Post on 13-Apr-2018
7/24/2019 Hamlet (trad. Jos Rubens)
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Tive o privilgio de traduzir Hamletpara a montagem dirigida por Francisco Medeiros
no Teatro Popular do Sesi em So Paulo.
O elenco e a ficha tcnica eram os seguintes:
Cludio e Fantasma do PaiHlio Ccero
HamletMarcos Damigo
GertrudesSelma Egrei
OfliaRosana Seligman
Polnio/CoveiroPlnio Soares
HorcioMarat Descartes
Laerte/AtorGustavo Machado
Cornlio/MensageiroDaniel Granieri
Rosencrantz/OsricAndr Custdio
Guildenstern/FortinbrsLuciano Gatti
Marcelo/Voltimando/AtorRodrigo Bolzan
Bernardo/Coveiro 2/AtorMarcelo Andrade
Francisco/Ator Rei/SacerdoteAndr Frateschi
Corte/Trupe/SoldadoTnia Ripardo
Cenrio e figurinoMrcio Medina
Trilha sonoraLivio Tragtenberg
IlimunaoDomingos Quintiliano
LutasLuis Louis
Coreografia - Ins Aranha e Lucienne Guedes
Assistente de direoBel Kowarick
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A TRAGDIA DE HAMLET, PRNCIPE DA DINAMARCA
de William Shakespeare
Traduo de Jos Rubens Siqueira
Dramatis Personae
Cludio, rei da Dinamarca
Hamlet, filho do rei morto, sobrinho do rei atual
Polnio, secretrio de estado
Horcio, amigo de Hamlet
Laerte, filho de Polnio
Voltimando, corteso
Cornlio, corteso
Rosencrantz, corteso
Guildenstern, corteso
Osric, corteso
Um cavalheiro, corteso
Um sacerdote
Marcelo, oficial
Bernardo, oficial
Francisco, soldado
Reinaldo, criado de Polnio
Atores
Coveiro
Coveiro 2
Fortinbras, prncipe da NoruegaUm capito noruegus
Embaixadores ingleses
Gertrudes, rainha da Dinamarca, me de Hamlet
Oflia, filha de Polnio
Fantasma do pai de Hamlet
Damas, cavalheiros, oficiais, soldados, marinheiros, mensageiros, criados
CENAElsinore, Dinamarca
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ATO I
Cena 1
Castelo de Elsinore. Uma plataforma diante do castelo
Francisco de sentinela.
Entra Bernardo.
BERNARDOQuem ?
FRANCISCONo, voc responde. Alto, diga quem .
BERNARDOViva o rei!
FRANCISCOBernardo?
BERNARDOEu.
FRANCISCOTeve o cuidado de chegar bem na hora.
BERNARDOAcabou de dar meia noite. V para a cama, Francisco.
FRANCISCOEu agradeo muito por esse alvio. Est frio demais! D at tristeza.
BERNARDOFoi calma a sua guarda?
FRANCISCONo vi nem um rato.
BERNARDO Boa noite, ento. Se encontrar Horcio e Marcelo, meus parceiros de
guarda, apresse os dois.
Entram Horcio e Marcelo.
FRANCISCOAcho que so eles. Alto l! Quem ?
HORCIO Bons patriotas.MARCELOFiis ao rei dinamarqus.
FRANCISCOBoa noite ento.
MARCELOAh, adeus, meu bom soldado. Quem te rendeu?
FRANCISCOBernardo ficou no meu lugar. Boa noite ento.
Sai Francisco.
MARCELOBernardo!
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BERNARDOQuem... O que? Horcio?
HORCIOUm pedao de mim.
BERNARDOBem vindo, Horcio. Bem vindo, Marcelo.
MARCELOE ento? A coisa apareceu de novo?
BERNARDOEu no vi nada.
MARCELO Horcio diz que no passa de fantasia nossa, que no vai se render
crendice dessa viso horrenda que duas vezes j apareceu para ns. Ento
insisti que viesse junto, vigiar conosco os minutos desta noite, para, no
caso da apario surgir de novo, ele acreditar no que ns vimos e falar com
ela.
HORCIOQue o qu! No vai aparecer.
BERNARDOSente um pouco, e deixe a gente atacar mais uma vez o seu ouvido, to
defendido contra a nossa histria, com o que a gente viu nessas duas
noites.
HORCIOBom, vamos sentar e ouvir Bernardo contar o que sabe.
BERNARDONoite passada, quando essa mesma estrela que est para c do polo j
tinha ido iluminar essa parte do cu onde est queimando agora, Marcelo e
eu, o sino batendo uma hora....
Entra o Fantasma.
MARCELOShh! Fique quieto! Olhe! Vem vindo ali de novo!
BERNARDOIgualzinho ao rei que morreu.
MARCELOVoc intrudo. Fale com ele, Horcio.
BERNARDONo igualzinho ao rei? Olhe bem, Horcio.
HORCIOIgual. espantoso. D medo.BERNARDOQuer conversar!
MARCELOFale com ele, Horcio.
HORCIOO que que usurpa assim esta hora da noite e a figura nobre e guerreira
com que marchou um dia a majestade da finada Dinamarca? Por Deus, eu
ordeno que fale!
MARCELOFicou ofendido.
BERNARDOOlhe, est indo embora!HORCIOPare! Fale! Fale! Eu ordeno: fale!
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Sai o Fantasma.
MARCELOFoi embora e no quis responder.
BERNARDOE ento, Horcio? Est tremendo, plido. No acha que isto mais que
fantasia? O que voc acha?
HORCIOJuro por Deus, eu no podia acreditar sem a prova concreta e verdadeira
de ver com os meus prprios olhos.
MARCELONo idntico ao rei?
HORCIO Como voc com voc mesmo. Foi essa a armadura que usou para lutar
com a ambiciosa Noruega. E desse jeito franziu a testa numa violenta
conferncia em que esmagou no gelo os poloneses com os seus trens.
estranho.
MARCELO J duas vezes antes, nesta hora morta, passou por ns com esse passo
guerreiro.
HORCIONem sei que rumo dar para o meu pensamento. Na minha opinio, isso ,
por assim dizer, sinal de alguma estranha comoo no reino.
