companhia de Jesus,1712. (Ed. fac-simile, CD-Rom, Rio de Janeiro, UERJ, s.d.), verbete "obediência".

118 Tal pressuposto envolvia, necessariamente, princípios laicos e religiosos, associando as noções defidelidade e vassalagem, como bem observou Pedro Cardim, "Religião e ordem social. Em torno dosfundamentos católicos do sistema político do antigo regime". Revista de História das Idéias, 22 (2001):133-174.

119 Segundo o Vocabulário de Bluteau, na época de dom Pedro era apenas um "título, e tão honorífico (...)que (... se não costumava ser vassalo senão filho ou neto ou bisneto de fidalgo de linhagem". R. Bluteau,Vocabulário, verbete "vassalo".

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Ao remeter a Gangazumba o "bem da liberdade e perdão" de sua desobediência,

Aires de Souza de Castro pode ter empregado a palavra liberdade, aqui, em sentido mais

amplo, como o "estado natural no qual tem o homem todos os movimentos da sua

vontade independentes e livres" - primeira definição do termo no Vocabulário deBluteau. Ela está diretamente associada ao perdão - o que pode significar que, apesar de

ter saído do domínio do príncipe português, não será julgado ou obrigado a alguma pena

 pela desobediência cometida. Por isso, a liberdade não é devolvida, nem concedida, mas

remetida.120 Ou seja: a obediência ao príncipe português é acompanhada pelo

reconhecimento da liberdade de Gangazumba, pelo perdão - e lhe confere um lugar numa

hierarquia de poderes.

Obediência e perdão eram elementos fundamentais da concepção monárquica

durante a segunda metade do século XVII, no período conhecido como da Restauração.

Dentre os principais atributos do soberano estavam a justiça, a capacidade de garantir 

fortuna e segurança aos súditos, e o respeito aos usos e costumes, ao direito natural e às

regras tradicionais. Para ser obedecido por seus vassalos, o rei ou seus delegados tinham

que governar com justiça e respeitar os usos e costumes locais. Ao perdoar Gangazumba,

o príncipe reafirmava suas qualidades como bom governante, em condições de exigir 

obediência a seu novo "vassalo".121

Essa concepção está subjacente ao texto ajustado no Recife, mas é explicitada nacarta enviada por Aires de Souza de Castro ao príncipe português em junho de 1678, que

120 Remeter é "mandar uma coisa de um lugar para outro", segundo Bluteau. Remete-se, assim "um papel,uma carta ou outra, com sobrescrito, a alguém". O verbo escolhido pode ser mais uma indicação demundos separados: o papel segue de Pernambuco para Palmares - duas jurisdições separadas. R. Bluteau,Vocabulário, verbetes "remeter"e "remessa".

121 No período da Restauração ocorreram diversos motins de soldados, conjuras de fidalgos, rebeliões anti-fiscais e anti-jesuíticas na Índia, Ásia e América. Esses "levantamentos", na maior parte das vezes,terminaram com a deposição das autoridades locais - do governador, vice-rei ou capitão general. Faz

 parte desse contexto a deposição do governador de Pernambuco, Jerônimo de Mendonça Furtado, "oXumbergas", em 1666. Como bem observou Luciano Figueiredo, esses levantamentos não visavamcolocar em cheque o poder do soberano, mas operavam nos termos da concepção monárquicarestauradora, questionando as autoridades locais. Por isso, na maior parte dos casos, o soberano

 português evitou a repressão violenta para negociar com seus súditos, buscando restabelecer o equilíbrio perdido. Ver, a respeito, Luciano Raposo de Almeida Figueiredo, "O império em apuros. Notas para oestudo das alterações ultramarinas e das práticas políticas no império colonial português, séculos XVII eXVIII" in: Júnia Ferreira Furtado (org.), Diálogos oceânicos. Minas Gerais e as novas abordagens parauma história do império ultramarino português. Belo Horizonte, Ed. UFMG, 2001, pp. 197-254. Oepisódio do Xumbergas é longamente analisado por E. C. Mello, A fronda dos mazombos, cap. 1.

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acompanhou o "papel" que está sendo analisado. Nela o governador se refere aos filhos

do "levantado a que chamam rei desses Palmares" que queriam ser seus "obedientes

vassalos". O mesmo termo aparece na carta enviada pelo provedor da Fazenda de

Pernambuco ao príncipe, escrita na mesma data, que registra que os negros "disseram queo seu rei e eles se queriam avassalar e viver debaixo da proteção" do monarca

 português.122 

Há, assim, entre as cartas que seguem para Portugal e o papel que segue para

Palmares, uma pequena nuance: enquanto nas primeiras se afirma uma submissão que

coloca Palmares em pé de igualdade com outros súditos da monarquia portuguesa, no

último se trata de elidir a palavra, preferindo-se salientar a obediência - e com isso,

indiretamente, reconhecer o respeito à autoridade de Gangazumba sobre os palmarinos.

O tratamento na segunda pessoa do plural, bem como o reconhecimento da autoridade

delegada de seus filhos corroboram essa diferença, que aparece bastante atenuada nas

cartas das autoridades pernambucanas.

O texto que selou o ajuste foi escrito como um documento que emana do governo

de Pernambuco: começa com a fórmula tradicional da identificação da autoridade

delegada a Aires de Souza de Castro, como se fosse continuar a expor suas

determinações. Não explicita reuniões ou decisões conjuntas, mas promessas e

concessões, oferecimentos e pedidos. É um papel escrito para ser  explicado por intermediários qualificados - o sargento-mor e o capitão de infantaria, "soldados mui

honrados e mui antigos". A separação entre o escrito e o verbal é marcada e acentuada

também pela diferença da língua falada pelos negociadores - mais um dado a corroborar 

a hipótese do reconhecimento de um acerto entre autoridades com requisitos e

características equivalentes.

De modo diverso da tentativa havida durante o governo de Brito Freire, em 1761,

não eram padres a servir de embaixadores, mas soldados. Nesse caso, honra, idade e

experiência os distinguem, fornecendo os atributos para que pudessem servir como

embaixadores entre as duas partes que negociam. São eles que levam o texto e a

capacidade de explicá-lo, já que podem praticar as duas línguas. Tanto a crônica de 1678

122 Carta de Aires de Souza de Castro de 22 de junho de 1678. AHU_ACL_CU_015, Cx. 11, D. 1116; eCarta de João do Rego Barros de 22 de junho de 1678. AHU_ACL_CU_015, Cx. 11, D. 1118.

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quanto outras fontes indicam com nitidez terem sido oficiais do terço dos Henriques, um

capitão e o sargento-mor. O capitão deve ter sido Estevão Gonçalves, que foi pago por 

ter ajudado a trazer os "onze negros dos Palmares que vieram a tratar do ajuste da

 paz".123

Outro documento indica que pode ter havido também a participação de

companhia paga, pois anos depois se registra que:

"Andou o capitão Antonio Pinto Ribeiro descobrindo umas terras por cima dos Palmares onde estão os negros levantados assistindo e deu o ditocapitão com um caminho que foi seguindo debaixo de todo risco de sua pessoa por ir só sem mais companhia e deu com os ditos negroslevantados propondo-lhes suas razões bastantes para que fizesse quietaçãoe não molestassem os brancos e fizessem pazes. E os ditos negros olevaram onde estava o principal que os governa por nome Gangazumba,

transmitindo-lhe as suas razões. Convenceu-o que queria fazer paz comos brancos, para o que mandou três filhos seus e dois genros e outros maisem companhia do dito capitão a efetuar essa paz com o governador".124

Como se trata de um depoimento posterior, cuja finalidade era atestar serviços

 prestados, o capitão pode muito bem ter puxado para si todo o mérito das tratativas - ou

ainda pode ter sido escrito em outra situação. De todo modo, o que importa observar é

que o papel registra a palavra de duas autoridades, que usaram mediadores abalizados

 para transmiti-las tanto por escrito como verbalmente. Como já observei, o texto

constitui um passo das negociações, não sua forma final. Estabelece obrigações mútuas,entre autoridades que se reconhecem com competências equivalentes e capazes de honrar 

os compromissos assumidos, por eles e seus embaixadores, apalavrados e por escrito.

As cláusulas negociadas distribuem-se desigualmente entre ações sob

responsabilidade do governo de Pernambuco e de Palmares. Se a embaixada composta

 por seus filhos foi enviada por Gangazumba para pedir a paz ou aceitar a oferta feita

 pelos enviados do governador é difícil saber. Vindos em paz e escoltados por soldados,

os embaixadores assumiram poucos mas importantes compromissos: fazer com que todos

os habitantes dos Palmares seguissem os termos acordados e entregar os fugitivos que

123 Ordens de Aires de Souza de Castro de 20 e 21 de junho de 1678. AUC, CCA, IV, 3ª-I-1-31, fl. 344,doc. 37 e fl. 344, doc. 38.

124 Não consegui encontrar ainda o original desse documento, datado de 9 de fevereiro de 1682. Ivan AlvesFilho, Memorial dos Palmares, p. 116, nota 60 o referencia como estando no AHU, Pernambuco, caixa8, fl.2.

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tinham ido para Palmares. No primeiro caso, a obediência geral dependia da autoridade

de Gangazumba sobre seus potentados - e ele poderia contar com o auxílio externo

militar para que fossem obrigados a se submeter. A entrega dos fugitivos legitimava a

autoridade dos senhores de escravos de Pernambuco e das capitanias anexas; por outrolado, resguardava a de Gangazumba sobre os nascidos em Palmares. Mais uma vez, o

reconhecimento da autoridade de Gangazumba estava limitada pela existência de outros

 poderes. O perigo do aniquilamento - a ameaça de uma guerra capaz de derrotá-lo "de

todo" - seria o elemento capaz de levá-lo, segundo Aires de Souza de Castro, a cumprir a

 paz ajustada.

Do lado do governo de Pernambuco, estão a concessão das terras em Cucaú, o

reconhecimento de que seus moradores terão liberdade para plantar e ter os mesmos

lucros que os demais vassalos de Portugal, a alforria para os nascidos em Palmares e para

Amaro e João (o que sugere não serem eles ali nascidos), a restituição dos filhos e

mulheres que haviam sido cativados, bem como a promessa de honrarias a Gangazumba

e o envio de padres para que pudessem ingressar no mundo cristão e nele permanecer. O

texto indica que as terras de Cucaú foram cedidas a pedido dos palmarinos. As outras

determinações, porém, parecem ter brotado da autoridade do governador. Quando

olhadas em conjunto, é fácil perceber as ambigüidades que contêm.

A concessão de terras é prática comum no relacionamento entre governantes esubalternos, como recompensa por serviços prestados.125 Não se trata evidentemente do

caso, aqui. A concessão de terras já havia aparecido em ocasiões semelhantes, como na

 proposta aventada pelo marquês de Montalvão diante dos mocambos na Bahia, em 1640,

e nas tentativas de Francisco de Brito Freire de negociar com os potentados dos

Palmares, em 1661. Como já havia observado, essa possibilidade aparece desde que os

habitantes dos mocambos sejam considerados "negros levantados" e não simples

"escravos fugidos".

 No contexto do papel que examinamos aqui, as terras foram concedidas a

Gangazumba para atender a um seu pedido, como uma deferência especial. A ela

125 Para uma análise desses procedimentos, embora para período posterior, ver Laura de Mello e Souza,"Violência e práticas culturais no cotidiano de uma expedição contra quilombolas. Minas Gerais, 1769"in: J. J. Reis e F. S. Gomes (org.), Liberdade por um Fio, pp. 193-212.

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estavam relacionados outros aspectos, como a possibilidade de estabelecer ali suas

"aldeias", serem considerados delas "moradores" e poderem cultivá-las. Os termos não

são destituídos de significados políticos. Em Cucaú, como "moradores", os palmarinos

deixavam de ser "levantados" que habitavam em mocambos. Ali não seriam obrigados anenhum "trabalho particular", o que significa que não teriam que prestar serviços para

ninguém - a não ser os devidos ao soberano. Não morariam em vilas, porém, nem teriam

 jurisdição própria, pois viveriam em "aldeias".

Mais uma vez vamos recorrer à carta que encaminhou o papel a Lisboa, em junho

de 1678, para esclarecer os significados desse termo. Nela, Aires de Souza de Castro

afirma que a conquista daqueles negros fora feita sem grandes despesas da Fazenda Real

e que haviam sido a morte e a destruição de tanta quantidade de gente, além da prisão das

"mulheres e filhos dos principais, que os obrigaram a descer abaixo e pedir pazes com o

desesperado temor". "Principal" era o termo usual para designar os chefes das aldeias

indígenas - a ponto de a palavra aparecer no Vocabulário de Raphael Bluteau como "o

título que se dá no Brasil ao gentio mais estimado da aldeia e que a governa como

capitão dela".126 As expedições que adentravam os sertões para "resgatar" os índios e

forçá-los a se estabelecerem nos aldeamentos missionários eram chamadas

"descimentos".127 Assim, ainda que se possa considerar que os palmarinos descessem das

serras para Cucaú, o verbo "descer" é uma expressão diretamente relacionada aosgrandes deslocamentos populacionais decorrentes da política indigenista portuguesa.

Significativa também é a menção à vontade dos palmarinos não apenas de se

"avassalar e viver debaixo da proteção" real, mas também de receber "a água do

batismo". A conversão não impedia o processo de escravização dos africanos, que eram

 batizados antes ou durante a travessia do Atlântico. Muitos autores consideravam que a

escravidão podia até mesmo ser um meio de instrução e salvação na fé cristã. 128 Para os

126 R. Bluteau, Vocabulário, verbete "Principal".127 Vide John Manuel Monteiro,  Negros da terra. Índios e bandeirantes nas origens de São Paulo, São

Paulo, Companhia das Letras, 1994, cap. 2; Nádia Farage,  As muralhas dos sertões. Os povos indígenasno Rio Branco e a colonização, Rio de Janeiro, Paz e Terra/Anpocs, 1991, cap. 1; Ângela Domingues,Quando os índios eram vassalos. Colonização e relações de poder no norte do Brasil na segunda metadedo século XVIII , Lisboa, CNCDP, 2000, caps. 1 e 2.

128 Para uma visão geral das relações entre as polêmicas sobre a legitimidade do cativeiro dos índios e odos africanos em Portugal, vide A. J. R. Russell-Wood, "Iberian expansion and the issue of black slavery: changing Portuguese attitudes, 1440-1770", The American Historical Review, 83 n.1 (1978): 16-

 

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índios que haviam se aliado aos portugueses e haviam se convertido à fé cristã, porém, a

liberdade foi sempre um direito reconhecido pela legislação - desde que vivessem em

aldeias. Fixados em terras com jurisdição própria, convertidos e vivendo sob a tutela de

ordens religiosas, eles podiam ser incorporados ao universo colonial.129

Cucaú parece ter sido apreendido sob esta chave pelas autoridades coloniais.

Essa dimensão é reforçada pelo fato de serem indicados padres para ensinar-lhes a

doutrina cristã. Uma carta posterior de Aires de Souza de Castro permite identificar que

foram enviados para Cucaú "dois padres da Recoleta de Santo Amaro".130 

A identificação da ordem é reveladora. Trata-se da Congregação do Oratório,

ordem reformada de origem italiana, criada havia poucos anos, em 1662, com vocação

claramente missionária. A conversão do gentio era o principal propósito do seu ramo

 pernambucano: os padres viviam entre os índios pelos sertões do rio São Francisco, com

ascetismo e sob regras severas, indo ao Recife de quando em vez para abasteceram-se de

vinho, hóstias e outros artigos necessários. Instalados de início na ermida de Santo

Amaro, a Congregação resolvera mudar-se para o Recife depois da aprovação de suas

regras pelo Vaticano, em 1672. Neste empreendimento, contara com o apoio do bispo,

dom Estevão Brioso de Figueiredo, do governador Aires de Souza de Castro, e de

negociantes daquela praça.131 A aliança com o governador e o impulso missionário

42; e também Luiz Felipe de Alencastro, O trato dos viventes. Formação do Brasil no Atlântico sul , SãoPaulo, Companhia das Letras, 2000, pp. 155-187.

129 Cf. Beatriz Perrone-Moisés, "Índios livres e índios escravos: os princípios da legislação indigenista do período colonial" in: Manuela Carneiro da Cunha (org.),  História dos Índios no Brasil ,  São Paulo,Companhia das Letras/SCM, 1992, pp.115-132; e também Mathias C. Kiemen, The Indian policy of  Portugal in the Amazon region, 1614-1693, New York, Octagon Books, 1973. Para uma discussão maisdetalhada da necessidade da tutela dos missionários, vide Carlos Alberto de Moura Ribeiro Zeron,  La

Compagnie de Jésus et l'institution de l'esclavage au Brésil: les justifications d'ordre historique,théologique et juridique, et leur intégration par une mémoire historique (XVIe-XVIIe siècles),Doutorado, Paris, Ecole des Hautes Etudes en Sciences Sociales, 1998.

130 Carta de Aires de Souza de Castro de 8 de agosto de 1679. AHU_ACL_CU_015, Cx. 12, D. 1144. Essacarta está apenas parcialmente legível. Seu conteúdo pode ser recuperado por meio do resumo feito peloConselho Ultramarino, em Consulta de 26 de janeiro de 1680. AHU_ACL_CU_Consultas dePernambuco, Cod. 265, fls. 26-27v.

131 Cf. Evaldo Cabral de Mello, "A briga dos Néris"  Estudos Avançados, 8, n. 20 (1994): 153-181; e, domesmo autor, A fronda dos mazombos, cap. 3. Ver ainda Maria do Céu Medeiros, Igreja e dominação no Brasil escravista.

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empregado na evangelização dos tapuias justificavam o fato de que, agora, aqueles

 padres servissem de instrumento de submissão dos habitantes da aldeia de Cucaú.132 

Decerto, no caso de Palmares, a conversão não era o motor dos descimentos e

nem os padres haviam sido os instrumentos das negociações. Além disso, a escolha podeter sido inspirada pela experiência anterior, quando o padre João Duarte do Sacramento,

um dos fundadores da ordem, foi mandado por Francisco de Brito Freire como

intermediário para negociar com os negros dos mocambos no rio São Francisco. De todo

modo, o estatuto das aldeias indígenas, que possuem um regime de governo separado do

das vilas, embora situadas em seus termos ou distritos, e nas quais a presença dos padres

é importante para legitimar uma jurisdição especial, pode ter servido de parâmetro para

as autoridades coloniais ao pensarem em Cucaú.

Outro ponto importante das negociações foi a concessão da alforria, algo bem

diferente da liberdade remetida a Gangazumba. O termo não é genérico, mas significa

especificamente "a liberdade que o senhor dá a seu cativo".133 A doação também não é

geral, pois exclui os que de Pernambuco haviam fugido para Palmares. Mais uma vez,

encontramos ambigüidades. Por um lado, o enunciado postula uma diferença entre as

terras sob jurisdição do governador de Pernambuco e as de Palmares, ao tratar de modo

diverso gente nascida em um e outro lugar. Como se sabe, o critério de nascimento é

 parte importante para a qualificação das pessoas em sociedades do Antigo Regime.134 Adiversidade de tratamento dado aos negros da capitania e aos nascidos em Palmares é

mais um indício de que a autoridade de Gangazumba não é contestada.

Por outro lado, a concessão de alforria é um ato senhorial. Parte da condição de

que, aplicada a máxima escravista, os filhos das escravas - mesmo das que fossem

fugitivas - eram escravos. Podiam ser, portanto, alforriados. O ato senhorial podia incluir 

e excluir da mercê concedida quem o senhor quisesse: as exceções são importantes para

confirmar o poder daquele que concede algo, tanto segundo as praxes do Antigo Regime

quanto do domínio sobre os escravos. É bem provável que a alforria - mesmo que

132 A referência a Cucaú como uma aldeia é bastante freqüente na documentação oficial. Cf, entre outros, oParecer do Conselho Ultramarino de 8 de agosto de 1680. AHU_ACL_CU_Consultas de Pernambuco,Cod. 265, fl. 29v.

133 R. Bluteau, Vocabulário, verbete "alforria".134 Ver, a respeito, Silvia Hunold Lara,  Fragmentos setecentistas. Escravidão, cultura e poder na América

 Portuguesa. S. Paulo, Companhia das Letras, 2007, cap. 2.

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restrita, mas reforçada pela devolução de mulheres e parentes aprisionados pelas tropas

de Carrilho - pudesse funcionar como um atrativo capaz de facilitar a fidelidade aos

termos do acordo e o reconhecimento da submissão ao governo colonial.135

É interessante observar ainda que o papel menciona os "nascidos em Palmares", enão as "crias" - palavra pertencente ao vocabulário senhorial usada para designar os

filhos dos escravos. Nas discussões sobre os destinos dos prisioneiros, como vimos, ela

aparece para indicar um tratamento diferenciado para as crianças apreendidas, cujo

costume mandava ficarem com os governadores. A idéia de libertar os nascidos nos

mocambos também não é nova e pode ser observada em situações análogas anteriores,

como no tempo de Montalvão e Brito Freire.

Como se vê, o texto contém muitas ambigüidades e pode ter sido entendido de

modos bem diferentes por aqueles que estiveram envolvidos em sua produção e leitura.

Voltaremos muitas vezes a essas determinações e seus múltiplos significados ao longo da

tese - especialmente porque continuamos a focalizar o ponto de vista das autoridades

coloniais. Por ora, acompanhar os outros textos que foram se juntando a esse primeiro

"papel" - e com eles o desenrolar dos acontecimentos - é a medida mais prudente.

As partes haviam enfim chegado a um acordo. Depois de tentativas anteriores e

muitas discussões, de muitas guerras, sofrimentos e dificuldades, havia uma novidade

extraordinária. Pernambuco parecia ter conseguido achar um caminho para ficar livre dasameaças constantes dos quilombolas. Era preciso avisar Lisboa o quanto antes. Aires de

Souza de Castro, que assumira o governo da capitania havia pouco, tinha se

comprometido em relação a vários aspectos importantes, era natural que quisesse enviar 

notícias na primeira oportunidade, na expectativa de que Lisboa concordasse com suas

decisões e atitudes.136 No mesmo dia em que foi escrito o papel que registrava o ajuste

resultante das negociações com os filhos de Gangazumba, em 22 de junho de 1678, ele e

o provedor da Fazenda de Pernambuco, João do Rego Barros, escreveram para Lisboa.

Já fiz menção a algumas passagens dessas cartas, mas vale a pena um panorama

mais completo do teor dos textos. A missiva do governador é breve, informando que

135 Como veremos mais adiante, esse é o entendimento explicitado na Consulta do Conselho Ultramarinode 26 de janeiro de 1680.

136 Vide, por exemplo, Carta de Aires de Souza de Castro de 19 de julho de 1678. AHU_ACL_CU_015,Cx. 11, D. 1124.

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havia continuado a tratar da guerra contra os Palmares e chamado Fernão Carrilho,

quando uma comitiva de "onze negros filhos e família daquele levantado a que chamam

rei destes Palmares" viera comunicar a intenção de se tornarem "obedientes vassalos de

Sua Alteza, temerosos do que se lhes havia feito e receando o que se lhe queria fazer".Considerava então que, se tudo ocorresse como o planejado, se conseguiria afinal "a

restauração desta terra". Como bom fidalgo, rendia a devida homenagem a seu

antecessor, dom Pedro de Almeida, que "com tanto zelo e calor" havia conduzido aquela

guerra. Por isso mesmo, antes que ele embarcasse de volta para Lisboa, havia feito uma

 proposta diante da "sua presença e dos mais oficiais e práticos desta praça". A concisão

do texto é largamente compensada pela remessa do próprio acordo, em anexo à

missiva.137 

A carta de de Rego Barros é mais longa, narrando alguns detalhes da negociação.

 Nela, d. Pedro de Almeida é a figura principal, que havia se encarregado da "conquista e

guerra dos negros levantados dos Palmares (...) com tão boa fortuna" e sem custo para a

Fazenda real além da munição e que por isso merecia ser agradecido e honrado. Sob suas

ordens, muitos foram mortos ou destruídos e as "mulheres e filhos dos principais" foram

 presos, "obrigando-os a descer abaixo a pedir as pazes com desesperado temor". O

governador prometeu aceitá-la "da parte de Sua Alteza" e mandou que viessem ajustá-la,

usando tanto de "liberais promessas" quanto da ameaça de uma "sanguinolenta guerra".Com isso o "rei sem dilação enviou logo dois filhos seus acompanhados de oito ou nove

mais daqueles negros", que chegaram logo depois da posse de Aires de Souza de Castro.

Os membros da comitiva receberam "a água do batismo" e foram ouvidos, diante dos

"dois governadores", do provedor e da câmara, designou-se um "sítio capaz para tratarem

do meneio da sua vida, entregando[-se] primeiro todos os escravos, que [para] lá tinham

fugido". Segundo o provedor, portanto, a embaixada viera para ajustar as pazes e o

 principal ponto do acordo era a concessão de terras em troca da devolução dos fugitivos -

gesto primeiro e condição para os demais.138 

Ambas as cartas devem ter sido enviadas a Lisboa por um dos navios da frota que

 partia naquele ano, provavelmente o mesmo em que embarcou também d. Pedro de

137 Carta de Aires de Souza de Castro de 22 de junho de 1678. AHU_ACL_CU_015, Cx. 11, D. 1116.138 Carta de João do Rego Barros de 22 de junho de 1678. AHU_ACL_CU_015, Cx. 11, D. 1118.

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Almeida, que retornava a Lisboa ao final de seu mandato.139 Em 19 de julho, "depois de

haver partido a frota", o governador enviou mais notícias, por um navio que arribou em

Pernambuco vindo da Paraíba "com a causa de fazer alguma água". As coisas

marchavam bem: havia "mais esperança em ter a obediência destes negros dosPalmares". Apesar de ter dado prazo de um mês para que deliberassem sobre "o conteúdo

naquele papel", em 23 dias "mandaram resolução de que estavam por ele e que muito a

estimavam".

As pessoas enviadas a Palmares haviam retornado em companhia de 16 negros,

entre eles "os que lhe costumam fazer a guerra e os que maiores vexações faziam nestes

 povos", enquanto "os outros a que eles chamam reis ficavam ajuntando a gente, que

estava mui espalhada, para com ela se recolher ao sítio que se lhe tem assinalado".140 Os

acontecimentos pareciam se precipitar e as informações precisavam chegar depressa a

Lisboa.

Enquanto as cartas seguem para Lisboa, vejamos o que aconteceu com dom Pedro

de Almeida.

4. Com fé, lei e rei

Temos seguido até aqui, de modo prioritário, a documentação administrativa

 produzida pelo governo de Pernambuco e pelo Conselho Ultramarino. Como vimos, em

diversas ocasiões, estas não são as fontes mais utilizadas pela bibliografia para analisar a

maior parte desses eventos. É certo que muitos dos documentos citados também foram

consultados e referenciados pelos historiadores, mas eles sempre preferiram tomar por 

 base a crônica escrita em 1678. Muitos construíram suas interpretações quase que

exclusivamente a partir desse texto. É hora de analisá-lo com mais vagar.

Como vimos, dom Pedro de Almeida não chegou a mandar para Lisboa notíciasmuito detalhadas sobre o que acontecia em Pernambuco, pois imaginava poder voltar 

logo para Lisboa. Enviou uma carta em fevereiro de 1678 com a boa nova da vitória

139 Infelizmente não tenho dados precisos sobre a data da partida da frota nem dos navios que acompunham nesse ano. As informações foram deduzidas da correspondência aqui mencionada.

140 Carta de Aires de Souza de Castro de 19 de julho de 1678. AHU_ACL_CU_015, Cx. 11, D. 1124.

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alcançada dizendo pretender levar os prisioneiros para o Reino, e contar tudo

 pessoalmente, mas só seguiu para Lisboa cerca de dois meses depois que Aires de Souza

de Castro tomou posse do governo.141 Talvez tenha mandado escrever a crônica ou

incentivado alguém a fazê-lo nessa ocasião, como complemento da exposição que pretendia fazer diante da Corte. É difícil saber, em função da falta de registros. O

interessante, entretanto, é que ninguém até hoje se preocupou com esses detalhes.

Todos os historiadores utilizaram o texto tal como ele foi transcrito e publicado

em 1859, pelo conselheiro Drummond, na  Revista do  Instituto Histórico e Geográfico

 Brasileiro, que lhe atribuiu um título: "Relação das guerras feitas aos Palmares de

Pernambuco no tempo do governador dom Pedro de Almeida de 1675 a 1678".142 Leram-

no e dele retiraram informações sem se preocupar com quem o havia escrito nem por que

motivo. Sem qualquer menção ao original consultado pelo conselheiro, esta publicação

feita em 1859 tornou-se a referência documental básica para todos os historiadores que

até agora lidaram com a história de Palmares ou editaram coletâneas de documentos

relativos a ela.143 Bastava o texto e o que ele dizia.

Até meados do século XX, no entanto, muitos autores fizeram menção ao fato de

que se tratava de um documento que fora localizado na Torre do Tombo, cuja cópia havia

sido doada à Biblioteca Nacional.144 O conselheiro Drummond, sócio do Instituto

Histórico e Geográfico Brasileiro, atendia a uma das incumbências dessa instituição que,entre outras coisas, visava "coligir e preparar os materiais necessários para a história e

141 Aires de Souza de Castro tomou posse em meados de abril de 1678. Cf. Francisco Adolfo deVarnhagen, História Geral do Brasil [1854] 7ª. ed. São Paulo, Melhoramentos, 1962, vol. 5, p. 251.

142 "Relação das guerras feitas aos Palmares de Pernambuco no tempo do governador dom Pedro deAlmeida de 1675 a 1678 (M. S. offerecido pelo Exm. Sr. Conselheiro Drummond)".  RIHGB, 22 (1859):303-329.

143 O primeiro a reproduzir a íntegra da crônica publicada em 1859 foi E. Carneiro, O Quilombo dos Palmares, 1630-1695. São Paulo, Brasiliense, 1947, pp. 187-206 (2ª ed., pp. 201-222). Para exemplos

mais recentes, ver por exemplo Leonardo Dantas Silva (org.),  Alguns Documentos para a História da Escravidão. Recife: Fundaj/Massangana, 1988, pp. 27-44.

144 Nina Rodrigues menciona que o "importante manuscrito" teria sido "oferecido em 1859 ao InstitutoHistórico e Geográfico Brasileiro pelo Conselheiro Drummond", sem indicar se se trata de um originalou não, mas referencia em nota a publicação da RIHBG. Cf. Os africanos no Brasil , p. 73. Outros autoresindicam tratar-se de uma cópia de original da Torre do Tombo, doada à Biblioteca Nacional. Ver, por exemplo, Manuel Arão, "Os quilombos dos Palmares".  RIAHGP , 24 n. 115 a 118 (1922): 233; MárioBehring, "A morte de Zumbi"  RIAGA, 57 n. 14 (1930): 142-143. Edison Carneiro, ao reproduzir odocumento em O Quilombo dos Palmares, também indica que o original publicado em 1859 encontra-sena Torre do Tombo. Cf. p. 206 (2ª ed. p. 222).

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geografia do Brasil". O tema já havia sido objeto de discussão numa das sessões do

Instituto, na qual se havia recorrido ao caso de Palmares para exemplificar como a

consulta a novos documentos, obtidos em viagens científicas, poderia dirimir dúvidas até

então insolúveis com os escritos disponíveis.145

Como muitos outros sócios, Drummondera também ministro de Estado, e aproveitou suas viagens diplomáticas ao exterior para

visitar diversos arquivos, enviando de lá cópias de documentos ao cônego Januário da

Cunha Barbosa, secretário da instituição, alguns dos quais com recomendação para serem

 publicados na revista.146 

A seção de manuscritos da Biblioteca Nacional de fato guarda uma cópia da

crônica, feita no século XIX. O documento encontra-se num códice que compila diversas

cópias de documentos da Torre do Tombo, feitas provavelmente na mesma ocasião. Lá

está, com ligeiras diferenças de grafia, o texto publicado pelo conselheiro Drummond,

 porém com um título bem diferente.147 Ao final, pode-se ler a referência: "Tomo primeiro

de Papéis Vários de folhas 149 até 155 verso existente no Armário dos Manuscritos do

Real Archivo da Torre do Tombo".

Em 1876, Pedro Paulino da Fonseca, membro do Instituto Arqueológico e

Geográfico Alagoano ofereceu ao Instituto Brasileiro e publicou em sua revista uma

segunda versão dessa crônica, dando ao seu texto outro título: "Memória dos feitos que

145 Desembargador Rodrigo de Souza da Silva Pontes, "Quaes os meios de que se deve lançar mão paraobter o maior numero possível de documentos relativos à História e Geographia no Brasil?"  RIHGB, 3n.10 (jul. 1841): 149-157. A tarefa deveria ser realizada no Brasil e em missões no exterior, e foiconsiderada importante não apenas para o conhecimento da história, mas também para dirimir contradições entre os autores que tratavam de um mesmo tema. Talvez por ser alagoano, Pontes citacomo exemplo a necessidade de esclarecer as divergências entre Gaspar Barleus, Brito Freire e RochaPita ao tratarem da “famosa História da povoação” de Palmares.

146 Veja-se, por exemplo, as cartas de Antônio de Menezes Vasconcelos de Drummond de 10 de abril de1844 e 16 de abril de 1844. IHGB, Lata 142, pasta 6 e Lata 142, doc. 33.

147 "Descripção com notícias importantes do interior de Pernambuco como rio de São Francisco, PortoCalvo, Palmares, cabo de Santo Agostinho, as distâncias de huns lugares aos outros etcetera, das partesmais férteis; costumes dos Palmares (negros) e modo como vivem seu regimen, dos damnos que recebem

os portugueses d'eles: enfim o estado em que foram achados os Palmares, sobre a partida de Pero deAlmeida contra os ditos, e a descripção do que se fez para a ruína, em que vierão a cair os Palmares".Cartas de doação, de foral, diplomas, representações, e relações sobre algumas minas, a conjuraçãomineira, Pernambuco, Bahia, Paraíba, Rio de Janeiro e Minas Gerais, invasão holandesa, entre outros,1534-1792. BNRJ-Ms, 7, 3, 001, fls, 73-113, doc. 6. A biblioteca não possui informações sobre a entradadesse manuscrito em seu acervo, mas ele se encontra referenciado sob número 5988 no Catálogo de Exposição da História do Brasil . [1881] Brasília, Editora da Universidade de Brasília, 1981, vol.1, p.512. Agradeço a Márcio Santos a primeira indicação sobre esse documento e aos funcionários da seçãode manuscritos da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro seus esforços para saber a origem dessedocumento.

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se deram durante os primeiros anos de guerra com os negros quilombolas dos Palmares,

seu destroço e paz aceita em junho de 1678".148 Nesse caso, trata-se de uma recriação do

texto original da crônica, não de uma transcrição - fato que é explicitamente reconhecido

 pelo autor, que indica tomar por base um manuscrito existente na Biblioteca Pública deÉvora.149 

A Biblioteca Pública de Évora possui um manuscrito anônimo, sem data nem

título e que está incompleto, embora se possa identificar que a letra seja do século XVII.

Esse documento foi referenciado no catálogo elaborado no início do século XIX pelo

mais famoso bibliotecário dessa instituição como tendo sido escrito em 1678, recebendo

ali o título "Relação do que se passou na guerra com os negros dos Palmares nos sertões

de Pernambuco".150 A comparação entre o manuscrito de Évora e o texto de Pedro

Paulino confirma que este último acrescentou dados e completou o texto, acrescentando-

lhe um final, que menciona acontecimentos até 1695. Assim, tudo indica que os dois

membros do Instituto Histórico consultaram fontes diferentes. Infelizmente ainda não se

 pode ter certeza nem determinar se são cópias ou originais pois, apesar de vários

esforços, consultas e tentativas, ainda não consegui localizar o manuscrito quiçá

guardado na Torre do Tombo.151 

Décio Freitas localizou duas outras versões dessa crônica em 1974, que foram

 publicadas por ele em 2004. Ele afirma ter transcrito os textos de "cópias" guardadas

148 Pedro Paulino da Fonseca, "Memória dos feitos que se deram durante os primeiros annos de guerra comos negros quilombolas dos Palmares, seu destroço e paz aceita em junho de 1678".  RIHGB, 39, n.1(1876): 293-322. Antes de iniciar o texto, o autor indica ainda um outro título: ""Memoria dosacontecimentos havidos nos primeiros annos de guerra contra os negros das Palmeiras, e dos successosobtidos, até a paz feita com o rei Gangasuma, em Junho de 1678". A referência ao manuscrito de Évora,com a respectiva cota, está na p. 321. Não há, no acervo do IHGB, nenhuma cópia da crônica de 1678.

149 Como bem nota Andressa Mercês Barbosa dos Reis,  Zumbi: historiografia e imagens, Mestrado,Franca, Unesp, 2004, pp. 54-55, as alterações inseridas por Pedro Paulino da Fonseca distorcem o

sentido do documento em várias passagens. Elas são interessantes para um estudo sobre a produção daimagem de Palmares no século XIX, mas desqualificam seu texto para o tipo de análise queempreendemos aqui.

150 BPE, cod. CXVI - 2 - 13 - a n. 9. O documento foi referenciado no Catalogo dos manuscriptos da Bibliotheca Publica Eborense organizado por Joaquim Heliodoro da Cunha Rivara. Lisboa, Imprensa Nacional, 1850, tomo I, p. 144. Esse primeiro tomo do catálogo, "que compreende a notícia dos códices e papéis relativos às cousas da América, África e Ásia", já estava pronto em 1844, quando Cunha Rivaraobteve a licença régia para a impressão de sua obra.

151 Na Torre do Tombo, minha procura até agora resultou infrutífera; aguardo informações da busca quevem sendo realizada por Odete Martins, pesquisadora dessa instituição, a quem agradeço o auxílio.

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textos guardados pela Torre do Tombo, Arquivo Histórico Ultramarino e Biblioteca

 Nacional de Lisboa, é bastante plausível que tenham existido pelo menos duas cópias

dessa crônica no século XVII: a que se encontra na Torre do Tombo (ainda não

localizada) e o manuscrito existente em Évora, cuja letra foi datada como sendo doséculo XVII. Sem consultar todos os manuscritos, não se pode saber qual deles serviu de

matriz ou estaria mais próximo de sê-lo. A existência de cópias da crônica de 1678 em

arquivos que guardam documentos da Corte portuguesa e dos órgãos encarregados da

administração ultramarina indica, entretanto, que a notícia da vitória obtida em

Pernambuco em 1678 teve alguma circulação em Portugal, indo além dos circuitos

 burocráticos do Conselho Ultramarino.156

É difícil determinar se a crônica foi redigida por ordem do governador ou por 

alguém ligado a ele. Os elementos do texto sugerem ter sido ele escrito em Pernambuco,

 pois seu anônimo autor emprega com freqüência "esta praça" para referir-se à capitania.

Ele deve ter sido alguém próximo a dom Pedro de Almeida, que acompanhou de perto os

acontecimentos, pois menciona nomes e detalhes difíceis de serem conhecidos por 

alguém distante. Pode ter sido, por exemplo, João do Rego Barros, provedor da Fazenda

Real da capitania, que na carta de 22 de junho de 1678 que enviou ao príncipe, tantos

elogios fez a dom Pedro de Almeida.157 A narrativa foi produzida com o objetivo de

enaltecer o governador, seguindo o estilo das relações que costumavam ser escritas nesse período. É, portanto, um texto destinado a uma audiência portuguesa.

O relato começa por situar a dificuldade em destruir os Palmares, comparando a

destruição deles à vitória contra os holandeses: estes, inimigos vindos de fora, e aqueles

de "portas a dentro". Para dar conta do "incontrastável desta empresa" descreve primeiro

a localização dos mocambos, em "sítio naturalmente áspero, montuoso [montanhoso] e

agreste", onde se instalaram negros que fugiam do castigo de seus senhores aos quais se

 juntaram outros, sobretudo no tempo da ocupação holandesa. Depois de mencionar seu

modo de vida, como se organizam para a guerra e quem os governa, mostra como esse

156 Tendo em vista a colação possível de ser realizada até agora, tomarei por base os documentos existentesem Évora e na Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro, que foi publicada pelo conselheiro Drummond.

157 Cf. Carta de João do Rego Barros de 22 de junho de 1678. AHU_ACL_CU_015, Cx. 11, D. 1118. Alémdos elogios, expressões e modos de tratar a vitória obtida também contribuem para essa possibilidade.Ivan Alves Filho menciona essa possibilidade em uma nota, sem contudo justificar sua hipótese. Memorial dos Palmares, p. 117, nota 64.

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"inimigo" tem infligido sucessivos danos e prejuízos aos moradores de Pernambuco, à

Coroa e seus vassalos:

"Destroem-se juntamente os vassalos, porque a vida, a honra e a fazendatraziam sempre em contínuo risco; a fazenda porque lha destroçavam e

levavam os escravos; as honras porque as mulheres e as filhas se tratavamindecorosamente; as vidas porque estavam perpetuamente expostas arepentinos assaltos, demais que os caminhos não eram livres, as jornadas pouco seguras, e só se marchava com tropas, que pudessem rebater osseus encontros."158

Em seguida, mencionando ter sido "até agora impossível" evitar todo esse dano,

 passa a descrever as principais "entradas" feitas contra os Palmares, nas quais se perdeu

"grandes cabedais, assim de Sua Alteza, como dos povos, como de moradores

 particulares, e perecendo muitos soldados, negros, índios, e auxiliares". Por fim, começa

a detalhar as ações empreendidas pelo governador para exterminar os Palmares: como

havia nomeado o sargento-mor Manoel Lopes para uma expedição que durara cinco

meses em 1675; como contratara o capitão Fernão Carrilho, providenciara junto às

câmaras para que tivesse provisões, armas e homens a seu dispor, e lhe dera instruções

 precisas para enfrentar os inimigos. A campanha realizada por Carrilho entre setembro de

1677 e janeiro de 1678 é narrada a seguir, em pormenor: os principais embates e

escaramuças, as táticas empregadas, os problemas encontrados, as vitórias alcançadas.

Sua volta a Porto Calvo no final de janeiro, com vários prisioneiros, entre eles membrosda família de Gangazumba, as vitórias conseguidas pelas tropas que haviam permanecido

nos Palmares levaram dom Pedro de Almeida, animado por "uma prudente indústria e

razão de estado" a propor a paz aos negros dos Palmares.

Em tom de regozijo, o texto continua a descrever como, em abril, dom Pedro

entregou o governo a Aires de Souza de Castro, que finalmente colheu os frutos dessa

iniciativa, com a chegada de uma comitiva de Palmares "que se [veio] prostrar aos pés de

dom Pedro, com ordem e mandado do Rei [Gangazumba], para que em seu nome lhe

158 "Relação do que se passou na guerra com os negros dos Palmares nos sertões de Pernambuco" BPE,cod. CXVI - 2 - 13 - a, n. 9, fl. 52. No manuscrito da BNRJ-Ms, Cod. 7,3,001, lê-se: "Destroem-se osvassalos, porque a vida e honra, a fazenda, [sic] porque lha destroçam, e lhe roubam os escravos, ashonras porque as mulheres, filhas irreverentemente se tratam; as vidas porque estão expostos sempre arepentinos assaltos; Demais que os Caminhos158 não são livres, as Jornadas pouco seguras; e só semarcha com tropas, que possam rebater os seus encontros"

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rendessem vassalagem, e lhe pedissem paz e amizade".159 A entrada da comitiva no

Recife, as cerimônias com que foram recebidas e as negociações entabuladas ocupam

então a parte final do texto, que informa ter sido o acordo de paz escrito e enviado a

Palmares.160

A vitória contra Palmares e o acordo de paz celebrado como meio de solidificar a

vitória são descritos como um trunfo político. O governador é nele a figura central, capaz

de manejar a situação, ordenar expedições e garantir uma vitória sobre um inimigo tão

importante quanto os holandeses:

"Como dom Pedro de Almeida era a alma que dava vida a estas empresas,do seu brio aprendiam os soldados a ser constantes, da sua resolução aserem atrevidos, do seu zelo a serem diligentes, da sua vigilância a seremcuidadosos, e da sua disposição a serem prudentes. Com todas estas

influências do governador dom Pedro, se conseguiu em quatro meses oque se intentou há muitos anos. Parece o sucesso por maravilhoso, que sófez lisonja que a fortuna quis fazer, e pesado bem o negócio foi acerto quea prudência de dom Pedro soube dispor. E mais custou a disposição que osucesso, pois gastando dom Pedro três anos em lavrar estes impossíveis,colheu em quatro meses o fruto destes trabalhos. E não deixa de emular esta ação prodigiosa a restauração singular, que se conseguiu destasCapitanias, que se na primeira se venceu um inimigo que nos ocupava omar, nesta se desbaratou outro que nos dominava a campanha."161

O encadeamento da narrativa está ordenado de modo a ressaltar as cerimônias que

cercaram a paz e mostrar como "a ruína em que vieram cair os Palmares" seria umaglória para o príncipe português. A descrição dos mocambos tem uma função específica:

mostrar como Palmares era poderoso e perigoso. O acordo de paz não consistira em

159 "Relação", BPE, cod. CXVI - 2 - 13 - a, n. 9, fl. 58. Na "Descripção com noticias importantes dointerior de Pernambuco..." BNRJ-Ms, Cod. 7,3,001 lê-se: "os quais se vieram prostrar aos pés de DomPedro de Almeida com ordem do Rei para lhe renderem vassalagem, e pedirem a paz que desejavam".

160 O manuscrito de Évora termina aqui. O manuscrito na BNRJ-Ms, publicado pelo ConselheiroDrummond em 1859, contém dois parágrafos a mais, destinados a marcar a glória de "tão felizessucessos", mas não há outros eventos descritos.

161 "Relação", BPE, cod. CXVI - 2 - 13 - a, n. 9, fl. 56v. Em "Descripção com noticias importantes",BNRJ-Ms, Cod. 7,3,001 lê-se: "como Dom Pedro era a alma que alentava esta empresa, do seu brioaprenderam os soldados a serem constantes, do seu zelo a serem diligentes, da sua vigilância a seremcuidadosos; da sua disposição a serem prudentes: com todas estas influências do governador dom Pedrose conseguiu em quatro meses, o que se intentou há muitos anos; pareceu o sucesso por maravilhoso,lisonja que a fortuna lhe quis fazer; e pesada bem as circunstâncias foi acerto que a prudência soubedispor; mais custou a disposição que o sucesso, pois gastando dom Pedro três anos em lavrar estesimpossíveis, colheu em quatro meses o fruto destes trabalhos: não deixa de emular esta ação prodigiosa arestauração singular destas Capitanias; só digo que se na primeira se venceu um inimigo, que de fora nosveio conquistar, nesta se superou outro que das portas a dentro nos dominava."

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simples vitória contra escravos fugidos, porém a "feliz restauração destas capitanias [de

Pernambuco]".162 O termo "restauração" é significativo: foi empregado para descrever a

guerra contra a Espanha em 1640, a expulsão dos holandeses de Angola em 1648 e de

Pernambuco em 1654. A vitória sobre Palmares tornava-se, portanto, um feito militar e político comparável a esses outros.

Glória, honra e fama: de fato, esses os méritos almejados pelo governador ao

deixar o governo de Pernambuco, tendo vencido os Palmares. Eis o parágrafo conclusivo

do manuscrito que está na Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro:

"Toda a felicidade desta glória, toda a glória desta conquista soubemerecer o zelo generoso e a prudência singular de dom Pedro deAlmeida, que não reparando em nenhum impossível se dispôs a conseguir esta fortuna; seu nome será eterno na lembrança dos moradores de

Pernambuco; seu valor aclamado nas incultas montanhas dos Palmares,seu aplauso estendido nos perpétuos brados da fama."163 

Infelizmente, ainda não consegui seguir os passos de dom Pedro de Almeida

depois que ele chegou a Lisboa. Vários indícios permitem concluir que a crônica não foi

entretanto fruto da simples vaidade ou do desejo de vanglória, nem do gesto enaltecedor 

de um colega de letras ou armas. Tudo indica que seus desejos foram frustrados e dom

Pedro caiu em esquecimento - se não caiu em desgraça. Mesmo sem aprofundar a análise

sobre essa crônica, a variedade de detalhes que ela oferece e o contexto que circunstancia

sua produção permitem concluir que a narrativa sobre os acontecimentos em Pernambuco

dirigia-se a diversos interlocutores e fazia parte de um jogo político bastante complexo.

Em junho de 1678, dom Pedro de Almeida estava deixando o governo da

capitania e enfrentava problemas sérios. Como vimos, embora bem situado na corte, com

 boas relações de parentesco e serviços militares de certo destaque, ele havia tido

dificuldades em obter o governo de Pernambuco.164 Sua nomeação não seguira os

 procedimentos ordinários, tendo sido ordenada por decreto régio de 23 de julho de

162 "Relação", BPE, cod. CXVI - 2 - 13 - a n. 9, fl. 52v.163 "Descripção com noticias importantes", BNRJ-Ms, Cod. 7,3,001, fl. 113.164 Mais uma vez, agradeço à Mafalda Cunha pelas informações, retirada da base de dados Optima Pars.

Vide nota 1.

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1673.165 Desde o início do governo, entrara em choque com João Fernandes Vieira - um

dos principais chefes militares de Pernambuco. Em 1677, o governador chegou até

mesmo a deixar de cumprir uma provisão régia que atribuía a Vieira a arrecadação e

despesa das verbas para as obras nas fortalezas, sendo por duas vezes advertido pelo príncipe regente.166 Quando o Conselho Ultramarino examinou a proposta feita por 

Manoel Inojosa sobre a forma como se deveria fazer a guerra contra Palmares, sugeriu

João Fernandes Vieira para comandar aquela guerra,167 mas dom Pedro de Almeida não

seguiu essa recomendação, escolhendo sempre outros comandantes para as expedições

que enviou a Palmares.

Entre o governador e as câmaras locais, as relações também não eram boas. Além

das dissensões já examinadas em relação ao contrato com Fernão Carrilho, houve mais

 problemas. Em dezembro de 1675, algumas câmaras de Pernambuco acusaram dom

Pedro de Almeida de criar cargos que não eram necessários e de proteger potentados na

Paraíba, que, por sua vez, também eram acusados de enriquecimento ilícito e cometer 

assassinatos: por isso, um ano depois, em dezembro de 1676, o Conselho Ultramarino

ordenou que se investigasse com minúcia esses fatos por ocasião de sua residência.168 Na

documentação guardada pelo Arquivo Histórico Ultramarino pode-se encontrar, por 

exemplo, pedidos das câmaras de Pernambuco, Paraíba e Itamaracá, em 1675 e 1676,

 para que João Fernandes Vieira fosse nomeado governador da capitania.169

É bem verdade que também tinha aliados, já que se pode encontrar pelo menos

uma carta da câmara de Olinda elogiando sua administração,170 e a já mencionada carta

165 Cf. Decreto de 23 de julho de 1673. ANTT, Manuscritos do Brasil, n. 33 (microf. 4114), fl. 23v. Cincodias depois o Conselho Ultramarino pronuncia-se alertando o príncipe regente que a nomeação não haviaseguido a tramitação regular. AHU_ACL_CU_015, Cx. 10, D. 981.

166 Para uma avaliação da contenda entre o governador e João Fernandes Vieira vide J. A. G. Mello,  João Fernandes Vieira, pp. 424-427.

167 Consulta do Conselho Ultramarino de 28 de junho de 1677. BNRJ-Ms, Cod. II - 33, 4, 32.168 Cf. Pareceres do Conselho Ultramarino de 26 de fevereiro, 28 de outubro de 1678 e 26 de novembro de

1678, todos em BNRJ-Ms, Cod. II, 33, 4, 32. Residência era o termo empregado para a investigação dasações dos oficiais de Justiça (Juízes de fora, corregedores, ouvidores) durante o tempo em que residiramno lugar de sua jurisdição. Por extensão, o termo é empregado na administração ultramarina para todasas investigações realizadas ao final dos mandatos nomeados pelos soberanos. Cf. R. Bluteau,Vocabulário, verbete "residência".

169 Consulta do Conselho Ultramarino de 22 de dezembro de 1675 e Consulta do Conselho Ultramarino de20 de Outubro de 1676. Ambas em BNRJ-Ms, Cod. II - 33,4,32.

170 Carta dos oficiais da Câmara de Olinda ao príncipe regente de 22 de dezembro de 1677.AHU_ACL_CU_015, Cx. 11, D. 1098.

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de João do Rego Barros. Era certo que a residência que iria enfrentar em Lisboa seria

 problemática.171 De qualquer modo, os conflitos entre potentados locais na Paraíba e em

Pernambuco, bem como o desagrado das câmaras em relação ao ônus das guerras contra

Palmares e outras dissensões devem ter atravessado o Atlântico e ecoado em Lisboa,ganhando diferentes aliados entre os conselheiros do Ultramarino e outras autoridades

que gravitavam ao seu redor. A carreira política de dom Pedro de Almeida estava em

 perigo e um relato dos sucessos obtidos no final de seu governo bem podia ser uma peça

importante nesse jogo de forças.

Esse contexto ajuda a iluminar algumas operações retóricas empreendidas

naquele texto. Como vimos, a descrição dos mocambos tinha ali a finalidade de mostrar 

como Palmares era um inimigo poderoso e perigoso. É interessante examinar como isso

foi feito.

O relato começa por situar os mocambos ou cercas em uma larga extensão de

terras férteis com "palmeiras agrestes", identificados pelos nomes: o do Zambi, de

Acainene, dois chamados das Tabocas, o de Dambiabanga, Subupira, o de Osenga, do

Amaro e o do Andalaquituxe. Em seguida, depois de salientar mais uma vez as

características da mata e a qualidade das terras ocupadas, informa que desde que "houve

negros cativos nestas capitanias" também houve habitantes em Palmares e que seu

número crescera durante a ocupação holandesa e eles foram se aperfeiçoando no uso dasarmas. Depois disso, o texto passa a caracterizar com mais detalhe os aspectos da vida

em Palmares:

"Não vivem todos unidos para que um sucesso não acabe a todos; emPalmares distintos têm a sua habitação, assim pelo sustento, como pelasegurança; são grandemente trabalhadores, singularmente prevenidos, plantam todos os legumes da terra, de cujos frutos reservam providamenteceleiros para o tempo das guerras, e do inverno; o seu principal sustento éo milho grosso, dele fazem varias iguarias; as caças os ajudam muito, porque são aqueles matos delas abundantes."172 

171 A residência era constituída na maior parte das vezes pela inquirição por cartas sobre eventuaisirregularidades cometidas durante o exercício de um posto de governo no Ultramar. Infelizmente nãolocalizei, até agora, os papéis referentes à residência de dom Pedro de Almeida.

172 "Relação", BPE, cod. CXVI - 2 - 13 - a n. 9, fl. 51v. Em "Descripção com noticias importantes", BNRJ-Ms, Cod. 7,3,001: " não vivem todos juntos porque um sucesso não acabe a todos, em palmares distintostem sua habitação, assim pelo sustento, como pela segurança; são grandemente trabalhadores, plantãotodos os legumes da terra, de cujos frutos formam providamente celeiros para os tempos da guerra, e do

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Trata-se, portanto, de gente previdente e trabalhadora, que cultivava bons

alimentos e era governada por Gangazumba, "seu rei e senhor", venerado pelos "naturais

dos Palmares como os vindos de fora". Ele habita na "cidade real", chamada Macaco,

onde "tem palácio capaz da sua família, que é grande, [e] é assistido de todas as guardase oficiais que costumam ter as Casas Reais (...) fala-se-lhe por Majestade, e obedecem-

lhe por admiração".173 Além disso, "há entre eles ministros de Justiça, assim como de

guerra para as execuções necessárias, e todos os arremedos de qualquer República se

conhece entre eles". Mesmo que "estes bárbaros" estejam "tão esquecidos de toda a

sujeição, não perderam o reconhecimento da Igreja", pois têm ali capela com imagens do

Menino Jesus, "muito perfeita", de Nossa Senhora da Conceição e de São Brás, e um "a

que chamam ganga" que os batiza e casa. O "rei domina a todos", mas as "cidades" estão

a cargo de "potentados e cabos poderosos que as governam e assistem nelas".174 

A terminologia empregada é toda ela portuguesa: fala-se em rei, cidades,

magistrados, etc. Alguns autores têm chamado a atenção para a miopia etnocêntrica do

olhar colonial, incapaz de compreender o outro. Robert N. Anderson, que mais avançou

nessa crítica, observa por exemplo que as fontes disponíveis sobre Palmares apresentam

 pelo menos quatro tipos de dificuldades: "1) o inescapável etnocentrismo, encarnado na

linguagem, do europeu com respeito ao africano ou afro-americano; 2) a inadequação de

uma língua para traduzir outra, especialmente quando as estruturas sociais referidas nãotêm equivalentes na cultura da língua tradutora; 3) os problemas ortográficos em render 

inverno; o seu principal sustento é o milho grosso, dele fazem varias iguarias; as caças os ajudam muito, porque são aqueles matos abundantes delas."

173 "Relação", BPE, cod. CXVI - 2 - 13 - a, n. 9, fl. 51v. Em "Descripção com noticias importantes",BNRJ-Ms, Cod. 7,3,001: "reconhecem-se todos obedientes a um que se chama o Gangazumba, que quer 

dizer Senhor Grande; a este tem por seu Rei e Senhor todos os mais assim naturais dos Palmares, comovindos de fora; tem palácio, Capas da sua família, é assistido de guardas e oficiais, que costumam ter asCasas Reais; é tratado com todos os respeitos de Rei, e com todas as cerimônias de Senhor"

174 "Relação", BPE, cod. CXVI - 2 - 13 - a, n. 9, fls. 51v-52. Em "Descripção com noticias importantes",BNRJ-Ms, Cod. 7,3,001: "E com serem estes bárbaros tão esquecidos de toda a sujeição, não perderamde todo o reconhecimento da Igreja; nesta Cidade tem capela a que recorrem nos seus apertos, e imagensa que encomendam suas tenções, quando se entrou nesta capela, achou-se uma Imagem do Menino Jesusmuito perfeita; outra da Senhora da Conceição, outra de S. Braz; escolhem um dos mais ladinos, a quemveneram como a pároco, este os batiza e os casa: porém o batismo é sem a forma determinada pelaIgreja". Nesse documento não há menção ao fato de o padre ser chamado de Ganga.

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os nomes próprios ou as palavras intraduzíveis de uma língua para outra e 4) a

 possibilidade de transmissão falha de um manuscrito para outro."175

Isso não significa, entretanto que esses textos devam ser desqualificados e

descartados. Vários historiadores, diante desse dilema, recorreram ao conhecimento produzido em outras áreas, na lingüística, na antropologia ou na história da África

Centro-Ocidental para "traduzir de volta" o que teria sido grafado de forma inadequada

ou tentar resgatar de algum modo o que foi perdido pelas lentes européias ou

europeizadas. É um procedimento interessante e que tem rendido muitos frutos, como

veremos logo adiante. Por ora, no entanto, é preciso prestar mais atenção no modo como

os próprios textos foram escritos, pois esse procedimento analítico também é capaz de

revelar informações importantes.

 No caso da crônica de 1678, Palmares aparece descrito como um estado bem

organizado do ponto de vista militar e político, com juízes e magistrados, uma capela e

imagens cristãs: tinha fé, lei e rei. Chamo a atenção, entretanto, que a famosa tríade pela

qual os portugueses avaliavam o grau de "civilização" dos povos com os quais tinham

contato é empregada em sentido inverso àquele usado para desqualificar os índios do

Brasil. Como se sabe, vários textos portugueses escritos nos séculos XVI e XVII, como

os de Pero de Magalhães Gandavo, Frei Vicente do Salvador, se referem à falta das letras

F, L, R entre os indígenas, para acentuar sua barbárie e justificar a necessidade dedominá-los e catequizá-los.176 

Pero de Magalhães Gandavo, por exemplo, torna evidente a barbárie do gentio do

Brasil, ao afirmar que a língua de que os índios usavam "carece de três letras, convém a

saber, não se acha nela F, nem L, nem R, cousa digna de espanto porque assim não têm

fé, nem lei, nem rei, e desta maneira vivem desordenadamente, sem terem além disto

175 Robert Nelson Anderson, "O mito de Zumbi: implicações culturais para o Brasil e para a diásporaafricana". Afro-Ásia, 17 (1996): 99-119.

176 Cf. Antonio Luís Ferronha, "O encontro inesperado" e Rui Loureiro, "A visão do índio brasileiro nostratados portugueses de finais do século XVI" in: Antonio Luís Ferronha (org.), O confronto do olhar.Lisboa, Ed. Caminho, 1991, pp.215-257 e 259-285; e Georg Thomas,  Política indigenista dos portugueses no Brasil, 1500-1640. (trad.) São Paulo, Loyola, 1982, pp. 21-25; e Guillermo Giucci, Sem fé, lei ou rei: Brasil 1500-1532. (trad.) Rio de Janeiro, Rocco, 1993, especialmente cap. 5.

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conta, nem peso, nem medida."177 Alguns anos mais tarde, Frei Vicente do Salvador 

reiterou essa máxima, ao observar que os índios "nenhuma palavra pronunciam com F, L

ou R, não só das suas, mas nem ainda das nossas, porque se querem dizer Francisco,

dizem Pancicu; e se querem dizer Luiz, dizem Duhi; e o pior é que também carecem defé, de lei e de rei, que se pronunciam com as ditas letras. Nenhuma fé têm nem adoram a

algum Deus; nenhuma lei guardam, ou preceitos, nem têm rei que lha dê, e a quem

obedeçam".178 

Palmares, ao contrário, possuía um rei, venerado e reconhecido por todos, tinha

ministros da justiça e da guerra, e uma capela, "a que recorrem nos seus apertos". Assim

qualificado, constituía um Estado - um reino civilizado com o qual era possível fazer 

guerras, negociar e estabelecer acordos. Assim, a vitória conseguida em 1678, bem como

o acordo de paz com Gangazumba, podiam se tornar feitos gloriosos e honrados.

Por isso, mais que ser um testemunho sobre a organização palmarina, esse texto

documenta um modo específico - essencialmente político - de apreender Palmares. Essa

forma de perceber e caracterizar Palmares aparece também em outros textos do século

XVII e XVIII, embora com algumas nuances.

É o caso, por exemplo, da  Relação verdadeira da guerra que se fez aos negros

levantados do Palmar ,179 que narra a destruição de Macaco em 1694. Ali, os palmarinos

são descritos como bons soldados, bem treinados e disciplinados, com forte potencial bélico. Zumbi, seu líder, aparece como um herói, jogando-se em um abismo. A morte

heróica do inimigo torna a vitória sobre ele, nesse texto atribuído a Bernardo Vieira de

Melo, mais digna e louvável, já que "o vitorioso não triunfa numa guerra qualquer, mas

sim numa batalha encabeçada por um herói", como observa Maria Leda Oliveira, que

transcreveu e editou esse documento.180 

177 Pero de Magalhães Gândavo, História da província Santa Cruz a que vulgarmente chamamos Brasil [1ªed. 1576]. Texto disponível em http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/bn000165.pdf , cap.7.

178 Frei Vicente do Salvador, Historia do Brazil . [1ª ed. 1627] Rio de Janeiro, Biblioteca Nacional, 1889, p.25.

179 Maria Lêda Oliveira, "A primeira  Rellação do último assalto a Palmares"  Afro-Ásia, 33 (2005): 270-324.

180 Idem, p. 262.

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Tal perspectiva também está presente nos famosos parágrafos de Rocha Pita

sobre a derrota final dos quilombos.181 Nesse caso, a vitória sobre Palmares aparece

como um feito importante do governo de Caetano de Melo de Castro. Aqui, o relato

também se inicia com algumas informações sobre Palmares: é preciso dar "noticias dacondição e princípio daqueles inimigos, da origem do povo ou república que

estabeleceram, das leis com que se governavam, e dos danos que pelo curso de mais de

sessenta anos nos fizeram". Como na crônica escrita em 1678, os mocambos aparecem

como um poderoso estado, com um "príncipe", Zumbi, que era "um dos seus varões mais

 justos e alentados" e com "magistrados de justiça e milícias", governando-se por 

"estatutos e leis [...] memórias e tradições conservadas de pais para filhos". Ainda que

Rocha Pita observe que de "católicos não conservavam já outros sinais que os da

santíssima cruz e algumas orações mal repetidas e mescladas com outras palavras e

cerimônias por eles inventadas ou introduzidas das superstições da sua nação", chegando

mesmo a afirmar serem eles "cismáticos", a tríade Fé, Lei e Rei ecoa mais uma vez

nessas páginas. Palmares aparece mais uma vez como um estado forte, e assim justifica-

se a necessidade de tão grande exército para derrotá-lo.

Escritos para audiências portuguesas ligadas à administração colonial, esses três

textos operam jogos de opostos construídos com intenções claramente políticas: na

crônica de 1678 os protagonistas são dom Pedro de Almeida e Gangazumba; na Relaçãoverdadeira, são Bernardo Vieira de Melo e Zumbi; na  História da América portuguesa,

Caetano de Melo de Castro e Zumbi. Em todos eles, as características atribuídas aos

chefes palmarinos e aos mocambos operam no sentido de tornar ainda mais evidentes os

méritos de dom Pedro de Almeida, Bernardo Vieira de Melo ou de Caetano de Melo de

Castro e ainda mais gloriosa a vitória que obtiveram.

Assim, em 1678, dom Pedro de Almeida pôde se orgulhar de ter enfim

"restaurado" Pernambuco depois ter vencido os negros da Serra da Barriga e ter firmado

com seu rei um acordo de paz. Enfatizando as características políticas e militares de

Palmares como um estado, com fé, lei e rei, a crônica de 1678 procurava justificar a

opção pelo acordo de paz e caracterizá-lo como o coroamento de uma vitória militar.

 181 Sebastião da Rocha Pita, História da América Portuguesa [1730], São Paulo, EDUSP/Itatiaia, 1976, pp.

213-219.

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Se esta constitui uma chave interpretativa importante para a compreensão desse

texto, é preciso saber a que modelo de estado Palmares está sendo associado. As

 primeiras pistas podem ser procuradas na própria crônica escrita em 1678.

Os termos empregados para descrever a vida política, social e religiosa emPalmares são europeus: Gangazumba é rei e senhor dos Palmares, habita uma cidade real,

 possui ministros de justiça e de guerra. Todavia, há também uma grande preocupação em

caracterizar diferenças. Se a descrição do local onde estão instalados os mocambos e de

suas características sociais e políticas poderia designar vários agrupamentos humanos, os

nomes próprios, de pessoas e lugares, pertencem a uma língua bem diferente do

 português. São contudo as cerimônias utilizadas para reverenciar o rei e os rituais

empregados pela embaixada palmarina enviada ao Recife que marcam de maneira mais

definida tratar-se de um outro estado. Não por acaso o autor dedicou certa atenção a

esses aspectos.

 Na narrativa, as negociações da paz aparecem sem surpresa, como se o fato desse

continuidade às comemorações do triunfo obtido pelo governador Pedro de Almeida, que

então transmitia seu cargo a Aires de Souza de Castro:

"Passados estes sucessos, alegres os povos com estes triunfos, livres ossoldados destas marchas, sossegados os moradores destes insultos, erecebendo dom Pedro os vivas desta fortuna, correram os meses seguintes

até os treze de abril em que entregou dom Pedro o governo destas praçasa Aires de Souza, em cujos dias se confirmou a verdade de toda estarelação, e lhe tocou parte da glória que dom Pedro soube dispor: porqueaos 18 de junho em um sábado a tarde, véspera do dia que na Paroquialdo Recife se fazia festa ao nosso Português Santo Antonio, entrou nesta praça o alferes, que tinha mandado dom Pedro com o aviso aos palmares,o qual trouxe em sua companhia dois filhos do rei com mais dez negrosdos mais assinalados nos Palmares".182

 182 "Relação", BPE, cod. CXVI - 2 - 13 - a, n. 9, fls. 57v-58. Em "Descripção com noticias importantes",

BNRJ-Ms, Cod. 7,3,001: "Passados todos estes sucessos, alegres os povos com estes triunfos, livres ossoldados destas marchas, sossegados os moradores destes insultos, e recebendo dom Pedro os vivas, e

 parabéns desta tão singular fortuna, correram os meses seguintes de Abril em que largou o Governodestas Capitanias a Aires de Sousa e Castro seu sucessor; em cujos dias brevemente se confirmou averdade desta relação; e lhe tocou parte da gloria que dom Pedro soube dispor. Porque aos 18 de Junhodo mesmo ano em um sábado á tarde, véspera do dia em que na Paroquial do Recife se celebrava a festado nosso português Santo Antonio, entrou o alferes que tinha mandado dom Pedro aos Palmares comaviso, acompanhado de 3 filhos do Rei com 12 negros mais".

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A referência à festa de Santo Antônio não é gratuita. Além de ser santo padroeiro

das armas portuguesas, a coincidência das datas não parece ser nada aleatória. No texto,

ela dá continuidade ao júbilo pela vitória ao mesmo tempo em que prepara e

circunstancia as cerimônias de recepção dos embaixadores.183

Um parágrafo, entretanto,encarrega-se de marcar a diferença:

"Notável foi o alvoroço, que causou a vista daqueles bárbaros, porquechegaram com seus arcos, e flechas, e com uma arma de fogo, cobertas as partes naturais como costumam, uns com barbas trançadas, outros commustachos [bigodes], e outros rapados, corpulentos e robustos todos. Acavalo vinha um dos filhos do Rei, por trazer ainda aberta a ferida de uma bala que na guerra o maltratou; todos se foram prostrar aos pés de domPedro, e lhe bateram as palmas em sinal do seu rendimento, e em protestação da sua vitória, ali lhe pediram a paz com os brancos; e lhe

declararam as ordens, que trazia do rei, e mais potentados e cabos queescaparam ao furor da nossa resolução."184

O "notável alvoroço" das pessoas no Recife é também uma operação textual: a

embaixada é composta de gente que se veste e se comporta de modo diferente dos

europeus. Essa diferença, no entanto, não provoca medo ou espanto, mas "alvoroço". A

embaixada foi recebida com "grandes mostras de contentamento" por dom Pedro, que a

remeteu ao novo governador, que a tratou com "grande (...) gosto", "singular 

complacência", "afabilidade" e "brandura". Em seguida, Aires de Souza de Castro

"mandou vestir, e adornar de fitas vermelhas, com que ficaram os negroscontentíssimos". Assim, temos aqui os rituais diplomáticos comuns no Antigo Regime

 português, com missas solenes e troca de presentes, permanência de membros da

embaixada no local enquanto duram as negociações e outros sinais de amizade entre as

183 O procedimento se faz presente em textos que relatam a recepção a outras embaixadas africanas por autoridades coloniais no Brasil, como no caso da embaixada enviada em 1750 pelo Daomé à Bahiadescrita por José Freire Monterroyo Mascarenhas, Relaçam da embaixada que o poderoso rei de Angomé Kiay Chiri Broncon ... Lisboa, Off. de Francisco da Silva, 1751. Para uma análise desse documento, ver 

Silvia Hunold Lara, "Uma embaixada africana na América Portuguesa". Iris Kantor e István Jankso(orgs.),  Festa: cultura & sociabilidade na América Portuguesa. S. Paulo, Edusp/Fapesp/ImprensaOficial, 2001, vol. 1, pp. 151-165.

184 "Relação", BPE, cod. CXVI - 2 - 13 - a, n. 9, fl. 58. Em "Descripção com noticias importantes", BNRJ-Ms, Cod. 7,3,001: "Notável foi o alvoroço que causou a vista daqueles bárbaros; porque entraram comseus arcos e flechas; e uma arma de fogo, cobertas as partes naturais como costumam uns com panos,outros com peles, com as barbas, uns trançados, outros corridos, outros rapados, corpulentos, e valentestodos; a cavalo vinha o filho do rei, mais velho, porque vinha ferido da guerra passada; todos se foram

 prostrar aos pés de dom Pedro de Almeida, e lhe bateram as palmas em sinal do seu rendimento, e em protestação da sua vitória; ali lhe pediram a paz com os brancos"

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 partes. Há também elementos que indicam tratar-se de uma embaixada enviada por um

rei diferente, porém conhecido pelos portugueses.

Essa diferença, no entanto, não é explicitada pelo exótico nem por elementos

incompreensíveis por uma audiência portuguesa acostumada a notícias das terrasultramarinas. Vejamos o procedimento utilizado para saudar o governador. Ele já havia

sido mencionado na crônica, para indicar que Gangazumba era tratado em Macaco "com

todos os respeitos de rei e com todas as cerimônias de Senhor; os que chega[va]m à sua

 presença [punham] o joelho no chão, e bat[ia]m as palmas das mãos, sinal do seu

reconhecimento e protestação da sua excelência".185 Prostrar-se aos pés de uma

autoridade e bater palmas não era um ritual desconhecido pelos portugueses. Ao

contrário. Essa prática é mencionada por diversas fontes do período, caracterizando-se

como um procedimento comum no Reino do Congo e no de Angola.

Em seu Vocabulário, Raphael Bluteau menciona que no Reino de Angola,

quando os macotas ("que são os nobres da terra") propõem algum negócio aos  sobas 

(nome dados aos soberanos locais) fazem-no "de joelhos e batendo nas palmas em sinal

de respeito".186 Frei Raimundo de Dicomano, no final do século XVIII, descreve a

cerimônia de entronização do sucessor no Reino do Congo. No segundo sábado depois

da morte do rei, o eleito era levado "para uma praça aonde está preparada uma cadeira e

o fazem assentar, se lhe prostram de joelhos aos pés, tomam o barro na cara, batem asmãos e gritam viva el-rei, e assim está feito o rei".187

Assim, a crônica escrita em 1678 mostra que os governadores de Pernambuco e

os embaixadores de Gangazumba negociaram um acordo de paz como delegados de

nações diferentes. Oferecer a narrativa do episódio nesses termos e caracterizá-lo dessa

forma são escolhas políticas. Ao atribuir aos mocambos da Serra da Barriga qualidades

similares àquelas encontradas pelos portugueses em suas relações com os  sobas centro-

 185 "Relação", BPE, cod. CXVI - 2 - 13 - a, n. 9, fl. 51v. Em "Descripção com noticias importantes",

BNRJ-Ms, Cod. 7,3,001: "com todos os respeitos de Rei, e com todas as cerimônias de Senhor; os quechegam a sua presença põem logo o joelho no chão, e batem as palmas das mãos sinal do seureconhecimento, e protestação da sua excelência"

186 R. Bluteau, Vocabulário, verbete "sova".187 Cf. Antônio Brásio, "Informação do Reino do Congo de Frei Raimundo de Dicomano [(ca. 1798]"

Stvdia, 34 (1972): 30.

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africanos, o cronista do triunfo de dom Pedro de Almeida podia ultrapassar o circuito

 pernambucano para ganhar dimensões mais amplas.

A tríade Fé, Lei e Rei se refere a um modo de compreender e justificar a

ocupação das terras e o domínio das gentes característico do processo colonizador  português nos séculos XVI e XVII. Ao ser empregada aqui com o sinal inverso daquele

usado em relação aos índios americanos, o cronista indica que as negociações com

Palmares diferiam daquelas empreendidas com os outros habitantes da América. A chave

 para entender o que sustenta essa escolha política está no outro lado do Atlântico, onde as

terras ocupadas pelos portugueses eram habitadas por povos que tinham fé, lei e rei. Com

eles houve relações diplomáticas desde o início, e as negociações e acordos aconteciam

com freqüência. Também havia guerras - e muitas. Lá, contudo, o nexo entre as guerras e

as negociações com os sobas havia sido o caminho encontrado pelos portugueses para

dominar o território, submeter suas gentes e auferir suas riquezas.

A analogia pôde ser empregada com êxito para caracterizar Palmares e dar 

legitimidade política às negociações e ao acordo de paz. Em meados de 1678, tudo

indicava que a estratégia estava destinada ao êxito. Dom Pedro de Almeida podia colher 

as glórias de uma conquista de grandes dimensões ao terminar seu governo.

Para os historiadores, no entanto, a leitura cuidadosa da documentação abre

caminhos importantes para a análise dos significados dos eventos de 1678. Os próximoscapítulos procuram trilhar alguns deles, em busca de elementos que possam contribuir 

 para entender como foi possível realizar essa operação retórica. O percurso permitirá

compreender, também, as condições mais gerais que possibilitaram as negociações entre

Aires de Souza de Castro e os filhos e Gangazumba e o contexto político no qual foi

 possível pensar na implantação da aldeia de Cucaú. Não menos importante é o fato de

que ele nos aproximará do ponto de vista dos palmarinos.

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Capítulo 2

DIÁLOGOS

Grande parte da pesquisa histórica consiste em fazer dialogar textos variados,

escritos em momentos e com intenções as mais diversas. É do cruzamento dessas vozes

díspares e muitas vezes contraditórias que os historiadores extraem a possibilidade de

conhecer o passado. Contudo, esse é apenas um primeiro passo. Mais que conhecer o que

aconteceu (pois já se abandonou há muito a crença na possibilidade de saber o que

"realmente" se passou), os historiadores buscam compreender por que e como os eventos

ocorreram e de que maneira foram lembrados ao longo do tempo. Os acontecimentos

dependem das ações e das intenções de pessoas diversas, que produzem versões variadassobre eles. A essas versões somam-se as memórias e as histórias que foram escritas sobre

esses eventos, que também variam bastante. O passado, assim, não é um objeto único.

Por isso, não se pode ir adiante só com o exame das fontes. O resultado da análise

histórica depende do que o pesquisador enfatiza, das questões que coloca e das

 perspectivas e abordagens que adota. Depende, também, do diálogo que estabelece com o

conhecimento já produzido. Por isso, esse capítulo abre espaço para ampliar a conversa

com a historiografia.

1. A força de uma tradição

 Nina Rodrigues foi o primeiro autor a se debruçar com mais atenção sobre as

"origens africanas" de Palmares. Ao analisar suas características de governo, por 

exemplo, ele afirma terem os Palmares se organizado "em um estado em tudo

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equivalente aos que atualmente se encontram por toda a África ainda inculta",

comparando-o com exemplos encontrados entre os Ewes, Egbas e outros povos do

Daomé ou do Senegal.1 Mais adiante, porém, especifica ser Palmares "uma criação

exclusivamente bantu", na qual predominavam os Angola.2

Ao recolher e cotejar asevidências sobre práticas religiosas e lingüísticas, bem como sobre costumes e tradições,

 para discutir as hierarquias políticas entre os chefes palmarinos, o autor consolida esta

interpretação.3 Para Nina Rodrigues, mesmo que não houvesse só negros e que nem

todos fossem africanos em Palmares, a presença bantu exercia uma indiscutível

"influência diretora".4 Isso não significava, entretanto, julgar o episódio de forma

 positiva: embora considerasse Palmares "um caso especial e sem exemplo na história dos

 povos negros", concluía que os quilombolas haviam voltado "à barbárie africana" e que a

destruição de Palmares abrira caminho para a "civilização do futuro povo brasileiro".5

Escrevendo no início do século XX, Nina Rodrigues estava imbuído do espírito

científico e do ideário racista, porém tentava retirar deles elementos para valorizar a

 presença negra na formação nacional.6 Sua avaliação do que era superior e inferior na

África e sua crença na marcha do progresso marcam o julgamento contraditório que

 produziu sobre Palmares - um evento marcante mas que não havia sido liderado pelos

sudaneses, que tanto valorizava. No início do século e sobretudo nos anos 30 e 40, o

tema das raízes africanas no Brasil ia bem além das dimensões acadêmicas - oucientíficas, como então se dizia. Os debates sobre a sobrevivência de "africanismos",

sobre aculturação, miscigenação cultural e assimilação caminhavam juntos com a

necessidade de avaliar o significado da cultura africana no Brasil. Por isso, era

1 Nina Rodrigues, "A Troya Negra. Erros e lacunas da história dos Palmares" Diário da Bahia, 20, 22 e 23de agosto de 1905. Apesar das datas discrepantes, o artigo foi transcrito na  Revista do Instituto Archeologico e Geographico Pernambucano, 11 n. 63 (1904): 645-572. Com o título alterado para "Assublevações de negros no Brasil anteriores ao século XIX. Palmares" o texto foi incluído no livro

 póstumo Os africanos no Brasil. [1932]. 5ª ed., São Paulo, Cia. Ed. Nacional, 1977, pp. 71-93. Utilizo,aqui, essa última edição, pp. 77-78.

2 Nina Rodrigues, Os africanos no Brasil , [1905], 5ª ed., São Paulo, Companhia Editora Nacional, 1977, pp. 88-89

3 N. Rodrigues, Os africanos no Brasil , pp. 90-93.4 N. Rodrigues, Os africanos no Brasil , p. 89.5 N. Rodrigues, Os africanos no Brasil , pp. 71-93.6 Para uma avaliação da produção de Nina Rodrigues e de seus discípulos, vide Mariza Corrêa,  As ilusões

da liberdade: a escola de Nina Rodrigues e a antropologia no Brasil. 2ª ed. rev. Bragança Paulista, Ed.da Universidade São Francisco, 2001.

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importante entender e dimensionar o processo de desagregação vivido a partir da saída da

África, durante o cativeiro e depois da abolição. Importantes para a antropologia e a

sociologia, que estavam se constituindo como campos de investigação, esses debates

envolviam intelectuais nacionais e americanos interessados no que então se chamava de"estudos sobre o negro" no Brasil e nas Américas.7 Os dilemas daquele presente

orientavam um certo olhar sobre o passado.

 Nesse período, os estudos lingüísticos e antropológicos sobre as culturas africanas

serviram de base para diversos autores interessados em valorizar a cultura negra no

Brasil ou afirmar a importância da África no processo de formação da nação.8 A partir do

artigo pioneiro de Nina Rodrigues, tais posições ecoaram na história de Palmares ao

reforçar a necessidade de discutir, mesmo diante dos poucos dados disponíveis, os

elementos políticos, sociais e religiosos da vida nos mocambos. Artur Ramos e Edison

Carneiro seguiram as pegadas de Nina Rodrigues, mas com posições diversas quanto ao

significado das raízes africanas de Palmares.

Para Arthur Ramos, o quilombo era um "estado com tradições africanas dentro do

Brasil (...) uma desesperada reação à desagregação cultural que o africano sofreu com o

regime da escravidão".9 Este "estado negro" constituía um "exemplo de organização

 política e econômica", na qual se "evidencia[v]am as capacidades de liderança, de

administração, de tática militar, de espírito associativo, de organização econômica, deconstituição legislativa ... do negro brasileiro".10 Já não se tratava de uma criação

"exclusivamente bantu" como em Nina Rodrigues, mas de adaptações: "os usos e

costumes dos quilombos dos Palmares copiavam as organizações africanas de origem

7 Ver, a respeito, Marcos Chor Maio,  A história do Projeto Unesco. Estudos raciais e ciências sociais no Brasil . Doutorado, IUPERJ, 1997, especialmente capítulo 5; Lourdes Martínez-Echazábal, "Oculturalismo dos anos 30 no Brasil e na América Latina: deslocamento retórico ou mudança conceitual?"

in: Marcos Chor Maio e Ricardo Ventura Santos (orgs.),  Raça, Ciência e Sociedade. Rio de Janeiro,Fiocruz/CCBB, 1996, pp. 107.

8 Ver, para um panorama amplo sobre o tema, Antonio Sérgio Alfredo Guimarães, Racismo e anti-racismono Brasil . São Paulo, Fundação de Apoio à USP/Ed. 34, 1999, especialmente cap. 3.

9 Arthur Ramos, "O espírito associativo do negro brasileiro".  Revista do Arquivo Municipal , 47 n. 4,(1939): 121

10 Arthur Ramos, "O espírito associativo do negro brasileiro", pp. 122-123. Vide também Arthur Ramos, Onegro na civilização brasileira [1956] Rio de Janeiro, Livraria e Editora da Casa do Estudante do Brasil,[1971], p.75 e Arthur Ramos, A aculturação negra no Brasil. São Paulo, Companhia Editora Nacional,1942, pp. 137-140.

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 Nina Rodrigues e Arthur Ramos, ao considerar Palmares "um pedaço da África

transplantado para o Nordeste do Brasil".15 Também para E. Carneiro era bantu a base

lingüística dos quilombolas, e sua cultura possuía algumas adaptações, como no caso da

religião, "mais ou menos semelhante à católica, o que se explica pela pobreza mítica dos povos de língua bantu a que pertenciam e pelo trabalho de aculturação no novo habitat 

americano".16 Em sua obra, no entanto, os aspectos da resistência dos escravos foram os

mais valorizados. Apesar de todo um capítulo dedicado aos "negros dos quilombos", em

que são descritos os costumes e a vida política e religiosa nos mocambos, não há de fato

uma discussão sobre os elementos propriamente africanos da vida palmarina - apenas

referências mais gerais a práticas bantu. A cultura funcionava, para ele, como um

repertório para a resistência: a rebeldia dos escravos se expressava por meio de um

 processo contra-aculturativo.

Em 1954, a extensa obra de Mário Martins de Freitas trouxe novos elementos.

Sua abordagem era um tanto ambígua, já que louvava ao mesmo tempo a bravura

daqueles que lutaram para derrotar Palmares e enaltecia a coragem dos quilombolas que

almejavam a liberdade e resistiram por tanto tempo às investidas coloniais.17 Toda a

 primeira parte da obra foi dedicada à geografia, etnografia e história da África, mas o

resultado dessa análise nem sempre é claro. Segundo ele, os primeiros habitantes dos

Palmares seriam jagas:"aos jagas - belicosa tribo indomável do sobado do famoso Ngola Nbandi,aprisionados pelos portugueses durante o mandato do governador deAngola, Luiz Mendes de Vasconcelos, nomeado em 1616, e mandados para o Brasil como escravos - cabe a paternidade do grande movimento palmarino já anteriormente iniciado com alguns negros desgarrados".18 

Instalados em uma região cheia de palmeiras, como na África, os habitantes de

Palmares teriam constituído no sertão de Pernambuco um  sobado, ao qual se somaram

outros, no tempo da invasão holandesa, governados por um rei cujo título nobiliárquico

15 E. Carneiro, O quilombo dos Palmares. Sa               o Paulo, Companhia Editora Nacional, 1958, p. 30. A ênfasecontra-aculturativa é afirmada no artigo "Singularidades dos quilombos" publicado originalmente em1953 e depois incorporado à 2ª ed. de O quilombo dos Palmares, pp. 13-25.

16 E. Carneiro, O quilombo dos Palmares, p. 59.17 Mario Martins de Freitas,  Reino negro de Palmares, Rio de Janeiro, Biblioteca do Exército, 1954. A

segunda, edição (Rio de Janeiro, Biblioteca do Exército, 1988) é a que utilizo aqui .18 M. M. Freitas, Reino negro de Palmares, p. 162.

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era  Zambi, "cuja autoridade repousava no sangue da casta sagrada dos jagas".  Com o

tempo teria se desenvolvido uma organização mais centralizada, e o rei "tomou o título

militar de Gangazumba, comandante geral de todas as forças que foram distribuídas pelas

embalas e com comandantes subordinados ao alto comando".19

Não há evidênciadocumental para tais afirmações; Mário Freitas interpreta as informações colhidas nas

fontes administrativas e na crônica de 1678 segundo seus conhecimentos dos costumes

africanos que, como se pode perceber, são um pouco confusos.

A partir dos anos 1950, a historiografia brasileira sobre Palmares abandonou aos

 poucos essa perspectiva analítica, para valorizar, cada vez mais, os aspectos da

resistência dos escravos diante da escravidão e sua luta pela liberdade do que os aspectos

culturais.20 Mais que as características contra-aculturativas salientadas por Edison

Carneiro, os autores que analisaram a história de Palmares nos anos 50 e 60 passaram a

valorizar o "protesto escravo". Para Clóvis Moura21 e Benjamin Perét,22 a resistência

escrava - a rebelião das senzalas, como a chamou Clóvis Moura - era uma das formas que

a luta de classes havia assumido no Brasil. A negação do cativeiro explicava as fugas e

os quilombos. Nesse contexto, Palmares teria sido o mais duradouro e extenso dos

"movimentos dos cativos contra a escravidão" - e o que "maior trabalho deu às

autoridades para ser exterminado".23 Seu estudo fornecia uma lição exemplar para os

militantes de esquerda e Palmares e seus líderes passaram a ser avaliados a partir de seu potencial revolucionário.24

 19 M. M. Freitas, Reino negro de Palmares, p. 171.20 O quilombo foi referência importante para movimentos anti-racistas que tinham fortes traços

culturalistas, como no caso do quilombismo de Abdias do Nascimento. Como não implicaram numaanálise histórica de Palmares, deixo de tratar deles neste texto. Sobre o tema ver Abdias do Nascimento,O quilombismo. Documentos de uma militância pan-africanista. Petrópolis, Vozes, 1980. 

21 Clóvis Moura, "O quilombo dos Palmares"  Rebeliões da Senzala. Quilombos, insurreições, guerrilhas. S. Paulo, edições Zumbi, 1959, pp. 109-128. A segunda edição, revista e ampliada (Rio de Janeiro, Ed.Conquista, 1972, pp. 179-190) é a que utilizo.

22 Benjamin Péret, "Que foi o quilombo de Palmares?"  Anhembi, 65 (abr. 1956): 230-249; e 66 (maio1956): 467-486. Sob a forma de livro, os artigos foram publicados por Lisboa, Fenda, 1988 e com otítulo O quilombo dos Palmares, por Porto Alegre, Editora da UFRGS, 2002 (com estudoscomplementares por Robert Ponge e Mário Maestri), que utilizo aqui.

23 Clóvis Moura, "O quilombo dos Palmares", p. 179. Ver também, na mesma direção, Luiz Luna,"República dos Palmares" O negro na luta contra a escravidão. Rio de Janeiro, Ed. Leitura, 1968 (2ª ed.revista Rio de Janeiro, Catedral de Brasília/INL, 1976, pp. 217-238; e José Alípio Goulart, "Quilomboem Alagoas" Da fuga ao suicídio. Aspectos da rebeldia do escravo no Brasil . Conquista, 1972, pp. 223-228.

24 B. Péret, "Que foi o quilombo de Palmares?", especialmente "Ensaio de interpretação", pp. 113-137.

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Enquanto isso, nos anos 1960, com o desenvolvimento dos estudos africanistas

nos Estados Unidos, os estudos sobre o negro ganharam novas dimensões, tanto

acadêmicas quanto políticas. Palmares, assim como outras comunidades de fugitivos nas

Américas, chamaram a atenção dos pesquisadores, pois abriam possibilidadesinteressantes para estudar o modo como as culturas africanas se desenvolveram fora da

África.

Em 1965 Raymond Kent publicou um artigo em que os estudos acadêmicos sobre

a história e a cultura africanas foram arregimentados para realizar uma avaliação mais

 pormenorizada da presença da África em Palmares.25 Aqui, não havia mais referências

genéricas aos bantu, mas análises lingüísticas que faziam referências aos Mbundo e aos

Imbangala.26 Baseado na então relativamente nova historiografia africanista, refutava a

hipótese de que os jagas teriam sido os fundadores de Palmares ou terem constituído sua

dinastia governante. Para ele, a maioria dos "palmaristas" teria vindo "do perímetro

Congo-Angola". Desde 1580, Angola se tornara o grande fornecedor de escravos, o que

significava que os fundadores de Palmares, embora não pertencessem a nenhum

subgrupo bantu específico, constituíam um "amálgama" no qual os crioulos eram

 poucos.27 Ao adaptar vários modelos africanos, Palmares teria aos poucos se tornado

mais crioulo em função dos nascimentos e dos novos fugitivos: isso significava que um

sistema político africano podia ter sido transferido para outro continente e ali tinha sidocapaz de governar "não apenas indivíduos de vários grupos étnicos africanos mas

também os nascidos no Brasil, muito negros ou quase brancos, latinizados ou próximos

de raízes ameríndias", além de resistir por quase um século inteiro a dois poderes

europeus.28 

Para Kent, assim como para outros autores que estudavam os quilombos nas

Américas, Palmares era um fenômeno interessante pois permitia observar a "recriação de

sociedades africanas num novo meio", constituindo uma demonstração da "vitalidade da

25 Raymond K. Kent, "Palmares: An African State in Brazil"  Journal of African History, 6: 2 (1965): 161-175. O artigo foi posteriormente publicado em Richard Price (ed.),  Maroon Societies. Rebel slavecommunities in the Americas. New York, Anchor, 1973, pp.170-190.

26 Para facilitar a leitura, adoto, aqui e em toda a tese, a notação internacional atual para as palavras centro-africanas, mesmo que elas não tenham sido grafadas dessa forma pelos autores.

27 R. Kent, "Palmares: An African State in Brazil", p. 166.28 R. Kent, "Palmares: An African State in Brazil", p. 175.

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escravidão. Os africanos trazidos pelo tráfico para as Américas provinham de regiões

diversas e tinham que enfrentar aqui relações sociais e políticas diferentes das africanas.

Apesar das diferenças étnicas e lingüísticas, os escravos possuíam uma herança comum

que se modificava e se transformava para enfrentar os senhores e as relações nassociedades escravistas das Américas.34 Não se tratava mais de "sobrevivências africanas"

como pensava Herskovits, mas de uma nova cultura, afro-americana, que nascia desse

encontro das diversas heranças africanas com a sociedade escravista no Novo Mundo.

Enquanto isso, no Brasil, a obra de Décio Freitas consolidava e dava corpo à

leitura militante da história de Palmares. Durante muitos anos, o autor se dedicou a

estudar ao tema, buscou novos documentos em diversos arquivos, avaliou e contestou

interpretações anteriores. Seu livro, cuja primeira edição foi publicada em 1973 e sofreu

sucessivas revisões,35 se constrói como um esforço para afirmar "o conteúdo político e

revolucionário das revoltas escravas" - dentre as quais Palmares ocupa um lugar ímpar.36 

Enfatizar a preservação da cultura africana era, para ele, uma posição "alienada" e pouco

 produtiva, pois os conhecimentos nessa área, "a despeito dos progressos ultimamente

realizados", estavam longe de ser satisfatórios, sem condições de oferecer subsídios para

uma análise conseqüente.37 

Assim como Péret,38 Freitas nega qualquer possibilidade de união étnica ou

lingüística entre os escravos, já que o contingente trazido para o trabalho nos engenhosconstituía "um mosaico étnico e cultural sumamente diversificado".39 Ainda que o

capítulo dedicado a analisar as características dos quilombos seja intitulado "Angola

Janga", para ele, o que movia a resistência dos escravos "era a desgraça comum, ou em

34 Sidney W. Mintz e Richard Price, The birth of African-American culture. An anthropological  perspective. Boston, Beacon Press, 1992. A primeira versão desse texto circulou como um impresso doInstitute for the Study of Human Issues, 1976. Tinha então o título  An anthropological approach to the Afro-American past: a Caribbean perspective (trad: O nascimento da cultura afro-americana. Uma perspectiva antropológica. Rio de Janeiro, Pallas/Universidade Cândido Mendes, 2003).

35 Décio Freitas, Palmares. A Guerra dos Escravos. Porto Alegre, Movimento, 1973. A primeira edição foifeita no Uruguai, em 1971. As edições brasileiras posteriores, revisadas, foram publicadas em 1978 e1981. Utilizo a quinta e última, reescrita, revista e ampliada: Porto Alegre, Mercado Aberto, 1984.Infelizmente, o empenho na busca de novas fontes e documentos não foi acompanhado pelo cuidado dereferenciá-los em notas. Há apenas, no final do volume, menção genérica aos fundos e arquivosconsultados.

36 Décio Freitas, Palmares, p. 12.37 Décio Freitas, Palmares, pp. 172-173.38 B. Péret, "Que foi o quilombo de Palmares?", p. 11539 Décio Freitas, Palmares, p. 48.

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outras palavras, um vínculo de classe".40 Palmares se tornava, então, fruto de um

movimento "essencialmente social", constituindo-se como "um asilo aberto a todos os

 perseguidos e deserdados da sociedade colonial".41 Havia igualdade civil e política entre

os palmarinos,42

mas a necessidade de acomodar e agregar grupos heterogêneos do pontode vista étnico e cultural, bem como a premente necessidade de defesa diante dos

inimigos externos deram origem a um estado centralizado, com algumas características

africanas.43 

 Não por acaso, essa tendência analítica se desenvolveu em conexão direta com a

dinâmica do marxismo e dos partidos de esquerda - em particular do partido comunista -

no Brasil.44 Como vimos de modo breve na Introdução da tese, ao longo dos anos 1970 e

1980, Palmares e Zumbi tornaram-se símbolos da luta maior contra a opressão e exemplo

 para os militantes. Em alguns casos, em busca da construção de uma epopéia

revolucionária, houve quem lamentasse a "incapacidade dos escravos" de por em xeque o

sistema escravista.45 

40 Décio Freitas, Palmares, p. 51. Ver também Ivan Alves Filho, Memorial dos Palmares, pp. xii-xiii; e, domesmo autor, "O quilombo dos palmares como resistência e síntese cultural" in: Isabel Castro Henriques(org.),  Escravatura e transformações culturais. África - Brasil - Caraíbas. Actas do Colóquio Internacional Universidade de Évora, 28, 29 e 30 de novembro de 2001. Lisboa, Editora Vulgata, 2002, pp. 271-283.

41 Décio Freitas, Palmares, p. 72.42 Décio Freitas,  Palmares, p. 47. Na mesma direção caminham estudos específicos, que salientam o

caráter democrático da distribuição de terras em Palmares, como em Duvitiliano Ramos, "A posse útil daterra entre os quilombolas" in: Abdias do Nascimento, O negro revoltado. 2ª ed. Rio de Janeiro, NovaFronteira, 1982, pp.153-164. Tal perspectiva abriu caminho para que Palmares pudesse ser pensadocomo um mundo ideal, oposto ao "mundo do açúcar". Assim, nos mocambos teria havido "variedade deculturas agrícolas, abundância de alimentos, produção para consumo interno, [em que] a terra só temvalor pela utilidade [e a] sociedade não [é] dividida em classes, sem desníveis sociais (apesar de certos

 privilégios concedidos aos chefes militares e políticos)". Joel Rufino dos Santos,  Zumbi. São Paulo,Editora Moderna, 1985, p. 19. Sobre o mesmo tema, vide ainda Waldir Freitas Oliveira, "Economia dePalmares" in: Clóvis Moura (org.), Os quilombos na dinâmica social do Brasil . Maceió, EdUFAL,

2001, pp. 61-71.43 Décio Freitas,  Palmares, pp. 101-104. A oposição entre a democracia inicial e a centralização naorganização política dos mocambos também foi abordada por B. Péret, "Que foi o quilombo dePalmares?", pp. 115-118.

44 Vários autores que trataram de Palmares, como Edison Carneiro, Alfredo Brandão, Aderbal Jurema,Décio Freitas e Ivan Alves Filho tiveram ligações com o PCB. Essa característica, mencionada por alguns autores, merece um estudo mais aprofundado, que ainda não foi feito. Cf. F. S. Gomes, "Aindasobre os quilombos", p. 205; e, do mesmo autor, Palmares. Escravidão e liberdade no Atlântico sul . SãoPaulo, Contexto, 2005, pp. 33-39.

45 D. Freitas, Palmares,  p. 11; I. Alves Filho, Memorial dos Palmares, pp. 199-200.

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Paralelamente, nas universidades brasileiras, uma nova abordagem da história dos

quilombos se desenvolveu. Inspirados pelas mudanças na historiografia da escravidão

nos Estados Unidos e em especial por novas propostas teóricas e políticas no estudo da

história social, os historiadores no Brasil passaram a focalizar com maior cuidado a vidados escravos sob a escravidão, procurando compreender o ponto de vista dos cativos e os

motivos para suas ações como escravos e suas formas de reagir contra o cativeiro.46 Mais

que avaliar as qualidades políticas das ações escravas a partir de concepções e conceitos

que lhes eram exteriores, o que se pretendia então era compreender o ponto de vista dos

escravos segundo seus próprios termos. Essa perspectiva analítica aos poucos suplantou

aquela abordagem militante e deu lugar a estudos mais acadêmicos, que focalizavam

dimensões diversas da vida dos escravos e, também, daqueles que fugiam e se

aquilombavam. O gesto político, aqui, estava em colocar os escravos como sujeitos da

história e valorizar uma lógica diversa das expectativas do marxismo ortodoxo.

Um bom exemplo dessas pesquisas, que despontaram no Brasil dos anos 1980,

 pode ser colhido nas publicações feitas por ocasião do centenário da Abolição, em

 particular num volume especial da revista  Estudos Econômicos, dedicado ao "protesto

escravo". Encontram-se ali estudos que dão continuidade à vertente clássica das obras

dedicadas a analisar a insurgência negra no Brasil,47 bem como artigos que empreendem

uma análise das rebeliões escravas e de práticas de fuga ou de troca de senhor quefocalizam outras lógicas políticas, levando em conta o ponto de vista dos agentes

envolvidos nos diferentes contextos.48 Dentre eles, destaco um, que oferece uma

abordagem inovadora para a história de Palmares, escrito por Stuart B. Schwartz.49 Uma

versão anterior do artigo já havia sido publicada em 1970, focalizando casos de

46 Para um balanço dessa produção historiográfica ver, entre outros, S. H. Lara, "Blowin' in The Wind":Thompson e a Experiência Negra no Brasil" Projeto História, 12 (out.1995): 43-56.

47 É o caso, por exemplo, de Clovis Moura, "Da insurgência negra ao escravismo tardio"  Estudoseconômicos,17, n. especial (1987): 37-59. 

48 Veja-se, por exemplo, Marcus J. M de Carvalho, "'Quem furta mais e esconde": o roubo de escravos emPernambuco, 1832-1855"; Luiz R. B. Mott, "Rebeliões escravas em Sergipe"; e João José Reis, "Olevante dos malês na Bahia: uma interpretação política"  Estudos Econômicos, 17, nº especial (1988):respectivamente pp. 89-110; 111-130 e 131-149. 

49 Stuart. B. Schwartz, "Mocambos, Quilombos e Palmares: a resistência Escrava no Brasil colonial", Estudos Econômicos, 17, nº especial (1988): 61-88.

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quilombos baianos.50 Agora ganhava uma análise mais detalhada, que também tratava de

Palmares.51 Foi um dos poucos trabalhos publicados naquela ocasião sobre o quilombo

da Serra da Barriga.

Schwartz acompanhava a virada historiográfica dos estudos sobre a escravidão, esituava as fugas e os mocambos num quadro maior de resistência dos escravos, ao

examinar com mais detalhe duas comunidades de fugitivos: o quilombo do Buraco do

Tatu, na Bahia, destruído em 1763, e Palmares. Como muitos autores, ele considerou que

as comunidades de fugitivos tinham "raízes em algumas formas tradicionais africanas de

organização política e social" e combinavam "tais formas com aspectos da cultura

européia e adaptações especificamente locais".52 Seu artigo trazia porém uma

contribuição importante para o tema, ao comparar as formas de organização militar e

 política dos quilombos com aspectos semelhantes que estavam sendo investigados por 

alguns estudiosos da história centro-africana.

Com relação a Palmares, Schwartz afirmava que os vários mocambos,

governados por uma linhagem real, ecoavam formas políticas e sociais africanas,

formando "um único reino neoafricano".53 O termo é importante: não mais se trata de um

reino africano, ou uma comunidade afro-brasileira (ou afro-americana), como haviam

 postulado antes outros autores. Palmares era uma comunidade na qual "escravos de

várias origens, africanos e crioulos, uniram-se em sua oposição comum à escravidão".54 Havia, assim, de certo modo, uma síntese das posições anteriores. Ao mesmo tempo em

que enfatizava o elemento comum e unificador de resistência à escravidão, Schwartz

considerava a presença africana e as diferenças culturais entre os escravos. Para ele,

 porém, essas diferenças não teriam dissolvido as características africanas de Palmares,

 pois o modo como elas haviam sido integradas, do ponto de vista político e militar,

seguia modelos africanos. Ao mesmo tempo, Schwartz questionava abordagens

50 Stuart B. Schwartz, "The 'Mocambo': Slave Resistance in Colonial Bahia". Journal of Social History, 3n. 4 (1970): 313-333. Uma versão intermediária foi publicada em S. B. Schwartz, "Black slaves inPalmares, Brazil - The mocambo revolt" Histoire, 41 (1982): 38-48.

51 Esse artigo ganhou uma nova versão em 1992. Vide S. B. Schwartz, "Repensando Palmares: resistênciaescrava na colônia" in:  Escravos, roceiros e rebeldes. (trad.) Bauru, Edusc, 2001, pp. 213-255. Utilizoesse texto para as referências nos próximos parágrafos.

52 S. B. Schwartz, "Repensando Palmares", p. 245.53 S. B. Schwartz, "Repensando Palmares", p. 245.54 S. B. Schwartz, "Repensando Palmares", pp. 249-255.

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etnográficas centradas em "identidades étnicas ou culturais específicas", que muitas

vezes adotavam categorias como "angola" ou "congo", que para ele eram na verdade

mais invenções coloniais do que resultado de processos identitários propriamente

africanos.55

 Ao invés disso, ele procurou compreender como e por que a palavra quilombo

 passou a ser empregada para caracterizar Palmares e como essa palavra se tornou, a partir 

de Palmares, a maneira de designar todas as comunidades de fugitivos no Brasil: "a

cronologia e a conexão [da palavra quilombo] com Palmares não são acidentais. No

termo quilombo está codificada uma história não escrita, que somente agora, devido a

 pesquisas recentes sobre a história africana, pode ser, ao menos parcialmente,

compreendida".56

A chave para decifrar essa história estava nos kilombos Imbangala, sociedades

rituais que haviam permitido que esses guerreiros centro-africanos mantivessem coesão

social, religiosa, política e militar, ao invadir a região de Angola ao longo do século

XVII. Ao se fundirem com as linhagens nativas, os Imbangala haviam incorporado uma

instituição dos Mbundo, transformando-a em um poderoso instrumento militar ao

 permitir a integração de povos desiguais e sem ancestrais comuns. Com rituais próprios,

ela tinha permitido coesão de homens que não estavam integrados por laços de

 parentesco nem por deuses ancestrais e que passavam a viver em acampamentos, deguerras e conquistas. Dois estados haviam se formado na região centro-africana, a partir 

do contato entre os Mbundo e os Imbangala: os reinos de Matamba e Kassange. 57 Como

 bem observa Schwartz, se os fundadores de Palmares se inspiraram no kilombo 

Imbangala para a formação de sua sociedade, "sua versão dele era incompleta ou, pelo

menos, uma variante do modelo original".58 Mas havia fortes paralelos:

"uma figura fundamental no kilombo era o nganga a zumba, um sacerdotecuja responsabilidade era lidar com o espírito dos mortos. O Gangazumba

de Palmares era provavelmente o detentor desse cargo, que não era de fatoum nome próprio, mas um título. Há outros ecos das descrições de Angola

55 S. B. Schwartz, "Repensando Palmares", p. 248.56 S. B. Schwartz, "Repensando Palmares", p. 249. Schwartz apóia-se especialmente em Joseph C. Miller,

 Kings and kinsmen: early Mbundu states in Angola, Oxford, Clarendon Press, 1976.57 S. B. Schwartz, "Repensando Palmares", pp. 251-254.58 S. B. Schwartz, "Repensando Palmares", p. 254.

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que parecem sugestivos. No kilombo Imbangala a liderança dependia dealgum tipo de aclamação ou eleição popular, exatamente como afirmamalguns dos relatos brasileiros. É bastante curiosa a observação de AndrewBatell, que viveu entre os Imbangala e relatou que seu maior luxo era ovinho de palma e que suas rotas e acampamentos eram influenciados pela

disponibilidade de palmeiras. Seus comentários fazem com que aassociação entre a comunidade de fugitivos e a região de Palmares pareçamais do que coincidência".59

Como se pode observar, para Schwartz há instituições centro-africanas

específicas que podem ter sido fonte de inspiração e que talvez tenham sido adaptadas e

transformadas. Não se trata mais de sobrevivências ou heranças africanas, nem de uma

nova cultura. Ele procurou compreender como a marca africana nas ações dos escravos

 podia ser compatível com a diversidade étnica dos cativos e com os desafios vividos por 

eles na América. Além da cultura, havia em sua análise elementos mais amplos, ligados aestratégias políticas africanas. O que estava em jogo era uma cultura política: uma

experiência africana de integração de povos diversos e de geração de solidariedades que

também era empregada também na América.60 

Apesar da importância da contribuição analítica do artigo de Schwartz, a nova

senda interpretativa aberta por ele teve pouco impacto na historiografia brasileira.

Certamente os estudos sobre as fugas e os quilombos brasileiros passaram por 

modificações significativas, mas não nessa direção. Mesmo que a vertente militante

tenha sido abandonada, o interesse predominante continuou a enfatizar os aspectos e os

significados sociais das fugas, ao invés da cultura dos fugitivos. Alguns historiadores já

haviam observado que algumas fugas eram temporárias, usadas pelos escravos para

59 S. B. Schwartz, "Repensando Palmares", p. 253. Ao reproduzir o trecho, tomei a liberdade de corrigir um pequeno deslize do tradutor na última frase da citação.

60 Essa perspectiva se baseava nas análises desses mecanismos e instituições africanas, como as realizadas

 por Igor Kopytoff, "The internal African Frontier: the making of African political culture" in: Igor Kopytoff (ed.), The African frontier . Bloomington, Indiana University Press, 1987, pp. 3-84,desenvolvidas por Stephen Palmié, "African States in the New World? Remarks on the Tradition of Transatlantic Resistance" in: Thomas Bremer e Ulrich Fleischmann (eds.),  Alternative cultures in theCaribbean.  First International Conference of the Society of Caribbean Research, Berlin 1988 Frankfurt,Vervuert, 1993, pp. 55-67; e Palmié, Stephan “Ethnogenetic Processes and cultural transfer in Afro-American Slave Populations” Wolfgang Binder (ed) Slavery in the Americas. Wurzburg, Königshousenand Neumann, 1993, pp. 337-363. Schwartz leu esses dois artigos antes de serem publicadosdefinitivamente, como  papers escritos em 1988 e 1989. Cf. S. B. Schwartz, , "Repensando Palmares",

 pp. 245 e 249.

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exigir dos senhores mudanças nas condições de trabalho.61 Outros, como Marcus

Carvalho, já haviam verificado que as fugas podiam ser instrumentalizadas pelos

senhores, que escondiam fugitivos interessados em seu trabalho.62 Com relação aos

quilombos propriamente ditos, o panorama mudou por completo desde as pesquisasrealizadas por Flávio dos Santos Gomes, no início dos anos 1990.63 

Até os anos 1970 os agrupamentos de escravos fugidos eram vistos em geral

como lugares sociais e políticos que se colocavam "fora" do mundo escravista: os

fugitivos buscavam o isolamento nas matas, afastando-se das fazendas e engenhos, como

forma de proteger a liberdade conquistada e só retornavam às fazendas e lavouras quando

recapturados. Ao estudar formações quilombolas extensas no Vale do Paraíba e na

Baixada Fluminense, Flávio Gomes documentou as trocas entre quilombolas e

taberneiros locais e as relações entre os que estavam nos matos e os escravos que

continuavam nas senzalas. Seus estudos abriram a possibilidade de investigar novas

dimensões da vida nos quilombos e suas relações com as várias modalidades de fuga,

com outros grupos e segmentos sociais. Mas não contemplavam, assim como no caso da

maior parte dos estudos sobre a escravidão, as questões da cultura dos escravos - ou seja,

o fato de serem africanos, dessa ou daquela parte da África, ou de serem crioulos pesava

 pouco na análise empreendida.