MARCELO Bom, vamos sentar. Me diga s uma coisa: por que esta guarda to
severa, to estrita, que toda noite cansa o cidado? Por que fundir tantos
canhes de bronze e comprar tantas armas no estrangeiro? Por que tanta
presso nos estaleiros, onde a semana no tem mais domingo? O que ser
que nos espera, que em suor e pressa iguala a noite e o dia de trabalho?
No sei quem poderia me informar.
HORCIO Eu posso... Ao menos, o que se diz por a. Nosso ltimo rei, cuja figura
acabou de aparecer, foi desafiado, como vocs sabem, pelo rei Fortinbras
da Noruega, que picado de orgulho e de inveja, queria combater. E ovalente rei Hamlet, por sua valentia amado nesta parte do mundo, matou
esse Fortinbras que, por contrato, selado e aprovado por lei e costume,
junto com a vida perdeu as suas terras, que passaram para o vencedor. Por
sua vez, uma parte equivalente, dada como garantia pelo nosso rei,
passaria s mos de Fortinbras, se ele vencesse, assim como, pelo que
rezava o acordo, as dele passaram para Hamlet. Ento, o jovem Fortinbras,
cheio de ardor, mas ainda inexperiente, foi pelos confins da Noruega,caando aqui e ali um bando de renegados, que em troca de cama e
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comida, engolem qualquer coisa que exija coragem. O que vem a ser,
como bem entendeu o nosso reino, recobrar de ns, com mo pesada e
termos humilhantes, aquelas terras que o pai dele perdeu. essa, eu acho,
a causa principal desses preparativos, a razo da nossa guarda e o motivo
de tanta pressa e agitao no reino.
BERNARDO Eu tambm acho que no nada mais que isso mesmo. uma boa
explicao para essa figura armada que vem assombrar a nossa guarda, to
igual ao rei que foi e a razo dessas guerras.
HORCIO como um cisco incomodando o olho da razo. No apogeu do esplendor
de Roma, um pouco antes da queda do poderoso Jlio, as tumbas todas se
esvaziaram e os cadveres com suas mortalhas saram pelas ruas
guinchando e gemendo para as estrelas com rabos de fogo, e o orvalho de
sangue, e os desastres nos astros. E a lua mida, que com sua fora regula
o reino de Netuno, adoeceu, quase morreu at, num eclipse. E esses
mesmos sinais de fatos assustadores, como arautos que anunciam os
destinos e prlogo da desgraa futura, o cu e a terra juntos esto
mostrando para a nossa terra e os nossos conterrneos.
Entra o Fantasma de novo.
Mas calma! Olhem! Ele vem de volta! Vou impedir a passagem dele, nem
que me fulmine. Pare, iluso!
Abre os braos.
Se capaz de som ou uso da voz, fale comigo. Se alguma boa ao podeser feita, que seja alvio seu e paz a mim, fale comigo. Se conhece o
destino secreto do seu reino, que, revelado, se possa evitar, oh, fale! Se
acumulou em vida um tesouro extorquido no ventre da terra, desses que
dizem que os mortos vm buscar...
O galo canta.
Fale! Pare e fale! Pare ele a, Marcelo!
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MARCELOQuer que ataque com a alabarda?
HORCIOAtaque, se ele no parar.
BERNARDOAqui!
HORCIOAqui!
MARCELOSumiu!
Sai o Fantasma.
Est errado, diante dessa majestade, a gente usar violncia. Ele igual ao
ar, invulnervel, e o nosso ataque uma bobagem, cruel, ridculo.
BERNARDOEle ia falar, quando o galo cantou.
HORCIO E a se assustou como quem tem culpa se assusta quando ouve um
chamado. Ouvi dizer que o galo a trombeta do amanhecer, e com a sua
voz aguda e alta acorda o deus do dia. E que com esse alerta, seja no mar
ou no fogo, em terra ou no ar, o esprito errante, perdido, corre para o seu
claustro. O que a gente acabou de ver a prova de que isso verdade.
MARCELO Se desmanchou quando o galo cantou. Tem gente que diz que quando
chega a poca de festejar o nascimento do nosso salvador, o galo da manh
canta a noite inteira e a, dizem, nenhum esprito pode sair fora. As noites
so sadias, os astros no azaram, nenhuma fada aparece, nenhuma bruxa
tem poder de fazer encantamento, to santa e cheia de graa essa data.
HORCIO Foi o que ouvi e que acredito em parte. Mas olhe, a manh, com o seu
manto rosado j vem pisando o orvalho daquele monte do nascente.
Vamos encerrar a nossa guarda, e o meu conselho que a gente v contar
o que viu aqui para o jovem Hamlet, pois aposto a minha vida que o
esprito, mudo para ns, com ele vai falar. No acham que a gente devecontar para ele, como exige o afeto e manda o dever?
MARCELOVamos, sim, eu concordo. E agora de manh eu sei com certeza onde ele
vai estar.
Saem.
Cena 2Elsinore. Sala do trono no castelo.
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Toque de clarins.
Entram Cludio, rei da Dinamarca, Gertrudes, a rainha, membros do Conselho,
Polnio, seu filho Laerte e sua irm Oflia, o prncipe Hamlet, vestido de preto, mais
Voltimando e Cornlio, cavalheiros, cortesos.
REI Mesmo ainda verde na lembrana a morte de Hamlet, nosso caro irmo, e
envoltos em luto os nossos coraes, e todo o reino como uma s testa
vincada de dor, manda a razo que enfrentemos a natureza e com o mais
sbio pesar lembremos dele sem esquecer com isso de ns mesmos. A
nossa antiga irm, hoje rainha, consorte imperial deste reino guerreiro,
tomamos por esposa com alegria por assim dizer vencida, um olho
esperanoso, o outro tristonho, com risos no funeral e rquiem nas bodas,
com igual peso a delcia e a dor. E em nenhum momento ignoramos os
seus bons conselhos, que liberalmente nos orientaram nesta questo.
Somos gratos a todos. Prosseguindo: como vocs sabem, o jovem
Fortinbras, avaliando errado a nossa fora, ou achando que pela morte de
nosso irmo nosso estado estaria desunido e desequilibrado, a isso
somando o seu sonho de conquista, vem nos importunando com
mensagens em que exige a devoluo das terras que seu pai perdeu, no
rigor da lei, para o nosso mais valente irmo. Mas basta dele. Agora ns e
o motivo desta reunio. Trata-se do seguinte: escrevemos Noruega, ao
rei, tio do jovem Fortinbras, que, impotente, de cama, mal sabe das
intenes do sobrinho, para que impea imediatamente que ele prossiga
em seu intento, uma vez que o alistamento, a convocao e o treinamento
so questes que lhe dizem respeito. E por isso estamos enviando voc,
meu caro Cornlio, e voc, Voltimando, como portadores desta saudaoao velho noruegus, sem atribuir aos dois nenhum outro poder pessoal para
tratar com o rei qualquer outro negcio alm desse j vasto assunto. Vo.
E que a sua rapidez d provas do seu empenho.
CORNLIO, VOLTIMANDONisso, e em tudo o mais, cumprimos o nosso dever.
REI Temos f que sim. De corao, adeus.
Saem Voltimando e Cornlio.
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E agora, Laerte, qual a novidade? Voc nos falou de um pedido. O que ,
Laerte? Nenhum pedido justo ao rei dinamarqus, deixa de ser ouvido. O
que voc pode pedir, Laerte, que j no seja uma oferta minha? A cabea
no mais irm do corao, nem a mo melhor instrumento para a boca,
do que o trono da Dinamarca para o seu pai. Diga o que deseja, Laerte.
LAERTE Meu temido senhor, a sua permisso e bno para voltar Frana.
Embora tenha vindo com prazer para assistir sua coroao, confesso que
agora, cumprido esse dever, minha cabea e meu corao mais uma vez se
voltam para a Frana e se curvam sua graciosa bno e permisso.
REI J tem a permisso do seu pai? O que diz Polnio?
POLNIOEle conseguiu, senhor, devagarinho, com muito empenho, arrancar de mim
essa permisso e acabei cedendo ao que queria. Imploro a sua permisso
para a viagem dele.
REI Aproveite o seu bom momento, Laerte. O tempo seu para gastar com seu
melhor critrio! Mas agora, meu sobrinho Hamlet, meu filho...
HAMLET( parte) Mais que parente, menos que parelho.
REI Por que essas nuvens ainda sua volta?
HAMLET Nada disso, meu senhor, eu estou sempre ao sol.
RAINHA Hamlet, meu bem, afaste de voc essa noite escura e faa o seu olho ver
como amigo o rei da Dinamarca. J chega de andar sempre de olhar baixo,
procurando na poeira o seu nobre pai. Voc sabe que isso normal: tudo o
que vive tem de morrer, tem de passar da natureza para a eternidade.
HAMLET , me, normal.
RAINHA Se normal por que parece to difcil para voc?
HAMLET Parece, me? No, . No entendo nenhum parece. Nem este manto cor
de tinta, minha me, nem os suspiros profundos, nem os rios que corremdos olhos, nem o ar de desnimo do rosto, junto com toda forma, jeito e
demonstrao de dor podem me revelar de verdade. Isso tudo, sim,
parece. Porque so atitudes que uma pessoa pode representar. Mas o que
eu tenho por dentro ultrapassa o que se pode mostrar... Essas coisas so
apenas enfeites, paramentos da tristeza.
REI uma prova da sua boa natureza, Hamlet, respeitar esses deveres de luto
por seu pai. Mas voc deve saber que seu pai tambm perdeu o pai; e queesse pai perdido, perdeu o dele; e que o sobrevivente tem por obrigao
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filial durante algum tempo manter o luto. Insistir na dor, porm, mostra
de teimosia, lamento indigno de um homem. Revela uma vontade muito
incorreta ao cu, um corao sem fora, uma mente impaciente, um
entendimento simplrio e inculto. Por que questionar com essa
impertinncia uma coisa que sabemos que tem de acontecer, que to
normal, at vulgar para o entendimento? No! ofensa ao cu, ofensa
aos mortos, ofensa natureza, absurdo total para a razo, que sabe que
normal a morte dos pais, e que sempre afirmou, desde o primeiro morto at
o que acaba de morrer agora: Assim tem de ser. Ns solicitamos que
jogue fora essa tristeza inconveniente e pense em ns como pai. Que o
mundo todo saiba: voc o herdeiro mais imediato de nosso trono e no
menos nobre que o amor de um pai verdadeiro por seu filho o amor que
dedico a voc. E a sua inteno de voltar aos estudos em Wittenberg muito
contraria o nosso desejo. Pedimos que concorde em ficar aqui, para alegria
e conforto de nossos olhos, nosso mais importante corteso, parente e filho
nosso.
RAINHA No deixe que se percam as preces de sua me, Hamlet. Estou pedindo:
fique conosco, no volte para Wittenberg.
HAMLETFarei o melhor possvel para obedecer, me.
REI Isso, sim, uma resposta correta e carinhosa. Fique entre ns na
Dinamarca. Minha rainha, venha. Meu corao est sorrindo porque
Hamlet concordou assim de boa vontade e sem resistncia. E em honra
disso, que no se faa hoje um s brinde na Dinamarca sem que seja
anunciado s nuvens pelo grande canho, para que a alegria do rei se
espalhe pelo cu, repetindo o trovejar da terra. Vamos embora.
Fanfarra. Saem todos, menos Hamlet.
HAMLETAh, se esta carne to, to slida pudesse derreter, e degelar, se dissolver
em orvalho. E se o Eterno no tivesse uma lei proibindo o suicdio! Oh,
Deus, oh, Deus, que cansativo, velho, chato e intil me parece este mundo!
Que horror, oh, horror, horror! um jardim de ervas daninhas crescendo
sem parar, tomado apenas por coisas baixas e grosseiras. Que tenhachegado a isto! Morto h menos de dois meses... no, nem tanto, nem
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dois... Um rei to bom que diante deste era como um deus para um mortal,
to amoroso com minha me que no deixava um vento mais forte roar o
seu rosto! O Cu e a Terra. Por que tenho de lembrar? Ah, ela se agarrava
nele como se a sua fome aumentasse com aquilo que saciava. E um ms
depois... No quero mais pensar. Fragilidade, seu nome mulher... Um
pequeno ms. Ainda nem gastou a sola do sapato com que acompanhou o
corpo de meu pai, banhada em lgrimas, ela, ela mesma... oh, uma fera que
no tem uso da razo teria chorado mais! ...casou com meu tio, irmo de
meu pai, mas to diferente de meu pai quanto eu de Hrcules. Em um ms.