O centenário da morte de Zumbi não ofereceu novidades, nem deu margem a umestudo específico sobre Palmares. As diversas perspectivas de análise se desenvolveram,

multiplicando os estudos sobre os quilombos em várias regiões e períodos da história da

escravidão no Brasil. Os temas têm variado, abordando ora questões da vida interna dos

quilombos, ora suas ligações com a sociedade escravista. Ainda que vários deles tenham

 buscado compreender a lógica dos escravos e dos fugitivos, o tema da cultura e das

61 Um bom exemplo é a fuga dos escravos de Sergipe do Conde, que depois propuseram um tratado de paza seu senhor. Vide Stuart B. Schwartz, "Resistance and accommodation in eighteenth-century Brazil: theslaves' view of slavery" The Hispanic American Historical Review, 57 n. 1 (1977): 69-81. 

62 Marcus J. M. de Carvalho, "' Quem furta mais e esconde': o roubo de escravos em Pernambuco, 1832-1855" Estudos Econômicos, 17, nº especial (1978):89-110.

63 Ver, especialmente, Flávio dos Santos Gomes, Histo  rias de quilombolas: mocambos e comunidades de

 senzalas no Rio de Janeiro, se  culo XIX. Rio de Janeiro, Arquivo Nacional, 1995; e  A hidra e os

 pântanos. 

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heranças africanas não tem sido relevante. Talvez isso possa ser explicado por dois

movimentos paralelos.

 No caso do Brasil, muitos estudos ganharam dimensões políticas mais diretas, ao

se conectarem às reivindicações dos remanescentes de quilombos, que foramreconhecidas pela Constituição de 1988. Nesse movimento o termo quilombo se alargou,

ganhando novas dimensões, às vezes distantes do significado que ele possuía no século

XVII e XVIII. Houve, assim, um novo modo de politizar o tema, levando-o para longe

das lides históricas.

Por outro lado, em termos mais gerais, tem havido um grande interesse

historiográfico pelos processos de contato cultural. Na antropologia e na história os

termos mais antigos do sincretismo e da mestiçagem têm sido revisitados, ganhando às

vezes novas roupagens e significados. Assim, de modos diversos, a idéia da formação de

uma nova cultura no Novo Mundo, proposta por Sidney Mintz e Richard Price nos anos

1970, tem ganhado muitos adeptos, ainda que nem sempre a referência a esses autores

seja evidente. A ênfase nos processos de crioulização e formação de sociedades

multiétnicas ou multiculturais caracteriza hoje grande parte dos estudos sobre a

escravidão nas Américas.

Os estudos mais recentes sobre Palmares vão nessa direção. Mesmo concordando

com uma predominância centro-africana entre os habitantes dos mocambos, Robert N.Anderson,64 por exemplo, ressaltou que "na segunda metade do século XVII, Palmares

era claramente um comunidade multiétnica e praticamente crioula".65 Essa interpretação

foi reforçada por alguns arqueólogos como Pedro P. A. Funari, Charles Orser Jr. e Scott

Joseph Allen que, baseados na predominância de artefatos indígenas encontrados nas

escavações realizadas na Serra da Barriga, acreditam ter documentado a existência de

uma população multiétnica em Palmares e discutem sua caracterização em termos de um

"mosaico cultural".66 

64 Robert N. Anderson, "The Quilombo of Palmares: A New Overview of a Maroon State in Seventeenth-Century Brazil." Journal of Latin American Studies 28 (1996): 553-62.

65 R. N. Anderson, "The quilombo of Palmares", p. 559.66 Pedro Paulo de A. Funari, "A arqueologia de Palmares. Sua contribuição para o conhecimento da história

da cultura afro-americana in J. J. Reis e F. S. Gomes (orgs.),  Liberdade por um Fio. São Paulo,Companhia das Letras, 1996,  pp. 26-51; Charles E. Orser Jr. e Pedro P. A. Funari, "Archaeology andslave resistance and rebellion" World Archaeology, 33 n.1 (jun. 2001): 61-72; e Scott Joseph Allen, "A

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Em outra chave, Flávio Gomes procurou inserir a história de Palmares numa

 perspectiva atlântica.67 Sua análise valoriza a perspectiva aberta por Richard Price, em

 Moroon societies, politizada pela abordagem de Paul Gilroy,68 e acrescentada pelos

estudos que enfatizam as trocas e os nexos atlânticos.69

Infelizmente, sua obra faz partede uma coleção que possui restrições editoriais, e se destina a oferecer um panorama

abrangente do tema. Assim, ele compensou a ausência de notas de rodapé com a

reprodução de vários documentos na íntegra, colocou várias questões e apresentou

sugestões interpretativas instigantes, mas não pôde aprofundar nenhuma delas.

Os estudos de Robert Anderson e Flávio Gomes mencionam o caminho analítico

 proposto por Schwartz mas, por motivos diversos, não lhe dão continuidade. Anderson

lhe retira a dimensão política, para reafirmar que "a persistência e adaptação de

elementos culturais africanos como o quilombo no contexto crioulo afro-brasileiro, de

fato, demonstra a continuidade da cultura africana e da cultura da diáspora africana no

 processo de transculturação ocorrido no Novo Mundo".70 Ou seja, não havia mais uma

cultura política, um idioma cultural Imbangala-Mbundo de integração de gente

desenraizada que havia se transferido para a América, mas continuidades culturais

transformadas pela diáspora africana. Flávio Gomes toma a análise de Schwartz como

exemplo das conexões possíveis entre Palmares e o universo africano, colocando diversas

questões interessantes sobre a troca de experiências entre as duas margens do Atlântico.Ainda que sejam apenas indicações, suas perguntas indicam que ele pensa em conexões

mais diretas, como no caso da circulação de notícias e de pessoas.71 O caminho merece

ser explorado, contudo é diverso do apontado por Schwartz.

Assim, a tradição que focaliza os aspectos da cultura voltou a ter interesse para os

que se dedicam à análise da história dos quilombos e das comunidades de fugitivos. Ela

'cultural mosaic' at Palmares? Grappling with historical archeology of a seventeenth-century Brazilianquilombo" in P. P. A. Funari (org.), Cultura Material e Arqueologia Histórica,  Campinas, IFCH-Unicamp, 1998, pp. 141-178.

67 Flávio dos Santos Gomes, Palmares, especialmente pp. 13-28 e 116-120.68 Paul Gilroy, The black Atlantic. Modernity and double consciousness. Londres, Verso, 1993 (trad: O

 Atlântico negro. São Paulo, Ed. 34/UCAM-CAA, 2001)69 Luiz Felipe de Alencastro, O trato dos viventes. Formac ão do Brasil no Atla  ntico Sul, séculos XVI e

 XVII . Sa               o Paulo, Companhia das Letras, 2000.70 R. N. Anderson, "The quilombo of Palmares", p. 565.71 F. S. Gomes, Palmares, especialmente pp. 119-120.

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tem preponderado também nos estudos sobre as negociações com os fugitivos. Com

relação a esse tema, no entanto, quase nada há a respeito dos quilombolas no Brasil,

ainda que esse seja um aspecto importante na história das fugas e dos fugitivos nas

Américas, como veremos a seguir.

2. Pelas Américas

A história das fugas e dos quilombos no Brasil está ligada a uma tradição

militante que tendeu a valorizar a luta pela liberdade empreendida pelos fugitivos. No

caso da história de Palmares, como vimos, tal perspectiva redundou na construção de

análises que na maior parte das vezes cultivaram as características heróicas do quilombo

e de suas lideranças com o propósito de inspirar outras lutas revolucionárias. Por sua

longevidade e pela extensão geográfica que ocupou, Palmares aparece como caso

excepcional na história dos quilombos no Brasil.

Muitos historiadores já observaram que os quilombos conhecidos foram aqueles

destruídos, registrados pelos documentos produzidos pela repressão. De fato. Apenas

alguns, mais raros, conseguiram permanecer bem escondidos e escapar das investidas

coloniais e imperiais. Poucos remanescentes de quilombos atuais têm suas raízes em

quilombos desse tipo - em geral, constituem comunidades que se formaram por outros

motivos e que passaram a assumir posteriormente uma identidade quilombola.72 Nesse

quadro, as negociações de 1678 aparecem como uma exceção.

Também os estudos sobre as fugas e quilombos (ou  palenques, cumbes, marrons 

e cimarrones) nas Américas tenderam a dar menos importância aos acordos de paz. O

livro organizado por Richard Price em 1973, no contexto do movimento pelos direitos

72 Para uma discussão sobre o tema, ver Hebe Mattos, "Novos quilombos: re-significações da memória docativeiro entre descendentes da última geração de escravos" in: Ana Lugão Rio e Hebe Mattos, Memórias do cativeiro. Família, trabalho e cidadania no pós-abolição. Rio de Janeiro, CivilizaçãoBrasileira, 2005, pp. 255-301. Ver também José Maurício Arruti,  Mocambo. Antropologia e história do processo de formação quilombola. Bauru, Edusc, 2006, bem como os artigos que compõem a parteintitulada "Herança quilombola" na coletânea Clóvis Moura (org.), Os quilombos na dinâmica social do Brasil . Maceió, EdUFAL, 2001, pp. 301-376. Para uma avaliação crítica das tensões entre a análisehistórica e a defesa de posições políticas com relação à história dos quilombos e dos remanescentes dequilombos, ver Richard Price, "Reinventando a história dos quilombos: rasuras e confabulações". Afro- Ásia, 23 (1999):239-265.

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de entradas organizadas contra eles, poderiam ter conquistado a paz echegado provavelmente a criar uma vibrante e singular cultura afro-americana".76

Dolorosamente perto de conseguir condições para criar uma cultura vibrante e

singular... É a perspectiva americana que certamente possibilita que esse autor inverta osentido que a maior parte dos historiadores de Palmares atribui às negociações de 1678.

De certo modo, para Richard Price, é como se o objetivo final dos movimentos de fuga

fosse a formação de uma comunidade de fugitivos forte o suficiente para conseguir 

conquistar a paz e a estabilidade. Ele não está preocupado com o significado político que

os fugitivos podem ter para nós, hoje, mas com o que era importante para as próprias

comunidades de fugitivos, segundo a lógica daqueles que fugiam.77 Não por acaso, essa

forma de compreender a questão se aproxima de todo o desenvolvimento mais recente dahistoriografia sobre a experiência dos escravos nas Américas, mencionado há pouco.

Tal concepção também está presente no livro recente de Alvin O. Thompson, que

faz questão de explicitar que valoriza a luta dos oprimidos diante do que ele denomina de

"estados autoritários", ao oferecer um amplo panorama dos movimentos de fuga e das

comunidades formadas por fugitivos nas Américas. Dois capítulos dessa obra são

dedicados à análise das negociações e dos tratados de paz que, para ele, fazem parte de

um quadro maior de estratégias de luta dos escravos, já que estes estavam acostumados a

negociar com seus senhores vários aspectos da vida sob a escravidão, a fim de reduzir o

 peso das condições de vida ou de trabalho ou obter certas regalias. Thompson examina

diversos tipos de negociação entre fugitivos e autoridades escravistas, desde aquelas que

envolviam diretamente os chefes quilombolas até as que eram feitas por senhores e

autoridades coloniais com vistas a alterar suas estratégias e políticas.78 

Há, assim, várias possibilidades. Os senhores podiam, por exemplo, oferecer aos

escravos (não aos fugitivos) liberdade em troca da revelação de planos de revoltas ou do

76 R. Price, "Palmares como poderia ter sido", pp. 57-58.77 Como já se observou, Flávio Gomes apoiou algumas de suas observações sobre Palmares na obra de

Richard Price sobre os Saramakas. Gérard Police aprofunda essa comparação, levantando vários pontosde convergência entre as duas experiências. Cf. Quilombos dos Palmares. Lectures sur un marronnagebrésilien. Guyane, Ibis Rouge, 2003, pp. 26-27 e 250-254; e Flávio dos Santos Gomes,  Palmares. Escravidão e liberdade no Atlântico Sul . São Paulo, Contexto, 2005, pp. 117-125

78 Alvin O. Thompson,  Flight to Freedom. African runaways and Maroons in the Americas. Kingston,University of the West Indies Press, 2006, pp. 265-315. Os próximos parágrafos estão baseados naanálise empreendida por esse autor, resumindo suas idéias principais.

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engajamento em milícias enviadas para prender seus líderes, para guiar ou compor as

tropas expedidas contra os quilombos. O interessante da análise de Thompson é que ele

não leva em conta apenas os interesses senhoriais mas também os dos próprios escravos,

que eventualmente aceitavam essas ofertas como uma reação às perdas causadas pelosataques dos quilombolas a suas roças ou à captura de suas mulheres e familiares. As

negociações resultariam ainda de tentativas de obter alguma recompensa individual - a

 própria liberdade, postos, insígnias ou favores e privilégios. Havia também composições

que envolviam escravos ou fugitivos e estados escravistas, como no caso de áreas

vizinhas sob domínio de nações diferentes, umas com escravidão e outras em que ela já

havia sido abolida, ou situações em que havia invasões territoriais e ofertas de liberdade

eram utilizadas para angariar adeptos das fileiras inimigas. Em vários casos, haveria até

acordos entre as potências imperiais com relação à restituição de fugitivos, desertores,

etc. Do ponto de vista dos escravos e fugitivos, aproveitar conjunturas específicas e lidar 

com os interesses em jogo ou com as diferentes jurisdições talvez fosse algo produtivo,

 porém arriscado.

As negociações com os próprios fugitivos podiam envolver tanto indivíduos,

alguns membros ou toda a comunidade quilombola. As ofertas incluíam anistia (com ou

sem liberdade) para os que se entregassem em certo prazo, liberdade para os nascidos no

quilombo em troca da devolução dos escravos fugidos (todos eles ou somente os fugidoshavia certo número de anos), liberdade apenas para os líderes e seus familiares ou

capitães mais próximos, para quem entregasse ao menos um fugitivo ou para aqueles que

servissem de espiões ou guias. As promessas eram feitas por intermediários, anunciadas

em editais ou publicadas em jornais e muitas vezes limitavam-se àqueles que não haviam

cometido crimes, como assassinatos, por exemplo. Normalmente tais oferecimentos

vinham dos senhores e seus agentes, mas indicam que eles tinham certa urgência em

chegar a um acordo "amigável". Em alguns casos, os mediadores tiravam algum proveito

da situação, manejando os dois lados para obter vantagens individuais, como aumentar as

dificuldades da captura de fugitivos para obter recompensas maiores dos senhores ou das

autoridades ou transformando-se de mediadores em caçadores de escravos.

Em alguns casos, os fugitivos voltavam de forma espontânea, esperando ser 

 perdoados sem punição ou negociando com os senhores condições para o retorno às

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fazendas. Algumas fugas eram planejadas com esse objetivo, como meio para fortalecer a

 posição dos cativos na negociação. Em outros casos, a oferta de anistia para os que

voltassem podia ser uma alternativa oferecida pelos governantes, junto com outras, como

o engajamento em milícias especiais ou a possibilidade de comprarem a próprialiberdade. Os arranjos eram diversos e dependiam dos envolvidos e das conjunturas: se,

 por exemplo, o acordo tivesse sido oferecido depois de expedições violentas, de crises de

fome ou epidemias, ou como alternativa à luta armada; variavam também conforme o

tempo que os quilombos haviam conseguido resistir, envolvendo toda a comunidade ou

apenas parte dela. Para os escravos, a vida nos quilombos muitas vezes era bem mais

atribulada e incerta do que nas fazendas, sobretudo durante os períodos de guerra aberta.

Esse talvez fosse mais um motivo para o acordo, conforme o que e como os escravos

conseguiam negociar os termos da relação de trabalho com seus senhores.

Os tratados e acordos de paz propriamente ditos implicavam que as autoridades

coloniais reconhecessem os fugitivos como uma comunidade independente, com

autonomia política, e muitas vezes envolviam a confirmação do direito dos fugitivos a

certas terras. As cláusulas variavam muito; com freqüência incluíam o reconhecimento

da liberdade para os que tinham se incorporado ao quilombo até certa data, a proibição de

admitir novos fugitivos, a obrigação de devolver os escravos a seus senhores, mediante

 pagamento de taxas, o compromisso de ajuda para conter invasores externos ou paraintegrar milícias contra novos fugitivos ou aqueles que resistiam ao acordo. Muitos

 previam o estabelecimento dos quilombolas em cidades livres, com administração e

autonomia judicial, com ou sem a presença de padres católicos ou pastores protestantes.

Alguns tratados eram negociados porém não chegavam a ser implementados,

enquanto outros duraram anos, décadas ou séculos. Claro que era possível haver 

dissimulação e trapaças - de ambos os lados. A avaliação do significado dos tratados

também variava, podendo ser considerado uma capitulação, o resultado de uma

necessidade imperiosa ou uma forma de enfraquecer os fugitivos. O ponto de vista dos

fugitivos é difícil de ser conhecido e muitos talvez achassem ter conseguido triunfar 

sobre a vontade senhorial de reescravizá-los. A mudança do enfrentamento para o

diálogo e para o acordo resultava da percepção, por parte de ambos os lados, de que

algum tipo de acomodação era necessária. Para os quilombolas, o acordo podia significar 

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não ter mais que contar os mortos e feridos e conseguir uma situação melhor - embora

algumas cláusulas eventualmente contivessem limites para o acesso à caça e coleta de

 produtos da floresta. Algumas vezes, depois de tratados que incluíam cláusulas de

fornecimento de víveres por parte do governo, as comunidades tornaram-se dependentesdas remessas feitas pelo governo, mesmo que fossem vistas como presentes ou tributos.

Para os senhores e autoridades, negociar um tratado era reconhecer a

incapacidade de vencer os quilombolas pela guerra, mas significava também que, uma

vez acertada a paz, eles iriam retomar suas vidas e seus negócios, sem medo de novas

taxas para subsidiar as expedições ou ver suas fazendas destruídas pela guerra. Podia

constituir, também, uma política mais estável de controle sobre os escravos em geral: a

capitulação dos fugitivos seria um exemplo de que a liberdade era algo a ser sempre

negociado com os senhores. E, sem dúvida, dominar os quilombolas abriria caminho para

que suas terras fossem apossadas pelos fazendeiros ou distribuídas entre os soldados.

O panorama oferecido por Thompson é vasto e para cada possibilidade há sempre

um caso concreto como exemplo, que percorrem vários séculos e diversas regiões das

Américas. Ainda que cada caso tenha suas peculiaridades, é possível fazer uma avaliação

geral. Com certeza, muitos interesses estavam em jogo: governo, autoridades, senhores

de escravos, soldados, caçadores de escravos, mediadores, fugitivos, seus líderes, e

escravos da vizinhança. Cada um interpretava o tratado a sua maneira, segundo seusinteresses, em benefício próprio. E atribuía ao outro (ou aos outros) intenções e

motivações diversas - sem contar diferenças internas a cada grupo: dissensões entre

senhores, entre autoridades e entre os próprios fugitivos. Eram elas que levavam, na

maioria dos casos, ao fracasso dos acordos. Algumas eram motivadas pelas cláusulas

acordadas, como a de devolução de fugitivos para as autoridades, ou a de liberdade

restrita a apenas alguns - motivo de dissensões freqüentes entre os quilombolas, pois

criavam desigualdades às vezes difíceis de suplantar, sobretudo entre as lideranças dos

quilombos.

Os exemplos fornecidos por Thompson e pela maior parte da bibliografia que ele

discute tratam de negociações e acordos de paz com os mocambos e quilombos ocorridos

em sua maior parte no século XVIII. Poucas são as situações anteriores ao acordo

ajustado com Gangazumba. De modo diverso dos historiadores, no entanto, as pessoas

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desconhecem o futuro; por isso, é preciso prestar atenção à cronologia. Vejamos algumas

das experiências anteriores ou contemporâneas do acordo de 1678.

 No Panamá, em 1580, foram feitos dois acordos com os fugitivos liderados por 

Darien, que reconheceram a liberdade de dois  palenques, Puerto Bello e Ballano, pertode Nombre de Dios. Esses tratados continham uma cláusula pouco comum, permitindo

que os escravos maltratados pelos senhores pudessem comprar a própria liberdade pelo

mesmo preço pago pelos senhores ao adquiri-los.79 As informações são parcas, mas

indicam que o local ocupado pelos fugitivos foi reconhecido pelas autoridades e que os

maus-tratos haviam constituído um ponto importante para as fugas.

Em Cartagena, em 1619, Domingo Bioho, um antigo rei africano também

chamado "el rey Benkos", liderou uma revolta que se estendeu por toda a região,

envolvendo muitos escravos. Instalou-se num povoado defendido por paliçadas e resistiu

a duas investidas contra eles. Quando se preparava uma nova expedição, o governador 

 julgou os custos muito altos e resolveu fazer as pazes com Benkos, que não pôde mais

usar o título de rei, mas pôde usar roupas européias, espada e adaga. Houve, portanto,

uma avaliação política sobre os custos e benefícios da guerra pelas duas partes, que se

decidiram pelo acordo. Surpreendido em nova conspiração contra o governador, Benkos

foi capturado e enforcado.80

Na Jamaica, quando os ingleses invadiram a ilha, cerca de 1.500 escravos pertencentes aos espanhóis aproveitaram para fugir. Os ingleses tentaram atraí-los para o

seu lado, mas eles permaneceram nas montanhas, dividindo-se em vários grupos.

Algumas vezes guerreavam ao lado dos espanhóis, outras vezes saqueavam as áreas

ocupadas pelos ingleses. Em junho de 1658 um grupo deles, liderado por Lubolo, foi

descoberto por um regimento inglês que lhes ofereceu aliança: em troca de deixar de

ajudar os espanhóis, ficariam livres, suas roças não seriam destruídas e teriam direito de

governar sua gente. Sem a colaboração dos fugitivos, os espanhóis foram rapidamente

derrotados. Lubolo e sua gente receberam direitos civis e terras e constituíram uma

milícia que nos anos seguintes acabou colaborando com os ingleses na perseguição aos

que recusavam se submeter. Depois da morte de Lubolo, o grupo diminuiu e acabou se

79 A. O. Thompson, Flight to Freedom, pp. 289-290.80 Aquiles Escalante, "Palenques en Colombia" in: R. Price (ed.), Maroon societies, pp. 77-79

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dividindo, internando-se nas matas.81 Nesse caso, os fugitivos aproveitaram a

oportunidade das contendas entre as nações colonizadoras para obtenção de vantagens e

direitos. A liderança de Lubolo parece ter sido importante tanto para o crescimento do

 poder dos fugitivos quanto para as negociações visando a manutenção da independênciada comunidade e dos direitos conquistados. O acordo se desfez não por ter sido quebrado

 por uma das partes, mas porque a própria comunidade se fracionou e se dissolveu, depois

da morte de Lubolo.

 Na Martinica, em 1665, um grupo de fugitivos liderados por Francisque Fabulé

fez tantos estragos na ilha que as autoridades resolveram negociar com ele. Enviaram um

escravo como intermediário e o acordo foi firmado. Fabulé recebeu mil libras de tabaco e

o compromisso de que nenhum fugitivo do grupo seria castigado. A calma retornou à

ilha, contudo, depois de algum tempo Fabulé foi castigado por insuflar uma escrava a

matar seu senhor. Depois de ser punido pelo delito, voltou a fugir, foi capturado e

condenado às galés.82 O episódio é interessante por mostrar que o acordo podia ser uma

estratégia em meio a outras. Ele podia colocar um fim às turbulências causadas por 

comunidades de fugitivos que se fortaleciam, mas não significou que a reintegração dos

fugitivos na ordem escravista - já que Fabulé passou a servir na casa do governador -

tenha impedido novas ações.

Em 1677, na região de El Cobre, em Cuba, cerca de 378 pessoas fugiram durantealgum tempo para as montanhas, para evitar que muitos fossem transferidos das minas de

cobre para as fortificações em Havana. Negociaram com as autoridades e conseguiram

que ninguém seria removido sem permissão, que só trabalhariam para o rei dois meses

 por ano e obtiveram terras onde se instalaram com seu próprio cabildo.83 Aqui temos

uma situação bastante complexa, em que a fuga é um instrumento para negociar com os

senhores melhores condições de trabalho e a permanência num certo local. A vitória dos

81 Cf. Mavis C. Campbell, The Maroons of Jamaica, 1655-1796. A history of resistance, collaborattion and betrayal. Granby, Begin & Garvey Publishers, 1988, especialmente pp.14-25. Ver também OrlandoPatterson, "Slavery and lave revolts: a sociohistorical analysis of the first Maroon War, 1665-1740" in:R. Price (ed.), Maroon societies, pp. 254-255.

82 Gabriel Debien, "Marronage in the French Caribbean" in: R. Price (ed.), Maroon societiees, p. 108.83 A. O. Thompson,  Flight to Freedom, p. 284. Ver também Maria Elena Díaz, The Virgin, the King and 

the Royal slaves of El Cobre: negotiating freedom in colonial Cuba, 1670-1780. Stanford, StanfordUniversity Press, 2000.

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fugitivos é grande, pois eles não apenas conseguiram seus objetivos, como ainda

obtiveram independência política e econômica, ao terem acesso a terras e representação

diferenciada.

Como se pode verificar por essas breves informações, todos foram acordosrelativamente efêmeros, que contêm uma ou mais variáveis mencionadas por Thompson.

Há um episódio, entretanto, que guarda características mais permanentes e mais

 próximas do tratado firmado com Gangazumba: é o caso dos fugitivos liderados por 

Yanga, na região de Veracruz, na região sul da costa leste do atual México. Vejamos os

detalhes.

Desde que as plantações de açúcar se instalaram nas terras ao sul do golfo do

México, para lá afluíram muitos escravos africanos - e as montanhas serviram de abrigo

 para os fugitivos. Eles atacavam os viajantes e os comboios de mercadorias que subiam

do litoral para o altiplano e eram rechaçados pelas autoridades coloniais. Em 1570, vários

 palenques foram destruídos, mas grupos remanescentes conseguiram se reagrupar em

núcleos entrincheirados nas montanhas, onde sobreviveram por mais de 30 anos

liderados por Gaspar Yanga. Em 1609, depois de resistir a um novo ataque por parte das

tropas espanholas,84 Yanga negociou a paz com as autoridades da Nova Espanha. Depôs

as armas em troca do reconhecimento da liberdade de todos os que haviam fugido até

setembro de 1608 e da fundação de um pueblo livre, onde se instalaram com seu própriogoverno e justiça, sem intervenção dos espanhóis, localizado a dez quilômetros de

Córdoba. Também se comprometiam a capturar e entregar às autoridades os escravos que

fugissem e buscassem abrigo no pueblo, a ajudar a Coroa espanhola em caso de ataques

estrangeiros e a pagar tributos como todos os demais negros e mulatos forros.85 Yanga

tornou-se governador desse  pueblo, batizado de San Lorenzo de los Negros, onde se

instalaram mais de 500 fugitivos. A vila foi oficialmente criada por volta de 1630,

84 Para uma descrição de uma das batalhas, vide Jane Landers, "La cultura material de los cimarrones: loscasos de Ecuador, La Española, México y Colombia" in: Rina Caceres (ed.),  Rutas de la esclavitud en África y América Latina. São José, Editorial de la Universidad de Costa Rica, 2001, pp.147-149.

85 Uma transcrição do acordo pode ser encontrada em Jane Landers, "Cimarrón and citizen. Africanethnicity, corporate identity and the evolution of free black towns in the Spanish Circum-Caribbean" in:Jane G. Landers e Bary M. Robinson (eds.), Slaves, subjects and subversives. Albuquerque, Universtiyof New Mexico Press, 206, pp.133-135. O artigo (pp.111-145) oferece uma interessante e detalhadaanálise do tema.

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mudando depois de nome, para San Lorenzo de Cerralvo, em honra do vice-rei Rodrigo

Pacheco y Osorio, marqués de Cerralvo.86

A vida em San Lorenzo não era fácil. Os fazendeiros de Córdoba não se

conformavam com o acordo. Agrediam seus habitantes, tentavam impedi-los de fazer aguardente, usurpavam suas terras e perseguiam-nos das mais diversas maneiras.87 Os

habitantes de San Lorenzo recorriam ao vice-rei, que intercedeu em favor deles em várias

circunstâncias e o povoado conseguiu sobreviver, tornando-se um "patrimônio comum de

todos os escravos da zona, que sabiam da possibilidade de chegar à liberdade por meio

do rompimento brusco das correntes".88 De fato, a experiência de Yanga e seus

companheiros se tornou conhecida e serviu de exemplo. Outros  pueblos libres foram

formados na região, como San Miguel de Soyaltepeque, em 1670.

 Na mesma região, no início do século XVIII, outros  palenques haviam se

formado e crescido com o aumento das fugas individuais ou em grupo. Em 1735 eles

estavam ligados a uma rebelião de escravos liderados por Miguel de Salamanca, ao que

 parece movidos pelo boato de que o rei espanhol havia concedido liberdade para os

escravos. O boato talvez tivesse surgido das movimentações de autoridades locais que

tentavam negociar com os cimarrones a deposição de armas em troca da criação de um

outro  pueblo livre. A rebelião se espalhou com rapidez e tropas foram enviadas para

contê-la. Muitas foram as batalhas, até que a traição de um dos levantados levou à prisãodos líderes que foram executados em praça pública em 1737. Mas vários deles

conseguiram fugir e se esconderam nas montanhas, formando novo  palenques. Em 1741,

houve nova tentativa de rebelião, com novos ataques, prisão do líder, chamado Inácio,

que também acabou enforcado na vila de Córdoba.

Os rebeldes remanescentes permaneceram nas montanhas e em 1743 solicitaram à

Real Audiência a sua liberdade em troca da deposição das armas. Apesar de contarem

com o apoio do alcaide de Teutila - povoado próximo aos  palenques - e de comerciantes

86 Além do artigo de J. Landers mencionado na nota anterior, vide David M. Davidson, "Negro SlaveControl and Resistance in Colonial Mexico, 1519-1650", in R. Price (ed.), Maroon societies, pp. 82-103;e Adriana Naveda Chávez-Hita, "De San Lorenzo de los Negros a Los Morenos de Amapa: cimarronesveracruzanos, 1609-1735" in: Rina Caceres (ed.), Rutas de la esclavitud en África y América Latina, pp.157-174.

87 A. N. Chávez-Hita, "De San Lorenzo de los Negros a Los Morenos de Amapa, pp.160-161.88 A. N. Chávez-Hita, "De San Lorenzo de los Negros a Los Morenos de Amapa, p. 161.

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  110

interessados em seus produtos, os ataques dos fazendeiros contra os fugitivos

continuaram. Em 1762, os cimarrones apresentaram-se como voluntários em Veracruz,

respondendo ao chamado do vice-rei, para lutar em favor dos espanhóis contra os

ingleses. Em troca, conseguiram a liberdade. Em 1767, aproveitando que pessoasfavoráveis estavam em postos importantes em vilas vizinhas, escreveram ao vice-rei

solicitando o reconhecimento formal de suas liberdades. Finalmente, depois de alguns

anos, o vice-rei acabou por acatar o pedido e os cimarrones estabeleceram-se no povoado

chamado Nossa Senhora de Guadalupe de los Morenos de Amapa.89

Cinqüenta anos depois da independência do México, em função dos esforços do

historiador e romancista Vicente Riva Palacio, Yanga ganhou foros de herói nacional.90 

Em 1932, a cidadezinha de San Lorenzo passou a se chamar Yanga e existe até hoje. 91 

Lá, uma enorme estátua de quatro metros de altura sobre um pedestal enfeitado com

canas-de-açúcar dá as boas vindas aos visitantes do município.92

Yanga havia sido escravizado na África Ocidental. Era de nação Bran e talvez

 pertencesse a uma linhagem real. Escapou com alguns companheiros de Veracruz,

formando seu  palenque na região montanhosa de Cofre de Perote.93 Nela, havia pelo

menos um grupo de gente vinda de Angola. Eles formavam uma milícia separada,

liderada por Francisco de la Matosa.94 Para os historiadores que trataram da história da

comunidade de fugitivos e de San Lorenzo de los Negros, a procedência daqueleshomens e mulheres não foi determinante para a análise, embora vários tenham se

debruçado sobre o tema com a intenção de participar dos debates sobre a presença dos

africanos nas Américas.

89 Sobre o tema ver ainda William B. Taylor, "The foundation of Nuestra Señora de Guadalupe de losMorenos de Amapa" The Americas, 26 n. 4. (1970):439-446; e Patrick J. Carrroll,  Blacks in colonial Veracruz. Race, ethnicity and regional development. Austin, University of Texas Press, 1991, pp. 82-92;e Joe Pereira, "Maroon heritage in Mexico" in: E. Kofi Agorsah (ed),  Maroon heritage. Archaeological,

ethnographic, and historical perspectives. Barbados, Canoe Press, 1994, pp. 94-108;90 Riva Palacio mergulhou nos arquivos e escreveu uma história de Yanga que foi publicada como parte deuma antologia em 1870 e como uma brochura separada em 1873. Há várias reedições, a última de 1997.Vide Vicente Riva Palacio, Los 33 negros y otros episodios relacionales. México, Alianza Cien, 1997.

91 Há diversos festivais celebrando a memória desses eventos. Ver, por exemplo, Sagrario Cruz-Carretero,"Yanga and the black origins of Mexico" The Review of Black Political Economy (2005): 73-77.

92 John Ross, "Raízes Negras". Sem fronteiras, 258 (mar. 1998), p. 25.http://ospiti.peacelink.it/zumbi/news/semfro/258/sf258p25.html 

93 Jane Landers, "Cimarrón and citizen, p. 121.94 Jane Landers, "Cimarrón and citizen, p. 126.

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É difícil saber se a experiência de San Lorenzo de los Negros chegou a ser 

discutida em Lisboa. O período da união das Coroas tem sido cada vez mais visitado

 pelos historiadores, em geral voltados para questões da história cultural e política. Aos

 poucos, contudo, começa a haver um interesse sobre o significado da proximidade daexperiência espanhola e portuguesa na administração dos territórios ultramarinos.95 Mas

nem de longe parece ter tocado no tema da conexão das políticas discutidas nas duas

Cortes com relação à escravidão.

Para os historiadores, no entanto, a possibilidade da comparação é um recurso

analítico importante. A aproximação entre a história e as características de Palmares com

outras comunidades de fugitivos nas Américas já foi aventada por vários historiadores,

como vimos. Destaco, entretanto, um artigo de Jane Landers , dedicado a discutir o modo

como as lideranças de comunidades de fugitivos legitimavam sua autoridade, no qual

compara Gangazumba e Yanga.96 

Segundo a autora, nem todas as lideranças examinadas reivindicavam descender 

diretamente de linhagens reais ou afirmavam ter exercido o poder na África, mas

operavam de modo semelhante: mantiveram um poder centralizado e constituíram

dinastias reais, algumas das quais chegaram a ser reconhecidas pelas autoridades

coloniais. Isso aconteceu com Gangazumba, cujos parentes governavam os mocambos e

também no caso de Yanka, cujos filhos puderam herdar seu cargo no governo do pueblo.Agindo como africanos, eles associaram o poder político ao religioso e militar, muitos

 baseados na autoridade dos mais velhos e dos chefes de famílias extensas. Em algumas

comunidades, as diferenças étnicas puderam ser contempladas, com milícias separadas

como vimos acima. Em outras, como no caso de Gangazumba, as relações de parentesco

estendiam seu poder sobre várias cidades. Landers aventa a hipótese de Gangazumba e

Yanka terem usado os acordos com os europeus para estabilizar sua liderança e dar 

continuidade à dinastia.97

 95 Um balanço da produção recente no Brasil e em Portugal sobre esse período pode ser encontrada em

Pedro Cardim, "O governo e a administração do Brasil sob os Habsburgo e os primeiros Bragança". Hispania¸64 n. 1 (2004):117-156.

96 Jane Landers, "Leadership and authority in Maroon settlements in Spanish America and Brazil" in: JoséC. Curto e Renée Soulodre-La France (eds.), Africa and the Americas. Interconnections during the slavetrade. Trento, Africa World Press, 2005, pp.173-184.

97 Jane Landers, "Leadership and authority in Maroon settlements", p. 181.

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A possibilidade de comparações entre a história de Palmares e do acordo de 1678

e eventos semelhantes nas Américas é promissora. Examinada a partir da experiência

americana, o acordo de Gangazumba se torna menos excepcional. Muitas de suas

cláusulas reaparecem em outras experiências análogas, em diferentes áreas decolonização. Do mesmo modo, é instigante a eventual conexão entre essas experiências,

e seria interessante verificar - como sugeriu Flávio Gomes - se os episódios que

mencionamos aqui, selecionados propositadamente entre aqueles que ocorreram no

 período anterior a Palmares, poderiam ter sido conhecidos pelas autoridades coloniais em

Lisboa. É pouco provável, com exceção de San Lorenzo de los Negros, cujas

negociações se desenvolveram durante o período da união ibérica, mas, como vimos,

ainda não há pesquisas a respeito. Do ponto de vista dos escravos, é menos provável que

as informações tenham circulado.

Cogitar esta possibilidade não é, entretanto, de todo irrelevante. Ao invés de

 procurar pistas sobre o trânsito das próprias pessoas ou das notícias pelo Atlântico, talvez

seja mais interessante abordar o tema a partir de outra perspectiva. O próximo item tenta

explicar por quê.

Além da cultura

A política tem estado presente todo o tempo nas discussões a respeito das

comunidades de fugitivos nas Américas. A ênfase em suas características africanas,

assim como seu abandono para destacar para os aspectos revolucionários da luta contra a

escravidão estiveram ligados à defesa de posições políticas. Nas últimas décadas, saber 

se os fugitivos recriaram ou transformaram a herança africana que trouxeram consigo, ou

se criaram uma nova cultura, e se ela era mais ou menos africanizada também se tornou

um debate permeado por engajamentos diversos.98 Ao lidar com as permanências e

sobrevivências, transformações, adaptações ou gêneses de culturas nas Américas, os

historiadores e antropólogos abordam as formas de dominação vigentes no sistema

escravista e o modo como os escravos e os fugitivos reagiram a elas - discutem, portanto,

98 Para um balanço desses debates, vide Richard Price, "O milagre da crioulização: retrospectiva". Estudos Afro-Asiáticos, 25 n. 3 (2003): 383-419.

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o passado. Ao mesmo tempo, estão envolvidos no debate mais amplo sobre o lugar das

heranças africana ou européia nas sociedades americanas, com todos os seus

desdobramentos político-institucionais, dentro e fora da academia - e falam do presente.

Ao longo do tempo, assim como as ênfases políticas variaram, também o próprioconhecimento sobre a África e sobre os africanos escravizados e seus descendentes nas

Américas se transformou. De uma África mais abstrata e relativamente genérica, sem

mudanças ao longo do tempo, como a que aparece nos trabalhos de Arthur Ramos e

Melville Herskovits, os estudiosos passaram a identificar etnias e contextos históricos de

modo cada vez mais preciso. Ao mesmo tempo, tornou-se possível diferenciar a

variedade de situações de contato entre culturas na própria África, antes e depois da

chegada dos europeus, assim como distinguir processos históricos específicos no Novo

Mundo. Hoje não mais se fala em bantus e sudaneses como na época de Nina Rodrigues

e há muito a divisão mais ampla entre África Central e Ocidental já não é suficiente.

Com relação à África Central Ocidental, por exemplo, é possível saber quais "africanos",

 por que motivos e meios, trazidos por quais traficantes, foram levados para esse ou

aquele lugar das Américas.99 O debate atual entre os que enfatizam os africanismos ou a

crioulização tem levado esses aspectos em consideração, acrescentando-se ainda o fato

de que vários africanistas têm discutido os processos de crioulização na própria África.100

Grande parte dessa discussão, no entanto, tem se desenvolvido em termos da"bagagem cultural" trazida pelos escravos, para usar um termo de Mintz e Price.101 O que

tem sido destacado são os valores e costumes cotidianos, padrões de relacionamento

social e familiar, práticas lingüísticas e crenças religiosas. O debate sobre as instituições

 políticas está presente, sem dúvida, mas de forma limitada. A formulação de Mintz e

99 Ver, entre outros, Philip D. Curtin, The Atlantic slave trade. A census. Madison, The University of Wisconsin Press, 1969; David Eltis,  Economic growth and the ending of the Transatlantic slave trade.

 Nova York, Oxford University Press, 1987; Joseph C. Miller, Way of Death. Merchant capitalism and 

the Angolan slave trade, 1730-1830. Madison, The University of Wisconsin Press, 1988; e David Eltis,Stephen D. Behrendt, David Richardson e Herbert S. Klein, The transatlantic Slave Trade, 1527-1867: adatabase on CD-Rom. Nova York, Cambridge University Press, 1999.

100 Ver, entre outros, Berlin, Ira. 'From Creole to African: Atlantic Creoles and the origins of African-American Society in mainland North America" The William and Mary Quarterly, 53 n. 2 (abr. 1996):251-288; Linda M. Heywood, "As conexões culturais angolano-luso-brasileiras" in: Selma Pantoja(org.),  Entre Áfricas e Brasis. Brasília, Paralelo/Marco Zero, 2001, pp. 51-71; e o recente Linda M.Heywood and John K. Thornton, Central Africans, Atlantic Creoles, and the foundation of the Americas,1585-1660. New York: Cambridge University Press, 2007

101 S. W. Mintz e R. Price, O nascimento da cultura afro-americana, p. 71

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Price guarda dois aspectos importantes, que é preciso discutir. De um lado, ela está

 baseada na idéia de que "embora imensas quantidades de conhecimento, informações e

crenças devam ter sido transportadas na mente dos escravos, estes não puderam transpor 

o complemento humano de suas instituições tradicionais para o Novo Mundo. (...)Sacerdotes e sacerdotisas, sim, mas o corpo sacerdotal e os templos, não. Príncipes e

 princesas, sim, mas cortes e monarquias, não".102 

De outro, supõe a existência de grande diversidade cultural entre os escravos:

eram "aglomerados heterogêneos de homens e mulheres"103 arrancados de suas

sociedades e vidas cotidianas. Enquanto havia certa homogeneidade cultural entre os

europeus - conforme fossem portugueses, ingleses, etc. - os africanos "provinham de

culturas e sociedades diversas e falavam línguas diferentes, amiúde reciprocamente

ininteligíveis".104 Aos poucos, eles teriam conseguido, nos porões dos navios negreiros e

durante a vida nas fazendas americanas, no contato com os europeus e sua cultura,

estabelecer laços de solidariedade e criar uma nova cultura. Por isso, as novas relações

sociais e culturais teriam sido "forjadas nas fogueiras da escravidão".105 Ao se

reconhecerem portadores de uma gramática cultural comum, tiveram condições de

"compor para si uma ordem social, dentro das margens de manobra definidas pelo

monopólio do poder senhorial", uma cultura que se desenvolveu dentro do sistema

escravista, mas separada das instituições senhoriais.106

Como se pode observar pelo balanço da historiografia realizado no início desse

capítulo, essa forma de abordar o tema se tornou predominante entre os historiadores que

estudam a experiência de escravos e fugitivos. Há um certo padrão cronológico que foi se

fixando: os primeiros laços se construíram na travessia do Atlântico, entre malungos,

depois entre os primeiros escravos nas fazendas, que iam integrando os novos escravos

que chegavam àquela comunidade que aos poucos se estabelecia e se desenvolvia.

Também nas comunidades de fugitivos esse padrão podia ser observado. Formadas por 

gente diferenciada, os fugitivos também criavam uma nova sociedade. No momento de

102 S. W. Mintz e R. Price, O nascimento da cultura afro-americana, p. 38.103 S. W. Mintz e R. Price, O nascimento da cultura afro-americana, p. 61.104 S. W. Mintz e R. Price, O nascimento da cultura afro-americana, p. 26.105 S. W. Mintz e R. Price, O nascimento da cultura afro-americana, p. 112.106 S. W. Mintz e R. Price, O nascimento da cultura afro-americana, pp. 60 e 61.

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sua formação, quando estavam mais frágeis, as comunidades se constituíam em função

da defesa, e organizavam-se em torno do poder e da autoridade dos guerreiros. Ao

conseguirem se estabelecer, desenvolviam formas mais estáveis e mais crioulizadas. Se

obtivessem sucesso nesse processo, chegavam eventualmente a negociar com oseuropeus para se perpetuarem no tempo.107

Não discordo essencialmente dessa forma de abordar a questão. Contudo, é como

se, ao atravessar o Atlântico, os escravos só tivessem trazido formas de viver, pensar e

agir. Grande parte da discussão tem girado em torno do confronto entre aqueles que

acham que esse processo de transformação cultural foi mais ou menos marcado pelas

formas da cultura africana - em geral ou dessa ou daquela região da África, conforme

avançam os conhecimentos sobre o tráfico atlântico. Na maior parte das vezes, essa

 proposta analítica tem gerado estudos sobre as identidades, as formas de coesão dos

vários grupos ou sobre os processos de assimilação pelos quais passaram. Uma certa

acepção de cultura acabou por se tornar predominante e um modo de apreender o tema se

tornou quase uma regra.

Há pouco, destaquei a importância da tese proposta por Stuart Schwartz sobre a

relação entre o kilombo Imbangala e o quilombo de Palmares. Como observei, ela abre

uma possibilidade de superar a divergência entre a diversidade cultural dos escravos -

com o corolário da criação de uma cultura diferenciada da africana - e a ênfase nasmarcas africanas da cultura dos escravos e fugitivos nas Américas. O caminho apontado

 por Schwartz levava em conta a existência de uma cultura política africana, na qual a

integração de povos diversos e desenraizados era parte importante. É uma cultura 

 política que poderia ter presidido as ações dos escravos e fugitivos nas Américas - e não

simplesmente a continuidade de traços ou elementos culturais.

Essa proposta está relacionada às teorias de Igor Kopytoff, que têm sido

retomadas também por outros autores que lidam com as experiências dos escravos nas

Américas.108 Para Kopytoff, a África é um "continente de fronteiras", no qual diferentes

tipos de crises (fomes, guerras civis, rivalidades étnicas, conflitos entre regimes políticos,

107 A tese foi desenvolvida por Richard Price em "Introduction. Maroons and their communities" in: R.Price (ed), Maroon societies, pp. 1-30.

108 Jane Landers, por exemplo, retoma Kopytoff ao analisar as lideranças de grupos fugitivos em váriasregiões da América espanhola. J. Landers, "Leadership and authority in Maroon settlements", p.174.

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  116

etc.) induzem com freqüência a movimentos populacionais que forçam grupos de

africanos a se deslocar e recriar novos laços sociais. Instalando-se nas fronteiras de

sociedades existentes, essas novas sociedades reproduzem, de forma mais simplificada, a

ordem social de origem. O deslocamento seria constitutivo das sociedades africanas,assim como a recriação de modelos sociais baseados nas formas tradicionais do

 parentesco, dos rituais políticos e religiosos, e da autoridade dos que chegam antes ou

depois.109 

Essa idéia já havia sido utilizada por Stephen Palmié para pensar o outro lado do

Atlântico como parte das fronteiras africanas.110 Para ele, não se tratava de opor 

 processos africanos ou de crioulização, mas de pensar como, na história cultural afro-

americana, continuidade e ruptura operavam simultaneamente. Ao fazer isso,

aproveitando-se do conceito de Kopytoff, ele mudava a chave interpretativa das

identidades culturais para formular a questão em termos de sociedade, nação e estado.111 

A parte principal de suas pesquisas dedicam-se a compreender os cultos de aflição no

Caribe, mas Palmié ocupou-se das comunidades de fugitivos em pelo menos dois artigos.

 Neles, Palmié associou as teses de Mintz e Price às de Kopytoff e considerou que

os mecanismos que teriam permitido a consolidação de laços entre os que atravessaram o

Atlântico e os que fugiam seguiram procedimentos africanos. Para ele, as duas

abordagens apontavam para a necessidade de prestar atenção em "princípiossubjacentes", ou em uma gramática cultural mais ampla que teria permitido aos escravos

e aos fugitivos criar um senso de comunidade.112 Por isso, verificou as possibilidades

interpretativas do conceito de Kopytoff, fez críticas a ele e explorou seu potencial

analítico para pensar as dimensões políticas desse processo.

109 Igor Kopytoff, "The internal African frontier: the making of African Political culture" in: Igor Kopytoff (ed.) The African frontier. The reproduction of traditional African societies. Bloomington, IndianaUniversity Pres, 1987, pp. 3-83. Ver também, do mesmo autor, "The internal African frontier: cultural

conservatism and ethnic innovation" in: Michael Rösler e Tobias Wendl (eds.),  Frontiers and borderlands. Anthropological perspectives. Frankfurt, Peter Lang, 1999, pp. 31-44.

110 Stephen Palmié, "African frontiers in the Americas?" in: Wim Hoogbergen (ed.),  Born out of resistance: on Caribbean cultural creativity. Utrecht, ISOR-Publications, 1995, pp. 286-300; e "AfricanStates in the New World? Remarks on the Tradition of Transatlantic Resistance" in: Thomas Bremer eUlrich Fleischmann (eds.),  Alternative cultures in the Caribbean.  First International Conference of theSociety of Caribbean Research, Berlin 1988 Frankfurt, Vervuert, 1993, pp. 55-67. Cito, aqui, as versõesfinais desses artigos, que circularam antes como papers, escritos em 1988 e 1989.

111 Stephen Palmié, "African frontiers in the Americas?", p. 287.112 S. W. Mintz e R. Price, O nascimento da cultura afro-americana, cap. 1

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  117

Foi nesse contexto que propôs que a instituição Imbangala do kilombo, estudada

em profundidade por Joseph Miller,113 podia ser vista como uma alternativa institucional

"de fronteira" na região angolana, capaz de transformar grupos que se deslocavam num

espaço político instável em estados. As novas configurações políticas estavam baseadasem certas formas de poder religioso e em títulos e cultos que se rearranjavam para

suplantar as linhagens e assimilar heterogeneidades. Os estados de Matamba, fundado

 por Nzinga, e o estado de Kasanje, fundado por meio da fusão de elementos Mbundo e

Imbangala, eram bons exemplos desse processo.114 Essa instituição poderia ter operado

também no Novo Mundo, funcionando como um princípio orientador da sociedade em

Palmares.

Palmié usa a expressão "Brazilian 'Marron State' of Palmares", que para ser 

traduzida perde sua capacidade sintética: ao retomar a expressão usada por Raymond

Kent, que afirmou ser Palmares um estado africano no Brasil ("an African State in

Brazil"), ele acrescentou a ela o fato de ser um estado formado por fugitivos, no Brasil.115 

Como na África Central, o kilombo teria servido para reagrupar e dar coesão a gente

diversa, fazendo em seguida re-emergir cultos ancestrais e "fechando a fronteira":

reinstalados e reagrupados, os princípios do parentesco renascem, junto com os cultos

ancestrais que servem de base para estruturar um novo estado. Nesse contexto, o

aparecimento de cargos políticos revelava o desenvolvimento do processo deestabilização social - até que novas fronteiras se formassem. Assim, para ele, pensando

do ponto de vista institucional, nganga zumba remeteria mais a um título que a uma

 pessoa: uma forma de liderança política e religiosa a indicar que a nova sociedade se

consolidava - sob a forma de um Estado.

Assim, as negociações do nganga zumba no Brasil poderiam ser interpretadas

como um gesto político para consolidar esse novo estado africano: parte de uma política

de estabilização, fortalecida por laços de parentesco e descendência, diferente da

experimentada no início, quando teria prevalecido o estado de guerra. Como se vê, não se

trata de uma instituição - o kilombo - que se transfere de uma margem a outra do

113 Joseph Miller,  Poder político e parentesco. Os antigos estados Mbundu em Angola. (trad.) Luanda,Arquivo Histórico Nacional, 1995.

114 S. Palmié, "African States in the New World?", p. 62.115 S. Palmié, "African States in the New World?", p. 298.

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  118

Atlântico, mas de um procedimento político mais amplo, que fornece uma gramática

tanto para a formação dos laços de coesão entre os fugitivos como para sua modificação

e para a formação de um Estado, segundo moldes africanos.

Palmié escreve quase ao mesmo tempo que Schwartz e os artigos de um e outrosão citados por ambos, em versões preliminares, ficando difícil distinguir as duas

 propostas. Ao escrever em 1995, depois portanto da versão final do artigo de Schwartz,

Palmié incorpora várias de suas observações, para construir uma formulação que julgo

importante. Ao concordar com Schwartz, ele observa porém que há muitas diferenças

entre o kilombo Imbangala e o quilombo de Palmares e que esse pode ter sido um dos

modelos políticos utilizados pelos quilombolas. Caminhar nessa direção é, para ele, uma

 boa maneira de levar em conta processos históricos e não essências identitárias.116

Creio que se trata de fato de um bom caminho. Não pretendo entrar na discussão

sobre os méritos e problemas da proposta teórica sobre as fronteiras de Kopytoff ou sobre

a capacidade hermenêutica de conceitos gerais e abstratos. Prefiro reter a proposta de ir 

além da cultura pensada em temos de identidades étnicas (que tendem a ser tratadas de

modo essencialista) para enfatizar a cultura política. Ela me parece ser importante por 

dois motivos. Em primeiro lugar, a reflexão realizada por Stuart Schwartz e Stephen

Palmié reconhece que os africanos, ao serem transportados pelo Atlântico, traziam

também em sua bagagem uma cultura política. Para retomar a formulação de Mintz ePrice, mesmo que "príncipes e princesas" não tivessem sido escravizados, e sem que

"cortes e monarquias" tivessem sido transpostos para o Novo Mundo, um modo de criar 

sociedades e de organizá-las certamente pôde acompanhar os homens e mulheres na

diáspora. Além de portadores de "imensas quantidades de conhecimento, informações e

crenças" eram também sujeitos políticos. Em segundo lugar, essa abordagem permite

explorar outras formas de conexão entre a experiência africana na África e nas Américas,

além de proporcionar mais espaço para a análise da mudança e da transformação -

elementos tão caros à análise histórica.

O caminho não é novo. Alguns historiadores já exploraram a dimensão política

das instituições dos escravos - em particular ao tratarem das rebeliões. Para ficar com

116 S. Palmié, "African States in the New World?", p. 296.

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autores brasileiros, destaco os estudos de João José Reis e Robert W. Slenes. O primeiro

estudou a revolta dos malês em 1835 na Bahia, mostrando como as identidades religiosa

e étnica dos africanos vindos da África Ocidental moldaram tanto o modo como viveram

a escravidão na cidade da Bahia, quanto o modo como se revoltaram.117

Não eramsimplesmente "africanos": as diferenças étnicas e religiosas entre eles foram cruciais para

as duas experiências. Os principais líderes da revolta eram nagôs, e havia forte

 participação de haussás. Essas identidades, entretanto, não foram suficientes para definir 

o caráter do movimento, que foi profundamente marcado pelo islamismo. Esse, por sua

vez, não apagou as marcas étnicas, mas ajudou a diferenciar africanos e crioulos e fez

com que os malês - muçulmanos nagôs - dessem o tom ao movimento. Como afirma o

 próprio autor, "é inútil delimitar em casos como este a fronteira exata entre religião e

rebelião".118 Mais que étnica ou religiosa, no entanto, a revolta foi escrava - um

movimento de indivíduos escravizados que buscavam a liberdade e tinham pela frente

um poderoso inimigo - os senhores brancos da Bahia.119 Reis não faz qualquer referência

às teses de Schwartz, Palmié ou Kopytoff - mesmo porque seu objeto é outro. Em sua

análise, porém, são as questões relacionadas à formação da força política capaz de

alimentar a rebelião (fundada nesse caso em elementos religiosos e étnicos) que orientam

a investigação e a interpretação daquele movimento social.

Robert W. Slenes estudou a formação de uma "proto-nação bantu" no Sudeste doBrasil na primeira metade do século XIX. Ao compartilhar a experiência comum do

tráfico e da escravidão em áreas rurais do Rio e de São Paulo, africanos de várias etnias,

de línguas e costumes diferentes (mas na maior parte bantus) descobriram paradigmas

culturais comuns e criaram uma nova identidade capaz de lhes permitir viver na

escravidão e enfrentar os senhores. Se de início sua pesquisa voltou-se para aspectos

mais culturais, como a formação de uma língua franca, baseada no substrato lingüístico

comum do kimbundu, do kikongo e do umbundu, e sobre práticas escravas, como os

117 João José Reis,  Rebelião escrava no Brasil. A história do levante dos malês. São Paulo, Brasiliense,1986. A segunda edição, revista e ampliada (São Paulo, Companhia das Letras, 2003) aprofundou aanálise dos elementos religiosos e étnicos do movimento rebelde, acrescentando novos capítulos sobre otema.

118 J. J. Reis, Rebelião escrava no Brasil . São Paulo, Companhia das Letras, 2003, p. 247.119 J. J. Reis, Rebelião escrava no Brasil , p. 282.

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 jongos, que permitiam uma comunicação entre os cativos distante da compreensão

senhorial,120 ela aos poucos avançou para o terreno da política.

Em trabalhos mais recentes, tem explorado em perspectiva comparativa os

significados políticos dos cultos kimpasi (cultos comunitários de aflição, relacionados asituações de crise) realizados por Beatriz Kimpa Vita e seus seguidores no Kongo do

século XVIII, aqueles praticados pelos membros da Cabula no Norte do Espírito Santo,

no início do século XX, e em S. Roque, em meados do século XIX, além dos cultos

 praticados pelos escravos de Vassouras e Valença que planejaram uma insurreição no

Vale do Paraíba em 1848.121 Também Slenes não faz referência aos autores mencionados

acima, mas sua pesquisa está orientada pela necessidade de pensar religião e política em

conjunto, procurando na experiência africana elementos desse modo de agir que podem

ter ocorrido entre os escravos no Brasil.

Esses dois autores buscam, assim, analisar uma gramática política que esteve

 baseada em práticas e instituições africanas específicas que informaram um modo

 particular de alguns africanos, em situações históricas determinadas, armarem planos e

revoltas contra a escravidão e seus senhores. Evidentemente, a política faz parte da

cultura, no sentido mais amplo. Mas aqui se trata de sublinhar como instituições sociais e

religiosas serviram de esteio para ações politizadas, cujos sentidos nem sempre são fáceis

de compreender à primeira vista. Mais que formas ou crenças religiosas, traços culturaisdessa ou daquela nação ou etnia, é o modo como esses elementos se articularam, no

contexto da escravidão, seguindo modelos africanos, que interessou a esses autores.

João José Reis e Robert W. Slenes analisam contextos escravistas bem diferentes

da realidade da escravidão em Pernambuco no século XVII, que precisa ser levada em

conta no caso de Palmares. Uma das grandes diferenças é o fato de a escravidão, no

120 Cf. Robert W. Slenes, "'Malungu, ngoma vem!': África coberta e descoberta no Brasil" Revista USP, 12

(dez./jan./fev.1991-92): 48-67. A versão mais acabada do estudo sobre os jongos aparece em “‘Eu Venhode Muito Longe, Eu Venho Cavando’: Jongueiros Cumba na Senzala Centro-africana” in: Silvia HunoldLara e Gustavo Pacheco. (orgs.),  Memória do Jongo, as gravações históricas de Stanley J. Stein.Vassouras, 1949. Livro-CD. Rio de Janeiro: Folha Seca/Cecult, 2007, p. 109-156.

121 Robert W. Slenes, "Saint Anthony at the Crossroads in Kongo and Brazil: ‘Creolization’and IdentityPolitics in the Black South Atlantic, ca. 1700/1850" in: Livio Sansone, Elisée Soumoni e Boubacar Barry(eds), Africa, Brazil and the constructions of trans-Atlantic Black identities. Trenton, Africa Worls Press,2008, pp.209-236. Vide também “L’Arbre nsanda replanté: cultes d’affliction kongo et identité desesclaves de plantation dans le Brésil du Sud-Est entre 1810 et 1888” Cahiers du Brésil Contemporain(EHESS, Paris), n. 67/68, p. 217-313.

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século XVII, estar articulada aos mecanismos mais amplos da colonização moderna. Se

se pretende investigar gramáticas políticas, o enquadramento mais geral não pode ser 

tratado como simples moldura. Esse contexto certamente faz parte do campo empírico

que está sendo examinado aqui e deve ser levado em conta para aprofundar a discussão.Dito de outro modo, ao buscar a gramática política africana em ação no processo de

formação e desenvolvimento de Palmares é importante pensar que nem a África nem os

mocambos estavam isolados ou excluídos desse contexto mais geral.

O fenômeno histórico que enquadra a questão que se está discutindo é o da

expansão européia moderna, que incorporou novas áreas "além-mar" ao domínio

europeu. No caso português, esse processo envolveu a formação de um império colonial,

no qual territórios espalhados pelos quatro cantos do mundo, habitados por uma

diversidade de povos, estavam articulados. Não há dúvida a respeito das tensões e

dilemas que a dominação colonial fez brotar e os historiadores não se cansam de debater 

a natureza dos vínculos e dos nexos políticos, econômicos e culturais que estiveram em

 jogo no processo da dominação e exploração das riquezas do Novo Mundo pelos

europeus.122 

Grande parte da literatura que trata do tema em relação ao processo da expansão e

da colonização portuguesas tem se dedicado a analisar seus aspectos econômicos ou

como as forças políticas se articularam para controlar os novos territórios e explorá-los.São os mecanismos administrativos e os modos de governar as áreas coloniais que têm

interessado a maior parte das investigações. Como já observei mais extensamente em

outro lugar, o significado da escravidão e da experiência escrava não tem sido levado em

conta na análise das questões políticas imbricadas na história do império colonial

 português.123 Não se trata apenas de incorporar o tráfico negreiro como parte importante

122 Há, evidentemente, modos diversos de abordar o tema, com implicações teóricas que não vou discutir aqui. Para uma análise clássica e marcante da colonização portuguesa moderna ver Fernando Antonio

 Novais,  Portugal e Brasil na crise do antigo sistema colonial (1777-1808). S. Paulo, Hucitec, 1979,especialmente cap. 2. Para um exame dos nexos coloniais no século XVII português, vide Luiz Felipe deAlencastro, O trato dos viventes. Formação do Brasil no Atlântico sul. Séculos XVI e XVII. S. Paulo,Companhia das Letras, 2000.

123 Cf. Silvia Hunold Lara, "Conectando Historiografias: a escravidão africana e o antigo regime naAmérica portuguesa" in: Maria Fernanda Bicalho e Vera Lúcia Amaral Ferlini (orgs.),  Modos deGovernar. Idéias e Práticas Políticas no Império Português (sécs. XVI-XIX). S. Paulo, Alameda CasaEditorial, 2005, pp. 21-38.

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  122

dos mecanismos da exploração colonial ou de enfatizar os nexos econômicos e políticos

entre a África e o Brasil, mas de verificar qual o peso que as políticas africanas de um

lado e de outro do Atlântico tiveram na constituição das políticas coloniais - na África e

no Brasil.Se buscamos enfatizar que os africanos também traziam em sua bagagem uma

cultura política, é preciso conceder a eles a condição de sujeitos políticos atuantes no

 processo mais amplo da colonização, nos dois lados do Atlântico. Para não me estender 

em demasia com observações genéricas e abstratas, destaco três pontos que considero

importantes para a análise que desenvolvo aqui.

Em primeiro lugar, o modo como povos e civilizações diversas foram forçados a

entrar em contato com os europeus variou bastante. Para pensar a política, no contexto

dos impérios coloniais da época moderna, deve-se levar em conta que culturas diferentes,

de algum modo, tiveram - com maior ou menor tensão - que dialogar. Uso a palavra aqui

no sentido amplo - que não quer dizer somente entendimento e concordância, mas

comunicação.

Mintz e Price, mesmo enfatizando o convívio de africanos de origens diversas,

não deixaram de mencionar as tensões do contato cultural entre africanos e europeus nas

Américas. Na abordagem desse tema, é bastante freqüente partir do princípio de que

havia uma diferença radical entre europeus e africanos. Há entretanto um artigo de JohnThornton em direção contrária, pois aponta a similitude entre a monarquia portuguesa e

conguesa no século XVI.124 Para contestar o anacronismo presente em várias análises das

relações entre portugueses e o reino do Kongo, Thornton volta à documentação

quinhentista para mostrar como Portugal e o Kongo possuíam estruturas sociais,

econômicas e políticas parecidas o suficiente para que os membros de uma e outra

sociedade pudessem operar com certa familiaridade.

Além disso, apesar de Portugal possuir mercadorias diferenciadas e técnicas mais

eficazes que o Kongo, ambos os reinos tinham basicamente o mesmo nível econômico,

com taxas de produtividade semelhantes, afetadas por períodos de fomes e pestes. Eram

as diferenças nas técnicas de transporte e nas táticas militares, bem como nas armas e nos

124 Cf. John Thornton, "Early Kongo-Portuguese relations: a new interpretation"  History in Africa, 8(1981): 183-204.

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tecidos portugueses que interessavam ao reino do Kongo e foram incorporados pelos

congoleses. Ambos os reinos possuíam sistemas monetários que possibilitavam redes

extensas de comércio, baseadas no ouro e na prata em Portugal e em tecidos específicos e

conchas nzimbu no Kongo e cowri para trocas de longa distância. Além disso, os doisreinos "eram monarquias governadas por um rei e por uma classe de nobres na qual as

relações de parentesco, clientelismo e influência dominavam o sistema político".125 Os

conceitos de soberania, nobreza e vassalagem, por exemplo, eram equivalentes nos dois

reinos e o fato de Afonso I se intitular "rei do Kongo e senhor dos Ambundos" mostra

que a correspondência podia ser reconhecida por ambos os lados. Do mesmo modo, o

fato de o ngola ser chamado de "rei" não era apenas retórica, mas descrevia tanto as

relações internas entre o rei do Ndongo e seus vassalos quanto entre eles e os

 portugueses.126 

As observações de Thornton são importantes, pois abrem a possibilidade de

entender as relações entre os portugueses e o Kongo a partir de um novo prisma, em que

estão presentes conflitos de hierarquia e jurisdição entre  governos. Estamos, portanto,

num outro patamar da análise da política, não apenas aquele que considera os africanos

de um lado e os europeus de outro, mas uma forma de interação política e cultural entre

eles que ajudou a moldar e conformar o processo pelo qual a expansão colonial pode ser 

realizada na África. Isso significa também dizer que, a partir do século XVI, a gramática política africana não é exclusivamente "africana", mas envolve também algum tipo de

relação com gramáticas européias.

Em segundo lugar, chamo a atenção para o fato de que a análise de Thornton

deriva de uma leitura cuidadosa das fontes administrativas - mais especificamente da

troca de cartas entre o Kongo e Portugal. Para evitar o anacronismo e a projeção de

contextos posteriores na análise do século XVI, ele leva em conta o contexto social no

qual essa documentação foi gerada e para quem ela foi escrita - e o modo como sua

forma e linguagem se encaixavam na sociedade portuguesa e congolesa.127 Há, portanto,

uma linguagem política e institucional documentada nas fontes que também é preciso

125 J. Thornton, "Early Kongo-Portuguese relations", p. 186.126 J. Thornton, "Early Kongo-Portuguese relations", especialmente pp. 193-197.127 J. Thornton, "Early Kongo-Portuguese relations", especialmente, pp.183-186 e 197-198.

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  124

conhecer. Ao invés de postular o eurocentrismo presente na produção dessas fontes,

trata-se de explorá-las também do ponto de vista das ações dos africanos em contato com

os europeus.128 

Por fim, em terceiro lugar, é preciso lembrar das lições mais singelas da análisesocial: nem todos os homens e mulheres são iguais. Mais uma vez, não falo do ponto de

vista cultural, mas da perspectiva da política - ou seja, das relações de dominação. Como

sabemos, as relações de poder estão diretamente ligadas ao modo como a produção e a

distribuição das riquezas ocorrem em uma certa sociedade, mesmo que elas não se

expressem em termos classistas.129 Grande parte da análise do processo da colonização

do Novo Mundo tem sido realizada por meio da oposição de categorias genéricas, como

metrópole e colônia, africanos e europeus, senhores e escravos. Se o problema é pensar 

as relações de dominação, há que se levar em conta que, no interior dessas categorias, há

diferenças sociais - e políticas. Nem todos os interesses metropolitanos são convergentes,

nem todos os europeus são iguais, nem todos os senhores exploram seus escravos da

mesma forma; do mesmo modo, há diferenças e divergências entre grupos na colônia,

entre africanos e entre escravos. Em particular quanto a esses dois últimos, mais uma

vez, é preciso ir além da diversidade de culturas, para pensar em diferenças sociais e

 políticas.

O próximo capítulo procura navegar por esses mares, em busca de elementos que permitam compreender as diversas gramáticas políticas acionadas no contexto em que

Palmares se formou e negociou com o governo de Pernambuco. Dessa vez, ao contrário

do primeiro capítulo, a balança penderá para o lado dos escravos.

128 Essa perspectiva tem sido explorada com resultados muito interessantes por Ana Paula Tavares eCatarina Madeira Santos (orgs.), Africae Monumenta. A apropriação da escrita pelos africanos. Lisboa,Instituto de Investigação Científica e Tropical, 2002, especialmente pp. 471-533; e Catarina MadeiraSantos, "Escrever o poder. Os autos de vassalagem e a vulgarização da escrita entre as elites africanas

 Ndembu". Revista de História, 155 (2006): 81-95.129 Sobre o tema, ver E. P. Thompson, "Eighteenth century English society: class struggle without class?"

Social History, 3 (maio 1978): 133-165, bem como outros artigos do mesmo autor em E. P. Thompson,Costumes em comum. (trad.) S. Paulo, Companhia das Letras, 1998.

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  125

 

Capítulo 3

CONJUNÇÕES

A documentação administrativa produzida pelo processo colonizador português

no século XVII é essencialmente dialógica: cartas, relatórios, instruções e ordens que

circulam entre diversas partes do império, carregando notícias, juízos políticos, queixas e

demandas, na direção das Conquistas e do Reino. Para ler essas fontes de uma

 perspectiva histórica é preciso ir muitas vezes do contexto ao texto e vice-versa, de modo

a iluminar tanto as palavras quanto os acontecimentos. Esse é o caminho para

compreendê-los sem projetar nos homens do passado nossas próprias idéias e lógicas.

Ainda que tenham sido produzidas por um grupo pequeno de pessoas, essas

fontes trazem dados sobre muita gente e situações variadas. Cada peça do conjunto

oferece um ponto de vista bastante circunstanciado dos fatos. Não poucas vezes, os

historiadores são tentados a somar as informações produzidas por gente diferente, em

conjunturas diversas, para construir um panorama uniforme e coerente. O procedimento é

arriscado, pois se pode perder tanto a possibilidade de acompanhar mudanças ao longo

do tempo quanto de captar a diversidade das vozes que, de um modo ou de outro, estão

registradas na documentação. O exercício analítico experimentado nesse capítulo

 pretende escapar da armadilha, ao explorar os laços que unem as duas margens do

Atlântico no século XVII.

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1. Os negros do Palmar

Gangazumba, rei dos Palmares; Acainene, sua mãe; Gangazona, seu irmão;

Tuculo, seu filho; Andalaquituxe e Zumbi, seus sobrinhos; Osenga, Dambiabanga,

Pacasa, Dambi, grandes potentados, chefes de mocambos: seus nomes são conhecidos pelo cronista de 1678 e aparecem em vários outros documentos da correspondência

oficial da capitania de Pernambuco e do Conselho Ultramarino. São anotados os nomes,

as relações de parentesco e o lugar que ocupam na hierarquia política e militar dos

Palmares. Um dos prisioneiros é designado como "Gangamuissa mestre de campo de

toda a gente de Angola e genro do rei, casado com duas filhas suas".1 Esses não são

nomes próprios usuais em português, mas há outros bem mais familiares. Fernão

Carrilho, por exemplo, enviou "Mateus Zambi e sua mulher Madalena Angola, ambos demaiores anos [idosos], os quais são sogros de um dos filhos do rei", para avisar sobre a

 possibilidade de um acordo.2 Havia ainda Gaspar, "capitão da guarda do rei", e João

Tapuia e Ambrósio Negro, "ambos capitães afamados naquelas campanhas e entre

aqueles bárbaros".3 Os cativos que foram especialmente agraciados com a alforria, no

acordo feito no Recife em 1678, se chamavam Amaro e João Mulato.4 

Esses registros documentam a existência de um conhecimento bastante grande

sobre a vida nos Palmares por parte das autoridades coloniais quanto a nomes, relações

de parentesco, hierarquias políticas e cargos militares. Ao mesmo tempo, o autor 

anônimo da crônica e as autoridades que redigiram as cartas e demais documentos

administrativos também se referem de modo mais genérico aos "negros dos Palmares". O

cronista indica, por exemplo, que foram "alguns negros" que se esconderam naquele

"inculto e natural couto", ao fugirem dos castigos de seus senhores. A palavra "negro"

tem aqui um sentido genérico, não sendo sinônimo de escravo ou de fugitivo, pois

algumas vezes foi preciso diferenciar os "negros cativos [existentes] nestas capitanias" de

1 Cf. "Relação do que se passou na guerra com os negros dos Palmares nos sertões de Pernambuco". BPE,cod. CXVI - 2 - 13 - a, n. 9, fl. 55v.

2 "Relação", BPE, cod. CXVI - 2 - 13 - a, n. 9, fl. 56v.3 "Relação", BPE, cod. CXVI - 2 - 13 - a, n. 9, fls. 55v-56.4 "Cópia do papel que levaram os negros dos Palmares". Documento anexo à carta do governador Aires de

Souza de Castro de 22 de junho de 1678. AHU_ACL_CU_015, Cx. 11, D. 1116. Transcrito no anexo 5.

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  128

vencer os Palmares. Manuel Inojosa, ao propor seu plano para destruir Palmares,

 procurou se informar dos seus costumes. Um dos pareceres do Conselho Ultramarino que

examinou sua proposta menciona ter ele mandado "um negro seu escravo com promessa

de alforria a que fosse viver entre os ditos negros fingindo fugir ao cativeiro e assim lhesentrando na confiança tomar notícia sobre o modo como vivem, trabalham, casam e

governam, pois com saber dos negócios do inimigo se facilita o sucesso da guerra".9 

Colhidas e acumuladas de modos diversos, as informações sobre os negros dos

 palmares parecem ter constituído um certo conhecimento, já que as fontes são em geral

convergentes. No circuito das autoridades que lidavam com os assuntos das conquistas

 portuguesas, o período de formação dos mocambos não é identificado de maneira

 precisa. O cronista de 1678 registra que desde que "houve negros cativos nestas

capitanias, principiaram [a existir] os habitadores dos Palmares",10 sem dar maiores

detalhes. De fato, há menção a vários mocambos nas áreas açucareiras do Estado do

Brasil desde o final do século XVI. No regimento do governador Francisco Geraldes, de

1588, o rei indica ser preciso acabar com os "negros de Guiné e Angola [que andam]

levantados".11 Como vimos, em 1597, o provincial da Companhia de Jesus, mencionou

haver "negros de Guiné alevantados" que habitavam "algumas serras" no Estado do

Brasil.12 

Ainda que alguns historiadores utilizem esses documentos para registrar aexistência de mocambos na região onde floresceu Palmares desde o final do século

XVI,13 cabe observar que essas evidências são vagas e se referem ao Estado do Brasil,

sem precisar qualquer região específica. A primeira menção a "negros levantados" em

Pernambuco é de 1602, durante a permanência na capitania do recém-nomeado

9 Consulta do Conselho Ultramarino de 8 de novembro de 1677. D. Freitas,  República de Palmares. Pesquisa e comentários em documentos históricos do século XVII . Maceió, Edufal, 2004, pp. 141-142.

Infelizmente não consegui localizar o original.10 "Relação", BPE, cod. CXVI - 2 - 13 - a, n. 9, fl. 57v.11 Traslado do regimento que levou Francisco Geraldes que sua magestade ora mandou por governador do

Estado do Brasil em março de 88, RIHGB, 67 n. 1 (1906): 224.12 Carta do Padre Pedro Rodrigues, provincial da Companhia de Jesus, de 1º de maio de 1597.  ABN , 20

(1898): 255.13 Ver, por exemplo, Décio Freitas,  Palmares. A guerra dos escravos. [1973]. 5ª ed. reescrita, revista e

ampliada. Porto Alegre, Mercado Aberto, 1984, p. 29; Ivan Alves Filho, Memorial dos Palmares, Rio deJaneiro, Xenon, 1988, p. 5; e Flávio dos Santos Gomes,  Palmares. Escravidão e liberdade no AtlânticoSul . São Paulo, Contexto, 2005, p. 48.

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numerosas mas não grandes aldeias a que chamam mocambos" habitavam trinta mil

 pessoas.21 Em 1678, o cronista anônimo que elogiou os feitos de dom Pedro de Almeida

afirmou ser "opinião vulgarmente recebida de todos os que cursaram aquela campanha"

que Palmares abrigava "mais de vinte mil almas"; todavia, com a guerras empreendidas pelo governador "foram declinando no número".22 Segundo o cronista, a cerca real de

Macaco "fortificada toda em cerco de pau a pique" teria "mais de mil e quinhentas

casas", e Subupira, "cidade fortificada de pedras e madeira, compreend[ia] mais de

oitocentas casas".23 As estimativas parecem todavia estar mais atreladas a uma avaliação

 política do perigo daqueles negros levantados do que em cômputos compatíveis com

dados sobre a população de Pernambuco, presentes nas fontes contemporâneas ou

resultantes de pesquisas históricas.24. 

A identificação do grupo e de suas dimensões populacionais precedeu o

conhecimento mais detalhado sobre quem eram seus líderes. Na documentação da

 primeira metade do século XVII, apenas o relato do capitão Blaer menciona o fato de que

"havia entre os habitantes [dos mocambos] toda sorte de artífices, eles chamam seu rei de

Damby e ele os governava com severa justiça".25 Gaspar Barléus, que escreve apoiado no

relato de Lintz e Baho, talvez tenha tido acesso ainda ao texto de Blaer, mas não refere

nome ou título algum, descrevendo dois Palmares, um grande e outro pequeno.26 Na

documentação portuguesa, apenas a partir de 1678 há identificação dos nomes. É na cartade dom Pedro de Almeida de 4 de fevereiro de 1678 que se pode encontrar a primeira

21 Francisco de Brito Freire,  Nova Lusitânia.  História da guerra brasílica. [1675] Ed atual. e rev. SãoPaulo, Beca, 2001, p. 177.

22 "Relação do que se passou na guerra com os negros dos Palmares nos sertões de Pernambuco" BPE, cod.CXVI - 2 - 13 - a, n. 9, fl. 53.

23 "Relação" BPE, cod. CXVI - 2 - 13 - a, n. 9, fl. 51v e 52.24 Ao comentar estas cifras, Stuart B. Schwartz considerou que, se a região possuía cerca de 200 engenhos

em meados do século XVII, com a média de 100 escravos cada um, o número de habitantes de Palmaresigualaria o total de escravos na economia açucareira na região. Vide S. B. Schwartz, pp. 246. Cf. também

João José Reis, "Quilombos e revoltas escravas no Brasil". Revista USP , 28 (1995/6): 16-17. O próximoitem desse capítulo oferece dados sobre a população escrava em Pernambuco no século XVII.

25 João Blaer, "Diário de viagem do Capitão João Blaer aos Palmares em 1645". Alfredo de Carvalho, quetraduziu o texto para a publicação em  RIAHGP , 56 (1902): 87-96, escreve: "havia entre os habitantestoda sorte de artífices e o seu rei os governava com severa justiça...". Mariana Françozo verificou ooriginal no Arquivo Nacional em Haia, coleção OWIC (Oud West Indische Compagnie), entrada1.05.01.01, inventário número 60, documento 47, f. 92 e constatou a diferença. Cito pelo original,segundo a tradução realizada por ela, a quem agradeço muitíssimo sua generosa gentileza de ler, cotejar,traduzir o texto para mim.

26 G. Barléu [Caspar van Baerle], História dos feitos recentemente praticados, p. 253.

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referência ao "rei por nome Gangazumba" - que o governador dá como tendo sido morto

numa das batalhas lideradas por Fernão Carrilho.27 Todos os outros nomes e cargos

aparecem em textos escritos depois disso e a principal fonte é, sem dúvida, a crônica de

1678.Isso significa que, mesmo que os nomes indicassem títulos entre os palmarinos,

 para as autoridades em Pernambuco - e em seguida em Lisboa - eles se referiam a

indivíduos. É bem possível imaginar que informações sobre os nomes dos líderes possam

ter sido obtidas dos prisioneiros feitos nas várias guerras e que algum conhecimento

tenha surgido do contato mais próximo dos padres oratorianos que negociaram com eles

em nome de Francisco de Brito Freire, em 1663, por exemplo.28 Naquela ocasião, porém,

o que as cartas registram é a existência de um "maior, que governa a todos" e de "o cabo

de um mocambo", sem nomes próprios. A estrutura de um governante maior e de chefes

de mocambos que lhe são subordinados aparece na documentação antes de 1678. Foi a

 partir das negociações havidas nesse ano, porém, que a percepção do significado mais

amplo das hierarquias palmarinas parece ter se firmado entre as autoridades coloniais.

O "principal", "maior", "maioral" ou "rei" não apenas governava os mocambos,

seus "cabos" e habitantes como liderava uma rede de parentes que, por sua vez, ocupava

 postos políticos e militares. A parentela composta por relações consangüíneas ou de

afinidade era reconhecida pelos capitães das tropas e pelos governadores de Pernambuco,que a utilizavam para levar recados, ordens e cartas. Os documentos não indicam que

essa relação entre parentesco e posições de poder causasse estranheza para aquelas

autoridades coloniais. Elas podem ter reagido à estrutura de governo em Palmares da

mesma forma que os portugueses haviam se comportado diante da monarquia que

governava o Kongo, no século XV, como observou Thornton.29 Gangazumba era "rei e

senhor" de uma linhagem governante, com poder e jurisdição sobre terras e gentes.

27 Carta de 4 de fevereiro de 1678. AHU_ACL_CU_015, Cx. 11, D. 1103. No original "Ganazumbà".Utilizo aqui e em toda a tese "Gangazumba" por ser mais próximo do que foi fixado pela bibliografia. Avariação no registro dos nomes próprios palmarinos na documentação administrativa e na historiografia éum tema bem interessante, que pretendo tratar com detalhes em artigo futuro.

28 Ver "A voz da experiência", capítulo 1.29 Cf. John Thornton, "Early Kongo-Portuguese relations: a new interpretation" History in Africa, 8 (1981):

183-204.

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Como vimos, ao glorificar dom Pedro de Almeida, a crônica de 1678 reconheceu

Palmares como tendo fé, lei e rei. A operação não era, entretanto, apenas retórica. A

 partir do acordo de paz ajustado em 1678, a linhagem palmarina passou a ser incorporada

aos registros administrativos. Deve ter contribuído para isso o fato de eles terem uma procedência conhecida pelas autoridades coloniais e pelos colonos pernambucanos.

Todas as fontes dizem que os habitantes dos Palmares haviam fugido dos

engenhos de Pernambuco: gente vinda de Guiné, ou de Angola e Guiné, conforme os

identificavam as autoridades coloniais. Até o final do século XVI, Guiné era um termo

genérico30 que designava as terras da costa atlântica da África, empregado algumas vezes

 para diferenciar os negros trazidos da África daqueles "da terra", isto é, dos índios.

Somente depois da fundação de Luanda, em 1575, e do estabelecimento dos portugueses

na região entre os rios Bengo e Kwanza, Angola começou a aparecer na documentação

como uma denominação mais específica.31

No século XVII, os africanos enviados para o Estado do Brasil e em particular 

 para Pernambuco saíam basicamente de Angola, como se verá em detalhe mais adiante.

Essa predominância é atestada por numerosos documentos, como no caso de Diogo

Campos Moreno, que em 1612 informou ao rei que os moradores de Pernambuco tinham

"muitos escravos de Guiné, pelas muitas entradas que aqui fazem todos os anos navios de

Angola".32 Em junho de 1671, poucos meses depois de tomar posse como governador da

capitania, Fernão de Souza Coutinho escreveu ao príncipe sobre as entradas que

 pretendia enviar contra Palmares no verão seguinte.33 Sua primeira frase exprimia uma

certeza: os Palmares eram formados por "negros de Angola fugidos ao rigor do cativeiro

e fábricas dos engenhos desta capitania". Essa identidade foi levada em conta pelos

conselheiros do Ultramarino em outubro daquele ano, que decidiram recomendar 

30 R. Bluteau, em seu Vocabulário, indica que Guiné é "ampla região da África, entre a terra dos negros, omar atlântico, os reinos de Congo e Biafara, e a terra a que chamam Leoa".

31 Cf. Luiz Viana Filho, O negro na Bahia. 2ª ed. São Paulo, Livr. Martins Ed., 1976, pp.25-31; e MariaInês Cortes de Oliveira, "'Quem eram os ‘negros da guiné'? A origem dos africanos na Bahia" Afro-Ásia,19/20 (1997): 37-73.

32 D. C. Moreno, Livro que dá razão do Estado do Brasil ,  p. 190.33 Carta de Fernão de Souza Coutinho de 1º de junho de 1671. AHU_ACL_CU_015, Cx. 10, D. 917.

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medidas severas para evitar que os prisioneiros permanecessem em Pernambuco, no

Brasil ou em qualquer outra conquista de Portugal.

Em Pernambuco e em Lisboa podia haver discordância sobre o melhor método

 para acabar com os negros dos Palmares, porém todos pareciam concordar que eles eramgente vinda de Angola que havia fugido das senzalas da região. Os motivos das fugas

variam pouco, já que o "rigor do cativeiro" e os "maus tratos" se repetem em vários

documentos. As autoridades pernambucanas e lisboetas pareciam convergir também em

relação à necessidade de cortar a comunicação entre os que permaneciam escravos e os

que tinham fugido para Palmares. A idéia de enviar os prisioneiros para fora da capitania

 baseava-se na constatação de que não apenas eles tornavam a fugir, como às vezes

levavam outros a fazê-lo. Ao identificarem os levantados dos Palmares como "negros de

Angola fugidos" do cativeiro, tratavam de procurar medidas eficientes que evitassem

novas fugas e alimentassem o crescimento dos mocambos.

Essa forma de identificá-los enuncia a percepção de uma solidariedade entre

companheiros de infortúnio, que sofriam sob os "rigores do cativeiro" e que haviam

fugido de seus senhores. Mas há, aqui, algo mais. Um episódio pode bem ilustrar essa

outra dimensão.

Em dezembro de 1671, ao avançar para o interior de Angola, os portugueses

tiveram que enfrentar mais uma vez o rei do Ndongo, que resistia ao domínio portuguêshavia algum tempo. Ele havia atacado algumas caravanas e se retirado para a capital, na

região das Pedras Negras (Mpungo Andongo). Os portugueses enviaram um grande

número de soldados, sob o comando de Luís Lopes de Siqueira e, depois de um cerco de

vários meses, conseguiram tomar a capital. O rei foi morto e houve muitos prisioneiros,

entre eles parentes do soberano, que foram mandados para Lisboa. Os portugueses

estabeleceram um forte no local, que ao mesmo tempo marcava o avanço do domínio

 português no sertão de Angola e o fim do reino do Ndongo.34 O feito militar teve certa

34 Sobre a batalha de Mpungo Andongo ver Gastão Souza Dias, Os portugueses em Angola. Lisboa,Agência-Geral do Ultramar, 1959, pp.156-158.

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repercussão em Portugal, como mostra um relato publicado em Lisboa, atribuído ao

conde da Ericeira, um dos intelectuais mais destacados da corte portuguesa no período.35

Como em outras ocasiões nas guerras centro-africanas, alguns prisioneiros mais

destacados foram deportados. O filho e o irmão do rei do Ndongo seguiram para Lisboa ecerca de 14 "parentes mais chegados do dito rei" embarcaram para o Brasil, enviados

 pelo governador de Angola. Em setembro de 1672, o príncipe português escreveu ao

governador do Estado do Brasil pedindo que esses últimos fossem remetidos para o

Reino, pois não podiam voltar para Angola, "pela perturbação que podiam causar", e não

era conveniente que ficassem no Brasil "para se evitar o dano que se pode seguir de

 buscarem meio de fugirem para os mocambos, donde [eram] conhecidos dos negros deles

[e] nos se[riam] mais prejudiciais".36

Enviados a Portugal em vista do pedido régio, foram distribuídos por conventos e

fortalezas.37 Como eram muitos e seu sustento onerava a Fazenda real, em 1679 aventou-

se a possibilidade de devolvê-los para Angola ou de remetê-los para o Brasil. A resposta

obtida foi a mesma de 1672:

"em Angola, com o séquito que tinham, podiam alterar aquele gentio, demodo que nos fosse de grande prejuízo, e no Brasil havia o mesmo, ou por  poderem fugir para Angola, ou meterem-se com os negros dos Palmares,com que lhe parecia ser mais ajustado passá-los ao Maranhão, donde não

havia embarcações que fossem a Angola e menos negros com que seacumulassem".38

Mesmo que em 1682 ao menos alguns deles ainda permanecessem em Portugal,39 

o périplo dos membros da família real do Ndongo indica o duplo potencial político

35 Cf. [D. Luís de Menezes (3.º conde da Ericeira)], Relação do felice successo que conseguiram as armasdo Serenissimo principe D. Pedro, nosso senhor, governadas por Francisco de Tavora, governador ecapitão general do reino de Angola, contra a rebellião de D. João, rei das Pedras e Dongo, no mez dedezembro de 1671. Lisboa, Miguel Menescal, s.d. BNL, RES 903P, n. 11. A publicação saiu anônima.Cf. também MMA, vol. X, pp. 143-152 doc. 64.

36 Carta de Sua Alteza para o governador Afonso Furtado de Mendonça, de 6 de Setembro de 1672.  DH ,67 (1945): 213-214. Veja-se também Consulta do Conselho Ultramarino de 21 de agosto de 1672.MMM, vol. XIII, pp. 180-181, doc. 73. O episódio é comentado rapidamente por Stuart B. Schwartz, quemenciona uma carta do governador geral do Brasil de 24 de maio de 1673 (AHU, Bahia, Cx. 11). S. B.Schwartz, "Introdução" in: S. B. Schwartz e Alcir Pécora (orgs.),  As excelências do governador. SãoPaulo, Companhia das Letras, 2002, p. 32.

37 Ver, a respeito, os documentos n. 73, 109, 125, 159, 222, MMM, vol. XVIII, pp. 180-181, 239, 297-298,381-382, 532-533.

38 Consulta do Conselho Ultramarino de 18 de julho de 1679. MMM, vol. XIII, pp. 507-508, doc. 206.39 Consulta do Conselho Ultramarino de 12 de junho de 1682. MMM, vol. XIII, pp. 532-533, doc. 222.

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dessas comunicações: um refere-se às atlânticas, entre Pernambuco e Angola, outro

àquelas internas a Pernambuco, entre os africanos (escravos ou não) das áreas sob

domínio colonial e os Palmares. Somente nesse contexto é possível compreender o

 perigo político da presença desses exilados no Estado do Brasil.O episódio revela ainda uma outra dimensão dessas conexões: as ligações

comerciais e políticas entre o Brasil e Angola conectavam também os africanos - isto é,

não aproximavam apenas autoridades coloniais e traficantes que atuavam ou tinham

interesses nas duas margens do Atlântico. Se os membros da família real do Ndongo não

eram de fato "conhecidos" pelos habitantes dos Palmares, podiam ser "reconhecidos" por 

eles com facilidade. A constatação, feita por gente acostumada a lidar com as questões da

administração colonial, tem um peso político evidente. Se o retorno da linhagem real a

Angola punha em risco a vitória obtida em Mpungo Andongo, o que aconteceria caso ela

se juntasse à linhagem que governava Palmares?

2. Escravos para Pernambuco

O episódio dos membros da família real do reino do Ndongo que foram

desterrados para Portugal depois da batalha de Npungo Andongo em 1671 ressalta dois

temas conexos, importantes para a compreensão do contexto no qual as autoridades

 portuguesas e coloniais identificavam os negros dos Palmares como gente vinda de

Angola. O primeiro diz respeito às relações constantes e estreitas entre Bahia,

Pernambuco e Angola na segunda metade do século XVII. O segundo, ao tráfico

negreiro, que era o principal elo daquelas relações.

De fato, a proximidade entre Brasil e Angola era grande e as ligações se faziam

em muitos níveis e acentuou-se durante o processo de expulsão dos holandeses de

Luanda. Comparativamente, a rota Luanda - Pernambuco era das mais curtas, durandoem média 35 dias. Além disso, as duas regiões possuíam muitas similitudes geográficas e

climáticas, o que facilitou a troca de frutas, legumes e outros alimentos.40 O processo de

40 Segundo A. J. R. Russell-Wood, "Angola dependia mais do Brasil do que de Portugal metropolitano.Havia um intercâmbio legal de mercadorias entre as duas colônias, sem que fosse necessário que

 passassem por qualquer troço [sic] europeu, apesar de Angola fazer parte de um comércio triangular 

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ocupação dos dois territórios, porém, havia sido bem diferente, e cada lado do Atlântico

 possuía riquezas e modos de explorá-las bem diversos - mas estreitamente relacionados.

Os africanos aprisionados na região angolana foram a principal fonte de mão de

obra utilizada no Brasil a partir do final do século XVI. Em torno do tráfico de escravosarticularam-se muitos interesses que fortaleceram os vínculos administrativos, políticos,

militares, econômicos, comerciais e até religiosos entre as áreas de ocupação portuguesa

nos dois lados do Atlântico. Muitos governadores, juízes e provedores mandados para

Angola haviam ocupado cargos no Brasil e vice versa.41 Em muitos anos, aportavam em

Angola mais navios do Brasil do que de Portugal. O Brasil enviava soldados,

suprimentos e cavalos para Angola e, depois de 1676, o bispo de Angola tinha que

responder ao arcebispado da Bahia.42 

Sem dúvida alguma, o tráfico de escravos era o lastro de todas essas ligações.

"Sem negros não há Pernambuco e sem Angola não há negros" disse uma vez o padre

Vieira.43 A famosa frase sintetiza essa relação, além de destacar a região açucareira do

nordeste do Estado do Brasil, que nos interessa aqui. Os números do tráfico, cada vez

mais conhecidos, são eloqüentes.

Infelizmente, no entanto, para o período e a região de que tratamos, os dados são

 bastante fragmentários.44 A literatura sobre o assunto é extensa e muitas revisões têm

entre Portugal, a África Ocidental e o Brasil." Cf. Um mundo em movimento. Os portugueses na África, Ásia e América (1415-1808). (trad.) Lisboa, Difel, 1992, p. 215. Essa obra oferece um bom panoramados fluxos populacionais e das trocas de mercadorias no Império português.

41  Para alguns exemplos, vide Maria de Fátima Silva Gouvêa, "Conexões imperiais: oficiais régios noBrasil e Angola (c.1680-1730)" in: Maria Fernanda Bicalho (org.),  Modos de Governar. Idéias e Práticas Políticas no Império Português (sécs. XVI-XIX). S. Paulo, Alameda Casa Editorial, 2005, pp.179-197; e Maria de Fátima Silva Gouvêa e Marilia Nogueira dos Santos, "Cultura política nadinâmica das redes imperiais portuguesas, séculos XVII e XVIII" in: Martha Abreu, Rachel Soihet eRebeca Gontijjo (orgs), Cultura política e leituras do passado: historiografia e ensino de história. Riode Janeiro, Civilização Brasileira, 2007, pp. 89-110.

42 Para uma análise das ligações administrativas, militares, políticas e religiosas entre Angola e o Brasil

vide Anne Wadsworth Pardo, A comparative study of the Portuguese colonies of Angola and Brazil and their independence from 1648-1825. Doutorado, Boston, Boston University, 1977; e, especialmente,Luiz Felipe de Alencastro, O trato dos viventes. Formação do Brasil no Atlântico Sul, séculos XVI e XVII. São Paulo, Companhia das Letras, 2000.

43 Carta de Antonio Vieira ao marquês de Niza, de 12 de agosto de 1648. João Lúcio de Azevedo (coord.), Antonio Vieira. Cartas, Lisboa, Imprensa Nacional, Casa da Moeda, 1970, vol. 1, p. 234.

44 Os principais estudos sobre o tráfico concentram-se sobre os séculos XVIII e XIX. Vide, por exemplo,David Eltis,  Economic growth and the ending of the Transatlantic slave trade.  Nova York, OxfordUniversity press, 1987; Joseph C. Miller, Way of Death. Merchant capitalism and the Angolan slavetrade, 1730-1830. Madison, The University of Wisconsin Press, 1988; e David Eltis, Stephen D.

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sido feitas desde o trabalho pioneiro de Maurício Goulart e Frédéric Mauro, que

calcularam entre 300 e 350 mil escravos chegados no Brasil na primeira metade do

século XVII e entre 500 e 550 mil em todo o século.45 Philip D. Curtin precisou esses

números, estimando 50 mil escravos desembarcados no Brasil até o final do século XVI eoutros 560 mil ao longo do século XVII.46 Estas estimativas ainda se sustentam, embora

nem sempre haja concordância entre os autores.

David Eltis, Stephen D. Behrendt e David Richardson revisaram os cálculos

anteriores. Ao comparar as cifras dos desembarques feitos pelos navios de diferentes

 bandeiras, concluíram que o cômputo de Curtin de 50.000 escravos chegados ao Brasil

antes de 1600 permanece. Para o período subseqüente, entretanto, há algumas alterações:

consideraram as cifras de Curtin altas para o período entre 1600 e 1650, e ajustaram-na

 para 150.000 desembarques feitos em navios portugueses e 26.300 em navios

holandeses; para o período subseqüente, entre 1650 e 1700, estimam que 177.000

escravos desembarcados no Brasil seria um número mais compatível com os registrados

 para outras partes das Américas.47 Luiz Felipe de Alencastro ponderou que as reduções

 propostas por esses autores não levaram em conta o contrabando para o Rio da Prata, que

 passava pelos portos brasileiros, no período 1600-1625, o declínio da escravidão

indígena e a expansão do gado no período entre 1650-1700. Baseado em estatísticas da

saída de escravos de Angola, que computam no final dos anos 1670 entre 8 mil e 10 milescravos por ano, Alencastro afirmou que esses números deviam ser corrigidos para

Behrendt, David Richardson e Herbert S. Klein, The transatlantic Slave Trade, 1527-1867: a databaseon CD-Rom. Nova York, Cambridge University Press, 1999. Os dados desse banco vêm sendoatualizados, mas até agora não foram disponibilizadas as novas informações sobre o século XVII.

45 Mauricio Goulart, A escravidão africana no Brasil das origens à extinção do tráfico [1950] 3ª ed. SãoPaulo, Alfa-Omega, 1975, p. 122; e Frédéric Mauro, Le Portugal, le Brésil et l'Atlantique au XVIIe siècle(1570-1670), Paris, S.E.V.P.E.N., 1960, pp. 174-180.

46 Philip D. Curtin, The Atlantic slave trade. A census. Madison, The University of Wisconsin Press, 1969, pp. 116 e 119.

47 David Eltis, "The Volume and Structure of the Transatlantic Slave Trade: A Reassessment" The Williamand Mary Quarterly, 58 n. 1 (2001): 23-26 e tabela III, p. 45; David Eltis, Stephen D. Behrendt, DavidRichardson "A participação dos países da Europa e das Américas no tráfico transatlântico de escravos:novas evidências"  Afro-Ásia, 24 (2000): 26-27. Este artigo foi publicado posteriormente, com algumasrevisões: David Eltis, Stephen D. Behrendt, David Richardson, "National participation in theTransatlantic slave trade: new evidence" in: José C. Curto e Renée Solodre-La-France (eds.),  Africa and the Americas. Interconnections during the slave trade. Trenton, Africa World Press, 2005, pp. 13-41. Osnúmeros adotados aqui se referem a essa última versão do texto. Para uma avaliação mais detalhada dotráfico holandês para o Brasil vide Pedro Puntoni,  A mísera sorte. A escravidão africana no Brasil holandês e as guerras do tráfico no Atlântico sul, 1621-1648. São Paulo, Hucitec, 1999, pp.150-162.

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cima, preferindo as estimativas mais antigas feitas por Mauro e Goulart, que haviam sido

tomadas como base por Curtin.48 A tabela 1 ajuda a acompanhar o vai e vem dos

números.

Tabela 1 - Estimativa do número de africanos desembarcados no Brasil

Número de Africanos desembarcados no BrasilPeríodo F. Curtin D. Eltis et al . L.F. Alencastro

1551-1575 10.000 10.0001576-1600 40.000 50.000 40.0001601-1625 100.000 150.0001626-1650 100.000 176.300 50.0001651-1675 185.000 185.0001676-1700 175.000 177.000 175.000

Totais 610.000 403.300 610.000Fontes: P. D. Curtin, The Atlantic slave trade, pp. 116 e 119; D. Eltis, S. D. Behrendt eD. Richardson, "National participation in the Transatlantic slave trade: new evidence",

 pp. 13-41; L. F. Alencastro, O trato dos viventes, pp. 69 e 376-377

Como se vê, corrigidas para cima ou para baixo, conforme os procedimentos

adotados para calibrar as cifras, o volume total das importações ao longo do século XVII

 permanece em patamares bastante semelhantes. Evidentemente, nem todos esses

escravos enviados para o Brasil saíam de Angola.49 Desde por volta de 1580, contudo, a

maior parte do tráfico negreiro que se dirigia para as costas do Brasil (e para as

Américas), partia dos portos exportadores da África Central, primeiro Mpinda e depois

Luanda. Isso resultava em grande parte das guerras que marcaram o processo de

colonização na região Kongo-Angola e forneciam a maior parte dos cativos transportados

 pelos portugueses.

48 L. F. Alencastro, O trato dos viventes, pp. 69 e 376-377. Alencastro consultou uma versão ainda inéditado artigo de D. Eltis, "The Volume and Structure of the Transatlantic Slave Trade...", mencionado nanota anterior.

49 Há, por exemplo, 84.400 escravos vindos da Costa da Mina para a Bahia, desde o início das exportaçõesde tabaco em 1678 até 1700. Vide L. F. Alencastro, O trato dos viventes, p. 376. Roquinaldo Ferreirainforma que, a partir da segunda metade do século XVII, escravos obtidos em Benguela também foramexportados pelo porto de Luanda, mas foi somente a partir do final do século que essa região foi setornando um parceiro importante no tráfico atlântico. R. Ferreira, Transforming Atlantic Slaving: Trade,Warfare, and Territorial Control in Angola, 1650-1800. Doutorado, Los Angeles, University of California, 2003, especialmente caps. 1 e 2.

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A partir das últimas décadas do século XVI, Angola e o Brasil passam a ser o

centro desse comércio. Não só o declínio da produção açucareira em São Tomé permitiu

que as exportações de escravos se voltassem para o Brasil e para as Américas, como os

asientos que levavam cativos para as áreas sob o domínio de Castela passaram a ser firmados com gente que tinha fortes conexões com Angola.50 Assim, ao longo do século

XVII, os escravos de Angola representavam cerca de 50 a 60% de todo o tráfico negreiro

realizado pelos europeus.51 Conforme o ritmo das guerras na África Central, saíam dessa

região entre 9 mil e 12 mil escravos por ano, chegando em ocasiões excepcionais até a 15

mil por ano.52 

O impacto dos números obtidos pelos historiadores foi constatado em outros

termos pelos contemporâneos, sem tanta precisão mas com igual magnitude, como se

 pode verificar pela passagem abaixo, retirada de um dos sermões do padre Antônio

Vieira:

"Uma das grandes coisas que se vêem hoje no mundo, e que nós pelocostume de cada dia não admiramos, é a transmigração imensa de gentes enações etíopes, que da África estão continuamente passando a estaAmérica. A armada de Enéas, disse o príncipe dos poetas que levara Tróiaà Itália; e das naus que dos portos do mar Atlântico estão sucessivamenteentrando nestes nossos, com a maior razão podemos dizer que trazem aEtiópia ao Brasil. Entra por essa barra um cardume monstruoso de baleias,

salvando com tiros e fumos de água nossas fortalezas e cada uma pare um baleote; entra uma nau de Angola e desova no mesmo dia quinhentos,seiscentos, talvez mil escravos!"53

No Brasil, como em Pernambuco, os principais compradores de escravos

africanos eram os senhores de engenho e os lavradores de cana. O padre José de Anchieta

e Fernão Cardim contam 66 engenhos em Pernambuco entre 1580 e 1590. Gabriel Soares

de Souza estima 50 engenhos na capitania, enquanto Abreu e Brito contava 63 engenhos

em 1591, produzindo cada um 6 mil arrobas de açúcar.54 Frei Vicente do Salvador acusa

50 Linda M. Heywood e John K. Thornton, Central Africans, Atlantic Creoles, and the foundation of the Americas, 1585-1660. Nova York, Cambridge University Press, 2007, p. 39.

51 L. M. Heywood e J. K. Thornton, Central Africans, Atlantic Creoles, p. 268.52 L. M. Heywood e J. K. Thornton, Central Africans, Atlantic Creoles, pp. 160-16153 Pe. Antônio Vieira, "Sermão vigésimo sétimo" Sermões. Problemas sociais e políticos do Brasil . (ed.

Antônio Soares Amora) São Paulo, Cultrix, 1995, p. 57.54 A Bahia teria 46 engenhos segundo Anchieta e Cardim e 36 segundo Gabriel Soares de Souza. Dados

retirados de M. Goulart, A escravidão africana no Brasil , pp.100 e 104.

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a existência de 100 engenhos em Pernambuco, 18 ou 20 em Itamaracá e cerca de 20 na

Paraíba.55 A invasão holandesa desorganizou parcialmente a produção de açúcar.

Cotejando fontes diversas, Pedro Puntoni calcula que em 1638, pouco tempo depois da

ocupação, dos 107 engenhos que os holandeses encontraram em Pernambuco, 40continuavam abandonados; dos 20 existentes em Itamaracá, 12 estavam funcionando,

assim como 18 dos 20 engenhos da Paraíba.56 Em 1640, já se contavam 121 engenhos

moentes em Pernambuco, 23 em Itamaracá e 20 na Paraíba.57 

 Na segunda metade do século XVII, a capitania de Pernambuco era uma das

grandes áreas produtoras de açúcar da América portuguesa. Contava com cerca de 200

engenhos de açúcar; eles eram menores do que seus congêneres baianos, mas chegavam a

 produzir perto de 500 mil arrobas de açúcar por ano, quase tanto quanto a Bahia, no

mesmo período.58 Estavam instalados em zonas de boa terra, concentrando-se no

massapê da várzea dos rios Capiberibe, Ipojuca e Jaboatão, logo com acesso a boas rotas

fluviais para o transporte do açúcar. Depois de expulsos os holandeses, os engenhos se

recuperaram, porém tiveram que enfrentar a concorrência da produção caribenha,

enquanto o processo colonizador avançava paulatinamente para os sertões.59

A capitania era, portanto, um sorvedouro de escravos. Maurício Goulart estima

que entre 1601 e 1652 teriam entrado cerca de 108 mil escravos em Pernambuco: "75

mil, de 1601 a 1630; 6 mil, de 1631 a 1636; 23.163, de 1637 a 1645; 2 mil, nos anos de46 e 47; e não mais de 2 mil, de 1648 a 1652."60 Mauro estimou que em Pernambuco

entraram 75.000 escravos antes de 1630, e 108.000 entre 1600 e 1652.61 Além de

Pernambuco, a Bahia era outro grande centro importador de africanos e os senhores de

55 M. Goulart, A escravidão africana no Brasil , p. 106-107.56 P. Puntoni, A mísera sorte, p.78.57 P. Puntoni, A mísera sorte, p. 85.58 Stuart B. Schwartz, "O Brasil colonial, c.1580-c.1750. As grandes lavouras e as periferias" in: Leslie

Bethell (org.), História da América Latina. América Latina colonial. (trad.) São Paulo, Edusp/FundaçãoAlexandre de Gusmão, 1999, vol. 2, pp. 341-347. O artigo oferece um panorama geral da produçãoaçucareira no Brasil desse período.

59 O período entre a expulsão dos holandeses (1654) e a revolta dos mascates (1711) é pouco estudado e osdados não são precisos. Sobre a expansão para os sertões vide Pedro Puntoni,  A guerra dos bárbaros. Povos indígenas e a colonização do sertão nordeste do Brasil, 1650-1720, São Paulo, Hucitec/Edusp,2002, especialmente capítulo 1.

60 M. Goulart, A escravidão africana no Brasil , p. 112. A análise que resulta nesses números está nas pp.109-111.

61 Frédéric Mauro, Le Portugal et l'Atlantique au XVIIe siècle, pp. 174-180.

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engenho das duas capitanias dominavam o tráfico de escravos no Atlântico sul em

meados do século XVII.62 Precisavam de escravos e contavam com uma boa produção de

cachaça e tabaco, produtos que se tornaram importantes no comércio negreiro em Angola

a partir de 1650-1660.63

David Eltis, utilizando a Base de Dados sobre o Tráfico Transatlântico de

Escravos, chegou a estimar os desembarques de escravos nas diversas regiões do Brasil.64 

Esses dados, sistematizados na tabela 2, ainda que genéricos e um pouco superiores à

revisão dos valores globais feitos mais uma vez pelo próprio David Eltis, juntamente

com Stephen D. Behrendt e David Richardson, mostram a importância do Nordeste - e,

 portanto de Pernambuco - no comércio negreiro em relação à Bahia:

Tabela 2 - Escravos desembarcados no Brasil

RegiõesPeríodo Nordeste Bahia Sudeste Totais

1519-1600 35.000 15.000 50.0001601-1650 86.300 60.000 30.000 176.3001651-1675 15.600 15.600 15.600 46.8001676-1700 30.200 75.900 30.200 136.300

Totais 167.100 166.500 75.800 409.400Fonte: D. Eltis, "The Volume and Structure of the Transatlantic Slave Trade", tabela III,

 p. 45.

Esses números são bastante altos se compararmos com a quantidade de escravos

existentes na capitania de Pernambuco nesse período. Mais uma vez, os dados são

62 Joseph C. Miller, "A economia política do tráfico angolano de escravos no século XVIII" In: SelmaPantoja e José Flávio Sombra Saraiva (orgs.), Angola e Brasil nas rotas do Atlântico sul. Rio de Janeiro,Bertrand do Brasil, 1999, p. 16. Sua análise apóia-se em José Gonsalves Salvador, Os cristãos novos e ocomércio no Atlântico meridional (com enfoque nas capitanias do sul, 1580-1680). São Paulo, Pioneira,

1978 e do mesmo autor, Os magnatas do tráfico negreiro (séculos XVI e XVII) São Paulo, Pioneira, 198.Ver ainda Joseph Miller, "Capitalism and slaving: the financial and commercial organization of theAngolan slave trade, according to the accounts of Antonio Coelho Guerreiro, 1684-1692".  International  Journal of Historical Studies, 17 n. 1 (1984): 1-56. 