O sal das lgrimas honestas no tinha ainda secado nos seus olhos
vermelhos e ela casou. Ah, pressa maldita. Saltar com tamanha agilidade
para os lenis do incesto! Isso no bom, no pode acabar bem. Mas
explode, corao, porque eu tenho de domar a lngua.
Entram Horcio, Marcelo e Bernardo.
HORCIOSalve, prncipe.
HAMLET Que bom ver voc bem. Horcio!... eu me esqueo at de mim.
HORCIOSou eu mesmo, prncipe, seu pobre servidor de sempre.
HAMLET No: meu amigo, querido. isso que somos um para o outro. O que faz to
longe de Wittenberg, Horcio? Marcelo.
MARCELOMeu senhor.
HAMLETEstou contente de ver vocs. (para Bernardo) Boa noite... Mas, ento, o
que voc est fazendolonge de Wittenberg, Horcio?
HORCIOFugindo das aulas por preguia, prncipe.
HAMLETEu no deixaria um inimigo seu dizer uma coisa dessas, nem voc deveviolentar o meu ouvido com uma acusao contra si mesmo. Sei que no
preguioso. Mas o que est fazendo em Elsinore? Vai aprender a beber
antes de ir embora.
HORCIOVim para o enterro de seu pai, meu prncipe.
HAMLET No brinque comigo, colega. Acho que veio foi para o casamento de
minha me.
HORCIO, meu prncipe, foi logo em seguida.
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HAMLET Economia, Horcio, economia. Os assados do funeral serviram como frios
na mesa do casamento. Eu preferia encontrar meu inimigo mais ntimo no
cu do que ter vivido esse dia, Horcio. Meu pai... parece que estou vendo.
HORCIOOnde, prncipe?
HAMLET Dentro do meu corao, Horcio.
HORCIOEu vi seu pai uma vez. Era um belo rei.
HAMLET Era um homem. Em tudo e por tudo. Nunca mais vou ver outro igual.
HORCIOPrncipe, acho que vi seu pai ontem noite.
HAMLETViu? Quem?
HORCIOO rei seu pai, meu prncipe.
HAMLET O rei meu pai?
HORCIO Tempere o seu espanto com um pouco de ateno. Escute o que eu vou
contar com esses dois homens por testemunhas.
HAMLET Pelo amor de Deus, me conte!
HORCIOJ duas noites seguidas esses dois homens, Marcelo e Bernardo, estavam
de guarda na imensido morta da meia-noite, quando tiveram o encontro.
Um vulto igual ao seu pai, armado exatamente do mesmo jeito, da cabea
aos ps, apareceu na frente deles, e com passo solene passou por eles
majestoso e sem pressa. Trs vezes passou diante dos seus olhos confusos
e surpresos, distncia de um brao, enquanto eles se desmanchavam de
medo, como gelia, e ali ficaram, mudos, sem falar com ele. Isso eles
vieram me contar no mais estrito segredo e fui fazer a guarda com eles na
terceira noite, quando, exatamente como haviam contado, tanto na hora
como na forma, confirmando cada palavra, surgiu a apario. Eu conheci
seu pai. Estas duas mos no so mais parecidas.
HAMLET Mas onde foi isso?MARCELONa plataforma onde a gente fica de guarda, meu senhor.
HAMLET No falaram com ele?
HORCIO Eu falei, prncipe, mas no me respondeu nada. Acho que levantou a
cabea e fez um movimento para falar, mas bem nesse momento o galo da
manh cantou e ele recuou depressa, desapareceu de nossa vista.
HAMLET muito estranho.
HORCIOPela minha vida, meu querido prncipe, verdade. E ns achamos que eranosso dever vir lhe contar o acontecido.
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HAMLET Claro, claro. Mas isso me deixa confuso... Vo ficar de guarda esta noite?
BERNARDO E MARCELOVamos, sim, senhor.
HAMLET Armado, vocs disseram?
BERNARDO E MARCELOArmado, sim, senhor.
HAMLETDa cabea aos ps?
BERNARDO E MARCELOSim, senhor, da cabea aos ps.
HAMLET Ento no viram o rosto dele.
HORCIOVimos, sim. Estava com a viseira levantada.
HAMLET E parecia estar como? Carrancudo?
HORCIOMais triste que zangado.
HAMLET Plido ou vermelho?
HORCIONo, muito plido.
HAMLETE olhava para vocs?
HORCIOO tempo todo.
HAMLET Eu queria estar l.
HORCIO - Teria ficado assombrado.
HAMLET Pode ser, pode ser. Demorou muito?
HORCIOO tempo de contar at cem, sem muita pressa.
BERNARDO E MARCELOMais, mais.
HORCIONo quando eu vi.
HAMLET A barba grisalha, no?
HORCIOIgual eu tinha visto em vida: escura e grisalha.
HAMLET Eu vou fazer a guarda hoje. Quem sabe aparece de novo.
HORCIOGaranto que sim.
HAMLETSe assumir a forma nobre de meu pai, falo com ele nem que o inferno se
abra e me mande calar. Peo a vocs todos, que esconderam essa viso atagora, para triplicar o silncio e, acontea o que acontecer esta noite, vocs
assistam, mas no digam nada. Eu no esquecerei o carinho de vocs.
Agora, adeus. Entre onze e meia-noite vou at a plataforma.
OS TRS O nosso dever est a seu servio.
HAMLET Dever, no, carinho, como o meu por vocs. Adeus.
Saem todos, menos Hamlet.
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O esprito de meu pai. Armado! Nem tudo vai bem. Desconfio de um
crime. Queria que j fosse noite. At ento, calma, minha alma. A
podrido acaba aparecendo aos olhos dos homens, mesmo quando coberta
pela terra toda.
Sai.
Cena 3
Sala na casa de Polnio.
Entram Larte e sua irm, Oflia.
LAERTE Minha bagagem j foi embarcada. Adeus. E, minha irm, quando houver
vento propcio e um barco ligeiro, no durma: me mande notcias de voc.
OFLIA Voc duvida?