63 Cf. José C. Curto, "Vinho verso cachaça: a luta luso-brasileira pelo comércio do álcool e de escravos emLuanda,c. 1648-1703" in: S. Pantoja e J. F. S. Saraiva (orgs.), Angola e Brasil nas rotas do Atlântico sul ,

 pp. 69-97.64 David Eltis, "The Volume and Structure of the Transatlantic Slave Trade", tabela III, p. 45. Os mesmos

dados estão reproduzidos em David Eltis e David Richardson, "Os mercados de escravos africanosrecém-chegados às Américas: padrões de preços, 1673-1865" Topoi, 6 (2003): 16.

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século, estima-se que chegavam ao Brasil todos os anos cerca de 2.000 portugueses. 69 

Tendo em vista essas estimativas, pode-se calcular que os escravos constituíam 44,8% da

 população no final do século XVI. Essa porcentagem chegaria a 68% no final do século

seguinte - dado que acompanha não apenas o crescimento da produção de açúcar, mastambém do volume do tráfico negreiro.

Esses números mostram que as autoridades coloniais e metropolitanas estavam

corretas ao registrar que os escravos de Pernambuco eram gente vinda de Angola. Ainda

que Henrique Dias pudesse comandar "Angolas, Minas e Ardras",70 a escravaria

 pernambucana provinha mesmo, em grande parte, da África Central. Ao longo do século

XVII, isso significava dizer que haviam sido escravizados em Angola. Ao examinar o

contexto político e econômico do tráfico de escravos no início do século XVII, Joseph

Miller considera que

"a primeira geração de centro-africanos enviados para o nordeste do Brasilveio essencialmente das terras costeiras do sul do Kwanza, junto comalguma gente do interior de Luanda ou da área do baixo Zaire, e devem ter se juntado a índios escravizados e outros cativos da África ocidental, paraformr uma população de trabalhadores de diversas procedências. Oscentro-africanos dominaram assim a população inicial de escravos nasAméricas no início do século XVII, em números quase equivalentes nascidades hispano-americanas e nos engenhos de açúcar no Brasil."71

Em um estudo anterior, esse autor já havia mostrado que as áreas de obtenção de

escravos na África Central no final do século XVI e início do século XVII eram

relativamente restritas. O Kongo foi o primeiro grande fornecedor de escravos para os

 portugueses. Ao longo do século XVII, o crescimento do reino do Ndongo e a

interferência portuguesa na política interna dos reinos africanos fizeram avançar a

fronteira da escravização em direção ao sul do Kongo e além do rio Kwanza. Luanda

tornou-se, então, o grande porto exportador de escravos. Entre 1650 e 1680 a fronteira se

69 Cf. A. J. R. Russel-Wood, Um mundo em movimento, pp. 97-98 e Maria Luiza Marcílio, "A populaçãodo Brasil colonial" in: L. Bethell (org.), América Latina colonial , vol. 2, pp. 319-322.

70 Escrevendo em 1648 para o comando da WIC, Henrique Dias afirmou que seu terço era composto “dequatro nações (...) Minas, Ardas, Angolas e Crioulos". Apud: Kalina Vanderlei Silva, "Os Henriques nasVilas Açucareiras do Estado do Brasil: Tropas de Homens Negros em Pernambuco, séculos XVII eXVIII" Estudos de História. Franca, 9, n.2 (2002).

71 Joseph C. Miller, "Central Africa during the era of the slave trade, c. 1490-1850" in: Linda M. Heywood(ed.), Central Africans and cultural transformations in the America Diaspora.  Nova York, CambridgeUniversity Press, 2002, p. 27. A tradução é minha.

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Nessa região, no século XVII, havia três maneiras básicas de obter escravos. A

 primeira era enviar comerciantes às feiras de escravos nas regiões fronteiras ao reino do

Kongo e Angola. Na região Mpumbu havia uma das mais importantes feiras, e talvez

dela tenha derivado o nome dado aos comerciantes especializados nesse comércio,chamados  pombeiros.72 Os  pumbos localizavam-se em geral nos entroncamentos das

rotas comerciais, variando de importância conforme estivessem ligados ao comércio

regional ou atlântico e as mercadorias ali negociadas. Como bem lembra Isabel Castro

Henriques, as feiras não serviam apenas para o abastecimento do tráfico atlântico, mas

destinavam-se também à comercialização de produtos para o consumo africano -

incluindo-se aí os escravos destinados às sociedades africanas e ao trabalho nas

 propriedades portuguesas.73 Adriano Parreira fez um estudo detalhado do comércio na

região angolana no século XVII. Ele examina o traçado das rotas, o sistema de

 pagamento de  xikaku, taxas pagas nas passagens fluviais e nas fronteiras de cada

 jurisdição, os impostos para mercadorias específicas, como o sal, as caravanas formadas

 por escravos para o transporte das mercadorias.74 O nzimbu, uma concha obtida na costa

de Angola, e os panos de fibra vegetal, sobretudo os feitos de folhas de palmeira, eram as

mais importantes moedas de troca. Havia ainda o sal e, sobretudo, as mercadorias

importadas, seja de outras regiões da África (como no caso dos panos de ráfia de Loango,

os pintados da região entre os rios Kongo, Kuvo e Kwango, e os kundi e meio-kundi doKongo), seja da Europa, Índia e Américas. Os principais produtos, nesse caso, eram os

vinhos das Canárias e Madeira, a aguardente e o tabaco do Brasil, e os tecidos - das sedas

à panaria indiana estampada em Portugal.75 

72 David Birmingham, The Portuguese conquest of Angola, Londres, Oxford University Press, 1965, p. 25.73 Isabel Castro Henriques, "A rota dos escravos. Angola e a rede do comércio negreiro" in: João Medina e

Isabel Castro Henriques (orgs.),  A rota dos escravos. Angola e a rede do comércio negreiro. Lisboa,CNPCDP, 1996, p. 133.

74 Adriano Parreira,  Economia e sociedade em Angola na e   poca da Rainha Jinga, se  culo XVII . Lisboa,

Estampa, 1990, caps. 2 e 3. Ver também W. G. L. Randles, L'ancien royaume du Congo, cap. 14.75 Os panos eram tão importantes no comércio de escravos que os escravos passaram a ser chamados peças:

um escravo adulto equivalia a uma peça de tecido importado pelo qual ele era trocado. Cf. Joseph Miller,"Slave prices in the Portuguese Southern Atlantic, 1600-1830". in: Paul Lovejoy,  Africans in bondage.Studies in slavery and the slave trade. Madison, The University of Wisconsin Press, 1986, p. 44; e J. C.Miller, Way of Death, pp.66-69.

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Mapa 2 - As principais rotas comerciais na África Central no século XVII

Fonte: Adriano Parreira,  Economia e sociedade em Angola na e   poca da Rainha Jinga, se  

culo XVII . Lisboa, Estampa, 1990, p.78

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Aos  pumbos somaram-se os mercados nas cidades litorâneas e nos presídios,

núcleos fortificados de residência dos portugueses no interior. Estabelecidos em pontos

estratégicos do ponto de vista militar e comercial, os presídios marcavam ao mesmo

tempo a penetração portuguesa pelo sertão e seu domínio sobre as redes comerciais.76

Noséculo XVII, os principais presídios eram Massangano (1583/85), Muxima (1599),

Cambambe (criado no final do século XVI ou início do XVII, próximo à feira do

 Ndongo), Ambaca, (1611), Pungo Andongo (estabelecido em 1671, depois da vitória

sobre o reino do Ndongo) e Caconda, (1685).77 

O segundo método de obtenção de escravos eram os tributos pagos pelos sobas

Mbundo, depois de conquistados pelos portugueses. Em terceiro lugar, as guerras

forneciam muitos prisioneiros. A depender do tipo de guerra, de quem havia comandado

as investidas e de seus resultados, os prisioneiros pertenciam aos governadores

 portugueses ou aos sobas. Os governadores e os comandantes que realizavam as guerras

em seu nome, ficavam com alguns prisioneiros, descontavam o quinto da Coroa e

distribuíam os restantes pelos soldados. Comerciantes particulares, negros e brancos,

acompanhavam as expedições, para comprar esses prisioneiros, gerando assim um tráfico

específico, dependente das guerras.78 Certamente havia o risco de a mercadoria ser 

 perdida com a derrota portuguesa. Os números são às vezes extraordinários. Birmingham

informa por exemplo que, na batalha de Ngoleme, os mercadores perderam o equivalenteao carregamento de 24 navios.79 

Os dois próximos itens examinam os significados políticos dessas formas de

obtenção de escravos.

3. Guerras em Angola

Quando os portugueses chegaram à foz do Zaire, em 1483, o Kongo era um reino

relativamente forte e estruturado em províncias (como Soyo, Mbata, Wandu e Nkusu)

76 I. C. Henriques, "A rota dos escravos. Angola e a rede do comércio negreiro", pp. 139-140.77 I. C. Henriques, "A rota dos escravos. Angola e a rede do comércio negreiro", p. 140.78 L. M. Heywood e J. K. Thornton, Central Africans, Atlantic Creoles, p.119.79 D. Birmingham, The Portuguese conquest of Angola, p. 25.

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governadas por linhagens locais ou por chefes escolhidos pelo rei e dele dependentes.80 A

 partir do final do século XV, a penetração portuguesa na região do Kongo consolidou-se

com a conversão do mani Mvemba-a-Nzinga ao cristianismo, que se fez batizar com o

nome de Afonso I. A capital passou a se chamar São Salvador e a nobreza conguesa,além de incorporar o cristianismo, adotou nomes e costumes portugueses, como vestir 

sedas e outros tecidos finos, como sinal de distinção e diferenciação social. A troca de

cartas entre monarcas, a prática de enviar infantes congueses para estudar em Portugal, as

missões evangelizadoras e as embaixadas entre os dois reinos foram comuns no século

XVI.81

As armas e a religião portuguesas, bem como suas mercadorias, ajudaram a

fortalecer o poder do rei do Kongo, assim como o comércio de escravos - principal

interesse de Portugal na região. O desenvolvimento da cultura da cana em São Tomé

fomentou o tráfico já existente desde meados do século anterior em direção a Lisboa e

outras cidades portuguesas. Por volta de 1530, o número de escravos exportados do

Kongo pelo porto de Mpinda somava entre 4 mil e 5 mil cativos por ano. 82 Nesse

 período, os escravos eram obtidos por meio do pagamento dos tributos, cuja arrecadação

era mediada pelo rei do Kongo, e das guerras para manter o controle sobre os potentados

locais que, por sua vez, ocorriam na região dos Mbundo, ao sul, entre os rios Dande e

Kwanza.83 Tanto o rei de Portugal como o do Kongo insistiam que todos os escravosdeviam ser exportados a partir do porto de Mpinda.84 

80 Os principais trabalhos sobre o Kongo nos séculos XVI e XVII são: W. G. L. Randles, L'ancien royaumedu Congo des origines à la fin du XIXe siècle . [1968] Paris, École Pratique des Hautes Études/Mouton,2002; John K. Thornton, The kingdom of Kongo. Civil war and transition, 1641-1718. Madison,University of Wisconsin Press, 1983; Anne Hilton, The kingdom of Kongo. Oxford, Oxford UniversityPress, 1985. Para um bom panorama em português ver Alberto da Costa e Silva, A manilha e o libambo.

 A África e a escravidão, de 1500 a 1700. Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 2002, pp. 359-405.81 Ver também Carlos Alberto Garcia, "A acção dos portugueses no antigo reino do Congo (1482-1543)" Boletim Geral do Ultramar , 513 (1968): 3-30; 515 (1968):11-36; 516(1968):77-89; Ilídio do Amaral, Oreino do Congo, os mbundu (ou ambundos), o reino dos "ngola" (ou de Angola) e a presença portuguesa, de finais do século XV a meados do século XVI . Lisboa, Ministério da Ciência e Tecnologia,1996, pp. 24-29; Adriano A. T. Parreira, The kingdom of Angola and Iberian Interference, 1483-1643.Upsala, s.e., 1985, cap. 1.

82 D. Birmingham, The Portuguese conquest of Angola, p. 783 Idem, ibidem.84 D. Birmingham, The Portuguese conquest of Angola, p. 9.

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Na época da chegada dos portugueses, o Ndongo era um pequeno reino, tributário

do rei do Kongo. Como o rei do Ndongo tinha o título de ngola, os portugueses

chamaram a região de Angola. A baía de Luanda oferecia boas condições para os navios

e o interesse na obtenção de escravos foi aos poucos promovendo incursões diretas no Ndongo com a finalidade de obter escravos. A região litorânea de Angola passou a ser 

freqüentada por comerciantes que queriam escapar ao controle de Portugal e do Kongo,

especialmente por aqueles que comerciavam com a ilha de São Tomé, onde havia uma

 produção açucareira significativa e, portanto, uma demanda crescente por escravos.85

A primeira expedição oficial em território angolano foi realizada em 1520,

embora a conquista da região pelos portugueses só tenha se efetivado com as expedições

de Paulo Dias de Novais, em 1560 e 1575. Ao avançar em direção ao sul do reino do

Kongo no final do século XVI, os portugueses imaginavam encontrar minas de prata e

evangelizar novos povos, contudo sabiam que a grande riqueza adviria do fornecimento

de escravos para as plantações de cana em São Tomé e no Brasil e para as possessões

espanholas na América.86

Em 1568 e 1574, o Kongo foi invadido por grupos Imbangala, que chegaram a

expulsar portugueses e congoleses de São Salvador. A retomada do reino, em 1571-74,

ocorreu por força das armas portuguesas, aumentando o incentivo para a conquista da

região ao sul, onde esperavam conseguir manter um domínio mais estável. Portugalconcedeu as terras na região entre o sul do Kongo e o rio Kwanza a Paulo Dias de

 Novais, para que ele, como governador vitalício, ali instalasse uma nova colônia. Novais

tentou estabelecer uma colonização branca na região de Angola, enfrentando a

concorrência dos comerciantes de São Tomé que traficavam ilegalmente na região. Nessa

época, o reino do Ndongo já havia se fortalecido, sobretudo a partir das relações que

vinha mantendo com o tráfico atlântico. Era vassalo do reino do Kongo, mas tinha sua

 própria política em relação a Portugal e aos comerciantes que apareciam no litoral de

Luanda, bem como com os potentados da região.

85 Sobre o interesse português pela região de Angola ver Ilídio do Amaral, O reino do Congo, pp.149-192;e também A. A. T. Parreira, The kingdom of Angola and Iberian Interference, 1483-1643, cap. 2.

86 Sobre o período em que Angola foi governada por Paulo Dias de Novais, vide Ilídio do Amaral, Oconsulado de Paulo Dias de Novais. Angola no último quartel do século XVI e primeiro do século XVII .Lisboa, Instituto de Investigação Científica e Tropical, 2000. Para um panorama geral sobre o avanço

 português em Angola ver A. C. Silva, A manilha e o libambo,  pp.407-450.

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O tráfico se desenvolveu com intensidade crescente na região de Angola,

sobretudo a partir de 1579, quando Novais investiu com suas tropas contra o Ndongo.87 

Ao contrário do que ocorria no Kongo, onde os portugueses combatiam grupos

dissidentes com o apoio dos poderes locais, em Angola os portugueses lutavam aomesmo tempo contra o Ndongo e os Imbangala, em especial na região de Kasanje.88 As

 posições portuguesas dependiam das guerras de conquista: eram elas que permeavam as

relações com os reinos e sobas locais, que permitiam o controle sobre as redes comerciais

que forneciam lucros por meio da cobrança de impostos e do próprio comércio de

escravos e marfim (os principais produtos). Elas constituíam, também, as formas mais

rápidas de enriquecimento, pois ofereciam ocasiões propícias para o comércio particular 

e para o roubo. A tensão entre defender e controlar as redes comerciais ou guerrear 

envolvia não apenas os interesses da Coroa, como incluía ainda aqueles dos

governadores, dos agentes do tráfico e dos sobas.

Com a união das coroas em 1580, a morte de Dias Novais em 1589 e a derrota

fragorosa em Ngoleme em 1590, a coroa espanhola avaliou a situação e tentou alterar sua

 política, para reconquistar Angola, promover mais uma vez a colonização e investir na

 busca de minas de prata e na agricultura. Ao invés de contar com os particulares, que se

assenhoreavam dos sobados conquistados, e com o apoio dos jesuítas - como na época de

 Novais -, a Coroa chamou para si a relação com os sobas locais. Até 1605, essasmudanças acompanharam as tentativas, afinal frustradas, de controlar as minas de sal de

Kisama e de achar minas de prata em Cambambe. As excursões a Kisama e a Cambambe

foram acompanhadas por novas guerras, que geravam escravos, mas não o domínio

almejado sobre a região. A partir de 1605 ficou claro que era o tráfico e não as minas a

 base da prosperidade dos portugueses na região.89 O domínio sobre ela e sobre seus

habitantes devia articular-se de forma a poder garantir que o tráfico se desenvolvesse

conforme os interesses de todos. As guerras tornaram-se parte importante desse processo.

Havia vários tipos de guerras, movidas por diversos motivos. No período entre

1607 e 1660 elas derivaram sobretudo da crise dinástica do reino do Kongo e das tensões

87 D. Birmingham, The Portuguese conquest of Angola, p. 13.88 D. Birmingham, The Portuguese conquest of Angola, p.19.89 D. Birmingham, The Portuguese conquest of Angola, p. 24.

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entre os portugueses e o reino do Ndongo, constituindo a principal fonte dos escravos

traficados. Como bem observam Linda Heywood e John Thornton, essas não eram

guerras "étnicas", mas políticas, originadas da diferença de interesses entre portugueses e

grupos políticos diversos nos reinos do Kongo e Mbundo. De um lado, os portuguesesqueriam obter escravos para enviá-los para o Brasil e para a América espanhola (e assim

cumprir o asiento). No reino do Ndongo, as linhagens lutavam pelo controle do reino e

usavam ora os portugueses ora os Imbangala para se fortalecer. A luta entre os que

queriam as alianças ou manter a independência levou à escravização de muitos Mbundo,

 bem como de habitantes do Kongo ou de suas províncias, que se aliaram algumas vezes

ao Ndongo contra os portugueses. No caso do reino do Kongo, as questões dinásticas

levavam a guerras entre os postulantes ao trono, que realizavam alianças ora com grupos

 políticos africanos ora com os portugueses, e terminavam por escravizar também alguns

habitantes do Kongo.

A intensidade e a freqüência das guerras podem sugerir que elas eram feitas a

esmo, conforme os desígnios e interesses mais imediatos. Ao contrário. Havia limites

impostos pela Coroa e as investidas só podiam ser realizadas depois de declaradas justas

 pelo voto de uma Junta composta pelo bispo, ouvidor geral, provedor da Fazenda e

ministros. Apesar dessas regras, muitos governadores ordenaram guerras sem aprovação

 prévia. Mesmo as guerras justas davam margem a várias apropriações privadas,consideradas ilegais. Dentre os motivos que indispuseram o governador Tristão da Cunha

(1666-1667) e a população de Luanda, numa das várias "alterações ultramarinas" que

terminaram com a expulsão das autoridades locais,90 estava, por exemplo, uma guerra

contra o Libolo, que tivera o objetivo explícito de capturar escravos.91

Linda Heywood e John Thornton realizaram um detalhado estudo das guerras

realizadas entre 1607 e 1660, conseguindo determinar os lugares em que elas ocorreram,

90 Ver, a respeito, Luciano Raposo de Almeida Figueiredo, "O império em apuros. Notas para o estudo dasalterações ultramarinas e das práticas políticas no império colonial português, séculos XVII e XVIII" in:Júnia Ferreira Furtado (org.), Diálogos oceânicos. Minas Gerais e as novas abordagens para uma históriado império ultramarino português. Belo Horizonte, Ed. UFMG, 2001, pp. 197-254.

91 Antonio Luís Alves Ferronha, "Angola. A revolta de Luanda de 1667 e a expulsão do governador geralTristão da Cunha" in: Júnia Ferreira Furtado (org.),  Diálogos Oceânicos.  Minas Gerais e as novasabordagens para uma história do império ultramarino português . Belo Horizonte, Editora UFMG, 2001,

 p. 261.

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quem era escravizado e quem os escravizava.92 Acompanho esses autores nas próximas

 páginas.

Depois das guerras em Kisama, na virada do século XVI para o XVII, a Coroa

determinou ao novo governador, Manuel Pereira Forjaz, em 1607, que cuidasse deestabelecer a paz com os sobas e impulsionasse a agricultura, de modo a fazer crescer as

taxas e manter a paz nas conquistas. A estratégia previa a fixação dos portugueses em

 pontos específicos, a fim de evitar as guerras privadas para capturar escravos e manter 

controle sobre o comércio e sobre a costa do Kongo e Loango, para limitar a interferência

holandesa que começava a se fazer presente naquela região. A partir de então, os

governadores ficaram proibidos de realizar qualquer ação militar que não fosse para

defender Luanda e os presídios.93

Interessado no comércio, o governador Manuel Pereira Forjaz estabeleceu uma

extensa rede que ligava os negociantes de Lisboa, das ilhas do Atlântico, do Brasil, das

Índias de Castela e Buenos Aires com os portos centro-africanos, que por sua vez podiam

ser abastecidos por caravanas vindas até mesmo de Mpumbu, a nordeste do Kongo, e

Songo, ao sul do Ndongo, e Benguela:94 os tecidos e roupas, trigo, vinhos das Canárias,

cavalos e produtos de luxo eram trocados por escravos remetidos para o Brasil ou Índias

de Castela e o resultado das vendas voltava para a Europa na forma de letras de

créditos.95 Nesse tempo, os escravos comerciados vinham de longe, do leste (atingindotalvez até Moçambique), e do sul, em Benguela; em alguns anos, chegavam a 10 ou 13

mil os embarcados de Angola.96

Parecia ser um sistema eficiente, mas não do ponto de vista da Coroa, pois os

mercadores achavam muitos meios de burlar os impostos. Havia também a necessidade

de controlar a recalcitrância dos sobas, que muitas vezes escapavam do domínio

 português ou se negavam a abrir as rotas para o tráfico ou dele participar. As guerras

92 L. M. Heywood e J. K. Thornton, Central Africans, Atlantic Creoles, especialmente cap. 3. Observo,entretanto, que este estudo não trata dos escravos enviados para o Brasil, mas daqueles que foramremetidos para as colônias inglesas e holandesas nas Américas. Contudo, os processos de escravizaçãona África Central eram os mesmos, controlados pelos portugueses.

93 B. Heintze, "Angola nas garras do tráfico de escravos", p. 13.94 L. M. Heywood e J. K. Thornton, Central Africans, Atlantic Creoles, p. 110 e 11395 L. M. Heywood e J. K. Thornton, Central Africans, Atlantic Creoles, p.11396 L. M. Heywood e J. K. Thornton, Central Africans, Atlantic Creoles, p. 113

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do Kongo ao norte de Luanda, incluindo Kasanze, Sonsa e pontos de travessia do rio

Bengo.

Em meio a essas guerras, nem sempre os Imbangala nem sempre aliavam-se aos

 portugueses: realizavam ataques por conta própria ou se juntavam a facções contrárias aeles. E, claro, faziam prisioneiros, vendidos aos milhares para o tráfico atlântico. Havia

ainda colonos que se aproveitavam para realizar guerras particulares ou simples

 pilhagens, a fim de angariar escravos que acabavam enviados para o mesmo destino.

Assim, as guerras e o caos delas decorrente faziam com que a zona de fornecimento de

escravos fosse mais restrita do que aquela atingida pelas redes comerciais que

funcionavam até 1611. A escravização, agora, ocorria nas áreas de guerra: no interior do

reino do Ndongo e na região ao sul do reino do Kongo. 102

No período entre 1621 e 1641, o planalto do Ndongo e em seguida o vale do rio

Kwango continuaram a ser o cenário de guerras destinadas a adquirir minas, terras e

escravos, ou a submeter os sobas.103 Para se defender dos ataques portugueses e

Imbangala, Ngola Mbandi, rei do Ndongo, tentou negociar com os portugueses, sem

sucesso. Um tratado que previa a retirada da fortaleza de Ambaca das terras no Ngola, a

expulsão dos Imbangala da região, o batismo de vários membros da família real e a

retomada do comércio com os portugueses chegou a ser negociado, com a mediação de

 Njinga, irmã mais velha do rei.104 O acordo entretanto nunca foi cumprido e as tentativasde apaziguar a região foram retomadas após a morte de Ngola Mbandi, com a nomeação

de sucessores ligados à Coroa portuguesa. As manobras políticas e diplomáticas

acompanharam o restabelecimento das feiras nas regiões próximas a Mbwila e mais ao

102 L. M. Heywood e J. K. Thornton, Central Africans, Atlantic Creoles, p. 123.103 L. M. Heywood e J. K. Thornton, Central Africans, Atlantic Creoles, pp. 123-124104 Foi durante essas negociações que Njinga sentou-se sobre as costas de uma escrava, para mostrar-se

igual aos portugueses. Os estudiosos divergem quanto às fontes e significados do gesto. Ver, a respeito,L. M. Heywood e J. K. Thornton, Central Africans, Atlantic Creoles, p. 124-126; e Luís da CâmaraCascudo, "A rainha Jinga no Brasil" Made in Africa. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1965, pp. 25-32. Para uma abordagem mais panorâmica sobre a trajetória de Njinga ver Roy Glasgow,  Nzinga. Resistência africana à investida do colonialismo português em Angola, 1582-1663. (trad.) São Paulo,Perspectiva, 1982; e Selma Pantoja, Nzinga Mbandi. Mulher, guerra e escravidão. Brasília, Thesaurus,2000

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sul, na direção do rio Zenza e de Ambaca, onde se comerciavam escravos vindos das

terras mais a leste.105 

A oposição de Njinga à intervenção portuguesa na sucessão do Ndongo abriu

novas oportunidades para a guerra, que envolveu facções, sobas e famílias não reinantesdo Ndongo, com grupos de Imbangala lutando de vários lados, em batalhas na região de

Kabasa, Mpungo Andongo, Kindonga e Tunda.106 Njinga venceu algumas delas,

manipulou várias forças políticas e militares, aliou-se aos Imbagala, conseguiu

estabelecer sua capital durante algum tempo nas ilhas de Kindonga e dali atacou

Matamba, onde finalmente estabeleceu sua própria capital, que ela muitas vezes chamava

de kilombo, reforçando sua aliança com os Imbangala.107 Foi assim que nasceu o reino de

Matamba, que tanto trabalho deu aos portugueses.

 Njinga tentou ainda continuar as negociações com os portugueses, sem sucesso.

Durante todo esse período, o coração do reino do Ndongo continuou a ser uma das

grandes fontes de escravos para o comércio em direção às Américas.108 Apenas no vale

do Kwango, mais próximo de Luanda, o desenvolvimento de uma administração e

economia mais estáveis levou, aos poucos, à diminuição do caos e das guerras.109

Nesse mesmo período, no Kongo, a morte do rei Álvaro II em 1614 desencadeou

uma guerra entre os membros da família real que reivindicavam o trono e abriu novas

oportunidades de domínio político e obtenção de escravos para os colonizadores. Asguerras começaram com o ataque português a Kasanze, vassalo do reino do Kongo e

vizinho de Luanda, com muitos prisioneiros enviados ao Brasil.110 Em seguida foi a vez

de atacar províncias de Mbamba, porém os portugueses foram vencidos. As invasões

chegaram a ser questionadas em Roma, houve devolução de alguns prisioneiros,111 mas

nada além disso. As guerras civis no reino do Kongo só terminaram com a ascensão de

Garcia II ao trono em 1641. Foi nesse contexto que a presença holandesa se tornou mais

105 L. M. Heywood e J. K. Thornton, Central Africans, Atlantic Creoles, pp. 127-128.106 L. M. Heywood e J. K. Thornton, Central Africans, Atlantic Creoles, pp. 127-128.107 Cf,, por exemplo, a carta de Njinga ao governador de Angola de 13 de dezembro de 1655. MMM, vol.

II, pp. 524-28.108 L. M. Heywood e J. K. Thornton, Central Africans, Atlantic Creoles, p. 127.109 L. M. Heywood e J. K. Thornton, Central Africans, Atlantic Creoles, p.124.110 L. M. Heywood e J. K. Thornton, Central Africans, Atlantic Creoles, pp. 136-137.111 L. M. Heywood e J. K. Thornton, Central Africans, Atlantic Creoles, p. 139-140.

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agressiva (em função das rivalidades com a Espanha a partir de 1621), oferecendo uma

alternativa para novas alianças contra os portugueses. A aproximação entre o reino do

Kongo e os holandeses significou que a área de escravização mais uma vez mudou do

interior para a zona mais próxima do litoral. Os traficantes portugueses puderam comprar milhares de congoleses cristãos de Mbamba, São Salvador, Nsundi e Soyo.112 Havia

ainda ações militares e comerciais na colônia de Benguela, ao sul, e alguns escravos eram

exportados de longe, de Kakongo e Loango, que forneciam de quando em vez cativos

 para o comércio atlântico.113

A invasão holandesa de Luanda (1641-1648) e a aliança com o reino do Kongo,

 bem como a tentativa de engajar Njinga contra os portugueses, mudaram o cenário das

guerras depois de 1641.114 O interesse holandês em controlar as redes do tráfico por meio

de alianças com o rei do Kongo e o conde do Soyo trouxe novas possibilidades para os

que estavam sob domínio português. Explorando a insurgência local, os holandeses

enviaram expedições para a região ao longo dos rios Bengo e Kwanza. Os mercadores

luso-africanos do Kongo foram perseguidos (algumas vezes expulsos das vilas, com seus

 bens e escravos confiscados115) e as posições portuguesas foram atacadas, embora

algumas ofensivas tenham sido acompanhadas por tentativas de negociação, iniciadas por 

um ou outro lado.116 Durante esse período, o rei do Kongo enfrentou também rivalidades

internas. Na região de Mbamba e Mpenda havia sobas descontentes e o Soyo,mergulhado em crises sucessórias, resistia ao domínio do Kongo - em guerras que

forneceram mais prisioneiros e escravos.117 Njinga aproveitou para fazer suas próprias

alianças, na tentativa de retomar o reino do Ndongo dos portugueses, mas conseguiu

apenas expandir seu domínio sobre Sengas de Cavanga.118

Enquanto isso, os portugueses, ajudados por seus aliados Imbangala, investiram

contra os rebeldes na região dos Dembos. Portugueses e holandeses chegaram a um

acordo em 1643, no intuito de estabelecer zonas de domínio territorial e redes

112 L. M. Heywood e J. K. Thornton, Central Africans, Atlantic Creoles, p. 142.113 L. M. Heywood e J. K. Thornton, Central Africans, Atlantic Creoles, pp. 143-144.114 L. M. Heywood e J. K. Thornton, Central Africans, Atlantic Creoles, p. 145.115 L. M. Heywood e J. K. Thornton, Central Africans, Atlantic Creoles, p. 147.116 L. M. Heywood e J. K. Thornton, Central Africans, Atlantic Creoles, p. 147.117 L. M. Heywood e J. K. Thornton, Central Africans, Atlantic Creoles, pp. 152-153.118 L. M. Heywood e J. K. Thornton, Central Africans, Atlantic Creoles, pp. 146-148.

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comerciais.119 O Kongo continuou a resistir aos portugueses e procurou aliados africanos,

 Njinga, em especial.120 Com ajuda de tropas enviadas do Brasil, incluindo parte do terço

dos Henriques, os portugueses enfrentaram Njinga, chegando a invadir sua capital em

Cavanga.121

Em 1643 uma grande aliança entre holandeses, congoleses, soldados dossobas leais aos holandeses e arqueiros de Njinga derrotou os portugueses, destruindo 200

vilas e propriedades à volta de Masangano, Muxim e Cambambe.122 Em 1648, com o

apoio das tropas comandadas por Salvador Correia de Sá, vindas do Brasil, os

 portugueses conseguiram retomar Luanda e restabelecer alianças com vários sobas à

volta da capital, no Bengo, libertando Masangano e Muxima, além de voltar a controlar o

vale do Kwanza.123 

Reconquistada a capital, foi a vez de recuperar o domínio sobre o Libolo, ao sul, e

na região do Dembo, ao norte, em guerras que resultaram na reafirmação dos laços de

vassalagem dos sobas e também na obtenção de escravos.124 O debate entre estabelecer 

rotas comerciais e empreender guerras ofensivas voltou à tona.125 De qualquer modo, o

abastecimento de escravos era garantido pelas guerras entre os africanos. Njinga, em

 permanente estado de alerta, atacou a partir de seu kilombo em Matamba vários de seus

vizinhos, incluindo Kasanje e regiões próximas a Mbwila. Kasanje, por sua vez,

estabeleceu seu kilombo em Ngangela e dali investiu contra Matamba, Lubolo, Bembe,

Haku, Songo, Yaka, abastecendo o mercado de Luanda com mais e mais escravos.126 Em 1656, o governador Luís Martins de Souza Chichorro conseguiu fazer novo

acordo com Njinga. Ela se comprometeu a largar os costumes Imbangala que havia

adquirido desde 1626-1629, voltou a ser cristã, e o reino de Matamba passou a ser 

reconhecido pelos portugueses, que assim garantiram acesso aos escravos que pudesse

119 L. M. Heywood e J. K. Thornton, Central Africans, Atlantic Creoles, p. 149.120 L. M. Heywood e J. K. Thornton, Central Africans, Atlantic Creoles, p. 148.121 L. M. Heywood e J. K. Thornton, Central Africans, Atlantic Creoles, p. 150. Sobre o envio das tropas

de Henrique Dias para Angola, vide L. F. Alencastro, O trato dos viventes, pp. 228 e 259; Hebe Mattos,"Henrique Dias: expansão e limites da justiça distributiva no Império português" in: Ronaldo Vainfas,Georgina Silva dos Santos e Guilherme Pereira das Neves (orgs.),  Retratos do Império. Niterói, EdUFF,2006, pp. 35-36.

122 L. M. Heywood e J. K. Thornton, Central Africans, Atlantic Creoles, p. 151.123 L. M. Heywood e J. K. Thornton, Central Africans, Atlantic Creoles, p. 152.124 L. M. Heywood e J. K. Thornton, Central Africans, Atlantic Creoles, p. 154.125 L. M. Heywood e J. K. Thornton, Central Africans, Atlantic Creoles, pp. 154-155.126 L. M. Heywood e J. K. Thornton, Central Africans, Atlantic Creoles, p. 156

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 portuguesas. Essa batalha marcou o fim do Ndongo como reino independente, como

vimos.

Em Matamba, a morte de Njinga reabriu os enfrentamentos com os portugueses,

que acabaram por perder as posições conquistadas. Enquanto isso, Kasanje se fortalecia,tornando-se um intermediário poderoso no tráfico com a região do Lunda, que

despontava como um grande fornecedor de cativos. No início da década de 1680, o reino

de Kasanje envolveu-se em guerras sucessórias, das quais participaram também

Matamba e os portugueses. De novo, as batalhas implicaram perdas para os comerciantes

de Luanda e Luís Lopes e Siqueira, que havia participado das batalhas de Mbwila em

1665 e Mpungo Andongo em 1671, foi enviado para conter os rebeldes de Kasanje e

Matamba. Dessa vez ele foi vencido. O tratado de paz com Matamba, firmado em 1683,

 previa a devolução aos portugueses dos escravos que haviam fugido, o pagamento de

indenização em escravos, o abandono de qualquer pretensão em relação a Kasanje e a

exclusividade do comércio de escravos com os portugueses.131 Como observa

Birmingham, essa última cláusula é uma novidade, reveladora dos novos problemas a

serem enfrentados na região: a concorrência com os comerciantes ligados aos interesses

holandeses e ingleses.132

Na verdade, apenas o registro escrito da cláusula era novo. Toda a história das

guerras na África Central se desenvolveu, desde o início do século XVII, em um contextomaior de conflitos envolvendo diversas nações européias.133 O mais importante dentre

eles foi a guerra dos Trinta Anos, que colocou em confronto os holandeses e os estados

da península Ibérica, unidos sob a mesma coroa entre 1580 e 1640. Indo além do teatro

europeu, os conflitos extravasaram pelos territórios ultramarinos e adicionaram novos

ingredientes às guerras que escravizavam tantos homens naquela parte do continente

africano. Por isso, durante todo o tempo, os europeus interessados no tráfico negreiro

 precisaram controlar os sobas da região, por meio das guerras e dos acordos de paz, e

131 D. Birmingham, The Portuguese conquest of Angola, p. 41.132 D. Birmingham, The Portuguese conquest of Angola, p. 41.133 B. Heintze, "Angola nas garras do tráfico de escravos", p. 14. Para uma visão mais ampla das

rivalidades européias e sua importância na concorrência colonial, vide Fernando Antonio Novais, Portugal e Brasil na crise do antigo sistema colonial   (1777-1808)" . São Paulo, Hucitec, 1979,especialmente cap. 1.

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evitar que eles se aliassem ou comerciassem com seus rivais. Os sobas, por sua vez,

exploravam essas rivalidades européias em seu benefício.

O tráfico negreiro estava imbricado na história da presença dos portugueses na

África Central, aqui narrada de um ponto de vista político e militar. A profusão dedetalhes torna patente o fato de as guerras terem sido o principal instrumento para

obtenção de escravos, tanto para os colonos portugueses quanto para os potentados

africanos. O poder militar português foi fundamental para submeter os sobas e deles

angariar tributos - pagos em grande parte com prisioneiros. O domínio político sobre os

reinos centro-africanos e  sobados garantia ainda privilégios para os interesses

 portugueses nas feiras e rotas comerciais. Sem guerras e acordos de vassalagem, os

navios do tráfico que zarpavam para a América não podiam ser abastecidos. Havia,

 portanto, uma sintaxe que conjugava guerra e paz, e articulava autoridades portuguesas e

linhagens locais, do Kongo, Ndongo, Matamba e Kasanje.

4. Sobas, vassalos e kijikos 

Como deixa evidente o episódio dos membros sobreviventes da família real do

 Ndongo desterrados depois da batalha de Mpungo Andongo, nem todos os prisioneiros

das guerras eram enviados para o tráfico Atlântico. Os portugueses reconheciam haver diferenças sociais e políticas entre os centro-africanos e não deixavam de levá-las em

conta ao tratar com os poderes locais na região do Kongo e de Angola e ao operar os

mecanismos que produziam escravos para o tráfico negreiro.

Este aspecto nem sempre tem sido considerado pela bibliografia, que tende a

discutir os números do tráfico sem contemplar a origem dos escravos ou, quando o faz,

 privilegia características étnicas e culturais em detrimento de componentes sociais e

 políticos. A sintaxe da guerra não era entretanto praticada do mesmo modo por todas as

 pessoas envolvidas: nem todos os centro-africanos eram ou podiam ser escravizados.

Essa constatação nos leva a examinar mais de perto as diferenças entre os centro-

africanos articulados à guerra e ao comércio de escravos.

 Nos reinos do Kongo e Angola, o poder estava assentado em linhagens

descendentes de um ancestral comum (muitas vezes mítico) ou por uma divindade. O

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domínio sobre as pessoas e o território era exercido por meio de uma rede hierárquica de

linhagens aparentadas, que controlava seus membros e os escravos pertencentes a elas,

usados como criados, soldados e trabalhadores. Ao mesmo tempo político e religioso, o

controle das linhagens combinava-se à capacidade de obter tributos (cobrados em produtos, serviços, incluindo os militares, e escravos). Por meio desse sistema

corporativo e hierarquizado, a riqueza, medida em produtos e escravos, circulava e podia

ser acumulada. A cobrança de taxas e tributos e as guerras - originadas por crises

dinásticas ou por rivalidades políticas - eram as formas mais freqüentes de crescimento

econômico e aumento de poder político.134

No Kongo, as linhagens nobres que cercavam o rei e as instaladas nas províncias,

relacionadas entre si por meio do casamento, mantinham relações comerciais e políticas

controladas a partir da capital, mbanza Kongo, batizada de São Salvador pelos

 portugueses. A nobreza estava em geral sediada nas cidades (mbanza), que dominavam

um conjunto de aldeias (lubata), cada uma com seus respectivos chefes locais (nkulutu) e

líderes religiosos (kitomi). A unidade do reino mantinha-se pelo controle centralizado no

rei (mani ou ntotela) do Kongo, que governava os chefes locais, tanto os ligados a ele

quanto os de províncias relativamente independentes com as quais mantinha relações de

soberania e vassalagem. Além dos nobres, a população se dividia em livres e escravos,

adquiridos nas guerras de conquista. Os prisioneiros podiam ser integrados às linhagenscomo dependentes ou como escravos, que possuíam certo grau de liberdade e podiam

enriquecer ou se libertar.135 

 No reino do Ndongo, o rei ou ngola governava linhagens matrilineares que

 possuíam posições titulares definidas como relações de parentesco (tios e sobrinhos, pais

e filhos, etc.). As linhagens instalavam-se em aldeias, governadas em termos políticos e

religiosos por um grupo de homens que ocupavam as posições titulares (ngundu) e

controlavam o acesso à terra e aos meios naturais. O principal posto era ocupado com

freqüência pelo mais idoso, chamado  soba, que governava a linhagem assistido por um

conselho de anciãos (makota). A população se dividia entre livres (chamados morinda) e

134 John K. Thornton, A África e os africanos na formação do mundo atlântico, 1400-1800. (trad.) Rio deJaneiro, Elsevier, 2004, pp. 127- 137.

135 J. K. Thornton, The kingdom of Kongo, pp.15-27.

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Do ponto de vista institucional, era o nome de uma sociedade de iniciação de origem

Ovimbundo, apropriada pelos Imbangala, cujos rituais excluíam as mulheres e crianças,

implicavam sacrifícios humanos e práticas divinatórias e possuíam um conjunto de

 proibições (kijila). Como forma de organizar e congregar guerreiros, transformou-se emuma das mais importantes instituições políticas centro-africanas no século XVII.

Fundindo-se às linhagens locais, formaram, a partir de meados do século XVII, novos

estados - Matamba e Kasanje entre eles.140

Os portugueses conectaram-se a essa estrutura política, como parceiros políticos e

militares, interessados que estavam em obter escravos, por meio do controle indireto das

rotas comerciais e dos tributos. No caso do Kongo, a presença portuguesa foi garantida

 pela associação direta com o rei, que conseguiu manter sua relativa independência. As

cerimônias dos tratados e acordos entre os soberanos do Kongo e de Portugal misturavam

elementos africanos e europeus, os comerciantes portugueses e padres tinham salvo

conduto e influíam na política congolesa, mas não havia governadores do Kongo

nomeados por Lisboa.

Angola, ao contrário, foi ocupada militarmente. A região do reino do Ndongo, um

reino tributário do Kongo, foi conquistada por tropas portuguesas e, a partir de 1575,

tornou-se uma capitania com um governador nomeado pelo rei. A partir de 1607, a Coroa

retomou para si o governo, passando a nomear a cada três anos um capitão-mor egovernador da "conquista e reino de Angola e das mais províncias dela".141 Tornou-se,

assim, um poder concorrente em relação aos demais reinos e chefes locais, lutando para

impor a eles laços de vassalagem. Assim como os chefes africanos, buscava alianças com

o poder militar oferecido pelos bandos Imbangala. Conjugava guerra e alianças para

fortalecer seu domínio sobre a região, seus habitantes e riquezas.

quilombos, ocilombo..."  Mensagem. Revisa Angolana de Cultura, 4 (1989): 5-19. Ver tambémKabengele Munanga, "Origem e histórico do quilombo na África". Revista USP , 28 (1995/96): 56-63.

140 J. C. Miller, Poder político e parentesco, caps. 8; e A. Parreira, Economia e sociedade em Angola, pp.154-155

141 Ver, por exemplo, a Carta patente do governador do. Manuel Pereira, de 2 de agosto de 1606. Alfredode Albuquerque Felner,  Angola. Apontamentos sobre a ocupação e início do estabelecimento dos portugueses no Congo, Angola e Benguela extraídos de documentos históricos. Coimbra, Imprensa daUniversidade, 1933, pp. 426-427.

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relação desigual e as cláusulas com sanções aplicavam-se em geral aos vassalos e não aos

 portugueses. A negociação envolvia os representantes da Coroa portuguesa

(governadores, capitães mores dos presídios, ou os chefes dos concelhos ou distritos) e os

sobas ou seus embaixadores. Os rituais europeus mesclavam-se aos costumes africanosenvolvendo rituais específicos, como a troca de presentes, etiquetas formais, etc.

Assim aconteceu com o duque de Hoando, uma província que foi "resgatada" do

domínio do rei do Kongo quando os portugueses venceram dom Antonio na batalha de

Mbwila, em outubro de 1665. Em janeiro do ano seguinte, o duque e seus makotas 

 juraram fidelidade ao rei de Portugal e prometeram entregar minas de metal ao invés do

tributo anual, prestar auxílio militar em caso de necessidade, não guerrear contra os

outros vassalos de Portugal, dar passagem franca e desimpedida às tropas e caravanas

comerciais ligadas aos portugueses, entregar os escravos fugidos que estivessem em suas

terras e senhorios, renovar os laços de vassalagem sempre que houvesse um novo

governador ou que um novo duque fosse eleito, além de colaborar na propagação da

religião cristã em suas terras. Em troca, o rei português comprometeu-se a defender e

amparar o duque nos conflitos com seus rivais e respeitar todos os seus foros e

 privilégios.146 Estava implícito que o duque, seus nobres e súditos não seriam

escravizados pelos colonos portugueses.

Em certas ocasiões, sobretudo quando envolviam os governantes dos grandesreinos centro-africanos e não apenas sobas locais, as negociações podiam durar anos e se

realizavam por meio de diversas embaixadas, que atuavam conforme o desenrolar das

guerras e o equilíbrio de poder na região. O melhor exemplo é, sem dúvida, as várias

tentativas de acordo entre os governadores portugueses e Njinga, tantas vezes

mencionadas pela bibliografia e tratadas de modo breve no item anterior.

 Nesse caso, os primeiro contatos ocorreram em 1621, quando Njinga liderou,

como irmã mais velha de Ngola Mbandi, a embaixada enviada pelo rei do Ndongo a

Luanda. No decorrer dos anos, enquanto o Ndongo foi incorporado ao domínio português

 por outras vias, Njinga se rebelou e se constituiu como um poder autônomo, depois de

aliar-se aos Imbangala. O acordo de paz entre ela e o governador Luís Martins de Souza

146 Vide "Capítulos do juramento do duque de Hoando, de 11 de janeiro de 1666". MMA, vol. XIII, pp. 3-5, doc. 1.

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Chichorro, finalmente acertado em 1656, envolveu sua reconversão ao catolicismo, o

abandono dos costumes Imbangala adotados desde a aliança com Kalundula, bem como

o compromisso de que ela e seus vassalos viveriam dali em diante em paz, "quieta e

amiga de amigos e inimiga de inimigos" dos portugueses. Sua irmã dona Bárbara, quehavia ficado refém dos portugueses em Luanda desde a década de 1620, foi trocada por 

130 escravos. Ao assinar o acordo, em 12 de outubro de 1656, Njinga possuía sua própria

corte, que participou da cerimônia realizada em Matamba, na qual estavam presentes

também os delegados do governador português. Lá, o texto foi lido em kimbundo; em

Luanda, foi depois registrado em português no cartório da cidade.147

Se houvesse quebra das cláusulas que regiam a vassalagem, o vassalo era

considerado "rebelde" e contra ele as guerras podiam se justificar como punição ou como

demonstrações de força para trazê-lo de volta à antiga submissão. Beatrix Heintze

observa que, num certo sentido, os tratados de vassalagem correspondiam, na prática, a

acordos de capitulação e sujeição. A guerra, que em no mais das vezes precedia a

cerimônia de vassalagem, tendia a reforçar essa avaliação. Por outro lado, a aliança com

os portugueses fortalecia o poder dos chefes centro-africanos e das linhagens a eles

ligadas, e lhes garantia certa autonomia.148 Em alguns casos, o fato de serem escritos

 permitia que fossem usados para acionar mecanismos institucionais portugueses em

 busca de fazer valer reivindicações e direitos.149 Em algumas lutas pela sucessão, por exemplo, uma das facções podia recorrer aos portugueses para denunciar o rival por 

haver quebrado o acordo ou ganhar a simpatia ao oferecer presentes e escravos. As

ocasiões de renovação do governo em Luanda muitas vezes ofereciam oportunidades

 para esse tipo de manobras e intrigas, que eventualmente chegavam a ser discutidas pelo

Conselho Ultramarino.150 

Assim, a tradição política centro-africana que conjugava guerras e acordos de paz

acontecia em kimbundo e português, e interessava aos falantes das duas línguas.

Guerras, campanhas punitivas ou defensivas, acordos políticos e alianças militares

147 "Traslado do auto de pazes da Rainha Jinga com o governador de Angola (15 de janeiro de 1657)",MMA, XII, fls. 89-93, doc. 35.

148 B. Heintze, "Luso-African feudalism in Angola?", pp. 129-131.149 C. M. Santos, "Escrever o poder.", especialmente pp. 89-92.150 Beatrz Heintze, "Ngola a Mwiza: um sobado angolano sob domínio português no século XVII".  Revista

 Internacional de Estudos Africanos, 8/9 (1988): 221-233.

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estavam imbricados e promoviam a produção e a circulação de escravos. A ação militar 

não era possível sem o domínio político e vice-versa: ela legitimava e assegurava os

acordos de vassalagem, ao mesmo tempo em que fazia parte de suas cláusulas. Os

tributos estipulados pelos capítulos ajustados com os sobas forneciam escravos que, por sua vez, eram obtidos por meio das guerras ou das feiras - que só funcionavam se

abastecidas de prisioneiros e se as caravanas atravessassem os sertões.

Essa sintaxe política, que permitia e mantinha o tráfico, implicava diferenciar os

centro-africanos. As fronteiras da escravização, para retomar a expressão de Joseph

Miller, eram circunscritas do ponto de vista geográfico e também social. Os escravos que

foram para o Brasil - e para Pernambuco - não provinham apenas de Angola:

escravizados conforme a articulação entre forças militares e políticas dessa região,

 pertenciam a grupos sociais específicos.

Praticada por centro-africanos e colonos portugueses, essa sintaxe possuía regras

que deviam ser observadas. As guerras não podiam ser feitas a esmo - tinham que ser 

reconhecidas como legítimas. Não se trata, porém, de uma concepção de "guerra justa",

restrita ao universo português e aos colonizadores.151 O tema é interessante e merece ser 

explorado com mais detalhe, pois revela como as diferenças sociais e jurídicas faziam

 parte dos mecanismos das relações entre os portugueses e os reinos centro-africanos e

como seus elementos podiam ser acionados com sentidos diversos pelas várias partes emconfronto.

Durante as campanhas contra o Ndongo empreendidas pelo governador Mendes

de Vasconcelos com apoio das tropas Imbangala, foram feitos vários prisioneiros, depois

enviados para o tráfico atlântico ou mantidos como kijikos para trabalhar nas

 propriedades dos portugueses. A realização da guerra foi contestada e Vasconcelos

chegou a ser acusado de capturar muita "gente inocente", indo contra as leis de Deus e do

rei português, pelo bispo Manoel Batista Soares, em carta dirigida a Lisboa, em 1619.152 

A devolução dos sobas e dos prisioneiros ilegalmente escravizados foi um dos pontos das

151 Um bom exemplo é o capítulo 16 do regimento da secretaria de Angola, que determinou que um oficialdeveria cuidar das causas do mocamos - ou seja, das demandas dos africanos que se achassemindevidamente escravizados. Cf. Decreto de 28 de fevereiro de 1688. AHU, Angola, Cx. 13 doc. 59.Apud: M. F. S. Gouvêa e M. N. Santos, "Cultura política na dinâmica das redes imperiais portuguesas,séculos XVII e XVIII", pp. 103 e105.

152 L. M. Heywood e J. K. Thornton, Central Africans, Atlantic Creoles, p. 119.

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negociações entre Njinga e João Correia de Souza, em 1621.153 Como o acordo nuca foi

cumprido, não houve nenhuma devolução de prisioneiros; as fontes registram no entanto

que muitos desses kijikos fugiram, juntando-se às fileiras de Njinga.154 Considerados

livres por Njinga e escravos fugidos pelo governo de Angola,155

ficaram espremidosentre as forças que se batiam pelo controle da região.

Vencida a guerra contra Kasanze, em 1622, o mesmo governador Correia de

Souza trapaceou ao chamar os sobas e potentados locais vencidos para um acordo. Ao

invés de realizar a cerimônia de vassalagem, porém, acusou-os de rebeldes e prendeu 26

deles que, acompanhados por outros mais de mil cativos, foram enviados para o

governador geral do Brasil, com a recomendação de que se lhes dessem terras "onde

 pudessem ficar juntos ou separados".156 Mais da metade morreu na travessia do Atlântico

ou na chegada ao Brasil.157 Em 1623, quando o rei do Kongo denunciou ao papa as

invasões feitas por Correia de Souza e os Imbangala, o rei Filipe IV chegou a prometer 

investigações sobre o episódio. Escreveu ao governador do Brasil e ordenou a devolução

dos mais de mil cristãos levados de Kasanze para o Brasil.158 Em Angola, o bispo Simão

de Mascarenhas, que substituíra interinamente Correia de Souza, devolveu prisioneiros

que tinham permanecido na região, repatriando um primo do duque de Mbamba e cerca

de 50 membros da elite congolesa que haviam sido aprisionados. O novo governador,

Fernão de Souza, também devolveu mais alguns cativos, obedecendo a ordens régias.159 Apesar de as informações sobre esses dois episódios serem esparsas, o que está

disponível permite algumas conclusões importantes. Ambos mostram como as diferenças

entre livres e escravos estavam presentes no processo da escravização, introduzindo uma

variável significativa nos enfrentamentos políticos e militares na região. A legitimidade

153 L. M. Heywood e J. K. Thornton, Central Africans, Atlantic Creoles, p.126.154 L. M. Heywood e J. K. Thornton, Central Africans, Atlantic Creoles, p. 128.155 L. M. Heywood e J. K. Thornton, Central Africans, Atlantic Creoles, p. 129. O debate volta à tona em

1637, cf. p. 135.156 L. M. Heywood e J. K. Thornton, Central Africans, Atlantic Creoles, pp. 136-137. R. Glagow, Nzinga,

 p. 141 que teriam sido enviados para o Brasil Ngole a Kaita, Ndambi Ngonga e Kiteshi Kandambi157 L. M. Heywood e J. K. Thornton, Central Africans, Atlantic Creoles p. 137.158 L. M. Heywood e J. K. Thornton, Central Africans, Atlantic Creoles, p. 139.159 L. M. Heywood e J. K. Thornton, Central Africans, Atlantic Creoles, p. 140. Joseph Miller, ao tratar do

episódio, menciona que um dos devolvidos a Angola, com o título de panji a ndona teria recriado o reinode Kasanze. Cf. "A note on Kasanze and the Portuguese". The Canadian Journal of African Studies, 6, n.(1972): 43-56.

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 polêmica sobre a restituição de dez mil súditos do rei do Ndongo à liberdade é um bom

exemplo de como a questão era complexa e às vezes durava anos.162 

Em 1653, dom Felipe (ngola Ari I), rei do Ndongo, escreveu ao rei de Portugal

 para reclamar que seus súditos haviam sido injustamente escravizados. Segundo ele, anosantes Antonio Teixeira de Mendonça havia capturado seus súditos, que agora eram

obrigados a trabalhar nas propriedades de seus herdeiros. Mendonça havia sido um

 poderoso colono que iniciara sua carreira militar em Ambaca, tendo se destacado tanto na

defesa de Massangano durante a ocupação holandesa que chegou a fazer parte do

triunvirato que governou o reino de Angola em 1648, antes da chegada do governador 

Salvador de Sá e Benavides. Depois de ajudar a perseguir os sobas que haviam se aliado

aos holandeses, foi recompensado com títulos e distinções de nobreza, tornando-se um

homem de grande "cabedal, assim de negros bons soldados, como de fazenda".163 

Quando morreu, seus bens foram herdados pela viúva e pela filha, que aumentaram as

 posses por meio de novos casamentos.

A acusação foi discutida pelo Conselho Ultramarino que, em abril de 1654,

recomendou a devolução de toda aquela gente. Todavia, as dúvidas sobre eles, se súditos

livres do ngola Ari ou se escravos, permaneciam. As investigações feitas junto a ex-

governadores de Angola revelaram que Mendonça costumava freqüentar a corte do

ngola, enamorou-se por sua filha e com ela viveu mais de quinze anos. Muito querido dorei, era tido como seu genro; por isso, os súditos do ngola seguiam-no na guerra e na paz

e muitos moravam em suas casas e fazendas. Eram súditos livres, portanto, e deviam ser 

restituídos e indenizados por seu trabalho. Ordens foram enviadas para Angola e fizeram-

se os pagamentos indenizatórios.

Privadas de trabalhadores, as herdeiras viram-se em maus lençóis e reclamaram

ao rei, em 1661. Protestaram por não terem sido consultadas e pelo fato de o rei

 português ter tomado sua decisão ouvindo apenas "um rei negro que se tem o nome de

162 O caso é analisado por J. C. Curto, "A restituição de 10.000 súditos Ndongo 'roubados' na Angola demeados do século XVII", pp. 185-208. Os próximos parágrafos estão baseados em seu artigo.

163 A descrição provém de documentos que compuseram sua indicação para ocupar o governo de Angolaem 1649. J. C. Curto, "A restituição de 10.000 súditos Ndongo 'roubados' na Angola de meados doséculo XVII", p. 194.

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cristão, os costumes são gentílicos".164 Disseram ter comprado em hasta pública os

escravos que tinham em suas propriedades e que muitos súditos do ngola Ari nelas

haviam se refugiado para escapar de tiranias. Estavam, aliás, em litígio com o rei do

 Ndongo e pediam os canais da justiça fossem acionados para solucionar a contenda - queera judicial e não política, segundo elas. O Conselho Ultramarino mudou radicalmente de

 postura e deu razão a elas. Mandou que o assunto fosse investigado pelo ouvidor geral

em Luanda, que deveria ter a última palavra sobre a restituição ou não dos "escravos".

Embora não se tenha o resultado do processo, essa palavra, empregada pelo rei na carta

que enviou ao governador de Angola, já indica o rumo que as coisas tomaram.

O episódio mostra como os canais que articulavam interesses centro-africanos e

 portugueses eram múltiplos e podiam ser acionados em várias direções. Em geral, os

litígios desse tipo se resolviam por meio de processos e inquirições realizadas nos

 presídios ou nas cidades do litoral de Angola. A possibilidade de recorrer ao rei

 português, no entanto, estava sempre presente, ajudando a dar estabilidade ao sistema no

qual estava assentada a presença portuguesa.165 Essa estabilidade, porém, só funcionava

se e enquanto fosse reconhecida pelos aliados centro-africanos dos portugueses. Curto

afirma, com razão, que a contenda - pela quantidade de gente envolvida e pela magnitude

dos contendores - ocorreu logo antes da morte de ngola Ari. Dom João Ngola Ari II, seu

sucessor, pôs fim à aliança com os portugueses e iniciou as guerras que levaram à batalhade Mpungo Andongo e ao fim do Ndongo como estado independente, em 1671.

Há ainda um outro ponto que merece destaque, que também aparece com

freqüência nas negociações entre os sobas e os administradores portugueses: o da

devolução dos escravos fugidos. Como vimos, os escravos que faziam parte dos

 pagamentos dos tributos, taxas e demais "presentes" devidos pelos sobas aos portugueses

 podiam ter sido adquiridos pela via comercial, nas feiras, ou eram prisioneiros feitos nas

guerras. Grande parte dos escravos era vendida no circuito atlântico, mas uma parte

 permanecia na região. Eles eram tão importantes para os centro-africanos quanto para os

 portugueses, pois constituíam o contingente de trabalhadores que cultivava os campos,

164 Consulta do Conselho Ultramarino de 2 de setembro de 1661. Apud: J. C. Curto, "A restituição de10.000 súditos Ndongo 'roubados' na Angola de meados do século XVII, p. 203.

165 J. C. Curto, "A restituição de 10.000 súditos Ndongo 'roubados' na Angola de meados do século XVII", p. 205-206.

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transportava os bens, tratava da lida da casa e, ao servirem como soldados, ajudavam a

arranjar mais escravos e a assegurar o poder político.166 

Para um escravo, uma vez doado como parte de um tributo, negociado como

 prisioneiro de guerra ou vendido, o risco de ser enviado para o comércio atlântico eragrande. Os que permaneciam como trabalhadores dos africanos, portugueses e luso-

africanos, e sobretudo os que ficavam com o mesmo dono, tinham mais chances de não

serem selecionados para a venda além-mar. Como a possibilidade de compra da

liberdade era mínima, a fuga tornava-se um expediente eficaz para escapar à

escravidão.167 

Os fugitivos dirigiam-se normalmente para longe da zona de influência

 portuguesa, para escapar dos senhores, das guerras e dos pumbeiros, ou procuravam asilo

nos  sobados inimigos de seus senhores. A zona de Kasanje, até o início dos anos 1620,

era um desses refúgios. Em 1615, os portugueses organizaram uma expedição contra o

mani de Kasanje, sob pretexto de ele ter "roubado" escravos e não querer devolvê-los.

Kisama, ao sul do rio Kwanza, também era um bom refúgio para os escravos fugidos dos

 presídios de Muxima, Massangano e Cambambe - o que ofereceu motivo para diversas

expedições punitivas e negociações específicas para devolução de fugitivos. O mesmo

ocorria com a região dos ndembu, ao norte do Kwanza, e com Matamba, conforme a

conjuntura.168 A devolução desses fugitivos podia funcionar como pretexto para guerrasou fazer parte dos acordos com os sobas e chegou a provocar debates em Lisboa. Em

alguns casos, a promessa de liberdade para os fugitivos que integrassem a "guerra preta",

como foi feito no início da campanha contra Njinga em 1626, era uma arma utilizada

 para enfraquecer a força dos exércitos inimigos.169

Diferentes entre si do ponto de vista político e social, os "centro-africanos"

transportados da África para o Brasil - e para Pernambuco - compartilhavam porém uma

cultura política específica. Haviam sido aprisionados segundo mecanismos diversos mas

articulados e foram obrigados a se transformar igualmente em escravos no Novo Mundo.

166 Beatrix Heintze,  Asilo ameaçado: oportunidade e conseqüências da fuga de escravos em Angola no século XVII . Luanda, Ministério da Cultura/Museu Nacional da Escravatura, 1995, p. 18. 

167 B. Heintze, Asilo ameaçado, pp. 8-9.168 Cf. B. Heintze, Asilo ameaçado, p. 9-17.169 B. Heintze, Asilo ameaçado, p. 18.

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ao modo pelo qual a Coroa de Portugal estabelecia seu domínio sobre o território. O

contato entre os colonos portugueses e os centro-africanos esteve associado às guerras e

às outras formas de obtenção de escravos, bem como ao modo como se exercia o poder 

nessa região. Por isso, elas correspondem, também, a áreas em que a sintaxe política dasguerras e dos acordos era praticada.

Essa cultura política não era "exclusiva" dos centro- africanos e podia, literal e

metaforicamente, ser praticada em kimbundo, kikongo e português. Os habitantes da

África Central pertenciam a dois subgrupos lingüísticos bantu próximos, o kikongo (na

região do Kongo) e o kimbudo. Segundo depoimentos contemporâneos, as línguas

faladas na zona angolana eram bastante similares, como o espanhol e o português.173 

Ainda que a língua dos que vinham do interior fosse mais diversificada, muitos falavam

o "angola", que funcionava como uma língua franca.174 Tendo em vista que o kimbundo

era a língua falada pelos habitantes do reino do Ndongo, é provável que o "angola"

estivesse baseado no kimbundo ou dele contivesse muitos elementos.

O "papel" ajustado em 1678 entre Aires de Souza de Castro e os filhos de

Gangazumba indica que os habitantes de Palmares falavam um língua diferente do

 português, conhecida por alguns padres e soldados da capitania, como o sargento-maior e

capitão de infantaria enviados para explicar as "conveniências e a firmeza" do acerto

realizado no Recife.175 Se eram gente vinda de Angola, essa língua deve guardar algumamarca dessa procedência. É bastante plausível que a língua falada em Palmares tenha

sido o kimbundo ou o "angola", nele baseado.

 Não se trata apenas de uma questão lingüística. O fato de os senhores não terem

domínio sobre a comunicação entre os escravos é um fator importante. Além da cultura e

da língua, contudo, havia uma experiência política que fazia parte da bagagem que os

centro-africanos aprisionados e vendidos na África Central, especialmente na região do

 Ndongo, levaram para a América. Tais convergências culturais, a possibilidade de usar 

canais de comunicação diversos de seus senhores e, sobretudo, essa cultura política em

173 Cf. Essa é a opinião de Duarte Lopes e Filippo Pigafetta. John K. Thornton,  A África e os africanos na formação do mundo atlântico, p. 262.

174 J. K. Thornton, A África e os africanos, p. 262.175 Cópia do papel que levaram os negros dos Palmares. Doc. anexo à carta de Aires de Souza de Castro de

22 de junho de 1678. AHU_ACL_CU_015, Cx. 11, D. 1116. Transcrito no anexo 5.

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comum faziam com que o temor das autoridades coloniais em relação à presença dos

 príncipes do reino do Ndongo no Brasil tivesse muitas razões de ser. Mais que

"conhecidos", eles podiam ser reconhecidos pelos negros dos palmares de Pernambuco.

Podiam se tornar aliados, parceiros, e fortalecer o reino negro que havia se formadonaquelas serras do interior. Vale a pena perguntar mais uma vez: o que aconteceria se

aqueles príncipes exilados se juntassem à linhagem que governava Palmares?

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Capítulo 4

ALTERNATIVAS

Muitos já observaram que a história não conhece verbos regulares. Também não pode ser analisada na base de conjecturas contra-factuais. Sem dúvida, lidamos com o

 passado - com o que aconteceu, não com o que poderia ter acontecido. Para compreendê-

lo e explicá-lo, as respostas não podem ser simples. Lógicas binárias e raciocínios

causais não conseguem dar conta da multiplicidade de razões e sentidos das ações

humanas. Muito menos de suas contradições.

Por isso, sempre que uma explicação for demasiado evidente, é bom desconfiar.

 Nos detalhes da documentação, no que não combina, não encaixa, nem se ajusta reside a

 brecha para aprofundar a análise e, talvez, achar elementos que ajudem a compreender a

complexidade da vida - e, portanto, da história.

1. A aldeia de Cucaú

Conta Aires de Souza de Castro que, 23 dias depois de redigido o papel que

consolidava os termos negociados entre os filhos de Gangazumba e o governador de

Pernambuco, nova embaixada palmarina foi enviada ao Recife. Isso deve ter acontecido

antes de 19 de julho de 1678, data em que ele escreveu uma carta ao príncipe português.Mais uma vez, Gangazumba enviava seus emissários, que vinham acompanhados pelos

soldados do terço dos Henriques, para ratificar as determinações ajustadas em 22 de

 junho. Enquanto isso, segundo informa o governador, "outros a que eles chamam reis

ficavam ajuntando a gente, que estava mui espalhada, para com ela se recolher ao sítio

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que se lhe tem assinalado".1 O acordo ia ser implementado e o governador começou a

tomar as medidas necessárias.

É possível que a sintaxe política centro-africana tenha presidido as escolhas das

duas partes que haviam feito o ajuste. De um lado, dom Pedro de Almeida e Aires deSouza de Castro talvez buscassem a paz para obter certa estabilidade, e operassem

conforme práticas que não eram de modo algum desconhecidas no império português e

que haviam mostrado bons resultados na África Central. De outro, Gangazumba também

recorria a ela em busca de uma aliança que ajudasse a fortalecer a linhagem que

governava Palmares e garantisse que os seus súditos não seriam escravizados. Havia,

 porém, outros elementos importantes que caracterizavam a vida - política, militar e

econômica - desse outro lado do Atlântico - e que o tornavam bastante diferente do Reino

e Conquista de Angola.

Em 22 de julho, para cuidar que o acordo pudesse se concretizar, Aires de Souza

de Castro determinou às câmaras e capitães das vilas de Serinhaém, Porto Calvo e

Alagoas que separassem "uma pouca de farinha" para que os negros dos Palmares

tivessem "algum sustento" enquanto não pudessem se "valer de suas plantas e

agilidade".2 Enviou também uma carta ao coronel das ordenanças para que ele ajudasse a

comboiar os que viessem se "aquartelar ao sítio que pareceu mais acertado e

conveniente" e a transportar a farinha arrecadada pelas câmaras.3 As medidas tinham aintenção de auxiliar o deslocamento daquela gente, e é provável que pretendessem

também cuidar para que as condições fossem cumpridas como o combinado - além de ser 

um gesto "para que eles experiment[ass]em no nosso agrado a segurança com que os

reduzimos".4

O deslocamento de tanta gente não era um ato corriqueiro e demandava vários

 preparativos. Era preciso "juntar a gente" e cuidar de seu sustento, pois o trajeto iria

1 Carta de Aires de Souza de Castro de 19 de julho de 1678. AHU_ACL_CU_015, Cx. 11, D. 1124.2 Cartas de Aires de Souza de Castro para as câmaras de Serinhaém, Porto Calvo e Alagoas e para os

capitães mores das ditas vilas, ambas de 22 de julho de 1678. AUC, CCA, IV, 3ª-I-1-31, fl. 335v, doc. 10e fl. 335v-336, doc. 11, respectivamente.

3 Carta de Aires de Souza de Castro para o coronel das ordenanças de 22 de julho de 1678. AUC, CCA,IV, 3ª-I-1-31, fl. 336, doc. 12.

4 Carta de Aires de Souza de Castro para o coronel das ordenanças de 22 de julho de 1678. AUC, CCA,IV, 3ª-I-1-31, fl. 336, doc. 12.

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durar alguns dias. Do ponto de vista do governo, havia que cuidar para que os palmarinos

de fato fossem para o local determinado e, ao mesmo tempo, para que não fossem

atacados ou aprisionados - e o ajuste viesse por água abaixo. Nesse caso específico, a

movimentação de tanta gente revestia-se ainda de circunstâncias rituais, pois se tratavade implementar um ajuste negociado e acertado entre governos até então rivais.

A providência de fornecer farinhas e destacar soldados para o comboio não era

incomum. Já havia sido tomada em outros casos, como nas negociações entre o

governador Francisco de Brito Freire e os "tapuias da nação de João Duim" [Jundui], em

outubro de 1661. Nessa ocasião, com a ajuda dos padres do Oratório, o governador havia

conseguido que os índios se deslocassem e se instalassem em uma aldeia, que devia ficar 

nas cabeceiras do rio Ipojuca, onde havia "muita caça, mel, peixe do rio, e ferramenta

 para trabalharem".5 A pedido dos índios, o governador aceitou mudar o local da aldeia

 para uma região próxima ao rio Capibaribe, desde que não estivessem "tanto ao sertão

que pareça que desconfiamos de sua vizinhança, nem tão chegados aos currais que dela

 possam receber dano".6 Acertado o local, Brito Freire designou soldados do terço do

Camarão para acompanhar os índios durante quinze dias e ajudá-los a iniciar as

 plantações para seu sustento.7 Além disso, comprometeu-se a dar 100 alqueires de

farinha em cada um dos primeiros três meses depois da mudança, para que pudessem se

sustentar.8 Ato contínuo, designou o padre João Duarte do Sacramento para ficar naaldeia e nela "levantar logo igreja no lugar que escolher e tiver por mais conveniente para

conversão daquelas almas", que se contavam pelo número de seiscentos.9

O procedimento adotado por Aires de Souza de Castro em relação ao descimento

dos habitantes de Palmares para Cucaú era, portanto, muito semelhante ao que se passou

com os Junduí dezessete anos antes. Para além da farinha providenciada e da presença

dos oratorianos, a comparação permite retomar observações feitas no primeiro capítulo,

5 Concessão feita por Francisco de Brito Freire em 12 de outubro de 1661. AUC, CCA, IV, 3ª-I-1-31, fl.62-62v, doc. 53.

6 Concessão feita por Francisco de Brito Freire em 22 de outubro de 1661. AUC, CCA, IV, 3ª-I-1-31, fl.60v-61, doc. 49.

7 Ordem de 1º de novembro de 1661. AUC, CCA, IV, 3ª-I-1-31, fl. 61v, doc. 51.8 Concessão feita por Francisco de Brito Freire em 12 de outubro de 1661. AUC, CCA, IV, 3ª-I-1-31, fl.

62-62v, doc. 53.9 Ordem de 25 de outubro de 1661. AUC, CCA, IV, 3ª-I-1-31, fl. 61-61v, doc. 50.

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com relação à possibilidade de o governador de Pernambuco ter percebido a povoação de

negros que se formava na proximidade de Serinhaém como uma aldeia indígena.

A fixação dos índios em aldeias remonta à época do primeiro governo geral, em

que havia uma intenção catequética explícita. Dos sucessos iniciais na Bahiaquinhentista, no entanto, o aldeamento rapidamente se transformou num terreno de

conflitos entre índios, padres, senhores de engenho e autoridades coloniais.10 Não

 pretendo historiar aqui esses embates nem os debates jurídicos que eles envolveram;

 basta observar que o assentamento dos indígenas em aldeias e o modo como eram

formadas e governadas estavam imbricados na delicada questão da liberdade dos índios.

Ao longo do século XVII, a mesma legislação que oscilou entre reconhecer a plena

liberdade dos índios e permitir sua escravização, reformou diversas vezes as formas de

administrar as aldeias e os modos de utilizar o trabalho indígena.11 

Convencidos pelo diálogo ou pela força das armas, os grupos indígenas eram

forçados a se deslocar do interior para pontos próximos ao litoral, onde permaneciam sob

o governo de padres jesuítas ou de missionários - ou ainda de administradores leigos -

conforme a determinação régia em vigor. De início, os únicos responsáveis pelas missões

eram os jesuítas, mas logo outras ordens religiosas vieram se juntar a eles. A lei de 1611

restringiu a alçada dos padres aos assuntos espirituais, ao determinar que o governo fosse

exercido por um capitão - em geral, um morador de destaque na região. A lei de 9 deabril de 1655, para o Estado do Maranhão, e as provisões de 17 de outubro de 1653 e a

lei de 12 de setembro de 1663 proibiram a designação de capitães e determinaram que as

aldeias fossem governadas pelos missionários e pelos "principais" das nações

indígenas.12 

10 Para uma análise da legislação indígena no século XVI e início do XVII, ver Georg Thomas,  Políticaindigenista dos portugueses no Brasil, 1500-1640. São Paulo, Loyola, 1982; e Carlos Zeron,  LaCompagnie de Jésus et l’institution de l’esclavage au Brésil. Les justifications d’ordre historique,théologique et juridique, et leur intégration par une mémoire historique (XVIe-XVIIe siècles).Doutorado, Paris, EHESS, 1998, cap. 3.

11 Cf. Beatriz Perrone-Moisés, "Índios livres e índios escravos: os princípios da legislação indigenista do período colonial" in: Manuela Carneiro da Cunha (org.),  História dos Índios no Brasil. São Paulo,Companhia das Letras/SCM, 1992, pp.115-132; e também Mathias C. Kiemen, The Indian policy of  Portugal in the Amazon region, 1614-1693. N. York, Octagon Books, 1973.

12 B. Perrone-Moisés, "Índios livres e índios escravos", p. 119.

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Localizadas em função dos interesses da administração colonial na defesa do

território ou dos colonos em aproveitar o trabalho indígena, as aldeias tinham suas terras

reconhecidas como um território sob jurisdição especial.13 Governadas em nome do

soberano português, pelos padres, capitães ou até pelos índios, elas constituíam um lugar diferenciado em relação ao termo das vilas e cidades, sob a alçada das câmaras. O regime

de missões servia, assim, a interesses que mesclavam o proselitismo cristão, a avidez por 

mão de obra, e a preocupações mais gerais de defesa do território colonial contra os

ataques dos índios bravios ou dos negros dos mocambos.14 

A política indigenista portuguesa também implicava a exploração das rivalidades

entre as várias nações - aspecto também aproveitado pelos holandeses e franceses em

suas tentativas de se fixar na América portuguesa. Os Potiguar da Paraíba, os Jundui do

Rio Grande, os Cariri e os Goianás da região do São Francisco foram os principais

aliados dos holandeses, enquanto os portugueses eram auxiliados por outros Potiguar e

 por índios que haviam sido convertidos e integravam algumas tropas, como a liderada

 por Antônio Felipe Camarão. A expulsão dos holandeses foi, não acaso, seguida de

guerras - chamadas "dos bárbaros" - destinadas a submeter esses contingentes indígenas,

de modo a reconstruir o domínio português.15 A negociação com os Jundui empreendida

 por Brito Freire em 1661 foi apenas um dos muitos episódios desse quadro maior.16 

A sintaxe política centro-africana não era pois a única a articular guerras eacordos de paz em Pernambuco. Na capitania - assim como no resto do Estado do Brasil

e no do Maranhão - os descimentos e as aldeias eram práticas constantes para "reduzir"

os índios e trazê-los à obediência do soberano português. A recusa em descer para as

missões ou a fuga delas transformava os índios em rebeldes e sujeitos a "campanhas de

13 Este é mais um tópico que variou conforme as leis promulgadas, mas esteve sempre contemplado pela

legislação. Cf. Manuela Carneiro da Cunha, "Terra indígena: história da doutrina e da legislação" in: Osdireitos dos índios. Ensaios e documentos. São Paulo, Brasiliense, 1987, pp. 58-61.

14 Georg Thomas, Política indigenista dos portugueses no Brasil, 1500-1640, caps. 5 e 6.15 Pedro Puntoni, A guerra dos bárbaros. Povos indígenas e as colonização do sertão. Nordeste do Brasil,

1650-1720.São Paulo, Hucitec, /Edusp, 2002.16 Nesse caso, houve negociações mas não um acordo escrito. Nas guerras contra os "bárbaros" do sertão

das capitanias de Pernambuco, Paraíba, Rio Grande e Ceará, houve casos, na década de 1690, em oschefes indígenas acabaram por assinar tratados de paz com as autoridades coloniais que foramregistrados por escrito. Para alguns exemplos desses acordos ver P. Puntoni,  A guerra dos bárbaros, pp.300-304.

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 punição". Podiam servir de justificativa para a guerra contra eles, do mesmo modo que os

ataques dos índios bravios do sertão contra os colonos.

Assim, no Brasil e em Pernambuco, a cultura política que informava as ações dos

escravos fugitivos - da formação de mocambos ao fortalecimento das linhagens -encontrava outros elementos, diversos daqueles existentes na África Central. Ainda que

os negros dos Palmares tivessem sido reconhecidos pelas autoridades coloniais como um

 poder separado, cujo governo estava assentado em uma linhagem similar à do reino do

 Ndongo, as negociações realizadas em 1678 não necessariamente levavam a uma aliança

como aquelas realizadas com os sobas de Angola. Para Aires de Souza de Castro, é bem

 provável que elas significassem, também, a transformação dos mocambos em uma

aldeia.17

Essa forma de apreensão pode justificar talvez o fato de que as negociações não

tenham considerado a permanência dos negros em Palmares, mas seu descimento para

Cucaú, em região mais próxima de Serinhaém - e da sede da capitania. Outros fatores,

talvez tenham pesado para determinar o deslocamento daquelas pessoas, já que as terras

de Palmares - seguindo o costume - podiam ser distribuídas aos participantes mais

destacados das campanhas contra os mocambos, como forma de remunerar seus serviços.

A presença dos padres oratorianos, ordem missionária por excelência e bastante

ligada aos poderes coloniais em Pernambuco, como vimos, reforça a hipótese de que omodelo da aldeia indígena tenha orientado as ações de Aires de Souza de Castro. Quando

tentou negociar com os mocambos em 1663, Francisco de Brito Freire enviou o padre

João Duarte Sacramento ao rio de São Francisco - o mesmo que fora habitar com os

Jundui em 1661. Naquela ocasião, o rei dos Palmares se recusou a aceitar a proposta do

governador.

É difícil saber se também dessa vez o padre João Duarte foi o encarregado de ir 

 para Cucaú; é bem possível, pois ele continuava atuante em Pernambuco nessa época e

só morreu em 1686, durante a epidemia de febre amarela.18 Alguns documentos

 permitem saber entretanto que um dos padres foi João da Costa. Anos depois, ao assinar 

17 A hipótese é reforçada pelo fato de o governador ter sido encarregado da instalação da Junta das Missõesem Pernambuco, criada por ordem régia em 7 de março de 1681. O processo foi entretanto cercado de

 problemas e a Junta só funcionou a partir de 1692.18 Evaldo Cabral de Mello, A fronda dos mazombos, São Paulo, Companhia das Letras, 1995, pp. 103-104.

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[seu] gosto". Reiterou a promessa de lhe fazer "muitas honras e [lhe] dar patentes e

insígnias", como era costume fazer "aos pretos que nos cá servem". Avisou ainda ter 

mandado a farinha, e ofereceu-se para ser o procurador de Gangazumba, em todas as suas

"pretensões", em retribuição ao fato de ter ele vindo "para a paz e obediência no tempodo [seu] governo".22 Em seguida, assegurou ter certeza da palavra dada pelo chefe

 palmarino e ratificou as promessas feitas no "papel" que havia enviado. Disse ainda estar 

cuidando bem de sua mulher e dos filhos, e explicou singelamente não ter enviado ainda

os "meninos" por considerar o grande embaraço de caminhar com eles pelo mato - mas

 prometeu remetê-los assim que chegassem a Cucaú. Deu notícias do filho que ficara para

ser tratado de uma ferida,23 agradeceu o presente enviado - muito estimado - e

mencionou mandar outros. Despediu-se, por fim, com o compromisso de dar a

Gangazumba, a seu irmão e ao Zumbi tudo o que quisessem - desde que viessem em paz.

Ao referir-se aos soldados que tinham acompanhado a embaixada palmarina, o

Aires de Souza de Castro informou estarem eles agora encarregados de ajudá-lo no

"trabalho do caminho". O governo de Pernambuco teve, mais uma vez, a preocupação em

utilizar oficiais do terço dos Henriques - a "gente preta que obra debaixo da obediência"

das autoridades pernambucanas.24 O capitão Estevão Gonçalves havia acompanhado a

 primeira embaixada;25 depois foram o sargento-mor João Martins e o capitão Alexandre

Cardoso que voltaram aos Palmares para "trazer a resolução" de Gangazumba sobre oajuste.26 Todos eram, segundo o governador, "soldados mui honrados e mui antigos";

sabiam ler e escrever o português, mas também podiam falar a língua dos Palmares.

22 Infelizmente ainda não consegui esclarecer o significado da oferta para ser o "procurador" deGangazumba. Pode estar ligado ao ofício de "procurador dos índios", mencionado no alvará de 26 de

 junho de 1596 e na lei de 9 de abril de 1655, cuja finalidade era proteger os indígenas. O termo, porém, écomum na administração portuguesa, e reforça a idéia de Aires de Souza de Castro considera Cucaú

como um território sob jurisdição separada.23 O fato aparece referenciado também na crônica de 1678 - mas apenas na versão existente em"Descripção com noticias importantes do interior de Pernambuco..." BNRJ-Ms, Cod. 7,3,001, já que a"Relação do que se passou na guerra com os negros dos Palmares nos sertões de Pernambuco" BPE, cod.CXVI - 2 - 13 - a, n. 9 está incompleta.

24 A expressão, como vimos, consta do "papel" que documentou o ajuste realizado em 1678. Cópia do papel que levaram os negros dos Palmares. Documento anexo à carta do governador Aires de Souza deCastro de 22 de junho de 1678 AHU_ACL_CU_015, Cx. 11, D. 1116. Vide anexo 5.

25 Ordem de Aires de Souza de Castro de 20 de junho de 1678. AUC, CCA, IV, 3ª-I-1-31, fl. 344, doc. 37.26 Ordem de Aires de Souza de Castro de 21 de junho de 1678. AUC, CCA, IV, 3ª-I-1-31, fl. 344, doc. 38.

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Credenciavam-se, desse modo, a desempenhar a tarefa de mediadores e colaboradores na

instalação dos palmarinos em Cucaú.27

A carta registra a continuidade da relação entre autoridades que se reconhecem

mutuamente com poderes e respectivas hierarquias governamentais, ao mesmo tempomilitares e políticas. Ela reitera os termos do que fora acordado em junho daquele ano e

registra a boa intenção do governador em manter sua palavra, assim como cobra a mesma

atitude de Gangazumba. As providências e decisões foram anotadas de forma a registrar 

que a implementação do ajuste estava garantida, assim como as promessas feitas na

ocasião. Mais que rituais comuns no Antigo Regime, a troca de cartas, presentes e

deferências estão imbricadas em várias sintaxes políticas, que se combinam para

construir uma forma de domínio na área colonial. A sintaxe política centro-africana pode

ter prevalecido para Gangazumba; para as autoridades pernambucanas, porém, elas

mesclavam-se a outros modos de agir em relação aos habitantes da colônia - como no

caso dos aldeamentos indígenas ou da incorporação de libertos no terço dos Henriques.

Aires de Souza de Castro e os demais oficiais pernambucanos não parecem ter 

tido dificuldade em relação aos nomes de origem africana, que nesses documentos

designam pessoas específicas, nem a outras características centro-africanas dos

 palmarinos. Porém, a presença constante dos "línguas" (tradutores) nas tentativas

anteriores de negociação com os palmarinos e nessa de 1678 indica o reconhecimento daexistência de campos culturais distintos e bem caracterizados. Gangazumba negociou e

se comportou na implementação do acordo de modo semelhante a muitas lideranças

africanas diante das autoridades portuguesas do outro lado do Atlântico. Como tal, ele foi

identificado pelas autoridades coloniais: como "rei" dos Palmares, detentor de poderes

 políticos assentados em uma rede de relações familiares, que lhe permitia falar em nome

de seus "súditos".

A parentela real, nomeada em vários documentos referentes a Palmares - e

especialmente nessas cartas - tem papel de destaque. Foram os filhos e irmãos do rei que

lideraram as embaixadas e falaram em seu nome, foram dois de seus filhos que

27 Anos mais tarde, ao mencionar o episódio em sua folha de serviços, Antonio Pinto Ribeiro afirmou quefora buscar Gangazumba e o havia ajudado a "baixar com mais de 400 pessoas". Cf. Nomeação de

 pessoas para o posto de sargento-mor da ordenança da praça de Pernambuco, em 28 de janeiro 1684.AHU_ACL_CU_Consultas Mistas, Cod. 17, fl. 399 v.

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 permaneceram no Recife para atestar a veracidade da palavra empenhada.28 A hierarquia

 política e militar de Palmares foi, assim, reconhecida e aceita pelo governo de

Pernambuco, que acompanhou sua instalação nas terras de Cucaú.

Tudo parecia caminhar bem. Todavia, era preciso tomar algumas medidas decaráter preventivo. Cumprindo ordens régias, que deve ter trazido de Lisboa, o

governador convocou todos os soldados dos terços pagos da capitania, para uma "mostra

geral" no Recife, a realizar-se no máximo até o último dia do mês de agosto, e os da

infantaria e da cavalaria, em setembro.29 O som das caixas anunciando a ordem, bem

como o ajuntamento de soldados devia causar boa impressão, no momento em que os

temidos palmarinos desciam em direção a Cucaú. Tanta gente armada junta também

suscitava problemas. Talvez por isso, no final de setembro, o governador tenha

aproveitado para limitar o uso de espadas, proibir que qualquer pessoa entrasse com arma

de fogo no Recife e que os escravos pudessem andar com qualquer outra arma, sob pena

de serem castigados e de seus respectivos donos, além de terem o cativo confiscado,

fossem multados em quarenta mil réis.30

Em meados de novembro daquele ano, Aires de Souza de Castro escreveu mais

uma vez para Gangazumba e, dessa vez, também para Gangazona. As duas cartas

mantêm a praxe da correspondência administrativa e usam agora o vocativo "amigo", ao

saudar os destinatários. A diferença em relação ao tratamento mais seco da carta de 24 de julho significa não uma proximidade maior, mas que a fórmula das cartas administrativas

 podia ser integralmente aplicada. O governador saúda Gangazumba e lhe dá as boas

vindas por ter chegado a Cucaú, manifesta seu agrado por terem os palmarinos vindo em

28 Ivan Alves Filho afirma Aires de Souza de Castro adotou dois filhos de Gangazumba quando da primeiraembaixada enviada ao Recife. Há outras referências de que, ao serem batizados, teriam recebido nomescristãos que incorporam o nome do governador. I. Alves Filho,  Memorial dos Palmares, Rio de Janeiro,Xenon, 1988, p. 91. A informação deve ter origem em Domingos Loreto Couto que destaca, dentre os

"homens pretos" pernambucanos "valorosos", dom Pedro de Souza Castro Ganazona (sic), natural deCucaú, filho de Gangazumba, e Brás de Souza Castro, irmão de Gangasona e também filho deGangazumba, ambos combateram contra os "negros rebelados". Glórias de Pernambuco e desagravos do Brasil [1757], ABN, 25 (1903): 107. Não localizei documentos que registrem essas informações.

29 Dois bandos do governador Aires de Souza de Castro, ambos de 26 de julho de 1678. AUC, CCA, IV,3ª-I-1-31, fl. 355v, doc. 68 e fl. 355v-356, doc. 69, respectivamente.

30 Bando do governador Aires de Souza de Castro de 20 de setembro de 1678. AUC, CCA, IV, 3ª-I-1-31,fl. 337, doc. 14. As penas referem-se explicitamente a soldados e oficiais, diferentemente de outros

 bandos com determinações semelhantes em momentos diversos. A pena pecuniária é sempre de 40 milréis e aplicada em vários casos, não apenas se o transgressor for um escravo.

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em breve, em companhia de Zumbi. Gangazona é tratado com a mesma deferência que

Gangazumba, mas Aires de Souza de Castro o reconhece como um potentado de menor 

hierarquia, ainda que se comprometa a estender a ele os "mesmos privilégios" acertados

com o primeiro. Mais uma vez a confiança na palavra empenhada e a confirmação das promessas feitas foram reafirmadas por textos administrativos.32

Além da instalação das pessoas em Cucaú, outras cláusulas do ajuste também

eram cumpridas. No início de dezembro o governador ordenou ao provedor da Fazenda

Real que registrasse a restituição "aos negros dos Palmares, [d]as pessoas todas dos

quintos" que deviam ser remetidas para Portugal. Elas haviam sido entregues à

Provedoria por dom Pedro de Almeida, e agora seriam devolvidas aos palmarinos. Do

mesmo modo, o provedor ficou encarregado de registrar a entrada na Provedoria "de seis

 pessoas que eles trouxeram para se entregarem a seus donos".33 A Fazenda real devia

arcar, ainda, com os gastos feitos com "Gangazona e os 40 negros que em sua companhia

vieram dos Palmares". O total somava 36$950 réis, incluindo 12$730 réis de dois

vestidos para ele e uma sobrinha e 24$220 réis com mantimentos.34 Como se vê, os

rituais da troca de presentes e do tratamento diferenciado em relação às autoridades do

 sobado de Cucaú continuavam a ser praticados e tinham lugar nas finanças da capitania.

Os poucos números referentes ao deslocamento de pessoas e devolução de

 prisioneiros registrados pela documentação são espantosamente baixos: entre trezentas equatrocentas pessoas instalaram-se em Cucaú, embaixadas com dez a quarenta pessoas e

apenas seis cativos devolvidos para seus senhores. Como no caso das cifras sobre a

 população de Palmares, é difícil estimar tanto as quantidades como discutir o significado

dos números registrados pelas fontes administrativas para os que participavam daqueles

acontecimentos.

32 Carta de Aires de Souza de Castro a Gangazona de 12 de novembro de 1678. AUC, CCA, IV, 3ª-I-1-31,fl. 337v, doc. 16. O documento está transcrito no anexo 4.

33 Ordem de Aires de Souza de Castro de 2 de dezembro de 1678. AUC, CCA, IV, 3ª-I-1-31, fl. 338, doc.17.

34 Ordem de Aires de Souza de Castro de 2 de dezembro de 1678. AUC, CCA, IV, 3ª-I-1-31, fl. 338, doc.18.

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Tudo parecia caminhar bem, mas - coincidência ou não - no final de dezembro,

foi a vez de passar em revista as ordenanças, com a convocação de todos os homens entre

quatorze e cinqüenta anos para uma revista no último dia do ano. 35

A documentação é sem dúvida avara em informações, mas todos os dadossugerem que as cláusulas do ajuste firmado em junho de 1678 entre os enviados de

Gangazumba e o governo de Pernambuco estavam sendo implementadas. Os palmarinos

desciam em grupos, sob as ordens de seus chefes, para se estabelecerem em Cucaú. O

contato entre as lideranças de Palmares e o governo da capitania se fazia conforme as

regras de praxe, com troca mútua de presentes e as condições eram cumpridas. Os

 prisioneiros foram devolvidos e alguns escravos restituídos a seus donos.

A bibliografia é ainda mais econômica que a documentação. Se as negociações de

1678 ocupam um lugar menor na historiografia sobre Palmares, Cucaú mereceu ainda

menos atenção.36 O local sequer aparece nos mapas elaborados por Edison Carneiro em

1947,37 que serviram de base para quase todos os autores posteriores.38 De fato, é difícil

saber onde ficava o "sítio do Cucaú". Não há dados sobre o local nas fontes e apenas dois

autores, Robert N. Anderson e Gérard Police, anotam a localização de Cucaú em seus

mapas.39 Décio Freitas informa que a região ficava a 32 quilômetros de Serinhaém,40 

35 Bando de 26 de dezembro de 1678. AUC, CCA, IV, 3ª-I-1-31, fl. 359, doc. 78.36 Rocha Pombo chegou a afirmar que os palmarinos "não deixaram (...) suas florestas para recolher-se às

matas do Cucaú" e chamou o tratado de "imaginário". Rocha Pombo, História do Brasil . Nova ed. il. Riode Janeiro, W. M. Jackson, 1951, vol. 2, p.125.

37 Edison Carneiro, O Quilombo dos Palmares, 1630-1695. São Paulo, Brasiliense, 1947, entre pp. 9 e 10.38 Cucaú não é mencionado nos mapas das várias edições da obra de D. Freitas,  Palmares (ed. 1982, p. 8;

ed. 1985, p. 33), nem em obras mais recentes, como na edição brasileira de B. Péret, O quilombo dos Palmares, Porto Alegre, Editora da UFRGS, 2002, pp.145- 151; Flávio dos Santos Gomes,  Palmares. Escravidão e liberdade no Atlântico Sul . São Paulo, Contexto, 2005, p. 87; e Pedro Paulo de A. Funari,

"A arqueologia de Palmares. Sua contribuição para o conhecimento da história da cultura afro-americanain João José Reis e Flávio dos Santos Gomes (orgs.),  Liberdade por um Fio. História dos quilombos no Brasil . S. Paulo, Companhia das Letras, 1996, p. 35. O mapa da página do Parque Memorial Quilombodos Palmares situa Cucaú ao norte de Serinhaém:http://www.quilombodospalmares.org.br/index.php?sec=quilombo_palmares_localizacao (acessado em14 de agosto de 2008).

39 G. Police, Quilombos dos Palmares, p. 170 e Robert N. Anderson, "The Quilombo of Palmares: A NewOverview of a Maroon State in Seventeenth-Century Brazil."  Journal of Latin American Studies 28(1996): 546.

40 D. Freitas, Palmares, p. 110.

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número próximo do oferecido por Police, que menciona cinco léguas, sem que se saiba a

origem dos dados.41 

Mapa 4 - Os mocambos de Palmares e Cucaú

Fonte: Gérard Police, Quilombos dos Palmares. Lectures sur un marronnage brésilien.Guyane, Ibis Rouge, 2003, p. 170.

41 G. Police, Quilombos dos Palmares, p. 146. Uma légua corresponde a 3.000 braças ou 6.600 metros nosistema atual; assim cinco léguas são 33 quilômetros.

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espécie de vinho; nestas árvores pegam uns vermes da grossura dum dedo, que comem,

 pelo que têm em grande estima estas árvores."45 O cronista de 1678 registra que das

 palmeiras os habitantes dos mocambos faziam "vinho, azeite, sal, roupas; as folhas

servem às casas de coberturas, os ramos de esteios, os frutos de sustento, e da contexturacom que as pencas se cobrem no tronco se fazem amarras para todo o gênero de

ligaduras".46

A preferência por palmares é significativa, sobretudo se lembrarmos da

importância do vinho das palmeiras em rituais sociais e religiosos na África Central. A

literatura sobre a região angolana é farta em referências sobre o tema. Adriano Parreira,

 por exemplo, indica que além de os ramos, as folhas e o tronco das palmeiras serem

aproveitados na construção das casas, os Imbangala usavam a folhas das palmeiras para

construir as paliçadas que ladeavam as ruas de seus kilombos. A fibra exterior da empela

servia para encher colchões e travesseiros, assim como as folhas para fabricar cestos e

esteiras. Os panos podiam ser feitos de vários tipos de palmeira, aproveitando-se as fibras

de umas e outras para o fabrico de sacos, cobertores, esteiras e vestuário. Alguns deles,

mais trabalhosos e difíceis de serem tecidos, eram destinados para uso exclusivo dos

titulares. Outros, como vimos, podiam servir de moeda.47

O extenso estudo de José Curto sobre o álcool na África Central é rico em dados

sobre o uso ritual do vinho de palma, chamado malavu. Obtido da fermentação da seivaretirada do cume da palmeira, essa bebida era consumida sobretudo pelo nobres, sobas e

reis e desempenhava papel importante nos rituais religiosos e em cerimônias de

importância política e social, como a recepção de convidados e casamentos. Por isso

mesmo, ainda que não fosse armazenável, pois azedava com facilidade, chegou a ser 

usado como imposto e mercadoria para troca. Sua importância era tão grande que, em

muitas campanhas militares no século XVII, os invasores adotavam a tática de cortar as

 palmeiras dos oponentes.48 

45 "Diário da viagem do capitão João Blaer aos Palmares em 1645", RIAHGP , 56 (1902): 2346 "Relação", BPE, cod. CXVI - 2 - 13 - a, n. 9, fl. 51.47 Adriano Parreira,  Economia e sociedade em Angola na e   poca da Rainha Jinga, se  

culo XVII . Lisboa,

Estampa, 1997, pp. 52-54.48 José C. Curto, Alcool e escravos. O comércio luso-brasileiro do álcool em Mpinda, Luanda e Benguela

durante o tráfico atlântico de escravos (c. 1480-1830) e o seu impacto nas sociedades da África Central Ocidental. Lisboa, Editora Vulgata, 2002, especialmente pp. 48-62.

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Assim, se as terras próximas a Serinhaém foram escolhidas por Gangazumba por 

terem "palmeiras para o seu sustento",49 certamente poderiam abrigar costumes cujas

raízes remontavam ao outro lado do Atlântico. Ali o reino que se formara nos Palmares

 podia se instalar e crescer, e a linhagem que o governava conseguiria se enraizar. ParaAires de Souza de Castro, a formação de uma aldeia - ou talvez de um  sobado estável -

 poderia ser o fim dos confrontos com os negros rebeldes que tanto atormentavam os

moradores da capitania.

2. Problemas

Pouco mais que isso se consegue saber sobre os acontecimentos relacionados à

mudança da gente de Gangazumba para Cucaú. Além dos documentos citados, há ainda o

relato feito por Aires de Souza de Castro na carta dirigida ao príncipe português, datada

de 8 de agosto de 1679.50 Ela informa que pelo menos três mocambos desceram para

Cucaú. Nem todos, porém: segundo o governador, não se havia conseguido "reduzir com

a mesma brevidade" um deles, "por ficar mais distante". Nele haviam se refugiado a

maior parte dos cativos que tinham "repugnância" de "tornarem [a voltar] para a casa de

seus senhores". Duas tentativas para submetê-los foram feitas, uma delas com a ajuda do

"maioral dos negros que assistira na aldeia de Cucaú" - um dos que "foram dar obediência quando [ele] logo chegara àquele governo". Contudo, apenas alguns haviam

atendido a seu chamado e teriam ido com ele para Cucaú.

O governador também pondera que, como agora o governo de Pernambuco

contava com guias fornecidos pelos "próprios negros", seria "fácil induzi-los por força"

mesmo que tivessem penetrado no "mais oculto destes Palmares". Aires de Souza de

Castro intentava fazê-lo logo após a partida da frota. Por outro lado, observava ter feito a

distribuição das sesmarias e que os Palmares estavam "cheios de estradas e de muitos

gados"; mesmo assim, os moradores "ainda" não estavam seguros em suas casas. Ao

49 "Relação", BPE, cod. CXVI - 2 - 13 - a, n. 9, fl. 58v.50 Carta de Aires de Souza de Castro de 8 de agosto de 1679. AHU_ACL_CU_015, Cx. 12, D. 1144. Essa

carta está apenas parcialmente legível. Seu conteúdo pode ser recuperado por meio do resumo de seuconteúdo feito pelo Conselho Ultramarino, em Consulta de 26 de janeiro de 1680.AHU_ACL_CU_Consultas de Pernambuco, Cod. 265, fls. 26-27v.

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em se juntar aos outros - além de trazer "consigo a melhor gente de guerra". Como

Gangazona não havia conseguido convencê-lo, o governador, depois de consultar os

capitães e oficiais da câmara, se resolveu "logo dar guerra e destruir este negro rebelde",

 pagando-se as custas da tarefa com os quintos das casas do Recife.55

 A descrição feita por Rego Barros é mais objetiva e pragmática - e mais

 pessimista. Por esse relato, são apenas dois mocambos e não três que desceram para

Cucaú e Zumbi vai descrito com características bélicas fortes o suficiente para justificar a

decisão pela guerra: ele não só reunia os melhores combatentes, como tinha uma "tropa".

Somadas as informações das duas cartas, fica claro que a percepção das autoridades

coloniais justificava a resistência de Zumbi pelo medo de ser punido por seus crimes e a

de seus companheiros por não quererem voltar a ser escravos. Se os motivos

correspondem ou não à avaliação dos palmarinos é difícil confirmar. As informações

sugerem que, diferentemente do grupo de Gangazumba, em que havia filhos e netos -

 portanto gente nascida nos mocambos - Zumbi agregava em torno de si gente que havia

vivido na escravidão - e que não queira voltar para ela.

As duas cartas indicam ter havido divergências entre os chefes dos mocambos em

Palmares. Elas não quebraram, entretanto, suas hierarquias internas: a liderança de um

 parente do rei manteve-se e a discordância gerou o afastamento de todo um mocambo

sob sua liderança. A rebeldia, nesse caso foi dupla, já que Zumbi recusou, ao mesmotempo, a liderança de Gangazumba e o que fora ajustado em junho de 1678. Lembrando

das observações de Igor Kopytoff, pode-se afirmar que o procedimento não era

extraordinário - e era até comum em situações de crise na África Central, em que o

deslocamento de grupos que se separam das sociedades originais faziam avançar a

fronteira.56 Como bem observaram Stuart Schwartz e Stephan Palmié, o kilombo pode ter 

servido de modelo e guia para que os dissidentes avançassem cada vez mais dentro das

55 Consulta do Conselho Ultramarino de 26 de janeiro de 1680. AHU_ACL_CU_Consultas dePernambuco, Cod. 265, fls. 26-27v. O escrivão erra ao transcrever o nome de Gangazumba, substituindoo nome próprio por um advérbio: "dois príncipes potentados, enganosamente (sic) e seu irmão". fl. 27

56 Cf. Igor Kopytoff, "The internal African frontier: the making of African Political culture" in: Igor Kopytoff (ed.) The African frontier. The reproduction of traditional African societies. Bloomington,Indiana University Pres, 1987, pp. 3-83. Para maiores comentários ver o item "Além da cultura" nocapítulo 2.

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matas, buscando os lugares "mais ocultos" daqueles palmares, em busca de refúgio e de

condições para se estabelecerem em torno de uma liderança militar.

Como previa uma das cláusulas do acordo de 1678, era o caso de tomar 

 providências conjuntas para obrigar os renitentes a se juntarem aos que desciam paraCucaú - o que estava sendo feito por tropas conjuntas, comandadas por gente de

Palmares e por oficiais de Pernambuco. A guerra ia recomeçar - mas não do mesmo

modo que até então fora feita, pois envolvia membros da linhagem governante dos

Palmares e Gangazona participava das expedições e dos combates.

Mesmo sem contar com notícias de Lisboa, como a situação exigia, o governador 

continuou a agir, e tomou as providências necessárias. Entre 17 de agosto e 13 de

setembro expediu várias ordens, com a finalidade de armar uma expedição. Elas se

encarregaram de tornar evidente que a decisão de "fazer de novo a guerra" fora tomada

em reunião da Junta da capitania e se justificava pelo fato de que nem todos os negros

dos Palmares tinham aceitado viver "debaixo da obediência deste governo nas partes que

se lhe assinalou": havia "faltado a esta palavra o negro Zumbi com os mais do seu

mocambo".57 Assim, o binômio da obediência e da rebeldia foi retomado e posto mais

uma vez em prática, a fim de justificar a guerra para reduzir os que se recusavam a

cumprir o acordo.

Ainda em agosto, o governador nomeou Manoel Lopes para comandar aexpedição e publicou um edital a fim de incentivar as pessoas a integrarem a expedição:

os prisioneiros escravos dos moradores seriam entregues aos donos, mediante o

 pagamento de um "assento", como de costume, mas os outros poderiam ser livremente

repartidos entre os participantes da entrada (sem o pagamento do quinto, portanto), e os

que enviassem escravos para carregar os mantimentos seriam atendidos em seus pedidos

de postos em milícias e ofícios públicos.58 Mandou que as câmaras de Serinhaém, Porto

Calvo, Alagoas e Rio de São Francisco, "com toda a brevidade", ajuntassem a gente e os

mantimentos necessários. Ordenou à câmara de Itamaracá que enviasse o que se havia

arrecadado com o contrato do sal,59 e determinou ao provedor da Fazenda que

57 Edital de 17 de agosto de 1679. AUC, CCA, IV, 3ª-I-1-31, fl. 339v, doc. 2458 Edital de 17 de agosto de 1679. AUC, CCA, IV, 3ª-I-1-31, fl. 340, doc. 2559 Ordem de 18 de agosto de 1679. AUC, CCA, IV, 3ª-I-1-31, fl. 360v, doc. 86.

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moradores" e de matá-los "livremente" se resistissem.64 Enquanto isso, Manoel Lopes

 pedia mais mantimentos, o que foi providenciado por ordem dirigida à câmara de

Alagoas.65

Além das expedições militares, o governador também tratou de tomar outrasmedidas importantes, que interferiam no domínio dos senhores sobre os escravos

reavidos. Elas estavam baseadas na constatação de que os negros aprisionados durante as

guerras contra Palmares que permaneciam em Pernambuco "em muito pouco tempo, não

somente fugiam mas ainda seduziam a outros para que o fizessem". Por isso, era mesmo

 preciso que fossem enviados para o Rio de Janeiro ou para Lisboa - única forma de se

conseguir de fato "extingui-los". Em 26 de fevereiro de 1680, o governador ordenou

então que os moradores que tivessem escravos "destes que se aprisionaram e que

conhecidamente forem seus" os embarcassem para fora da capitania num prazo de oito

dias. Permitiu a permanência das mulheres desde que entregues "conforme o assento que

nesta parte se usa". Como se tratava de uma "conveniência do serviço" real, os custos

corriam por conta dos senhores.66 Além de arcar com os custos da guerra, os senhores

teriam agora que pagar para deportar os cativos nela aprisionados. A ordem, pouco

 popular entre os proprietários de escravos reavidos depois de tantos esforços, não impõe

 penas, talvez para deixar alguma margem de negociação ou evitar abrir outra frente de

 batalha.Tantas dificuldades não impediram a obtenção de algum êxito. As tropas

conseguiram prender "um negro a que chamam Moioio", a quem os moradores de Porto

Calvo, Alagoas e Rio de São Francisco acusavam de "grandes crimes e insolências". Ele

fora enviado à cadeia do Recife, às ordens do ouvidor geral e auditor da gente de guerra

 para ser processado e castigado.67 É revelador o fato de se recorrer à Justiça. Como se

viu, as ações dos negros dos Palmares eram percebidas sob a tópica da rebeldia. Os

64 Patente de 16 de fevereiro de 1680. "Segundo Livro de Vereações da Câmara de Alagoas",  RIAGA (1875):184-185.

65 Em 26 de fevereiro, por exemplo, a vila de Alagoas determinava que seus moradores deveriam custear oenvio ao arraial onde havia se instalado em Palmares um comboio que devia chagar lá "até 10 defevereiro" com vinte arrobas de carne, quinhentas curimãs e duas mil tainhas, carregados por 50 negros."Segundo Livro de Vereações da Câmara de Alagoas", RIAGA (1875): 184.

66 Bando de 26 de fevereiro de 1680, AUC, CCA, IV, 3ª-I-1-31, fl. 340v-341, doc. 28.67 Aviso de Aires de Souza de Castro de 18 de março de 1680. AUC, CCA, IV, 3ª-I-1-31, fl. 341v, doc. 30.

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rebeldes podiam ser reduzidos à obediência - como no caso da instalação da aldeia de

Cucaú - e os escravos fugidos deviam ser aprisionados e devolvidos a seus donos. No

caso de criminosos, era preciso punir os crimes cometidos contra os moradores - daí o

recurso à Justiça.O fato foi comunicado ao governador geral do Estado do Brasil, que felicitou o

colega de Pernambuco.68 A correspondência entre dois os governadores mostra que os

esforços para a destruição do mocambo de Zumbi e a prisão dos que resistiam e

continuavam pelos matos ultrapassavam os limites da capitania, já que o governador 

geral se comprometia a voltar a pagar os soldos de Manoel Inojosa, que também

 participava das guerras contra Palmares. Em Pernambuco, outras câmaras além das mais

 próximas de Palmares, como no caso da vila de Olinda, associavam-se para pagar os

oficiais que corriam os matos em busca de fugitivos.69

Mais uma vez, a via da guerra não foi a única a ser tentada. Manoel Lopes, o

sargento mor encarregado do comando das expedições, fez publicar um bando em que

 pedia a qualquer pessoa que, "por alguma indústria", noticiasse "ao capitão Zumbi" que o

governador "novamente lhe tem perdoado em nome de sua alteza que Deus guarde todos

os crimes que contras estes povos tem cometido", desde que "se reduza à obediência das

nossas armas, buscando (...) a seu tio Gangazona para viver a mesma liberdade com toda

[a] sua família". Como se vê, a oferta reiterava os termos acordados em junho de 1678,que eram cumpridos por Gangazona, "homem que soube[ra] guardar sua palavra".70 Ao

autorizar qualquer pessoa a servir de intermediário, o sargento mor reconhecia ter 

dificuldade para localizar Zumbi e, ao mesmo tempo, saber que outras pessoas podiam

chegar até ele sem serem incomodadas.