LAERTE Quanto a Hamlet e aessa bobagem desse interesse dele, voc veja como
um capricho, uma brincadeira, uma violeta juvenil, precoce, mas no
permanente, doce, mas no duradoura, perfume e pedidos passageiros,
nada mais.
OFLIA Nada mais que isso?
LAERTE Melhor pensar que no. Porque o fermento da natureza no faz crescer s
os msculos e o corpo, mas medida que este templo cresce, l dentro as
funes da mente e da alma crescem junto. Talvez ele te ame agora, e
agora no haja nada sujo nem dissimulado que comprometa a pureza da
vontade dele. Mas voc deve ter cuidado porque a prpria realeza no
permite que ele seja senhor da prpria vontade, escravo de seu
nascimento. E no pode, como as pessoas comuns, escolher por si prprio,porque da escolha dele depende a boa sade do reino todo. Ento, a
escolha dele tem de se limitar s ordens e s imposies desse corpo do
qual ele a cabea. Se diz que te ama, manda a sabedoria que voc
acredite apenas na medida em que ele, do seu jeito e dentro dos seus
limites, puder provar o que diz, e isso no nada mais nada menos que a
voz da prpria Dinamarca. Ento pese bem o quanto a sua honra pode ficar
comprometida se voc ouvir com ouvido confiante demais as canes dele,ou entregar o corao, ou abrir o tesouro casto do seu corpo s insistncias
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dele. Cuidado, Oflia, cuidado, minha querida irm, e fique na retaguarda
com o seu afeto, fora do alcance dos perigos do desejo. Mesmo a donzela
mais pura j se arrisca s de mostrar sua beleza lua. Nem a prpria
virtude escapa dos golpes da calnia. A lagarta muitas vezes ataca o broto
antes de ele se abrir em botes, e no sereno molhado da manh da
juventude os contgios so muito perigosos. Tome cuidado, ento. S se
tem segurana na cautela. contra si mesma que a juventude se rebela.
OFLIA Eu vou guardar os seus conselhos como sentinelas do meu corao. Mas,
meu irmo, no faa como alguns maus pastores que mostram para a gente
o caminho mais difcil e espinhoso para o cu, enquanto eles, libertinos,
seguem, inchados e orgulhosos, pelo caminho florido, desprezando os
prprios conselhos.
LAERTE Ah, no se preocupe comigo.
Entra Polnio.
Estou atrasado. O pai vem vindo. Uma dupla bno uma dupla graa. E
a ocasio sorri para uma segunda despedida.
POLNIOAinda aqui, Laerte? Para bordo, para bordo, que absurdo! O vento j est
enfunando a sua vela e voc aqui. Pronto, Deus te abenoe! E guarde mais
estes preceitos na memria. Nunca d voz aos seus pensamentos, nem ato
a um pensamento desmedido. Seja simples, mas de jeito nenhum vulgar.
Os amigos que tiver, depois de comprovado que so fiis, voc prenda na
alma com correntes de ao. Mas no gaste a mo agradando qualquer
camarada recm-sado do ovo, ainda sem penas. Evite entrar em briga, mas
quando entrar, tome o cuidado de fazer o outro ter medo de voc.Empreste o seu ouvido a todos, a sua voz a poucos. Aceite a opinio de
todos, mas reserve o seu juzo. Gaste em roupas o que a sua bolsa permitir,
mas sem excesso, ricas, no espalhafatosas. O hbito sempre mostra o
homem e, na Frana, os de melhor famlia e posio so muito distintos e
generosos, principalmente nisso. No empreste, nem tome emprestado,
porque quando se empresta se perde o dinheiro e o amigo, e quando se
pega emprestado se perde o pulso da prpria economia. Acima de tudo,seja verdadeiro consigo mesmo, assim, como a noite vem sempre depois
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do dia, voc nunca ser falso com ningum. Adeus. Que a minha bno
faa isso ficar bem gravado dentro de voc.
LAERTE Humildemente me despeo, pai.
POLNIOSua hora te chama. V, os criados esto esperando.
LAERTE Adeus, Oflia, e lembre bem do que eu te disse.
OFLIA Est trancado na minha memria e s voc tem a chave.
LAERTE Adeus.
Sai.
POLNIOO que foi que ele disse para voc, Oflia?
OFLIA Falou do prncipe Hamlet.
POLNIO Ah, bem pensado! Vieram me dizer que ultimamente ele tem passado
muito tempo com voc sozinha, e que tem sido muito generosa com ele. Se
isso verdade, e vieram me contar porque assunto que exige cuidado,
tenho de dizer que voc no est entendendo bem a sua posio, como
convm minha filha e sua honra. O que existe entre vocs dois? Me
conte a verdade.
OFLIA Ultimamente, pai, ele tem dado muitas mostras de afeio por mim.
POLNIOAfeio? Que nada! Est falando como uma menina inexperiente, que no
percebe o perigo da situao. Acredita mesmo nessas mostras dele?
OFLIA Eu no sei o que pensar, meu pai.
POLNIO Ah, vou te ensinar! Voc est agindo feito um bebezinho que toma a
amostra pelo produto real. E, como diz o dito, quem assim se mostra, por
tolo me demonstra.
OFLIA Mas pai, ele tem me declarado amor de um jeito muito honrado.POLNIOAh, jeito honrado voc acha. Imagine! Imagine!
OFLIA E tempera o que diz, pai, com votos ao cu.
POLNIOAh, arapuca de pegar passarinho! Eu sei muito bem que quando o sangue
esquenta, a alma fica prdiga e enche a boca de votos. Essas exploses,
minha filha, do mais luz que calor e se apagam junto mesmo com a
promessa. No tome isso por fogo, no. A partir de agora, seja mais
econmica com a sua virginal presena. Ponha nos seus encontros umpreo mais alto que um mero chamado para conversar. Basta saber que o
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prncipe Hamlet jovem e tem rdea mais solta do que voc pode ter. Em
resumo, Oflia, no acredite nos votos dele, porque so como corretores
que no revelam o teor do investimento, meros suplicantes de desejos no-
recomendveis, suspirando feito uma prostituta piedosa para melhor
enganar. Para encerrar: no quero, falando com franqueza, que de hoje em
diante voc jogue fora nenhum momento de lazer trocando palavras ou
conversas com o prncipe Hamlet. No esquea, uma ordem. Agora v.