O interessante é que Manoel Lopes e o governador não pediram que Zumbi se

entregasse, mas que fosse morar "com seu tio Gangazumba, ficando com toda [a] sua

família liberta". O reconhecimento do poder dos potentados com os quais se havia

68 Carta de Roque da Costa Barreto a Aires de Souza de Castro de 2 de março de 1680, AUC, CCA, IV, 3ª-I-1-31, fl. 341, doc. 29.

69 Ordem de Aires de Souza de Castro para a câmara de Olinda de 20 de março de 1680, AUC, CCA, IV,3ª-I-1-31, fl. 362, doc. 95.

70 Bando do sargento mor Manoel Lopes de 26 de março de 1680. "Dezenove documentos sobre osPalmares pertencentes à Collecção Studart", RTIC , 20 (1906): 268-269.

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negociado a paz era, assim, reiterado - agora na figura de Gangazona. Essa era a forma

de reduzir a rebeldia de Zumbi.

Mais interessante ainda é o fato de o bando, além de ofertar a paz, trazer 

explicações sobre a prisão de algumas lideranças palmarinas. João Mulato, Canhongo,Gaspar e Amaro haviam sido detidos, pois "tinham combinado com muitos escravos (...)

cativos para se alevantarem faltando às pazes prometidas" e por terem matado "com

 peçonha seu rei Gangazumba para melhor fazerem a sua aleivosia". A prisão se

 justificava pelo crime cometido, não porque o governador desejasse faltar "ao que com

eles tinha efetuado". A situação era, portanto, delicada. Dois dos agraciados com a

alforria em 1678, João Mulato e Amaro, haviam conspirado contra o ajustado em 1678;

 por isso fora preciso prendê-los. Poderiam ser reescravizados por ingratidão; como

tinham cometido o crime de atentar contra a vida de um rei reconhecido pelas

autoridades coloniais, deviam ser processados e punidos. É difícil imaginar que essa

lógica tenha sido compreendida ou aceita por Zumbi.

 Na sintaxe política centro-africana, como vimos, a discordância política

implicava a separação das facções em disputa e a aliança de uma delas com grupos rivais.

Assim fizeram os portugueses e muitos sobas do Ndongo e Njinga, como vimos. Em

alguns casos, as lutas sucessórias e as conspirações contra os sobas e potentados muitas

vezes incluíam o assassinato por envenenamento. Infelizmente, as fontes sãofragmentárias demais para que a hipótese possa ser verificada. Não há dados para saber 

se houve ou não ligação entre Zumbi e o grupo acusado de ter matado Gangazumba, nem

se a conspiração objetivava a fuga coletiva ou a deposição de Gangazumba.

Também dessa vez, é a carta enviada pelo governador de Pernambuco a Lisboa,

em 22 de abril de 1680 que oferece um panorama mais abrangente da situação.71 Ele

conta que, assim que partira a frota, havia mandado Manoel Lopes e outras tropas da

capitania entrar "para o sertão" e atacar todos os "mocambos e famílias". Eles tinham

conseguido derrotar os negros, pois havia muitos "cativos e mortos, que passa[v]am de

oitocentas peças", além dos que morriam "de doença [e] por falta de mantimentos e [do]

71 Carta do governador da capitania de Pernambuco, Aires de Sousa de Castro de 22 de abril de 1680.AHU_ACL_CU_015, Cx. 12, D. 1163. O documento está ilegível e seu conteúdo é resumido naConsulta do Conselho Ultramarino de 8 de agosto de 1680. AHU_ACL_CU_Consultas de Pernambuco,Cod. 265, fl. 29v.

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aperto que se lhes fizera". Só restara "Zumbi que é o que hoje os governa, mas com mui

 poucos". Como havia ainda gente que estava se "passando para nós por não terem outro

remédio" e as tropas continuavam suas diligências, mesmo no "rigor do inverno", a

avaliação do governador e dos moradores era relativamente otimista, ainda mais porqueeram ajudados pelo "maioral dos negros que assistia na aldeia de Cucaú (...), com zelo e

fidelidade".

Mas isso não era tudo: os que haviam permanecido em Cucaú "se foram

desviando do que prometeram" e estavam "conjurados para se retirarem outra vez

levando muitos escravos dos moradores daquela vizinhança, além de darem avisos e

levarem mantimentos e munições para a defesa dos outros postos". Fora então preciso

"mandá-los prender e havê-los por cativos, como os mais". A decisão fora tomada com o

"parecer dos letrados, soldados e pessoas de maior capacidade" e o quinto da Coroa,

obtido com os prisioneiros, fora aplicado para custear as guerras. A pilhagem livre para

os soldados fora aplicada apenas em relação aos outros prisioneiros.72

Nem uma palavra sobre a morte de Gangazumba e a prisão de seus autores. O

 balanço da situação não parecia muito alentador para Aires de Souza de Castro. Os

rebeldes que não haviam descido para Cucaú estavam quase de todo derrotados, mas ele

fora obrigado a prender e cativar muitos dos que estavam na aldeia. Ainda que o

governador não enuncie com todas as palavras, o acordo fracassara. O quadro parececlaro: ele se certificara de que os que estavam em Cucaú conjuravam para fugir e os

mandara prender. Não foram entretanto enviados à justiça nem despachados para fora da

capitania, mas escravizados. Ao considerá-los "cativos, como os mais", Aires de Souza

de Castro quebrou o padrão até agora seguido, que separava rebeldes, fugidos e

criminosos. A decisão deve ter sido difícil, pois fora necessário consultar várias pessoas.

Todos eram fugitivos - e a gente da ordenança estava liberada para escravizar qualquer 

negro que andasse pelos matos.

Embora a documentação nem sempre seja clara quanto ao destino das expedições

e mencione somente a guerra contra os negros dos Palmares, ao que tudo indica

72 As citações, aqui, foram retiradas do resumo da carta do governador de 22 de abril de 1680, constante daConsulta do Conselho Ultramarino de 8 de agosto de 1680. AHU_ACL_CU_Consultas de Pernambuco,Cod. 265, fl. 29v, pois o original está muito estragado. Cf. AHU_ACL_CU_015, Cx. 12, D. 1163.

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Edison Carneiro observa que, apesar das festas em Olinda e Recife, e do fato de

os vitoriosos se sentirem tranqüilos o suficiente para pedir a doação de terras e sesmarias

em recompensa de seus serviços, as dúvidas se concretizaram: o acordo não foi aceito

"pelos chefes mais resolutos dos Palmares".76

Zumbi, sobrinho do rei, se internou nosmatos, "certamente com outros chefes de mocambos mais jovens", para continuar a lutar.

Foi tentada uma negociação com Zumbi, sem êxito: "enérgico, resoluto, obstinado,

Zumbi iria dar à luta o caráter heróico que a celebrizou entre as insurreições de escravos

no Brasil".77

A oposição entre velhice e juventude, associada ao binômio acomodação e

resistência aparece em diversos autores e é a principal chave interpretativa dos

acontecimentos. A ela se agregam outros elementos. Manuel Arão afirmou, por exemplo,

que o acordo de paz não tinha sido tratado com as autoridades competentes do quilombo,

e teria sido esse o motivo da dissensão que culminou no assassinato de Gangazumba e na

emergência de um novo rei, Zumbi.78 O tema da autoridade está presente também em

Jaime de Altavilla, que ponderou que os quilombolas possuíam ideais e princípios e

marcou uma distância moral entre Gangazumba e Zumbi, evidenciada pela aceitação da

 paz pelo primeiro e pela renúncia às regalias e galhardias das ofertas feitas ao segundo.79 

Alfredo Brandão, por sua vez, considerou que Zumbi "desconfiou das promessas dos

 portugueses", recusou-as, "revoltou-se contra o próprio tio, o rei, matou-o com peçonha,reuniu os seus cabos de guerra, internou-se nas matas e, como chefe, como rei, continuou

a luta".80

Mesmo para Benjamin Péret, que não dedicou muita atenção ao acordo de paz, é

importante afirmar que Gangazumba teria sido "destituído e envenenado por ter pedido a

 paz com os brancos ou por ter concordado com ela". Para ele, a autoridade de Zumbi

residia "na recusa da paz aceita por Gangazumba e na supressão deste último (para a

76 E. Carneiro enfatiza que os governantes palmarinos eram idosos, como Gangazumba e seus auxiliaresmais imediatos. Afirma ainda ser ele um "homem idoso quando resolveu fazer as pazes de 1678". Cf. OQuilombo dos Palmares, pp. 69-70.

77 E. Carneiro, O Quilombo dos Palmares,  p. 119.78 Manuel Arão, "Os quilombos dos Palmares". RIAHGP , 24 n.115/118 (1922): 246-247.79 Jayme de Altavilla [Amphilophio de Mello], "A Redempção dos Palmares" RIAGA, 11 (1926): 59.80 Alfredo Brandão, "Os negros na história de Alagoas". Estudos Afro-Brasileiros. Trabalhos apresentados

ao 1 Congresso Afro-Brasileiro reunido no Recife em 1934. [ed fac simile] Recife, Fundaj/Ed.Massangana, 1988, p. 72.

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qual, sem dúvida, colaborou)".81 Para esse autor, ao contrário de Gangazumba, Zumbi

liderou uma guerra sem fim contra os brancos, na qual "um dos dois [lados] dev[ia]

desaparecer".82 A oposição entre Zumbi e Gangazumba aparece também em Clóvis

Moura que registra que Gangazumba presidia o conselho formado pelos chefes dos principais quilombos, "até o ano de 1678 quando, havendo negociado a paz com os

 brancos, perdeu o prestígio entre seus pares e foi assassinado, tendo sido substituído por 

Zumbi, que passou à história como líder incontestável e herói de Palmares".83 

Segundo Mário M. Freitas, entretanto, como foi o filho mais velho de

Gangazumba que foi ao Recife assinar a paz, ela acabou sem ser "ratificada pelo rei

supremo dos palmarinos e deus da guerra dos quilombos". Não fica claro, no seu texto,

se apenas a gente de Gangazumba se dirigiu a Cucaú. Para ele, a paz foi minada pelas

investidas contra os quilombos - a "colônia de Cucaú" entre eles -, pelo "cordão de

segurança" à volta de Cucaú e da serra da Barriga, que fechavam o comércio dos negros

com as vilas vizinhas, bem como pelo bando que isentava os voluntários do pagamento

do quinto, e pelo incômodo dos moradores de Porto Calvo e Serinhaém diante da

concessão da "floresta majestosa do Cucaú ao rebelados".84 Sem ver conflitos entre

Zumbi e Gangazumba, Mário M. Freitas considerou que a trégua teria sido quebrada

quando Zumbi tomou conhecimento de que o governador distribuíra entre seus capitães

as terras dos Palmares "e que nada mais restava para os negros senão a floresta de Cucaú,onde deveriam viver ilhados para o resto da vida, cercados pelas armas da opressão".85 

Avaliando os eventos de um ponto de vista político, tanto do lado dos negros quanto dos

governadores, soldados e moradores, Mário M. Freitas situa as negociações no

81 Benjamin Péret, O quilombo dos Palmares. Porto Alegre, Editora da UFRGS, 2002, pp. 118, 125 e 126.82 B. Péret, O quilombo dos Palmares, pp. 125-126. Por isso mesmo, as iniciativas posteriores de paz

empreendidas por Zumbi "eram meras astúcias de guerra, destinadas a dar ao quilombo um descanso quelhes permitiria retomar forças" (p. 126).

83 Clóvis Moura, "O quilombo dos Palmares"  Rebeliões da Senzala. Quilombos, insurreições, guerrilhas. 

[1959] 2ª ed. revista e ampliada Rio de Janeiro, Ed. Conquista, 1972, p. 180. Ainda segundo o autor, nosPalmares, "os chefes militares de maior prestígio colocaram-se contra o acordo e, depois de discutirem oassunto, resolveram desrespeitá-lo, executar o rei e entregar a direção de Palmares ao Zumbi, sobrinhodo rei, elemento novo e de 'grande valimento'" (p. 188).

84 M. M. Freitas, Reino Negro de Palmares, p. 253.85 M. M. Freitas,  Reino Negro de Palmares, p. 254. Sua avaliação lembra a de Rocha Pombo, que

entretanto negou que os palmarinos tivessem se deslocado para Cucaú. Ao invés disso, teriam tratado"logo de concentrar-se em um grande núcleo, ou de reunir o maior número de guerreiros em uma grandefortaleza central que servisse de refúgio para os habitantes dos mocambos do interior". R. Pombo, História do Brasil , vol. 2, p.125.

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cruzamento de intenções e estratégias diversas, que contribuem para o seu resultado não

tenha sido efetivo.86

Décio Freitas, por sua vez, lamenta a falta de fontes sobre os "dramáticos

sucessos ocorridos em Palmares" depois da assinatura do "pacto do Recife",87

mas apontaa existência de "múltiplas e obstinadas resistências, principalmente devido à cláusula

cruel que imolava ao cativeiro os nascidos fora de Palmares." Por isso, apenas um

"reduzido número" de palmarinos seguiu Gangazumba, e "mesmo os beneficiários do

 pacto desconfiavam instintivamente das intenções das autoridades coloniais e dos

senhores de escravos".88 Segundo ele, "sobram indicações de que houve luta armada

entre as duas facções" e muitos procuraram refúgio em outros mocambos.

Longe da autoridade de Gangazumba, e sob a liderança de Zumbi, teria se armado

"a resistência".89 O novo chefe, "que se arrimaria como o combatente mais indômito da

liberdade de sua gente",90 retomou Macaco e instalou uma ditadura91 para fazer frente às

necessidades da guerra e agiu de modo a minar a autoridade de Gangazumba.92 Para isso

contribuía o clima de insatisfação e insegurança entre os moradores da região, que

convenceram Manuel Lopes a fazer rondas pelas matas. O governador tentou intervir a

 pedido de Gangazumba mas as incursões para capturar fugitivos continuaram, as roças

eram destruídas e "a cláusula sobre a liberdade de comércio com os moradores estava

reduzida a letra morta".93

 86 Nesse sentido, é secundado por C. Moura, que menciona o fato de o acordo ter sido desaprovado em

Lisboa, que considerou que a prática podia ser enganosa e colocar em risco a reputação das autoridades,ao negociar com negros fugitivos. "O quilombo dos Palmares", p. 188.

87 D. Freitas, Palmares,  p.123.88 D. Freitas, Palmares,  p. 123.89 D. Freitas, Palmares,  p. 124.90 D. Freitas, Palmares, p. 121.91 D. Freitas, Palmares, p. 115. Freitas diz retomar a expressão "ditadura de salvação pública" , usada por 

Benjamin Péret. Este autor, no entanto, anota que o "reinado"de Zumbi correspondeu a um "verdadeirogoverno de 'salvação pública' antecipado, pois trata-se da realidade de vencer ou morrer". B. Péret, Oquilombo dos Palmares, p. 126.

92 A. Brandão contesta essa possibilidade, defendendo a tese de que os quilombolas, diante da destruiçãodos mocambos e das tropas que continuavam nessa região, deslocaram-se para a Serra Dois Irmãos, enão voltaram para a Serra da Barriga. "Os negros na história de Alagoas", pp. 73-76. Sobre isso ver também, do mesmo autor, Viçosa de Alagoas. O município e a cidade (notas históricas, geographicas earcheologicas. Recife, Ed. Imprensa Industrial, 1914, pp. 5-37.

93 D. Freitas, Palmares, p.128.

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Como se vê, o exame mais detalhado das fontes cede lugar a inferências que

operam no sentido de confirmar um sentido geral atribuído pelos autores à história de

Palmares. O jogo de opostos serve como explicação, sem que a natureza das relações

entre os palmarinos, e entre eles e as autoridades coloniais seja investigada.Pouco se fala sobre os acontecimentos em Cucaú. Segundo Edison Carneiro, o

"juramento de vassalagem" foi logo esquecido por aqueles que haviam se estabelecido

nas novas terras. Começaram a fugir e a juntar-se às fileiras de Zumbi, levando

mantimentos e munições, serviam de espiões para ele e recrutavam escravos das

vizinhanças para os Palmares.94 Como Gangazona foi enviado para intermediar e tentar 

com que Zumbi depusesse as armas, à oposição entre Gangazumba e Zumbi agrega-se

agora uma outra, ente Zumbi e Gangazona. O próprio Carneiro contrasta os dois:

enquanto um liderava a resistência, outro várias vezes serviu de intermediário nas

tentativas de negociação e colaborou com as forças oficiais.95 

Richard Price, como vimos, é um dos poucos que contesta essa imagem de

Gangazumba. Para ele, nem teria havido traição nem fraqueza; as comparações com

acordos realizados no Suriname indicam que na maior parte das vezes os fugitivos

continuavam escondidos das autoridades coloniais, sem que se efetivasse a determinação

de devolver os companheiros para o cativeiro.96 Flávio Gomes, por sua vez, critica a

"oposição Gangazumba - como traidor da causa dos mocambos - versus Zumbi, o heróidestemido",97 ao recomendar ser melhor tratar dos diversos motivos econômicos e

geopolíticos para os quilombolas, para os senhores locais e para as autoridades

coloniais.98 

Quais teriam sido esses motivos? A bibliografia informa que os moradores de

Porto Calvo e Serinhaém estavam insatisfeitos. A negociação se fizera à revelia de vários

interesses dos senhores da região. Acordada pelo governador da capitania e em nome do

 príncipe regente, a liberdade dos quilombolas fora garantida por instâncias superiores aos

94 E. Carneiro, O quilombo dos Palmares, p. 120.95 E. Carneiro, O quilombo dos Palmares, p. 119.96 Richard Price, "Palmares como poderia ter sido" in: J. J. Reis e F. S. Gomes (org.),  Liberdade por um

 Fio, pp. 52-59. Gérard Police segue suas pegadas, ao propor uma comparação detalhada entre as duascomunidades de fugitivos. Cf. Quilombos dos Palmares, pp. 26-27 e 250-254.

97 F. S. Gomes, Palmares, p. 134.98 F. S. Gomes, Palmares, pp. 134-140.

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interesses locais, sem ouvir as câmaras. Muitos reclamavam que as melhores terras

haviam sido concedidas aos rebelados e que os soldados que patrulhavam a região

também causavam prejuízo em suas plantações.99 Afinal, a região era visitada por 

expedições em busca de fugitivos, que exigiam mantimentos ou destruíam roças, econtinuavam a onerar os moradores e dificultar a vida econômica.

A concessão de terras na região da Serra da Barriga para os que haviam

 participado das forças repressivas não parece ter compensado os senhores e as câmaras

locais, que arcavam com aqueles custos.100 A documentação encontrada contudo não

registra tais insatisfações; mostra, ao contrário, que as câmaras haviam sido consultadas -

 pelo menos por meio das instituições normais, da junta da capitania ou de consultas a

letrados e pessoas experientes naquela guerra. A divergência de opiniões, o ônus da

continuidade da guerra e as esperanças frustradas com o fracasso da paz ajustada não

deviam contribuir para um clima otimista na capitania.

3. Debates em Lisboa

Aires de Souza de Castro atravessou quase o tempo todo de seu governo sem que

Lisboa se pronunciasse especificamente sobre as medidas tomadas em relação aos negros

dos Palmares. Nenhuma carta foi enviada a ele sobre esse assunto, mesmo que ogovernador tenha tentado manter Lisboa informada sobre todos os acontecimentos. Não

havia notícia do que pensavam os conselheiros do Ultramarino ou o príncipe sobre o

ajuste de paz e sobre os acontecimentos posteriores. Pelo menos não de modo oficial.

Isso não significa que Lisboa tenha ficado indiferente ao que se passava em Pernambuco.

Ao contrário.

A primeira reação foi reticente. Na margem da carta enviada por Aires de Souza

de Castro em 22 de junho de 1678 o secretário do Conselho Ultramarino anotou: "que se

espere por cartas do governador".101 Outra anotação, feita em 9 de novembro de 1678, à

margem da carta enviada em 22 de junho pelo provedor da Fazenda, manda consultar o

99 M. M. de Freitas, Reino negro de Palmares,  p. 257; e I. Alves Filho, Memorial dos Palmares,  p. 94.100 Cf. D. Freitas, Palmares,  p. 126 e I. Alves Filho, Memorial dos Palmares, pp. 92-95.101 A anotação não está datada. Cf. Carta do governador Aires de Souza de Castro ao príncipe de 22 de

 junho de 1678. AHU_ACL_CU_015, Cx. 11, D. 1116.

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 procurador da Coroa.102 O procurador respondeu dois dias depois e ponderou que, ainda

que a guerra não tivesse sido ordenada pelo príncipe, o "ajuste com os negros" se

 justificava, pois um "dano iminente pede remédio pronto". Os governadores eram

homens experimentados, e cabia a eles considerar se aquela submissão não poderia ser uma forma de o "inimigo" refazer suas forças. De qualquer modo, haviam agido bem ao

 batizá-los, contudo, como aquele "gentio" era "acostumado a exercitar-se em roubos" e

vivia na "liberdade, tão apartados da lei de Deus", era prudente que ficassem "o mais

longe que puder das nossas praças", sem que seu número "aumenta[sse]" ou que

"fabrica[sem] novas aldeias". O procurador considerou ainda a alforria concedida

"àqueles que não podia sujeitar" como um "modo de os cativar", e que a promessa de

devolução dos filhos e mulheres "que já estavam cativos em tão justa guerra" era "muito

 pródiga", já que não só acarretava prejuízo aos que haviam se tornado seus novos

senhores, como contribuía para favorecer aqueles que, de fato, deviam ser castigados.103

Resposta rápida, mas ambígua. Havia anuência em relação ao ajuste feito,

entendido como um modo para submeter os levantados. Seus termos porém implicavam

riscos que deviam ser ponderados: os interesses dos proprietários dos escravos

capturados tinham sido prejudicados e havia o perigo de crescer o número de aldeias dos

negros. Esta não era a única opinião: conforme as cartas foram chegando, a controvérsia

se cresceu.É difícil saber detalhes sobre a seqüência dos debates, pois os papéis foram

misturados pelos arquivistas.104 Um rascunho de parecer, sem assinatura, datado de 9 de

dezembro do mesmo ano, é francamente contrário ao que se passava em Pernambuco:

 pondera-se ali que aqueles negros não constituíam "nação política" com que se pudesse

empenhar o nome do regente português e que eles, "por seus próprios nascimentos eram

102 Anotação à margem da carta de João de Rego Barros de 22 de junho de 1678. AHU_ACL_CU_015, Cx.

11, D. 1118.103 Parecer do Procurador da Coroa de 11 de outubro de 1678. AHU_ACL_CU_015, Cx. 11, D. 1118.104 No Arquivo Histórico Ultramarino, as cartas enviadas de Pernambuco em 22 de junho de 1678 pelo

governador e pelo provedor da Fazenda de Pernambuco, as cartas de Aires de Souza de Castro de 19 de julho de 1678 e de 8 de agosto de 1679, e aquela do provedor da Fazenda, de 16 de agosto de 1679fazem parte de três conjuntos documentais separados. Contudo, elas foram discutidas ao mesmo tempo.Além do próprio parecer de 1680, que analiso mais adiante, na capa da primeira carta de Rego Barros háuma anotação feita pela Secretaria do Conselho que diz: "Dentro as cartas do governador Ayres de Souzade Castro que tratam dessa matéria". Cf. Carta de João do Rego Barros de 22 de junho de 1678.AHU_ACL_CU_015, Cx. 11, D. 1118.

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escravos" - donde se seguia que "conceder[-lhes] a liberdade era um dano" aos direitos

reais e àqueles dos moradores.105 

A grande diferença entre as duas opiniões reside em considerar ou não todos os

habitantes de Palmares como escravos fugitivos. O Procurador da Coroa havia sidocuidadoso: falara em escravos, mas também em cativos feitos em uma guerra que

considerava justa, em inimigos e gentios. Sua avaliação tende a perceber os negros dos

Palmares pela chave das relações com os indígenas, mas também reconhece a

 possibilidade de serem levantados e, portanto, de haver espaço para uma negociação

 política - o que era negado pelo parecerista anônimo. Para este último, os palmarinos

eram tomados taxativamente por escravos fugidos, para os quais só havia a alternativa da

apreensão e reescravização.

Tudo indica que o Conselho estava dividido. Quase chegou a uma conclusão: na

margem da carta escrita por Aires de Souza de Castro há uma anotação, datada do início

de dezembro, de um parecer do Conselho, mas que foi logo em seguida rasurada, para

deixar de ter vigor. O pouco que se consegue ler indica sugerir ao príncipe a

desaprovação das medidas tomadas por Aires de Souza de Castro. Mas não se pode ter 

qualquer certeza sobre seu conteúdo.106

Opiniões contraditórias, pareceres escritos e depois riscados: a discussão entre os

Conselheiros do Ultramarino deve ter sido grande. Mas não houve, pelo que se podededuzir, uma decisão final a ser encaminhada ao príncipe. Pelo jeito, decidiram esperar 

que mais notícias chegassem de Pernambuco - embora também (até agora) eu não tenha

encontrado nenhum pedido explícito a esse respeito. As notícias vieram, com as cartas de

Aires de Souza de Castro de 19 de julho de 1678 e de 8 de agosto de 1679, e aquela do

 provedor da Fazenda, de 16 de agosto de 1679, examinadas há pouco nesse capítulo.

Foi apenas em 26 de janeiro de 1680, mais de um ano depois dos primeiros

debates e pareceres, que o Conselho conseguiu emitir uma opinião para ser enviada ao

regente. O parecer se refere ao conteúdo de todas as cartas mencionadas, de junho de

105 Parecer anônimo de 9 de dezembro de 1678. AHU_ACL_CU_015, Cx. 11, D. 1116.106 As rasuras são de época mas deixam que se desconfie de seu conteúdo: "Ao conselho parece fazer 

 presente a V. A. que [....] o governador de Pernambuco nesta sua carta vos desserviu [?] que tinham[tirou?] as nossas armas na guerra que se faz aos negros dos Palmares e estado em que hoje se acham eque acordando o governador daria gra[...] de fara [?] obrada, se faz tudo presente a V.A. Lisboa [...] [6?]de novembro de 1678." [seguem-se três rubricas]. AHU_ACL_CU_015, Cx. 11, D. 1116.

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importante. Nos anos 1670, o delicado problema da liberdade dos índios e das missões

também freqüentava as reuniões do Conselho.

Em setembro de 1663 uma provisão régia havia regulado a liberdade dos índios

do Maranhão, ao determinar a forma pela qual eles deviam ser administrados pelos padres da Companhia de Jesus e pelas outras ordens religiosas.110 A ordem não havia

entretanto resolvido os conflitos entre as ordens religiosas e, para melhor encaminhar os

debates que sempre retornavam, os conselheiros haviam elaborado uma espécie de

questionário, com vários itens. Entre 1671 e 1673, ex-governadores, franciscanos,

mercedários, carmelitas e jesuítas responderam aos quesitos propostos pelo Conselho,

oferecendo opiniões sobre vários aspectos a respeito do modo como as aldeias deviam

ser administradas, como deviam ser feitos os resgates e o modo da repartição do trabalho

dos índios.111 

Entre as questões discutidas, estava a possibilidade de as aldeias serem

governadas pelos próprios índios e serem atribuídas a uma ou várias ordens missionárias.

As opiniões eram divergentes, mas franciscanos e mercedários defendiam que os capitães

designados para governar as aldeias apenas queriam enriquecer rapidamente e que o

melhor modo de catequizar os índios e mantê-los próximos dos brancos era deixar que

governassem suas próprias aldeias. A posição foi derrotada em 1680, quando a Coroa

decidiu proibir todos os resgates e declarar, mais uma vez, ser contra toda e qualquer forma de escravização dos índios. Ao mesmo tempo, determinou que todos deviam ser 

recolhidos em aldeias, assentadas em terras que lhes seriam concedidas, livres de

tributos, e governadas exclusivamente pelos jesuítas.112

De certo modo, estes debates sobre os índios do Maranhão ecoam outros,

relativamente contemporâneos, relacionados com a criação de missões no sertão do rio

São Francisco, vistas como meio de manter os índios sossegados e afirmar o domínio

 português sobre terras distantes do litoral. O contexto era um pouco diferente, pois os

ataques dos tapuias às fazendas do Recôncavo baiano eram constantes e as expedições

militares contra eles também. Mesmo assim, em pareceres escritos em 1675 e 1679,

110 Provisão de 12 de setembro de 1663, ABN, 66 (1948): 29-31.111 A análise mais detalhada destes debates continua sendo a realizada por Mathias C. Kiemen, The Indian

 policy of Portugal in the Amazon region, caps. 5 e 6.112 Lei de 1º de abril de 1680, ABN, 66 (1948): 57-59.

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Salvador Correia de Sá defendeu uma proposta dos padres capuchos que queriam

estabelecer missões entre "o gentio que não quiser voluntário vir para o mar"; segundo

ele, este era o meio mais eficaz para estender o domínio e estabelecer a "vassalagem (...)

 pela terra adentro".113

 Como se vê, havia em Lisboa um campo de debates que pode explicar o fato de

Gangazumba e sua gente terem sido compreendidos pelas autoridades metropolitanas do

mesmo modo que os índios que desciam para as aldeias no Maranhão ou do sertão do

São Francisco - do mesmo modo que aconteceram com Aires de Souza de Castro. O

reconhecimento da liberdade para os nascidos em Palmares e a concessão das terras em

Cucaú eram temas que se entrelaçavam a uma política mais larga de domínio sobre a

 população do sertão na América portuguesa. Assentados em uma aldeia em Cucaú, os

antigos levantados teriam proteção real e, isentos da obrigação de qualquer "trabalho

 particular",114 ali permaneceriam com suas famílias, como vassalos da Coroa, vivendo e

morrendo "pela fé de Cristo". No contexto em que ainda se debatia a possibilidade de

auto-governo dos índios do Maranhão - posição derrotada em 1680 - a criação de um

reduto de negros livres, sob a proteção real, podia representar a melhor forma de reduzir 

aqueles levantados e por fim às longas guerras que causavam tantas despesas e dissensos

entre os moradores e as autoridades coloniais.

Podia, mas não era deu certo. O desdobramento dos acontecimentos emPernambuco tornou evidente o fracasso da iniciativa. Mais de seis meses depois, quando

teve que analisar a carta enviada pelo governador em 22 de abril de 1680, que

comunicava a continuidade da guerra e os problemas que começavam a existir em Cucaú,

o Conselho mais uma vez se calou, e encaminhou as notícias ao príncipe, sem qualquer 

comentário.115 Os próprios acontecimentos talvez se encarregassem de resolver o

113 Voto de Salvador Correia de Sá sobre a missionação e o povoamento do sertão, Conselho Ultramarino,ca. 1675. Citado por Pedro Puntoni, A guerra dos bárbaros. Povos indígenas e a colonização do sertãonordeste do Brasil, 1650-1720, São Paulo, Hucitec/Edusp, 2002,  p. 72. Para uma análise das guerrascontra os tapuias no Recôncavo e no sertão do São Francisco, nos anos 1650-1670, vide  A guerra dosbárbaros, pp. 89-122.

114 O termo aparece explicitamente no acordo de 1678. A expressão é frequentemente empregada paradesignar os serviços prestados pelos índios aldeados (e sob tutela dos missionários) aos particulares, istoé, aos moradores e colonos.

115 Consulta do Conselho Ultramarino de 8 de agosto de 1680. AHU_ACL_CU_Consultas de Pernambuco,Cod. 265, fl. 29v.

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impasse entre as diversas opiniões; nesse caso, contudo, eles acabaram por gerar novos

 problemas. E novos e acirrados debates.

Desta feita, o que esquentou a discussão foi a re-escravização dos habitantes de

Cucaú. Décio Freitas menciona uma carta do bispo do Recife ao Conselho Ultramarino,que impugnava a escravização das crianças e dos que não haviam participado da

revolta.116 Embora até agora não tenha localizado esse documento,117 há outras fontes

que indicam que as discussões em Lisboa foram intensas.

O principal indício dessa intensidade é o fato de que o príncipe finalmente tenha

se pronunciado, por meio de um alvará, em 10 de março de 1682. Há pouquíssimas

informações sobre os debates que levaram à redação desse texto, e em quais as instâncias

deliberativas eles ocorreram.118 É difícil saber por que, ao invés de uma determinação

comum, comunicada por meio de uma carta régia, por exemplo, ele optou pela via de um

documento legal de maior envergadura. Talvez porque se tratasse, agora, de definir 

questões relativas à liberdade e ao cativeiro dos negros dos Palmares - e não apenas de

 julgar as atitudes dos governadores e dos moradores de Pernambuco em relação a eles.

De qualquer modo, com toda a pompa de um documento legal, o príncipe português

 promulgou medidas destinadas a terminar de vez com os "danos que pertencem ao

sossego público" e solucionar as questões legais criadas pela re-escravização daqueles

que haviam se rebelado depois de ajustada a paz.Ordenou, em primeiro lugar, a continuidade da campanha armada contra os

rebeldes de Palmares e determinou que os moradores de Pernambuco abrissem mão "do

direito que p[udessem] ter ao domínio" daqueles negros para que os capturados

 pudessem ser distribuídos aos soldados. Os senhores que mostrassem "alguma

repugnância" em se desfazer de seus cativos deveriam pagar 12 mil réis por escravo

apreendido, para cobrir os gastos havidos naquela empresa. Tais medidas visavam não só

116 D. Freitas, Palmares,  p. 120.117 O tema não era indiferente ao bispo. Em carta dirigida ao papa em 6 de agosto de 1680 dom Estevão

Brioso mencionou a presença dos oratorianos na "colônia de etíopes, vulgo Palmares", situada perto deSerinhaém. Cf. Arquivo Secreto do Vaticano, Congregazione del Concilio, Relationes Diœcesium[Congr. Concilio, Relat. Diœc.] 596 (Olinden). Agradeço muito a Bruno Feitler a oferta da transcriçãodesse documento.

118 É bastante provável que o alvará tenha sido decidido pelo príncipe a partir de parecer emitido pelo bisposecretário de Estado, por volta de agosto de 1681. Cf. Decreto de 13 de agosto de 1681.AHU_ACL_CU_015, Cx. 12, D. 1203.

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incentivar os soldados a manter a guerra, sem onerar os cofres públicos, mas também

levavam em conta os interesses senhoriais, procurando equilibrar os dissensos entre os

que estavam do mesmo lado na contenda.

Em seguida, o texto passava a regular tanto "a liberdade, como o cativeiro dostais negros": os que eram livres antes de ir para os Palmares, assim como seus

descendentes, continuariam livres; os que antes eram escravos continuavam escravos,

abrindo-se um prazo de cinco anos para as demandas judiciais a respeito. A fórmula

 parecia ser simples, mas exigiu várias explicações e adendos e, sobretudo, tinha que lidar 

com a espinhosa questão da liberdade concedida aos nascidos nos Palmares - que já havia

aparecido anteriormente no Conselho Ultramarino.

O alvará determinava ainda que seriam perdoados os que tivessem cometido

algum crime antes da fuga, se se apresentassem voluntariamente. Entretanto, nenhum

deles, livres ou escravos, podia continuar no Estado do Brasil (à exceção dos menores de

7 anos e dos que haviam respeitado o acordo de 1678); os cativos presos que tornassem a

fugir seriam "lançados na galé". Por fim, tocava na questão central. O "indulto"

concedido pelo governador, que libertara os "negros e mulatos, suas mulheres e filhos e

descendentes" que haviam buscado a "obediência" real, ficava mantido. Esta liberdade,

entretanto, não era reconhecida para aqueles que haviam incorrido em "traição": ela os

levara de volta "ao antigo estado", e eles haviam perdido o direito ao benefício. Para quetudo fosse averiguado, o príncipe regente ordenava a abertura de uma "devassa do crime

de traição" cometido pelos negros de Palmares depois de terem acordado a paz com o

governador de Pernambuco. Os culpados seriam condenados à morte, e suas cabeças

levantadas em "postes altos e públicos" no lugar do delito para que o tempo as

consumisse.119

Como se pode observar, o alvará de 1682 reiterou os termos do acordo de 1678 e,

de certo modo, lhe serviu de continuação. Ao mesmo tempo, porém, interpretou-o de

forma restritiva. Reafirmou a liberdade para os nascidos em Palmares, tal como

concedida pelo governador de Pernambuco, mas registrou o ato como um simples

119 Alvará de 10 de março de 1682. Silvia Hunold Lara (org.), "Legislação sobre Escravos Africanos naAmérica Portuguesa in José Andrés-Gallego (coord),  Nuevas Aportaciones a la Historia Jurídica de Iberoamérica. Madrid, Fundación Histórica Tavera/Digibis/Fundación Hernando de Larramendi, 2000(CD-Rom).

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"indulto". Os que haviam desrespeitado a concessão real passavam a ser considerados

traidores e deviam ser condenados à morte. Por outro lado, nenhuma palavra do longo

alvará se refere explicitamente a Cucaú. Como reconhecia a liberdade para os que

haviam buscado a "obediência" real, tudo indica que em Lisboa se imaginava que Cucaúcontinuava a existir. Talvez tivesse continuado - não há entretanto registro disso nas

fontes.

O texto dedica atenção ainda àqueles que haviam incorrido em "traição". Não fica

claro se o tal crime se refere à conjuração mencionada por Aires de Souza de Castro, à

morte de Gangazumba ou à fuga para juntar-se a Zumbi. Aliás, os nomes palmarinos

estão completamente ausentes do texto do alvará, que fala apenas, genericamente, nos

negros dos Palmares. De qualquer modo, a questão havia sido repassada para a Justiça e

os que haviam incorrido no crime perderiam a liberdade, tivesse sido ela obtida ou

concedida a qualquer título. Apesar de reiterar os termos do ajuste de 1678, o alvará

reequacionava os termos do debate e anunciava a decisão por meio de um documento

assinado pelo próprio príncipe.

Mesmo assim, o alvará não foi capaz de extinguir os debates em Lisboa. Em

1683, o jesuíta Manuel Fernandes, deputado na Junta dos Três Poderes e conselheiro do

 príncipe regente, escreveu um parecer que retomou o tema. Para ele, "todos estes negros

aldeados [eram] livres e que não podiam ser cativos". Aires de Souza de Castro, emnome do príncipe português, lhes dera a liberdade e eles

"nela estiveram e viveram algum tempo, fazendo-se cristãos e assistindocom eles ministros que os instruíam, batizavam e o bispo de Pernambucocrismou a muitos; e dada esta liberdade e feitos cristãos, não se podiamcativar, porque é contra as leis daquele Estado".120

Não se tem notícia de qualquer lei que impeça cristãos de serem cativos, mas a

confusão pode ter sido causada pela proximidade, mais uma vez, com os temas e os

termos do debate sobre o cativeiro e a liberdades dos índios do Maranhão. Separando os

"aldeados" dos que eram "dos Palmares", Manuel Fernandes contestava o argumento do

governador que justificava a reescravização dos aprisionados pelo fato de a liberdade ter 

120 Parecer de Manoel Fernandes de 8 de janeiro de 1683. BA, Movimento do Orbe Lusitano, vol. 5. Códice50-V-39, doc. n. 153, fls. 397-397v. Décio Freitas é o único a mencionar este parecer, mas o colocacomo parte dos debates que antecedem a promulgação do alvará de 1682. Cf. D. Freitas,  Palmares,  pp.120-129.

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sido dada com a condição de permanecerem obedientes ao rei. Ao se referir 

explicitamente ao "papel em que a estes homens se prometeu e deu liberdade" e

transcrever algumas de suas passagens, o parecerista tentou mostrar a inexistência de

cláusulas condicionais e defender que os aldeados tinham "pouco comércio com os dosPalmares e seus aliados": não mereciam, portanto, qualquer castigo. Fernandes termina

sua argumentação observando que todas as informações colhidas sobre o provável crime

de traição - apresentada como a principal justificativa para a reescravização dos

habitantes de Cucaú - eram "extrajudiciais". Como a matéria era grave, exigia

 procedimentos formais mais claros e jurídicos.121 

Como se vê, o jesuíta tocava no ponto fundamental da legitimidade da liberdade

concedida àqueles homens e mulheres, e se posicionava de modo claro ao indicar que a

solução do dilema era essencialmente jurídica. A chave interpretativa, aqui, mais uma

vez é a da aldeia indígena. Como os índios aldeados, os negros de Cucaú não podiam ser 

escravizados.

Outro importante conselheiro do regente, Roque Monteiro Paim também se

 pronunciou sobre os acontecimentos - mas foi favorável à decisão tomada por Aires de

Souza de Castro. Para ele, o governador havia consultado "todas aquelas pessoas que o

 podiam aconselhar e seguiu o parecer, que em todos foi uniforme" e, de acordo com o

que informava o bispo de Pernambuco, "não impugnou mais que o cativeiro dos menorese inocentes, que ou pela idade, ou pelas ações não houveram culpa". A frase faz pensar 

que o governador tenha tido o cuidado de separar as crianças dos adultos ao distribuir os

 prisioneiros de Cucaú, seguindo o costume já observado em outras ocasiões - mas não há

fontes que permitam comprovar essa informação. Roque Paim considerou que o alvará

de 1682 encaminhava bem a questão, ao reconhecer a liberdade concedida anteriormente

e ao remeter para a justiça a decisão sobre os negros que tivessem "a culpa de

rebelião".122 

121 Idem, ibidem.122 Parecer de Roque Monteiro Paim de 19 de janeiro de 1683. BA, Movimento do Orbe Lusitano, vol. 5.

Códice 50-V-39, doc. n. 154, fl. 398.

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O final do parecer de Roque Paim é revelador. Ele indica que a discussão sobre o

tema devia seguir na Junta das Missões e que "todos devem ver estes papéis". 123 Ele

 provavelmente se refere aqui à Junta Geral das Missões, que fora criada em 1655 e tinha

 por atribuição abrigar as questões referentes às missões ultramarinas atendendo àsdemandas dos missionários.124 Ou seja: o debate deveria se deslocar do Conselho

Ultramarino para um órgão que estava acostumado a lidar com o difícil tema da liberdade

- dos índios no Brasil e, agora, também dos negros.

Tantos debates, mas nenhuma ação efetiva. Os efeitos do alvará de 1682 foram

 poucos. A tal devassa nunca chegou a ser realizada e a correspondência oficial revela

muitas dificuldades para a designação dos juízes; mais de um ano depois, a comissão

encarregada do assunto ainda não conseguia apresentar nenhum resultado prático.125 Até

agora, não foi possível localizar qualquer traço dos que estiveram em Cucaú. A

documentação subseqüente revela apenas que o alvará de 1682 serviu para justificar 

novas operações militares. Os preparativos para as novas expedições começaram com a

 posse do novo governador, dom João de Souza, em 21 de janeiro de 1682.

4. Guerra e paz

O final do governo de Aires de Souza de Castro foi gasto com providências paraas guerras contra Palmares. Ele alegou ser "preciso continuar a guerra aos negros

levantados dos Palmares (...) com causa mais justificada pelos grandes danos que têm

feito aos moradores das capitanias (...) vizinhas", e convocou todos os oficiais e soldados

das companhias que haviam sido mandadas para Buenos Aires para fazer nova entradas

contra os mocambos.126 Cuidou de arranjar munição e mantimentos e de reforçar a tropa

com o terço dos índios do Camarão, aos quais forneceu armas. 127 

123 Parecer de Roque Monteiro Paim de 19 de janeiro de 1683. BA, Movimento do Orbe Lusitano, vol. 5.Códice 50-V-39, doc. n. 154, fl. 398.

124 Cf. Márcia E. A. Souza e Mello, Pela propagação da fé e conservação das conquistas portuguesas. As juntas das missões, séculos XVII-XVIII. Doutorado, Porto, Universidade do Porto, 2002.

125 I. Alves Filho, Memorial dos Palmares,  p. 101. 126 Ordem de 12 de agosto de 1686. AUC, CCA, IV, 3ª-I-1-31, fl. 342v-343, doc. 33.127 Ver ordens de 7, 8 e 16 de outubro de 1680. AUC, CCA, IV, 3ª-I-1-31, fl. 363, doc. 100; fl. 363, doc.

100; e fl. 363v, doc. 102; bem como o Termo de Vereação de 19 de dezembro de 1680, "Segundo Livro

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O tom mudou completamente. Nem sombra da autoridade afável que seguia os

rituais do Antigo Regime ao tratar com Gangazumba e Gangazona ou explicava os

motivos de suas determinações às oficiais coloniais; o governador queria agora acabar de

vez com "os negros dos Palmares", por considerá-los "uma canalha vil e rebelde [que] de pouco tempo a essa parte se resolvera a fazer alguns excessos dignos do maior castigo".

O edital que mandou publicar era duro. Mandava que todas as tropas da capitania

fizessem arraiais "donde mais convier" e que nenhum soldado poderia "dar quartel a

nenhum negro de armas", sob penas de ser tratiado na polés128. Os "negros dos

moradores que tive[ss]em fugido para o sertão e por medo e temor da guerra se

recolhe[ss]em outra vez à casa de seus senhores" deviam ser remetidos para o Recife

 para serem expulsos da capitania - tomou entretanto o cuidado de determinar que uma

indenização fosse paga aos respectivos proprietários, "como [fosse] mais conveniente ".

Qualquer pessoa que ocultasse algum daqueles negros seria castigada. Para incentivar as

tropas, determinou que "todas as bagagens de crias e negros que se tomarem da dita

guerra ser[iam] livres para se repartirem por todos os que forem e ela" e que os

criminosos que participassem da guerra seriam perdoados de suas culpas, desde que não

tivesse cometido um crime de morte.129

As medidas deram certo resultado, já que houve negros presos - alguns foram

remetidos para o Reino, como parte do quinto,130 outros faleceram na prisão.131 O novogovernador, dom João de Souza, ao escrever para Lisboa dando conta das primeiras

notícias de seu governo, elogiou o antecessor:

"Muito é o que Aires de Souza de Castro obrou nas disposições e eficáciaem prejuízo dos negros dos Palmares e utilidade de todas estas capitanias,reduzindo-os de poderosos em que os achou a diferente estado em quehoje se vêm, destituídos das maiores cabeças que os capitaneavam, por morrerem na última guerra que o ano passado [em 1681] lhe mandou

de Vereações da Câmara de Alagoas", RIAGA (1875): 186-187; e Ordem de 2 de maio de 1681, AUC,CCA, IV, 3ª-I-1-31, fl. 367v, doc. 120.

128 Ou seja, ser suspenso na polé (roldana fixada em uma armação de madeira, como no caso da forca),com pesos amarrados nos pés, e depois ser solto subitamente, de modo a destroncar os braços. Cf.Bluteau, Vocabulário. verbete polé.

129 Edital de 16 de agosto de 1681. AUC, CCA, IV, 3ª-I-1-31, fl. 343-343v, doc. 34.130 Cf. Pareceres do Conselho Ultramarino de 19 de agosto de 1681 e 2 e 13 de dezembro de 1681. AHC,

cod. 265, fl. 32, e AHU_ACL_CU_015, Cx. 12, D. 1209 e AHC, cod. 265, fl. 33.131 Cf. Ordem de 20 de dezembro de 1680. AUC, CCA, IV, 3ª-I-1-31, fl. 365, doc. 111.

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experiência dos exemplos passados e a pouca confiança que se deve ter da palavra de semelhantes homens, me pareceu ouvi-lo pelo capitão mor dessa vila [do Recife] João da Fonseca para maior justificação do ânimo edesejo de evitar dispêndios que semelhante guerra repetidamente costumacausar aos moradores deste Pernambuco e com efeito se ajustou a

sujeição dos ditos negros, sítio em que haviam de habitar, entrega doscativos que haviam de fazer tempo determinado para a conclusão de tudo,a que o dito Zumbi e seus sequazes têm faltado, mostrando em todas assuas ações um malévolo e pernicioso ânimo, preparando-se com toda asagacidade para resistirem à guerra que certamente se lhe há de fazer,esperando na bondade de Deus há de permitir se acabe no tempo do meugoverno tão grande a opressão".137

O tempo decorrido entre os dois documentos - de quase um ano - pode indicar ter 

havido um momento em que as negociações devem ter parecido promissoras. Os termos

do acordo eram semelhantes aos ajustados com Gangazumba quatro anos antes. Contudo, por malícia de Zumbi ou não, o ajuste fracassou, levando dom João de Souza a preparar 

uma nova guerra. O recurso da negociação parece ter se esgotado, pois o governador 

recomendou a todos, dessa vez, que de modo algum "se lhes admitisse proposição de

 pazes que oferecessem, por a experiência ter mostrado em muitas ocasiões a falsidade do

ânimo com que intentam semelhantes partidos". Para o governador, agora, apenas a

guerra conseguiria castigar a "insolente e escandalosa culpa" daqueles negros.

Fernão Carrilho havia sido nomeado para uma das companhias pagas de

Pernambuco em 17 de novembro de 1681 e foi encarregado de comandar a nova

expedição. O capítulo 15 de seu regimento determinava expressamente que "não

atendesse em nenhum caso a aquelas pazes, na consideração que os negros lhas

 propusessem, antes procurasse com o maior esforço possível oprimir e castigar a tirania

inveterada de bárbaros tão prejudicialíssimos". Tudo indica que o fracasso de Cucaú e

das tentativas posteriores haviam calado fundo nas autoridades coloniais. Parra assegurar 

que a guerra fosse retomada, foram tomadas as providências de sempre, com ordens para

as câmaras contribuírem com armas, homens e mantimentos.138

 

137 Carta do governador de Pernambuco para as câmaras de Serinhaém, Porto Calvo, Alagoas e Rio de SãoFrancisco de 1º de julho de 1683. AUC, CCA, IV, 3ª-I-1-31, fl. 386v-387, doc. 60.

138 Ordem de 1 de julho d 1683. AUC, CCA, IV, 3ª-I-1-31, fl. 387v, doc. 62; Carta de 6 de julho de 1683,AUC, CCA, IV, 3ª-I-1-31, fl. 387v-388, doc. 63; Ordem aos oficiais da câmara de Olinda de 16 desetembro de 1683, AUC, CCA, IV, 3ª-I-1-31, fl. 374v, doc. 14; Ordem para o provedor da Fazenda Realde 8 de novembro de 1683, AUC, CCA, IV, 3ª-I-1-31, fl. 390-390v, doc. 74.

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Alguns documentos expedidos nesse contexto indicam que a guerra pretendida

 pelo governador era generalizada, pois em novembro de 1683 autorizou o capitão do

campo de Olinda a entrar nas casas e fazendas em busca dos "escravos fugidos e

levantados para os prender".139

Em fevereiro de 1684 concedeu a Manuel Albuquerque aautorização para fazer uma entrada na região de Serinhaém, também para prender os

negros levantados dos Palmares, concedendo-lhe o privilégio de ficar com todos os

 prisioneiros que não tivessem senhor.140 Como Cucaú ficava no distrito de Serinhaém,

creio se tratar de agir também contra os que tinham ficado por ali. Em 17 de abril de

1684, foi a vez de Brás de Araújo ser autorizado a buscar negros levantados "em

mocambos, ou casas e fazendas", para prendê-los.141 Como no final do governo de Aires

de Souza de Castro, as medidas invadiam o sagrado domínio senhorial - o que sugere

terem sido providências extremas, para remediar um grave mal.

 Nem todos entretanto estavam de acordo com a necessidade de uma perseguição

sem quartel, como queria o governador. Segundo relatou dom João de Souza a Lisboa,

Fernão Carrilho, mesmo antes de entrar em combate, resolveu por conta própria fazer as

 pazes com o novo chefe dos mocambos.142 A violação da cláusula lhe valeu a prisão,

 julgamento e pena de degredo para a capitania do Ceará.143 Para substituí-lo, Zenóbio

Acioli de Vasconcelos foi encarregado de dar continuidade à guerra contra Palmares.144

Em Lisboa, mais uma vez, a avaliação parece ter sido diferente das autoridadesem Pernambuco. Em 1685, ao ser nomeado o novo governador para a capitania, deve ter 

havido certa concordância para que a paz fosse mais uma vez tentada, já que o rei chegou

a redigir uma carta régia ao "capitão Zumbi dos Palmares". Por meio dela, ofereceu-lhe o

 perdão "de todos os excessos" que havia praticado dizendo entender que a sua "rebeldia"

fora motivada pelas "maldades praticadas por alguns maus senhores em desobediência às

minhas reais ordens". A frase é enigmática, e não há dados para esclarecê-la. Em seguida

139 Ordem de 22 de novembro de 1683. AUC, CCA, IV, 3ª-I-1-31, fl. 375-375v, doc. 17.140 Concessão de 14 de fevereiro de 1684. AUC, CCA, IV, 3ª-I-1-31, fl. 375v-376, doc. 18.141 Ordem de 17 de abril de 1684. AUC, CCA, IV, 3ª-I-1-31, fl. 377, doc. 23.142 Carta do governador de Pernambuco ao príncipe de 10 de agosto de 1684. AHU_ACL_CU_015, Cx. 13,

D. 1298.143 Ordens de 24 de julho de 1684, AUC, CCA, IV, 3ª-I-1-31, fl. 393, doc. 87 e fl. 393-393v, doc. 88; e

Parecer do Conselho Ultramarino de 29 de novembro de 1684. AHU_ACL_CU_Consultas dePernambuco, Cod. 265, fl. 37v.

144 Ordem de 4 de novembro de 1684. AUC, CCA, IV, 3ª-I-1-31, fl. 378v-379, doc. 31.

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o rei "convida[va]" Zumbi a escolher um local para residir com sua mulher, filhos e

capitães, "livres de qualquer cativeiro e sujeição", como fiéis e leais súditos, sob a

 proteção real.145 

O documento deve ter sido levado pelo novo governador e, como observa DécioFreitas, não se sabe se chegou a ser ou não entregue ao chefe negro.146 Os termos

lembravam de perto as bases do acerto com Gangazumba, anos antes. Este era, de novo,

um período de troca de governo e os impasses entre as negociações e os avanços

militares se repetiam.

Em carta de agosto de 1685, ao relatar a Lisboa suas impressões iniciais sobre o

estado em que se encontrava a capitania de Pernambuco que acabara de assumir, João da

Cunha Souto Maior observou ter dificuldades em manter a guerra e ponderou que, se

Palmares lhe oferecesse a paz, seria forçado a aceitá-la.147 Em novembro, em nova carta

ao rei, explicou que diante das queixas em contrário das câmaras, havia conseguido

novos meios para retomar as investidas militares contra Palmares.148 A documentação da

secretaria de governo registra que ele tirou Fernão Carrilho da prisão e o encarregou de

comandar novas expedições contra Palmares em setembro de 1685.149 

O Conselho Ultramarino, ao examinar sua carta de agosto, foi desfavorável a

qualquer ajuste de paz: para os conselheiros, não só a experiência mostrava "que esta

 prática é um meio engano", como também resultava na diminuição da "reputação" dasautoridades que tratavam com "uns pretos fugidos e cativos".150 A decisão final apoiava-

se num longo parecer do ex-governador de Pernambuco, dom João de Souza, que era

contrário a qualquer acerto com os negros, e que advertia contra a "cavilação" com que

eles simulavam "contemporizar com o novo governador que chega" ou agiam diante da

ameaça de uma guerra.151 Aires de Souza de Castro também participou dos debates e

145 Carta do Rei a Zumbi de 26 de fevereiro de 1685. D. Freitas,  República dos Palmares,  p. 183.Infelizmente, não consegui localizar o original desse documento.

146 D. Freitas, República dos Palmares, p. 183.147 Carta do governador João da Cunha Soto-Maior ao rei de 8 de agosto de 1685. AHU_ACL_CU_015,

Cx. 13, D. 1329.148 Carta de João da Cunha Soto-Maior ao rei de 7 de novembro de 1685. AHU_ACL_CU_015, Cx. 13, D.