OFLIA Eu obedeo, pai.
Saem.
Cena 4
Elsinore. A plataforma diante do castelo.
Entram Hamlet, Horcio e Marcelo.
HAMLET O ar est mordente. Muito frio.
HORCIODemais, arde.
HAMLETQue hora agora?
HORCIO Falta pouco para meia noite.
MARCELONo, j bateu.
HORCIO mesmo? Eu no ouvi. Ento est quase na hora que o esprito costuma
aparecer.
Um toque de trombetas, dois tiros de canho.
O que isso, prncipe?HAMLETO rei hoje passa a noite em claro e festeja: muita bebida, danas, e cada
vez que ele enxugar o copo de vinho, a fanfarra e as trombetas anunciam
assim o portento dos seus brindes.
HORCIO algum costume?
HAMLETAh, , sim, sem dvida. Mas para mim, que sou nativo daqui e criado para
isso, um costume que seria melhor esquecer que respeitar. Por causa das
orgias dessas bebedeiras, outras naes a leste e oeste nos insultam ezombam de ns. Nos taxam de bbados e com o nome de porcos mancham
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nossa honra. E isso rouba a prpria essncia e valor dos nossos feitos, por
maiores que sejam. Muitas vezes acontece de certos homens, seja por um
defeito da prpria natureza, de que no podem ser culpados, porque a
natureza no pode escolher a sua origem, mas o excesso de algumas
compleies muitas vezes rompem os limites e as defesas da razo, em
outros algum hbito que fermenta demais a forma das maneiras
aceitveis, esses homens, como eu dizia, levando assim a marca de um
defeito, de um capricho da natureza ou do destino, vero suas virtudes,
sejam elas puras como a graa, infinitas quanto o homem capaz, expostas
censura geral, corrompidas por aquele defeito particular. Basta um pingo
de mal para corromper a nobreza de uma substncia.
Entra o Fantasma.
HORCIOOlhe, prncipe, est chegando!
HAMLETAnjos, mensageiros da graa, valei-nos! Seja esprito do bem ou gnio do
mal, traga consigo ventos do cu ou rajadas do inferno, seja a sua inteno
perversa ou benfazeja, to difusa a sua forma que eu quero lhe falar. E
Hamlet te chamo, rei, pai, real dinamarqus. Oh, responda! No me deixe
chorar sem entender. Conte porque seus santos ossos, na morte sepultados,
romperam a mortalha. Por que o sepulcro em que, calados, colocamos sua
urna abriu a boca de mrmore pesado? O que quer dizer isto? Um corpo
morto assim, de novo em armadura completa, sair para o luar, a assombrar
a noite, e a ns, joguetes da natureza, to horrivelmente abalados por
pensamentos que esto alm da nossa alma? Fale! Por que isso? Para que?
O que ns temos de fazer?
O Fantasma chama Hamlet.
HORCIOEst chamando para ir com ele, como se quisesse converar a ss.
MARCELOOlhe com que nobreza chama o senhor para um lugar mais isolado. Mas
no v com ele, no!
HORCIONo, de jeito nenhum!HAMLETNo vai falar. Eu vou com ele, sim.
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HORCIONo v, meu prncipe!
HAMLETPor que no? Por que medo? Minha vida no vale um alfinete. E a minha
alma... O que ele pode fazer contra minha alma, se uma coisa imortal
igual a ele? Est me chamando de novo. Eu vou.
HORCIOE se ele atrair o senhor para as ondas, prncipe? Para a tentao do abismo
que sobe sobre o mar, e l assumir alguma outra forma horrvel que prive
sua majestade da razo e leve loucura? Pense um pouco. O prprio lugar,
sem nenhum motivo, j desperta o desespero em qualquer um que olhe
para o mar e escute o seu rugido.
HAMLETEst me chamando. (para o Fantasma) V. Eu sigo atrs.
MARCELONo deve ir, meu senhor.
HAMLETTirem as mos!
HORCIOControle-se. No pode ir.
HAMLETO meu destino me chama e deixa cada pequena artria deste corpo mais
forte que os nervos de um leo.
O Fantasma chama.
Me chama de novo. Tirem as mos, vocs! Por Deus, transformo em
fantasma quem me impedir! Estou dizendo: afastem! (para o Fantasma)
Vamos. Eu sigo.
Saem o Fantasma e Hamlet.
HORCIOEst tomado pela imaginao.
MARCELOVamos atrs. No o momento de obedecer agora.HORCIOEu vou com voc. Onde vai dar isso?
MARCELOH algo de podre no reino da Dinamarca.
HORCIOEst nas mos de Deus.
MARCELONo. Vamos atrs dele.
Saem.
Cena 5
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Elsinore. O castelo. Outra parte da fortificao.
Entram o Fantasma e Hamlet.
HAMLETPara onde me leva? Fale! No passo daqui.
FANTASMAEscute.
HAMLETEscuto.
FANTASMA J est perto a minha hora de retornar para as chamas de enxofre do
tormento.
HAMLETAh, pobre esprito!
FANTASMANo tenha pena! Preste ateno ao que vou revelar.
HAMLETFale. Eu escuto.
FANTASMADeve tambm vingar, depois de ouvir.
HAMLETO que?
FANTASMAEu sou o esprito de seu pai, condenado a vagar por algum tempo pela
noite e, prisioneiro, de dia jejuar nas chamas, at que se purguem e se
queimem os crimes cometidos em meus dias de vida. Se no me fosse
proibido revelar os segredos da minha priso, a palavra mais leve que eu
contasse arrancaria a alma do seu corpo, gelaria o seu jovem sangue, faria
seus dois olhos, como estrelas, saltarem das rbitas, e os seus cabelos
deixaria em p como os espinhos de um ourio. Mas esse segredo eterno
no para ouvidos de carne e sangue. Escute, escute, ah, escute! Se algum
dia amou seu caro pai...
HAMLETOh, Deus!
FANTASMAVingue este srdido e monstruoso crime.
HAMLET Crime?
FANTASMA Crime srdido, como todos so. Este, porm, srdido, estranho,contrrio natureza.
HAMLETConte depressa, depressa, e que asas rpidas como a meditao, como os
pensamentos de amor, possam me arrebatar para a vingana.
FANTASMA Vejo que capaz. Mais frouxo seria do que as ervas gordas que
apodrecem nas guas paradas dos ancoradouros do rio Lete se isso no te
abalasse. Agora, Hamlet, escute. O que se disse foi que enquanto eu
dormia no pomar, uma serpente me picou. A conscincia de toda a
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Dinamarca assim vilipendiada por uma falsa verso de minha morte.
Saiba, porm, meu nobre jovem, que a serpente que tirou a vida de seu pai
agora usa a coroa dele.
HAMLET Ah, minha alma proftica! Meu tio?
FANTASMA . Esse animal adltero, incestuoso, com o feitio de sua lbia, com
presentes traioeiros... ah, prfidos as palavras e os presentes que tm o
poder de seduzir assim... atraiu para a sua lascvia vergonhosa a vontade
da minha rainha que parecia to virtuosa. Oh, Hamlet, que queda essa! De
mim, do amor que tinha ainda a dignidade do voto que fiz a ela em
matrimnio, descer para um canalha de dotes naturais to menores que os
meus! A virtude no se abala mesmo que a lascvia lhe faa a corte com
uma forma do cu. Da mesma forma, a luxria, mesmo ligada a um anjo
radioso continua se saciando na cama celestial, refocilando na imundcie.
Mas basta! Parece que sinto o aroma da manh. Serei breve. Dormindo em
meu pomar, como era meu costume toda tarde, a minha segurana dessa
hora o seu tio invadiu,levando num frasco o sumo da maldita bona. E na
cmara do meu ouvido verteu o licor leproso, cujo efeito de tal forma
inimigo ao sangue do homem que, mais rpido que mercrio, corre pelas
portas e caminhos naturais do corpo, e com um sbito vigor, como gotas
de cido no leite, talha e coagula o sangue fino e sadio. Assim fez com o
meu: num instante uma lepra de escamas se espalhou e com uma horrenda
crosta cobriu todo o meu corpo. Assim foi, portanto, que dormindo, pela
mo de um irmo, me vi privado de um s golpe da vida, da coroa, da
rainha. Colhido na florao dos meus pecados, sem sacramentos, mandado
a prestar contas com todas as imperfeies pesando sobre a minha cabea.
Oh, horror! Oh, horror! Que horror! Se voc tem em si sentimentosnaturais, no tolere uma coisa dessas. No permita que o leito real da
Dinamarca sirva de coxim para a luxria, para um maldito incesto. Seja
qual for, porm, a atitude que escolher, no contamine sua mente, no
permita que sua alma conspire contra sua me. Que ela fique a cargo do
cu e dos espinhos que abriga no peito. Eles picam e sangram. Adeus
agora. O vagalume apaga j o seu fogo intil, anunciando que a manh
vem vindo. Adeus, adeus, Hamlet. Lembre de mim.
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Sai.
HAMLET Oh, legies todas do cu! Oh, terra! Que mais? Devo juntar o inferno?
Vergonha! Agente, agente, meu corao! E vocs, nervos, no
envelheam ainda, me sustentem. Lembrar de voc? , sim, pobre
fantasma, enquanto a memria tiver um espao neste globo perturbado.
Lembrar de voc? , sim, vou apagar da memria toda e qualquer
recordao banal, toda moral dos livros, toda forma, toda impresso que a
juventude e a observao gravaram nela, e s o seu mandamento h de
viver no livro, no captulo do meu crebro, longe da baixeza da matria. ,
sim, por Deus! Oh, perniciosa mulher! Oh, canalha, canalha, sorridente,
maldito canalha! Minha memria! Minha memria... tenho de gravar que
possvel sorrir, sorrir, e ser canalha. Pelo menos, tenho certeza que assim
na Dinamarca. (escreve) Pronto, meu tio, a est. E agora, o meu lema:
Adeus, adeus! Lembre de mim. Esse o meu juramento.
HORCIO - (fora de cena) Prncipe, prncipe!
Entram Horcio e Marcelo.
MARCELOPrncipe Hamlet!
HORCIOO cu proteja!
HAMLETAssim seja!
MARCELOOl, ho, ho, meu senhor!
HAMLETOl, ho, ho, rapaz! Venha, falco, venha.
MARCELOComo o senhor est?
HORCIO O que aconteceu?MARCELOOh, que incrvel!
HORCIOConte, meu prncipe.
HAMLETNo, voc vai falar.
HORCIOEu no, meu prncipe, por Deus!
MARCELONem eu, meu senhor.
HAMLETO que vocs me dizem? Ser que o corao humano jamais sonhou com
isso? Mas vo guardar segredo?AMBOS Por Deus, senhor, meu prncipe.
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HAMLET No existe em toda a Dinamarca um s canalha... que no seja um
rematado malandro.
HORCIO No precisa nenhum fantasma sair do tmulo para dizer isso, meu
prncipe.
HAMLET verdade! Voc est certo! Ento, sem mais rodeios acho melhor a gente
apertar as mos e se separar. Vocs para os seus negcios e desejos, pois
todo homem tem sempre algum negcio, algum desejo, assim , e eu para
o meu pobre lado, vejam vocs, vou rezar.
HORCIOMas isso s um amontoado de palavras sem sentido, meu prncipe.
HAMLET Desculpe se ofendi voc, de corao. Desculpe, acredite, de corao.
HORCIOSem ofensa, meu prncipe.
HAMLETAh, por So Patrcio, ofensa h, sim, Horcio, e ofensa grande. Quanto
viso que ns tivemos aqui, um fantasma honesto, eu garanto. E essa
vontade de saber o que houve entre eu e ele, vocs controlem como
puderem. Agora, meus bons amigos, porque so meus amigos, estudantes,
e soldados, atendam s um pedido meu.
HORCIOO que, meu prncipe? Ns atendemos.
HAMLET No contem nunca o que viram hoje aqui.
AMBOS No contamos, meu senhor.
HAMLETNo, jurem.
HORCIOPor Deus, meu prncipe, no falo.
MARCELONem eu, meu senhor. Juro.
HAMLET Pela minha espada.
MARCELOJ juramos, meu senhor.
HAMLET Juraram, mas pela minha espada, jurem.
O Fantasma grita embaixo do palco.
FANTASMAJurem.