1345.149 Ordem de 6 de setembro de 1685. AUC, CCA, IV, 3ª-I-1-31, fl. 402-403, doc. 7.150 Parecer do Conselho Ultramarino de 7 de fevereiro de 1686. AHU_ACL_CU_015, Cx. 13, D. 1329.151 Parecer de dom João de Souza de 2 de Dezembro de 1685. AHU_ACL_CU_015, Cx. 13, D. 1329.

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defendeu entretanto uma negociação firme, com prazos certos para não haver 

 protelações, além de julgar "muito acertado" que os negros quisessem "descer para baixo

[sic] e estarem sujeitos às ordens daquele governo [de Pernambuco]".152 Foi voto

vencido.153

O partido da guerra parecia predominar agora também em Lisboa. Na carta de novembro, além da contratação de Carrilho, Souto Maior contou ter 

encontrado em Pernambuco "uma carta de uns paulistas que andam nos sertões, escrita a

meu antecessor dom João de Souza, em que lhe pediam umas patentes de capitão mor e

capitães para conquistarem aqueles gentios". Como o pedido não combinava com as

ordens que havia recebido, não o atendera; diante da situação, porém, considerava serem

aqueles homens "os verdadeiros sertanejos" e, como "se acha[vam] com quatrocentos

homens de armas, os roguei para esta conquista dos Palmares mandando-lhe patentes de

conquistadores deles".154 Ao examinar essa proposta, os conselheiros do Ultramarino não

fizeram maiores comentários; apenas lembraram o rei que, em fevereiro, já haviam

recomendado que ele mandasse continuar a guerra contra os Palmares.155

Em agosto de 1686, o governador escreveu mais uma vez para Lisboa, para

contar que Fernão Carrilho atacara os Palmares, matara muita gente e destruíra casas e

mantimentos, motivo pelo qual "já mortos de fome [vieram] alguns pedir misericórdia e

 buscar perdão aos seus absurdos". 156 Apesar de tão boas notícias, a documentação

administrativa da secretaria de governo da capitania continua a tratar das operações deguerra, que aos poucos foram envolvendo os paulistas, até a contratação Domingos Jorge

Velho. Como se sabe, o ajuste com ele começou a ser negociado em 1687 e foi aditado

em 1691. Antes de ele seguir para Palmares, no entanto, ele deu cabo das guerras contra

os índios Junduí, no sertão do Açu, interior das capitanias de Pernambuco, Itamaracá,

Paraíba e Rio Grande do Norte - que terminaram com a assinatura de um tratado de paz

152 Parecer de Aires de Souza de Castro de 14 de novembro de 1685. AHU_ACL_CU_015, Cx. 13, D.1329.

153 A consulta final enviada ao rei data de 1 de fevereiro de 1686. AHU_ACL_CU_Consultas dePernambuco, Cod. 265, fl. 41v e segs.

154 Carta de João da Cunha Soto-Maior ao rei de 7 de novembro de 1685. AHU_ACL_CU_015, Cx. 13, D.1345.

155 Consulta do Conselho Ultramarino de 27 de abril de 1686. AHU_ACL_CU_Consultas de Pernambuco,Cod. 265, fl. 44v.

156 Carta do governador de Pernambuco ao rei de 2 de agosto de 1686. AHU_ACL_CU_015, Cx. 14, D.1383.

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entre os índios e o governador da Bahia, em 1692.157 Talvez as autoridades tivessem

aprendido algo ao lidar com os Palmares.

A documentação administrativa não dá mais notícias de qualquer tentativa de

ajustar as pazes com Zumbi ou qualquer potentado palmarino. Outras fontes indicam porém que um acordo chegou a ser cogitado, já que em 1691, o padre Antonio Vieira foi

consultado sobre a sugestão de um religioso italiano de "ir aos Palmares", ao que tudo

indica para propor novamente alguma espécie de acordo com os palmaristas.158 Lá em

Lisboa e cá em Pernambuco, alternavam-se os partidários da guerra ou da paz.

A resposta do famoso jesuíta, contrária qualquer acordo de paz, merece uma

análise mais cuidadosa. Em primeiro lugar, ele considerou que qualquer emissário,

mesmo se fosse um dos "padres naturais de Angola", seria visto como espião dos

governadores e, portanto, não teria condições de negociar. Em segundo lugar, "ainda que

cessassem os assaltos que fazem no povoado dos portugueses", nunca deixariam de

receber os "de sua nação que para eles fugi[ssem]." Por fim, ponderou que

"sendo rebelados e cativos, estão e perseveram em pecado contínuo eatual, de que não podem ser absoltos, nem receber a graça de Deus, semse restituírem ao serviço e obediência de seus senhores, o que de nenhummodo hão de fazer. Só havia um meio eficaz e efetivo paraverdadeiramente se reduzirem, que era concedendo-lhe Sua Majestade etodos os seus senhores, espontânea, liberal e segura liberdade, vivendo

naqueles sítios como os outros índios e gentios livres e que então os padres fossem seus párocos e os doutrinassem como os demais".159 

Como se vê, mais de dez anos depois, os ecos do acordo de 1678 ainda se faziam

ouvir. Para enfrentar mocambos fortes como os de Palmares, o jesuíta, fiel ao programa

157 Sobre a guerra dos Junduí e especialmente sobre este acordo de paz vide John Hemming, Red gold. Theconquest of the Brazilian Indians, Londres, Macmillan, 1978, p. 361 e Pedro Puntoni,  A guerra dosbárbaros,  pp.157-160. Hemming considera que o tratado teria significado a criação de um reinoautônomo; Puntoni discorda, achando que ele deve ser entendido mais como uma capitulação de

obediência. Como no caso de Palmares, o acordo não colocou fim à "guerra dos bárbaros", quecontinuou até 1713.

158 Trata-se do jesuíta Antônio Maria Bonucci, que pretendia "reduzir [os habitantes de Palmares] aviverem na sujeição da igreja e das leis (...) desse governo". BNL-Res, Correspondência do marquês deMontebelo (1690-93), Coleção Pombalina, cod. 239, fls 109-109v. Apud: L. F. Alencastro, O trato dosviventes p. 343. Para uma análise desta consulta vide Ronaldo Vainfas, "Deus contra Palmares.Representações senhoriais e idéias jesuíticas" in: J. J. Reis e F. S. Gomes (orgs.), Liberdade por um Fio,

 pp. 75-79.159 Carta do padre Antônio Vieira a Roque Monteiro Paim de 2 de julho de 1691. João Lúcio de Azevedo

(coord.), Antonio Vieira. Cartas, Lisboa, Imprensa Nacional, Casa da Moeda, 1970, vol. 3, p. 639.

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de sua ordem, propunha o eficaz meio de transformá-los em aldeia de "índios e gentios

livres" sob a tutela de missionários. Como bem lembra Ronaldo Vainfas, ao analisar este

 parecer de Vieira, tratava-se de dar um "salto da rebelião à missionação" e de transformar 

o quilombo em algo próximo do cenário ideal do projeto colonial da Companhia deJesus, que aliava cristianização e liberdade.160 Esse é, no entanto, apenas um lado da

questão.

Vieira foi bem além disso, ao reconhecer ser impraticável a transformação. Não

 porque o projeto jesuíta era impossível de ser aplicado aos negros, que só poderiam ser 

catequizados se se mantivessem escravos, como afirma Ronaldo Vainfas. A avaliação do

 jesuíta é mais contundente e coloca a equação de modo inequívoco. A hipótese de uma

missão implicava o reconhecimento da liberdade daqueles negros e, com ela, a aceitação

de que a fuga e os mocambos haviam sido meios aceitáveis para que fosse obtida, pois

libertava os que haviam nascidos nos mocambos e também os que haviam fugido. A

conclusão de Vieira é bastante clara, neste sentido. Diz ele que a concessão desta

liberdade

"seria a total destruição do Brasil, porque conhecendo os demais negrosque por este meio tinham conseguido o ficar livres, cada cidade, cadavila, cada lugar, cada engenho, seriam logo outros tantos Palmares,fugindo e passando-se aos matos com todo o seu cabedal, que não é outro

mais que o próprio corpo."

161

Eis os limites do acordo de 1678 e do reduto de Cucaú. Mais que reduzir os

negros levantados que se escondiam nas matas de Pernambuco, seus termos haviam de

certo modo legitimado a fuga e os mocambos como via de acesso à liberdade. Como

resultado, haviam inscrito a possibilidade concreta de muitos Palmares em cada canto

onde houvesse escravos. As ponderações do jesuíta desvendam os limites e os impasses

vividos desde 1678 e indicam os novos rumos dos acontecimentos. O modo de lidar com

os quilombolas e terminar com os mocambos tinham que mudar. Já no final dos anos

1680 estava claro que a guerra era a única alternativa. No início dos anos 1690, a decisão

 parecia ser ainda mais cristalina.

160 R. Vainfas, "Deus contra Palmares", p. 78.161 Carta do padre Antônio Vieira a Roque Monteiro Paim de 2 de julho de 1691. J. L. de Azevedo (coord.),

 Antonio Vieira. Cartas, vol. 3, p. 639.

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PALAVRAS FINAIS

A partir da segunda metade do século XX, Palmares tornou-se um fenômeno

auto-evidente, cujo sentido parece ser inquestionável: foi o maior quilombo da história

do Brasil, o melhor exemplo de resistência contra a escravidão e seu último líder 

constitui um símbolo da luta pela liberdade - para os escravos, para os negros e todos os

oprimidos. Os historiadores tenderam quase sempre a privilegiar seus momentos finais,

quando Zumbi domina a cena, e o enredo da história que narram em tom épico tem

 permanecido fechado em si mesmo, quase sem relação com outros acontecimentos do

século XVII. Nos livros sobre Palmares, os temas e as interpretações se repetem como

 bordões, apresentados conforme a cronologia. As fontes utilizadas - na maior parte das

vezes impressas - são aquelas que explicitamente falam de Palmares.Ao tomar o papel que registrou as negociações entre Gangazumba e o governo de

Pernambuco em 22 de junho de 1678 e as três cartas que, meses depois, Aires de Souza

de Castro enviou a Gangazumba e a Gangazona, procurei inverter essa tendência e

escapar dos bordões. Adotei o procedimento da leitura vagarosa das fontes, que leva em

conta quem as escreveu, em que momento, dirigindo-se a quem, e presta atenção em cada

 palavra. Procurei recuperar a multiplicidade de vozes registrada na documentação

administrativa e pude, assim, iluminar o contexto no qual aqueles quatro textos foram

redigidos. Ao observar sua relação com outros textos produzidos no mesmo período e

com o conjunto de situações relacionadas aos eventos que lhes deram origem, foi

 possível descortinar uma outra história dos mocambos que se desenvolveram na capitania

de Pernambuco no século XVII.

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Essa história não foi contada aqui de modo completo, nem pretendeu ser 

alternativa às interpretações até agora produzidas pela historiografia. Ao contrário.

Realizada como exercício de análise e interpretação, ela permitiu tirar Palmares do

isolamento e lhe conferir historicidade. Seguir a documentação de perto permitiu colher diferentes avaliações das fugas e dos agrupamentos de fugitivos que se instalaram nas

matas de Pernambuco, separar concepções divergentes entre moradores, autoridades

coloniais e metropolitanas, e detectar variações no tempo. Tais desentendimentos, lá e cá,

talvez tenham sido um dos motivos para a enorme dificuldade em "vencer" os Palmares.

Ao mesmo tempo, a leitura dos documentos revelou ainda não ter sido esse o único tema

a preocupar as autoridades coloniais e metropolitanas ou a exigir ações mais efetivas e

urgentes.

As pistas oferecidas pelas fontes permitiram também investigar possibilidades

 para apreender o ponto de vista daqueles homens e mulheres que, majoritariamente

vindos da África Central e depois de serem escravos em Pernambuco, se reuniram como

fugitivos nos palmares da capitania. Como já haviam sugerido Stephen Palmié e Stuart

Schwartz, é bem provável que tenham se inspirados nos kilombos Imbangala para se

agrupar e continuar longe da escravidão.1 As fontes indicam com clareza, porém, que no

final da década de 1670 não se tratava mais de gente desenraizada e sem linhagem, como

nos kilombos africanos da primeira metade do século XVII. Raymond Kent tinha razãoao constatar que em Palmares estava se formando um estado africano independente.2 

É difícil medir a força da destruição empreendida pelas tropas de Fernão Carrilho

- já que contada por textos laudatórios e cartas que relatam aos oficiais metropolitanos os

serviços prestados na capitania de Pernambuco. É possível que Gangazumba tenha

negociado para salvar sua linhagem e seus súditos da destruição completa. Também é

 provável que, como muitos sobas centro-africanos fizeram, ele tenha procurado alianças

 para solidificar seu poder e fazê-lo reconhecido e respeitado por seus "vizinhos". As duas

 possibilidades não são excludentes - e ambas revelam que, nesta outra margem do

1 Vide especialmente Stephen Palmié, "African States in the New World? Remarks on the Tradition of Transatlantic Resistance" in: Thomas Bremer e Ulrich Fleischmann (eds.),  Alternative cultures in the

Caribbean.  First International Conference of the Society of Caribbean Research, Berlin 1988 Frankfurt,Vervuert, 1993, pp. 55-67; e Stuart B. Schwartz, "Repensando Palmares: resistência escrava na colônia"in: Escravos, roceiros e rebeldes. (trad.) Bauru, Edusc, 2001, pp. 213-255.

2 Raymond K. Kent, "Palmares: An African State in Brazil" Journal of African History, 6: 2 (1965): 174.

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John Thornton3 e procurei encontrar nas fontes, e no contexto social e institucional em

que foram produzidas, pistas para avaliar as condições de diálogo entre aqueles homens

tão diversos e desiguais.

Se em 1678 Gangazumba conseguiu negociar para defender ou estabilizar o reinodos Palmares, Aires de Souza de Castro e muitos conselheiros do Ultramarino viram ali,

além de uma alternativa à guerra, a possibilidade de implementar, mais uma vez, a

 política praticada em relação aos índios, obrigando-os a descer e se instalar em aldeias,

sob a tutela de missionários. O padre Antônio Vieira apontou com sagacidade os limites

da aplicação dessa política para os mocambos - e mostrou como ela era inviável para a

continuidade das relações escravistas na América portuguesa.4 A sintaxe política centro-

africana - tanto do ponto de vista das autoridades coloniais quanto de Gangazumba e sua

gente - não pôde ser praticada da mesma forma desse lado do Atlântico.

Por tudo isso, não creio que as questões levantadas por essa tese possam ser 

enquadradas como parte do aprendizado da colonização, para retomar a expressão de

Luís Felipe Alencastro. Ainda que em seu livro ele, assim como outros autores, procure

analisar os vários caminhos que os conquistadores ibéricos adotaram "para se assegurar o

controle dos nativos e do excedente econômico das conquistas",5 sua análise acabou

 pendendo mais para a lógica da acumulação e da circulação de riquezas no Atlântico

 português. É natural para quem está preocupado com os mecanismos do tráfico negreiro.Para a história social, no entanto, além dos mecanismos da exploração e da dominação

que regem o sistema colonial, é necessário prestar atenção nas relações de dominação

que se estabelecem entre os homens, nas sociedades coloniais. Afinal, o domínio da

metrópole sobre suas colônias não foi o único a florescer nos quadros da colonização.

O estudo realizado aqui permite verificar que houve uma experiência política que

se acumulou nas várias margens do Atlântico ocupadas pelos portugueses; de modos

diversos e por caminhos variados, ela cruzou os mares. O acúmulo de experiência não foi

 privilégio dos europeus. Os centro-africanos possuíam uma sintaxe política que informou

3 John Thornton, "Early Kongo-Portuguese relations: a new interpretation"  History in Africa, 8 (1981):183-204.

4 Carta do padre Antônio Vieira a Roque Monteiro Paim de 2 de julho de 1691. João Lúcio de Azevedo(coord.), Antonio Vieira. Cartas, Lisboa, Imprensa Nacional, Casa da Moeda, 1970, vol. 3, p. 636-640.

5 Luís Felipe de Alencastro, O trato dos viventes. Formação do Brasil no Atlântico sul. São Paulo,Companhia das Letras, 2000, p. 11.

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o modo como lidaram com os portugueses e outros europeus que se fizeram presentes na

África e foi aprimorada no contato com eles. Os homens e mulheres vindos de Angola

 para o Brasil - e para Pernambuco - trouxeram consigo essa cultura política e a

empregaram no Novo Mundo, para sobreviver como escravos, fugir e viver nos palmares.

 No parecer que redigiu sobre uma nova possibilidade de negociação em 1691,

Vieira deixou subentendido que a escolha da política a ser adotada em relação aos

"rebelados e cativos" envolvia também uma questão jurídica importante, que separava a

índios e negros. No caso dos índios, foi possível reconhecer sua liberdade natural e

adotar uma política missioneira em relação a eles. No caso dos escravos negros, a

liberdade só podia ser aquela doada pelo senhor - a alforria. No entanto, as palavras

utilizadas por Aires de Souza de Castro ao redigir o papel que selou o acordo em junho

de 1678, as discussões no Conselho Ultramarino e o lento pronunciamento régio com

relação ao que fazer diante do que se passava em Pernambuco indicam que o tema era

dos mais candentes e ia bem além do contraponto entre liberdade para os índios e a

escravidão para os negros.6 O que o exame das fontes revela é que o debate sobre ambos

- liberdade e escravidão - se colocava tanto em relação a índios quanto a negros e não se

fazia apenas entre letrados, padres e juristas. Dele participaram muitos outros sujeitos,

social e politicamente diferentes, no Kongo, no Ndongo, no Brasil, no Maranhão e emPortugal. As ações e escolhas feitas pelos negros dos Palmares foram parte importante

desse debate, que se desenrolou nas matas de Pernambuco, nas câmaras da capitania, no

governo geral do Brasil, no Conselho Ultramarino e em outros lugares da administração

colonial - para ficar apenas no circuito estudado aqui.

Cucaú parece ter constituído um caminho alternativo de muitas maneiras. Talvez

tenha sido, para muitos dos habitantes de Palmares, uma forma de obter liberdade, terra

 para trabalhar e segurança para sobreviver e crescer. Por isso mesmo, o reduto de homens

e mulheres que haviam conquistado a liberdade depois de tantas guerras não só

representava uma ameaça para os senhores de engenho pernambucanos, como gerou

muitas polêmicas em Lisboa. Podia ser, como indicam as observações de Vieira, uma

6 Apenas para citar um exemplo bem engendrado dessa formulação, vide L. F. Alencastro, O trato dos

viventes, pp. 67, 86-88 e 181-187.

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esperança para os escravos. Como um  sobado ou como uma aldeia, foi aceito e

reconhecido pelas autoridades coloniais em Pernambuco e em Lisboa.

Sua existência e sua derrota, assim como a continuidade das guerras contra

Zumbi, levaram a alterações da política senhorial em relação ao controle das fugas a partir do século XVIII: ao regulamentar o cargo de capitão-do-mato e colocá-lo sob

alçada das câmaras, as autoridades visavam impedir a todo o custo a formação de novos

reinos como Palmares.7 É na relação conflituosa e tensa entre diferentes perspectivas

 políticas que podemos encontrar a resposta para a inexistência de mocambos tão

longevos e extensos nos dois séculos seguintes - e não em relações sistêmicas que

acabam por transformar a história num jogo lógico, em que a ação dos homens cede lugar 

a forças abstratas e genéricas.8 

O percurso realizado pela tese permitiu ainda realizar um diálogo com a literatura

sobre a experiência dos africanos nas Américas, como escravos e como fugitivos. Não

vou retomar aqui o que já foi dito. Acrescento apenas algumas observações finais - agora

em relação a um hábito historiográfico que eu e meus colegas temos reiterado ao tratar 

das fugas de escravos e das comunidades a que elas deram origem.

Stuart Schwartz já havia observado que no termo quilombo estaria codificada

uma história não escrita, que permitiria compreender melhor Palmares e também a

história subseqüente da resistência escrava no Brasil.9 Explorei várias dimensões dahipótese levantada por ele e Stephen Palmié sobre os nexos entre a instituição dos

Imbangala e a forma da organização dos mocambos em Palmares. Apoiada pelas

contribuições de Igor Kopytoff, observei que o kilombo não era uma instituição separada

da sintaxe política centro-africana. Como vimos, ele serviu aos Imbangala como

instrumento de coesão, ao reunir gente desenraizada e sem ancestrais comuns em uma

formação militar específica de grande importância na sintaxe das guerras angolanas. E se

transformou ao longo do século XVII: os Imbangala não só se aliaram aos portugueses, e

7 Avanço, assim, mais um argumento às teses que desenvolvi em artigo anterior. Cf. Silvia Hunold Lara,"Do singular ao plural: Palmares, capitães-do-mato e o governo dos escravos" in João José Reis e Fláviodos Santos Gomes (orgs.), Liberdade por um Fio. São Paulo, Companhia das Letras, 1996, pp. 91-92.

8 A pergunta sobre a inexistência de outros Palmares na história do Brasil foi feita por Rafael de Bivar Marquese, "A dinâmica da escravidão no Brasil. Resistência, tráfico negreiro e alforrias, séculos XVII eXVIII". Novos Estudos Cebrap, 74 (2006): 107-123.

9 Stuart B. Schwartz, "Repensando Palmares", p. 249.

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aos reis e sobas centro-africanos, como também se uniram a forças políticas baseadas nas

linhagens, como no caso de Njinga, e o kilombo muitas vezes passou a designar a capital

de estados fortes, como no caso de Matamba e Kasanje.

Assim, se o kilombo pôde servir de modelo político e militar para os escravoscentro-africanos que fugiam para as matas de Pernambuco, com todas as adaptações e

diferenças, como lembrou Stuart Schwartz, os estados apoiados nas linhagens também

fizeram parte dessa história. Ambos, de certo modo, faziam parte dos mecanismos de

expansão das fronteiras na África. Por isso, mais que a presença de uma única instituição,

creio ter sido uma forma de articular  kilombo e estados linhageiros - ou uma cultura

 política centro-africana - que informou e se fez presente em vários momentos e aspectos

da história de Palmares.

Em segundo lugar, não se pode desconsiderar a cronologia e o modo como as

informações foram registradas. Schwartz notou que foi apenas a partir de 1691 que a

 palavra quilombo aparece na documentação referente a Palmares, e que o termo se

generalizou no século XVIII, ao designar qualquer comunidade de escravos fugitivos. De

fato. Mas é preciso observar que a palavra quilombo aparece em bem poucos, todos eles

relativos à contratação de Domingos Jorge Velho para "conquistar, destruir e extinguir 

totalmente os negros levantados dos Palmares". O termo foi empregado na primeira

versão desse contrato, assinado em 1687, e em documentos posteriores ligados a suaimplementação, em 1691 e 1692.10 Ele foi usado também em um requerimento escrito

 por Domingos Jorge Velho, depois de novembro de 1695, em que ele pedia ao rei que

fossem distribuídas as terras prometidas pela destruição dos Palmares.11 Foi nesse

contexto, aliás, que ele ponderou que, mesmo depois de Zumbi ter sido morto, "azinha se

formar[ia] outro civil novo, neste Barriga ou em qualquer outra paragem tão apta como

10 Capítulos e condições que concede o senhor governador João da Cunha Souto Maior ao coronelDomingos Jorge Velho, em e de março de 1687; Ratificação dos capítulos pelo marquês de Montebelo,em 3 de dezembro de 1691; Alvará de confirmação de 9 de Abril de 1693. Os documentos estão

 publicados por  Ernesto Ennes, As guerras nos Palmares: subsídios para a sua história. São Paulo, Cia.Ed. Nacional, 1938,  pp. 84-87 (doc.28) e 238-241 (doc. 34). É provável que Schwartz tenha consideradoa data da ratificação do contrato pelo marquês de Montebelo para datar o aparecimento da palavraquilombo na documentação.

11 Requerimento do mestre de campo Domingos Jorge Velho ao rei, [posterior a 20 de novembro de 1695].E. Ennes, As guerras nos Palmares, pp. 316-344 (doc. 54). 

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esta," e que sem os paulistas ali instalados "pode haver outra vez Angola  janga, Angola

 pequena, como eles [os negros o] chamavam" - expressão que se tornou tão afamada.

Em toda a documentação administrativa produzida até então, para o caso de

Pernambuco e de outras capitanias do Brasil, os povoados formados pelos fugitivosforam chamados mocambos - e também de aldeias, cidades, cercas e palmares. As

 palavras não aparecem ou desaparecem, nem mudam de significado à toa. Em São Tomé

no início do século XVI, por exemplo, o termo era usado para nomear aquele que

incentivava as fugas e os ataques às fazendas; ali, aos poucos, a designação passou a

referenciar motins e revoltas de escravos em geral.12 No Brasil, mesmo depois de 1687

ou 1691, mocambo continuou a ser a palavra mais usada, até as primeiras décadas do

século XVIII, quando quilombo passou a ter uma definição legal: qualquer agrupamento

de mais de quatro ou cinco negros refugiados nos matos, com ranchos e pilões. 13 Essa

definição foi elaborada ao mesmo tempo em que o ofício de capitão-do-mato foi

regulamentado e seu provimento atribuído às câmaras municipais.14 Isso não significa

que o significado da palavra quilombo tenha permanecido estático. Ele variou bastante -

e não só no Brasil. Jan Vansina observa que, embora tenha sido descrito por gente que

viveu entre os Imbangala entre 1601-1603, o termo quilombo só apareceu na

documentação portuguesa referente a Angola a partir de 1617-22, quando os

governadores começaram a fazer alianças com o Imbangala. Nessas fontes a palavra foimuitas vezes empregada como sinônimo de "povoação" e "bando de jagas".15 

Há, sem dúvida, uma história dessas palavras e de seus significados sociais e

 políticos que ainda está por ser feita - e que apenas começa pela etimologia. Essas

observações levam a uma outra questão correlata, que diz respeito à historiografia. Do

mesmo modo que um enredo narrativo sobre Palmares se fixou, também o termo

quilombo se transformou em um conceito com características universais e abstratas - e

tomou conta da descrição da história dos mocambos que se formaram no Brasil - e

especialmente nos palmares de Pernambuco. Qualificado com um (ou vários)

12 Catarina Madeira Santos, "A formação das estruturas fundiárias e a territorialização das tensões sociais:São Tomé, primeira metade do século XVI" Stvdia, 54/55 (1996): 81.

13 S. H. Lara, "Do singular ao plural", pp. 91-92.14 S. H. Lara, "Do singular ao plural", pp. 93-98.15 Jan Vansina, "Quilombos on São Tomé, or in search of original sources"  History in Africa, 23 (1996):

453-454.

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quilombo(s), Palmares acabou por perder sua historicidade: tornou-se exemplo de um

mesmo fenômeno observável em várias regiões e períodos, produzido por escravos de

diferentes procedências, em contextos demográficos, sociais e políticos os mais diversos.

Sebastião da Rocha Pita e Domingos Loreto Couto, os primeiros historiadores aose referirem a Palmares, em livros que foram publicados em 1730 e 1757, não utilizam a

 palavra quilombo.16 Quando os mocambos formados por negros levantados que viviam

nos palmares de Pernambuco se tornaram um quilombo? Em que circunstâncias isso

aconteceu? Eis uma outra história que está por ser feita. O fato de Domingos Jorge Velho

ter usado a palavra para designá-los, em um contexto específico, não constitui credencial

suficiente para que ela possa dar conta de toda a história de Palmares.

Raphael Bluteau, em seu Vocabulário não registrou a palavra quilombo, mas

indicou que "no Brasil chamam às aldeias de uns negros repartidos em choupanas,

mocambos, donde tomou este sítio o nome". E acrescentou: "são no sertão do Brasil uns

negros levantados, a que chamam Negros dos Palmares, [que] deram este nome às

aldeias que eles habitam".17 Ou seja: no início do século XVIII, os negros dos palmares

(dos Palmares?) construíam e habitavam mocambos.

A força política da linhagem governante dos Palmares e de seus mocambos não

foi reconhecida apenas pelas autoridades coloniais, em 1678. Ela continua a ser 

reafirmada até hoje - por todos nós. Afinal, os nomes africanos de seus principaistitulares e suas relações de parentesco atravessaram os séculos e são por eles - e não

 pelos nomes cristãos que algum dia, como escravos, tiveram - que sabemos de sua

existência. Isso não confere um sentido especial para querer conhecer aqueles homens e

mulheres e sua história em seus próprios termos?

16 Sebastião da Rocha Pita, História da América Portuguesa [1730], São Paulo, EDUSP/Itatiaia, 1976, pp.213-219; e Domingos Loreto Couto, Desagravos do Brasil e górias de Pernambuco [1757]  ABN , 25(1904): 187-194.

17 Raphael Bluteau, Vocabulário portuguez e latino. Coimbra, Collegio das Artes da Companhia de Jesus,1712. (Ed. fac-simile, CD-Rom, Rio de Janeiro, UERJ, s.d.), verbete "mocambo".

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ANEXOS

Anexo 1 - Papel que escreveu ao principal dos negros dos Palmares sobre as pazes

que determinavam fazer, em 22 de junho de 1687.1 

Aires de Souza Castro [sic], governador da capitania de Pernambuco e das mais

anexas por Sua Alteza, etc. Em nome do príncipe de Portugal, meu e vosso senhor, vos

remeto a vós Gangazumba2

o bem da liberdade, e perdão de viverdes há tantos anos fora

da nossa obediência. E por mandardes todos nossos [sic] filhos e família a lançar a meus

 pés a pedir perdão da obediência a que até agora faltastes, vos concedo o que por este

 papel vos prometo, no que não haverá a menor dúvida, tendo por mui firme que também

da vossa parte vós não faltareis ao que vossos filhos me vieram pedir e segurar. E como

vós nisto tudo sois os mais interessados, parece que permitiu Deus dar-vos esta Luz para

ser meio da vossa salvação, e terdes entre nós tantos interesses como vos concedo, e as

mais utilidades que os vossos filhos experimentaram e vós de de [sic] hoje em diante

achareis da mesma maneira, advertindo-vos que se com efeito não derdes cumprimento

ao que me mandais oferecer no tempo assinalado deste papel que vos hei de mandar 

fazer a guerra pelas tropas que [fl.334v] já tenho juntas, de maneira que nenhum de vós

outros há de escapar, nem ter quartel, porque bem viram vossos filhos o poder que o

Príncipe meu senhor mandou nesta ocasião em minha companhia para vos ir acabar, e

derrotar de todo.

Vossos filhos e família me prometeram em vosso nome que todos os negros

desses Palmares e os mais potentados deles vinham nesta Paz, e que vós os obrigareis a

fazê-la no caso que algum não quisesse, e que prometíeis entregar todos os negros que

destas capitanias haviam fugido para esses Palmares.

1  Disposições dos governadores de Pernambuco, vol. 1 (1648-1696), fls. 334-334v, n. 6. AUC, ColeçãoConde dos Arcos, VI - 3ª - I - 1 - 31. O título do documento é o que consta do índice desse códice. Na

transcrição desse e dos demais documentos dos anexos atualizei a grafia das palavras, incluindo os

nomes próprios, desdobrei as abreviaturas e suprimi algumas vírgulas, para facilitar a leitura.2 Ganazumbà, no original. No caso de Gangazumba e no de Zumbi, adoto os nomes mais próximos dos

fixados pela bibliografia. Como já observei, está em andamento um estudo mais detalhado sobre a

variação no registro dos nomes palmarinos na documentação administrativa e na própria historiografia.

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Também me pediram para morarem, e fazerem suas aldeias, o sítio a que chamam

Cucaú3, e por vos fazer a vontade, vos concedo a dita paragem, e delas vos faço mercê,

ficando vós outros moradores nela com vossa liberdade para podereis plantar os vossos

frutos, e terdes os mesmos lucros que têm os mais vassalos de S. A. que Deus guardesem vos obrigarem por força a nenhum trabalho particular, salvo se for para o serviço do

dito senhor.

Todos vós outros os que fostes nascidos nesses Palmares vos concedo alforria, e

ainda alguns filhos, e mulheres que cá estavam cativos para irem para o Reino vo-los hei

de tornar a mandar restituir, e a vossa mulher, e filhos, e porque o negro Amaro que lá se

acha terá receio de vir por ser cativo nosso, lhe dou a mesma alforria, sem embargo de

ser mais culpado de todos, e ao outro que chamam João Mulato concedo o mesmo, e

quando alguns se não queiram submeter a esta obediência me avisareis logo pelos

enviados que vos mando para lhe mandar fazer a guerra como acima vos tenho

declarado, e para que vos vejais a estimação que nós fazemos da gente preta que obra

debaixo da nossa obediência, vos mando esses dois, um sargento-maior e outro capitão

de infantaria, soldados mui honrados e mui antigos, porque como vos sabem a língua,

melhor vos explicarão as vossas conveniências, e a firmeza de todo este papel, com que

não tenho mais que vos dizer. E vos fico esperando para vos fazer as honras que fiz a

vossos filhos, e espero na Graça de Deus, e na sua divina Misericórdia que a vós, e a

todos há de tocar dela, para que também venhais lograr esta dita. E na vossa cidade se

vos hão de dar padres para vos ensinarem a doutrina cristã para viveres e morreres pela fé

de Cristo que é só o verdadeiro Deus. Ele vos guarde muitos anos. Recife de

Pernambuco, 22 de junho de 1687.

Anexo 2 - Carta de Aires de Souza de Castro a Gangazumba sobre a vinda dosnegros dos Palmares, de 24 de julho de 1678.

4

Gangazumba. Recebi vossa carta em companhia de vossos capitães, e soldados

que tudo estimei muito por ver que Deus é tanto vosso amigo, que no cabo de viverdes

tantos anos arredado da Luz da fé vos dá este caminho para vossa salvação, e para

3 Cucahû, no original.4  Disposições dos governadores de Pernambuco, vol. 1 (1648-1696), fls. 336v, n. 13. AUC, Coleção

Conde dos Arcos, VI - 3ª - I - 1 - 31. O título do documento é o que consta do índice do códice.

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Anexo 3 - Carta de Aires de Souza de Castro a Gangazumba sobre a sua chegada a

Cucaú, de 12 de novembro de 1678.6

Gangazumba amigo. Sempre estive firme na vossa palavra, e com a vossa vinda

se acabou de justificar melhor, nem era possível que [d]isto tivesse dúvida, pois acheis

em mim tanta vontade de vos fazer mercê. E tantas conveniências quantas [?] havias de

lograr na nossa companhia, e toda a vossa gente como vós poderá [...] [a todos?] aqueles

que têm vindo a esta casa, e assim vos dou as boas vindas de terdes já chegado. E [...] o

gosto com que o esperava, pois vos tinha há tantos [fl. 337v] dias farinha e gente no

Cucaú para vos agasalharem. E só fiquei sentido de não achardes vosso filho vivo, mas

sabei que teve uma morte, de todos os brancos invejada, de que podeis ter muita

consolação porque morreu como filho da igreja. Com que podemos crer que está no céu,

 já lá tendes padres convosco para vos ensinar a doutrina, a vós, e a toda a vossa gente, e

vos dizerem missa, e tudo o mais que for necessário. Eu hei de ser vosso procurador, já

que vós quisestes no meu tempo conhecer como éreis obrigado ao príncipe de Portugal,

meu, e vosso senhor que só debaixo dessa obediência vos poderá Deus ajudar. E vos

guarde como desejo. Recife, 12 de novembro d 1678. Aires de Souza de Castro.

Anexo 4 - Carta de Aires de Souza de Castro a Gangazona sobre a sua vinda, de 12

de novembro de 1678.7

Gangasona8

amigo. Uma carta vossa tive os tempos atrás, e hoje me veio outra de

Antonio Pinto em que me diz que já vindes posto em marcha com muita parte da vossa

gente, e que a mais que fica há de vir com aviso vosso em companhia [?] do Zambim,

segurando-me que nenhuma há de ficar, assim o fio da vossa palavra, e tenho muita fé

nela, e quis Deus abrir-vos os olhos da cegueira em que vivia para virdes viver em nossa

companhia com tanta conveniência, e descanso e conhecer a luz da fé que é o caminho da

salvação o mais importante, e assim vos confirmo a palavra que vos dou em nome do

Príncipe de Portugal, meu e vosso senhor, para que vivendo vós debaixo da sua

obediência logreis os mesmos privilégios que logram os mais vassalos seus como

6  Disposições dos governadores de Pernambuco, vol. 1 (1648-1696), fls. 337-337v, n. 15. AUC, Coleção

Conde dos Arcos, VI - 3ª - I - 1 - 31. O título do documento é o que consta do índice do códice.7  Disposições dos governadores de Pernambuco, vol. 1 (1648-1696), fls. 337v, n. 16. AUC, Coleção

Conde dos Arcos, VI - 3ª - I - 1 - 31. O título do documento é o que consta do índice do códice.8 Ganasona, no original.

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[as]segurei a vosso irmão pelas condições que em um papel lhe mandei declarar, e os

vossos parentes, e mais gente que já nesta casa, e terra estiveram vo-lo terão assegurado,

 pois viram o [...] com que foram tratados. E o mesmo haveis vós de experimentar, pois

vossa mulher e filhos e alguns que estavam para ir para o Reino, não quis mandar só por vo-los entregar, e vos agradecer a vontade com que vindes no tempo do meu governo dar 

esta obediência. Deus vos guarde muitos anos. Recife, 12 de novembro de 1678. Aires de

Souza de Castro.

Anexo 5 - Cópia do papel que levaram os negros dos Palmares.9

Cópia do papel que levaram os negros dos Palmares

Aires de Souza de Castro Governador da Capitania de Pernambuco e das mais anexas por 

S. A. que Deus guarde.

Em nome do Príncipe de Portugal meu e vosso senhor vos remeto a vós

Gangazumba10

o bem da liberdade e perdão de [ileg - carimbo do AHU] há tantos anos

fora da nossa obediência, e por mandardes todos vossos filhos e família a lançar a meus

 pés e pedir perdão da obediência a que até agora faltastes vos concedo o que por este

 papel vos prometo, no que não haverá a menor dúvida, tendo por mui firme que também

da vossa parte vós não faltareis ao que vossos filhos me vieram pedir, e segurar, e como

vos nisto tudo sois os mais interessados, parece que permitiu Deus dar-vos esta luz para

ser meio da vossa salvação, e terdes entre nós tantos interesses como vos concedo, e as

mais utilidades que vossos filhos experimentaram e vós de hoje em diante achareis da

mesma maneira, advertindo-vos que se com efeito não derdes comprimento ao que me

mandais oferecer no tempo assinalado deste papel que vos hei de mandar fazer a guerra

 pelas tropas que já tenho juntas, de maneira que nenhum de vós outros há de escapar nem

ter quartel porque bem viram vossos filhos o poder que o Príncipe meu Senhor mandou

nesta ocasião em minha companhia para vos ir acabar de derrotar de todo.

Vossos filhos e família me prometeram em vosso nome que todos os negros

desses palmares, e os mais potentados deles vinham nesta paz, e que vós os obrigaríeis

9 Documento anexo à carta do governador Aires de Souza de Castro de 22 de junho de 1678

AHU_ACL_CU_015, Cx. 11, D. 1116.10 Gana zumba, no original.

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no caso que algum não quisesse fazê-la, e que prometíeis entregar todos os negros que

destas capitanias haviam fugido para esses Palmares.

Também me pediram para morarem e fazerem suas aldeias o sítio a que chamam

Cucaú

11

, e por vos fazer a vontade vos concedo a dita paragem e dela vos faço mercêficando vós outros moradores nela com vossa liberdade para poderdes plantar os vossos

frutos e terdes os mesmos lucros que têm os mais vassalos de S. A. que Deus guarde sem

vos obrigarem por força a nenhum trabalho particular salvo se for para o serviço do dito

senhor.

Todos vós outros os que fostes nascidos nesses palmares vos concedo alforria, e

ainda alguns filhos e mulheres que cá estavam cativos para irem para o Reino vo-los hei

de tornar a mandar [verso] restituir, e a vossa mulher e filhos, e porque o negro Amaro

que lá se acha terá receio por ser cativo nosso de vir, lhe dou a mesma alforria sem

embargo de ser mais culpado que todos, e ao outro a que chamam João Mulato concedo o

mesmo, e quando alguns se não queiram submeter a esta obediência, me avisareis logo

 pelos enviados que vos mando para lhe mandar fazer a guerra como acima vos tenho

declarado. E para que vós vejais a estimação que nós fazemos da gente preta que obra

debaixo da nossa obediência vos mando esses dois um sargento maior e outro capitão de

infantaria soldados mui honrados e mui antigos porque como vos sabem a língua melhor 

vos explicarão as vossas conveniências, E a firmeza de todo este papel, com que não

tenho mais que vos dizer, e vos fico esperando para vos fazer as honras que fiz a vossos

filhos, os quais ganharam tanto nesta vinda que cá vieram fazer que já vão batizados pela

graça de Deus e espero em sua divina misericórdia que a vós e a todos há de tocar dela

 para que também venhais lograr esta dita, e na vossa cidade se vos hão de dar padres para

vos ensinarem a doutrina cristã para viverdes e morrer pela fé de Cristo que é só o

verdadeiro Deus. Ele vos guarde muitos anos Recife de Pernambuco. 22 de junho de

1678.

E por estes enviados me mandareis dentro de trinta dias a resolução do conteúdo

em todo neste papel. E se estais por ele e vos dou outros trinta para lhe dar cumprimento

e execução como neste se contém.

Aires de Souza de Castro.

11 Cucau, no original.

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  243

Anexo 6 - Quadro comparativo dos documentos transcritos nos anexos 1 e 5.

Anexo 1 

AUC, CA, VI - 3ª - I - 1 - 31, fls. 334-334v

Anexo 5

AHU_ACL_CU_015, Cx. 11, D. 1116

Aires de Souza Castro, governador da capitania

de Pernambuco e das mais anexas por Sua

Alteza, etc.

Em nome do príncipe de Portugal, meu

e vosso senhor, vos remeto a vós Gangazumba

o bem da liberdade, e perdão de viverdes há

tantos anos fora da nossa obediência. E por 

mandardes todos nossos filhos e família a

lançar a meus pés a pedir perdão da obediência

a que até agora faltastes, vos concedo o que por 

este papel vos prometo, no que não haverá a

menor dúvida, tendo por mui firme que

também da vossa parte vós não faltareis ao que

vossos filhos me vieram pedir e segurar. E

como vós nisto tudo sois os mais interessados,

 parece que permitiu Deus dar-vos esta luz para

ser meio da vossa salvação, e terdes entre nós

tantos interesses como vos concedo, e as mais

utilidades que os vossos filhos experimentaram

e vós de de hoje em diante achareis da mesmamaneira, advertindo-vos que se com efeito não

derdes cumprimento ao que me mandais

oferecer no tempo assinalado deste papel que

vos hei de mandar fazer a guerra pelas tropas

que já tenho juntas, de maneira que nenhum de

vós outros há de escapar , nem ter quartel, 

 porque bem viram vossos filhos o poder que o

Príncipe meu senhor mandou nesta ocasião em

minha companhia para vos ir acabar , e derrotar 

de todo.

Vossos filhos e família me prometeram

em vosso nome que todos os negros dessesPalmares e os mais apotentados deles vinham

nesta Paz, e que vós os obrigaríeis a fazê-la no

caso que algum não quisesse, e que prometíeis

entregar todos os negros que destas capitanias

haviam fugido para esses Palmares.

Também me pediram para morarem, e

fazerem suas aldeias, o sítio a que chamam

Cópia do papel que levaram os negros dos

Palmares

Aires de Souza de Castro Governador da

Capitania de Pernambuco e das mais anexas

 por S. A. que Deus guarde.

Em nome do Príncipe de Portugal meu

e vosso senhor vos remeto a vós Gangazumba

o bem da liberdade e perdão de [viverdes] há

tantos anos fora da nossa obediência, e por 

mandardes todos vossos filhos e família a

lançar a meus pés e pedir perdão da obediência

a que até agora faltastes vos concedo o que por 

este papel vos prometo, no que não haverá a

menor dúvida, tendo por mui firme que

também da vossa parte vós não faltareis ao que

vossos filhos me vieram pedir, e segurar, e

como vos nisto tudo sois os mais interessados,

 parece que permitiu Deus dar-vos esta luz para

ser meio da vossa salvação, e terdes entre nós

tantos interesses como vos concedo, e as mais

utilidades que vossos filhos experimentaram e

vós de hoje em diante achareis da mesmamaneira, advertindo-vos que se com efeito não

derdes comprimento ao que me mandais

oferecer no tempo assinalado deste papel que

vos hei de mandar fazer a guerra pelas tropas

que já tenho juntas, de maneira que nenhum de

vós outros há de escapar nem ter quartel

 porque bem viram vossos filhos o poder que o

Príncipe meu Senhor mandou nesta ocasião em

minha companhia para vos ir acabar  de 

derrotar de todo.

Vossos filhos e família me prometeram

em vosso nome que todos os negros desses palmares, e os mais apotentados deles vinham

nesta paz, e que vós os obrigaríeis no caso que

algum não quisesse fazê-la, e que prometíeis

entregar todos os negros que destas capitanias

haviam fugido para esses Palmares

Também me pediram para morarem e

fazerem suas aldeias o sítio a que chamam

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Cucaú, e por vos fazer a vontade, vos concedo

a dita paragem, e delas vos faço mercê, ficando

vós outros moradores nela com vossa liberdade

 para podereis plantar os vossos frutos, e terdes

os mesmos lucros que têm os mais vassalos de

S. A. que Deus guarde sem vos obrigarem por força a nenhum trabalho particular, salvo se for 

 para o serviço do dito senhor.

Todos vós outros os que fostes

nascidos nesses Palmares vos concedo alforria,

e ainda alguns filhos, e mulheres que cá

estavam cativos para irem para o Reino vo-los

hei de tornar a mandar restituir, e a vossa

mulher , e filhos, e porque o negro Amaro que

lá se acha terá receio de vir por ser cativo

nosso, lhe dou a mesma alforria, sem embargo

de ser mais culpado de todos, e ao outro que

chamam João Mulato concedo o mesmo, equando alguns se não queiram submeter a esta

obediência me avisareis logo pelos enviados

que vos mando para lhe mandar fazer a guerra

como acima vos tenho declarado, e para que

vos vejais a estimação que nós fazemos da

gente preta que obra debaixo da nossa

obediência, vos mando esses dois, um

sargento-maior e outro capitão de infantaria, 

soldados mui honrados e mui antigos, porque

como vos sabem a língua, melhor vos

explicarão as vossas conveniências, e a firmeza

de todo este papel, com que não tenho maisque vos dizer. E vos fico esperando para vos

fazer as honras que fiz a vossos filhos, e espero

na Graça de Deus, e na sua divina Misericórdia

que a vós, e a todos há de tocar dela, para que

também venhais lograr esta dita. E na vossa

cidade se vos hão de dar padres para vos

ensinarem a doutrina cristã para viveres e

morreres pela fé de Cristo que é só o

verdadeiro Deus. Ele vos guarde muitos anos.

Recife de Pernambuco, 22 de junho de 1687.

Cucau, e por vos fazer a vontade vos concedo a

dita paragem e dela vos faço mercê ficando vós

outros moradores nela com vossa liberdade

 para poderdes plantar os vossos frutos e terdes

os mesmos lucros que têm os mais vassalos de

S. A. que Deus guarde sem vos obrigarem por força a nenhum trabalho particular salvo se for 

 para o serviço do dito senhor.

Todos vós outros os que fostes

nascidos nesses palmares vos concedo alforria,

e ainda alguns filhos e mulheres que cá

estavam cativos para irem para o Reino vo-los

hei de tornar a mandar restituir, e a vossa

mulher e filhos, e porque o negro Amaro que lá

se acha terá receio por ser cativo nosso de vir,

lhe dou a mesma alforria sem embargo de ser 

mais culpado que todos, e ao outro a que

chamam João Mulato concedo o mesmo, equando alguns se não queiram submeter a esta

obediência, me avisareis logo pelos enviados

que vos mando para lhe mandar fazer a guerra

como acima vos tenho declarado. E para que

vós vejais a estimação que nós fazemos da

gente preta que obra debaixo da nossa

obediência vos mando esses dois um sargento

maior e outro capitão de infantaria soldados

mui honrados e mui antigos porque como vos

sabem a língua melhor vos explicarão as

vossas conveniências, e a firmeza de todo este

 papel, com que não tenho mais que vos dizer, evos fico esperando para vos fazer as honras que

fiz a vossos filhos, os quais ganharam tanto

nesta vinda que cá vieram fazer que já vão

batizados pela graça de Deus e espero em 

sua divina misericórdia que a vós e a todos há

de tocar dela para que também venhais lograr 

esta dita, e na vossa cidade se vos hão de dar 

 padres para vos ensinarem a doutrina cristã

 para viverdes e morrer pela fé de Cristo que é

só o verdadeiro Deus. Ele vos guarde muitos

anos Recife de Pernambuco. 22 de junho de

1678.

E por estes enviados me mandareis

dentro de trinta dias a resolução do

conteúdo em todo neste papel. E se estais

por ele e vos dou outros trinta para lhe dar

cumprimento e execução como neste se

contém.

Aires de Souza de Castro.

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  247

 

FONTES E BIBLIOGRAFIA

1. Fontes

Fontes manuscritas

Academia das Ciências de Lisboa (ACL)Documentos e notícias referentes a Pernambuco. Manuscritos Azuis, 95.Papéis Vários, Manuscritos Azuis, 380

Arquivo da Universidade de Coimbra (AUC)

Coleção Conde dos Arcos

Disposições dos governadores de Pernambuco (1648-1696), - cota IV, 3ª-I-1-31Ordens reaez para o governo de Pernambuco, t.1 - cota VI- 3ª - I - 1 - 33Bahia. Anno de 1642 the 1676 [vol. 1], cota: VI - 3ª - I - 1 - 5Ordens reaez para o governo de Pernambuco, t. 1 - cota VI- 3ª - I - 1 - 33

Ordens reaez para o governo de Pernambuco, t. 2 - cota VI- 3ª - I - 1 - 34Arquivo Histórico do Rio Grande do Sul

Arquivo particular Décio Freitas - caixa única

Arquivo Histórico Ultramarino (AHU)

Códices (Projeto Resgate )Projeto Resgate de Documentação Histórica Barão do Rio Branco. Códices I. Rio

de Janeiro : M.I. Montreal Informa      tica, [1998?]. 26 Cds.Livro de registro de consultas mistas, do Conselho Ultramarino, 1670-

1684 (AHU_ACL_CU_Consultas Mistas, Cod. 17)Livro de registro de consultas do serviço real, do Conselho da Fazenda,

1640-1643 (AHU_ACL_CU_Consultas Serviço Real, Cod. 30)Livro de registro de cartas régias, provisões e outras ordens para

Pernambuco, do Conselho Ultramarino(AHU_ACL_CU_Consultas de Pernambuco, Cod. 265)

Livro de registro de consultas de partes, do Conselho Ultramarino, 1676 – 1683 (AHU_ACL_CU_Consultas de Partes, Cod. 48)

 Avulsos 

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Pernambuco, caixas 1 a 18 (numeração antiga)

Angola: caixas 1 a 15

Arquivo Nacional da Torre do Tombo (ANTT) 

 Registro Geral de Mercês, Chancelarias de D. Afonso VI e D. Pedro II Manuscritos da Livraria - Assuntos do Brasil 

Brasil, decretos 1663-1702, n. 33 (microf. 4114)."Memórias políticas e históricas". Livro 169 a 171Documentos vários. Livro 1116 - microf. 308Cartas que escreveu a seu filho o Marquês de Montebelo, sendo

governador de Pernambuco, cod. 380História da congregação do Oratório em Pernambuco, n. 23 - microf. 5272n. 37 - História do Brazil desde o seo descobrimento em 1500 até 1810, por Affonso de Beauchamp, n. 37Papéis relativos ao governo e história de Pernambuco, n. 43

 Desembargo do Paço. Repartição da Justiça e Despachos da Mesa, ConsultasLavradas - maço 797 (1647 - 1690) Papéis do Brasil - códices 9 a 11 - microfilmes MF695, MF694, MF6745

Arquivo Público Estadual "João Emerenciano"

Ordens RégiasDiversos I, III,

Arquivo Secreto do Vaticano

Carta de dom Estevão Brioso ao Papa de 6 de agosto de 1680. Arquivo Secreto doVaticano, Congregazione del Concilio, Relationes Diœcesium [Congr.Concilio, Relat. Diœc.] 596 (Olinden).

Biblioteca da Ajuda (BA)

 Movimento do Orbe Lusitano. Colecção de papéis diversos sobre muitos e diferentes objetos. 1598-1690

-códice 50-V-37Colecção de papéis diversos - códice 50-V-39

Manifesto em que se relatam os sucessos da Congregação [do Oratório] emPernambuco, 1662-1700 - códice 51-IX-34 Notícia que o governador de Pernambuco deu a S.M. 23 de março de 1663 -códice 51-VI-1, fl.247-250v]Papéis Vários - História - 51-VI-1

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[D. Luís de Menezes (3.º conde da Ericeira)], Relação do felice successo queconseguiram as armas do Serenissimo principe D. Pedro, nosso senhor,governadas por Francisco de Tavora, governador e capitão general do reino de

Angola, contra a rebellião de D. João, rei das Pedras e Dongo, no mez dedezembro de 1671. Lisboa, Miguel Menescal, s.d. Cod. 903P, n. 11.Cod. 589 - (microf. 3656)Coleção de documentos dos sécs. XVII a XIX relativos a Portugal, Índia e Brasil.Cod. 12923Francisco de Brito Freire, [Relatório dos serviços prestados em Pernambuco], s.d.

Cx. 236 n. 51.Miscelanea - Coleção de curiosidades históricas e literárias ... dos séc. XVII eXVIII.Miscelanea - Papéis vários relativos a navegações, tráfico de escravos, etc. Cod8555 (microf. 5849)

Miscelanea Contas, apontamentos históricos, notícias várias... letras do XVII eXVIII 220fl. Cod. 427 (microf.F2864)Miscelânea Histórica dos séculos XVII e XVIII. Cod 11628 (microf. F5539)Miscelanea Papéis vários. Documentos históricos, peças literárias. Letra do sécXVII. Cod. 7647 -Relação verdadeira da guerra que se fez aos negros levantados do Palmar em 1694. Cod.11358 n. 37, fls. 75-101 Textos literários do século XVII. Cod 12932 (microf. FR 954)Coleção Pombalina

Correspondência do marquês de Montebelo (1690-93), PBA cod. 239Brasil - Governo de Pernambuco 1690-1693. Portarias, Ordens, bandos,editaes, et. sendo d. Antonio Felix Machado, Marquês de Montebello,governador de Pernambuco. PBA cod. 239 (microfilme F5250).

Biblioteca Nacional, Rio de Janeiro, Seção de Manuscritos (BNRJ-Ms)

"Descripção com notícias importantes do interior de Pernambuco como rio de SãoFrancisco, Porto Calvo, Palmares, cabo de Santo Agostinho, as distânciasde huns lugares aos outros etcetera, das partes mais férteis; costumes dosPalmares (negros) e modo como vivem seu regimen, dos damnos querecebem os portugueses d'eles: enfim o estado em que foram achados osPalmares, sobre a partida de Pero de Almeida contra os ditos, e adescripção do que se fez para a ruína, em que vierão a cair os Palmares".

Cartas de doação, de foral, diplomas, representações, e relações sobrealgumas minas, a conjuração mineira, Pernambuco, Bahia, Paraíba, Rio deJaneiro e Minas Gerais, invasão holandesa, entre outros, 1534-1792.BNRJ-Ms, 7, 3, 001, fls, 73-113, doc. 6.

Pareceres do Conselho Ultramarino referentes à administração da capitania dePernambuco, 1673-1696. (antigo Cod. II, 33, 4, 32; atual 22, 2, 68)

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