HAMLET Ah, rapaz, voc que diz isso? Est a, meu parceiro? Vamos! J ouviram
o sujeito do poro. Jurem de uma vez.
HORCIOProponha o juramento, prncipe.
HAMLET No contar nunca o que viram aqui. Jurem pela minha espada.FANTASMA(embaixo do palco) Jurem. (eles juram)
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HAMLET - Hic et ubique? [Aqui e em toda parte?] Ento vamos mudar de lugar.
Venham para c, vocs, e ponham a mo na minha espada. No contar
nunca o que ouviram aqui: jurem pela minha espada.
FANTASMA(embaixo do palco) Jurem pela espada.
HAMLET Falou bem, toupeira velha! Como cava to depressa? Bom cavador! Mudar
mais uma vez, meus amigos.
HORCIOOh, dia e noite, isto est ficando muito estranho!
HAMLET E como um estranho deve ser bem vindo. H mais coisas no cu e na terra,
Horcio, do que sonha a nossa filosofia. Mas vamos! Aqui, como antes,
com a ajuda de Deus, por mais estranho ou esquisito que eu parea, porque
daqui para a frente eu talvez tenha de adotar uma atitude estranha, jurem
que, ao me ver assim, nunca vo cruzar os braos assim, nem sacudir a
cabea, nem dizer frases dbias como Bom, eu sabia ou Se eu quisesse,
eu podia..., ou Se a gente abrisse a boca ou Tem gente que, se
quisesse... e nem fazer insinuaes ambguas para mostrar que sabem
alguma coisa sobre mim. No faam nada disso e a gratido e a
misericrida estaro sempre com vocs. Jurem.
FANTASMA(embaixo do palco) Jurem
Eles juram.
HAMLET Descanse, descanse, esprito perturbado! E agora, amigos, com todo meu
amor me coloco em suas mos. E tudo o que um pobre homem como
Hamlet puder fazer para expressar amor e amizade por vocs, Deus
permita, ser feito. Vamos embora juntos e apertem os dedos nos lbios,
eu peo. Nosso tempo est fora dos eixos. Ah, maldita hora que eu nascipara endireitar! Pronto, vamos embora juntos.
Saem.
Ato II
Cena 1
Elsinore. Uma sala na casa de Polnio.Entram Polnio e Reinaldo.
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POLNIOEntregue a ele este dinheiro e estas cartas, Reinaldo.
REINALDOPois no, meu senhor.
POLNIO Antes de encontrar com ele, Reinaldo, seria muito bom voc tomar
informaes.
REINALDOEra o que eu pretendia fazer.
POLNIO Ah, bem falado, muito bem falado. Olhe aqui, voc pergunta primeiro
quem so os dinamarqueses que vivem em Paris. E como, e quem, e com
que meios, e onde moram, com quem andam, quanto gastam. E
investigando desse jeito, com perguntas vagas, se conhecem o meu filho,
voc vai chegar mais perto do que com perguntas diretas. Faa de conta,
assim, que conhece de longe o meu filho, assim: Conheo o pai dele, e
amigos, e ele, em parte. Est entendendo, Reinaldo?
REINALDOEstou, muito bem, meu senhor.
POLNIOE ele, em parte, voc diz, mas no bem, porque se for mesmo quem eu
estou pensando, muito desenfreado, chegado nisto e naquilo e a imputa
a ele as invenes que quiser. Ah, mas nenhuma to baixa que possa
comprometer a honra dele, cuidado com isso, e, sim, audcias,
irresponsabilidades e deslizes desses que normal serem companheiros da
juventude e da liberdade.
REINALDOComo o jogo, meu senhor.
POLNIO, e a bebida, o duelo, o palavro, briga, mulher. Pode ir at a.
REINALDOMas isso no vai depor contra ele?
POLNIO Claro que no, se voc dosar bem a acusao. No atribua a ele nenhum
escndalo maior, como a devassido, no esse o meu intuito. Mas fale
dos defeitos dele de jeito que fiquem parecendo pecados da liberdade,brilho e expresso de um esprito fogoso, arroubos do sangue ainda no
domado, que por tudo se interessa.
REINALDOMas, meu querido senhor...
POLNIOPor que fazer uma coisa dessas?
REINALDO, sim, senhor. Eu gostaria de saber.
POLNIOAh, esse o meu plano e acho que no vai fazer mal nenhum. Voc coloca
essas leves manchas no meu filho, como se fosse uma coisa que fica umpouco suja durante o trabalho. Veja bem, a pessoa com quem voc estiver
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conversando, essa que voc estiver sondando, se j viu o rapaz cometendo
esses citados crimes que voc insinua, pode ter certeza que ela vai
concordar com voc ento: Meu caro senhor ou coisa assim, ou meu
amigo e tal, ou cavalheiro... de acordo com a origem e a formao do
sujeito e do pas...
REINALDOMuito bem, meu senhor.
POLNIO E a ento a pessoa fala... a pessoa... O que que eu estava dizendo?
Minha nossa! Eu ia dizer alguma coisa! Onde eu parei?
REINALDOEm ela vai concordar..., em meu amigo e tal e cavalheiro.
POLNIO Em ela vai concordar. Isso, arre! Concorda assim: Eu conheo o
cavalheiro. Vi esse rapaz, ontem mesmo, ou ante-ontem, ou noutro dia,
ou noutro, com um ou com outro, bem como o senhor disse, jogando
aqui, bebendo ali, brigando l. Ou quem sabe Vi quando estava entrando
numa casa de comrcio, videlicet [quer dizer], um bordel, e assim por
diante. Agora, veja: a sua isca de falsidade pescou a carpa da verdade. E
assim, gente como ns, de sabedoria e de viso, com rodeios, com manha,
por vias tortas acha o caminho direito. Ento, voc vai seguir esses
conselhos e preceitos, e fazer assim com meu filho. Entendeu bem, no
entendeu?
REINALDOEntendi, sim, senhor.
POLNIOEnto v, adeus!
REINALDOMeu caro senhor.
POLNIOVeja voc mesmo como ele est.
REINALDOFarei isso, meu senhor.
POLNIOE deixe ele compor a prpria msica.
REINALDOMuito bem.POLNIOAdeus!
Sai Reinaldo.
Entra Oflia.
E ento, Oflia? Qual o problema?
OFLIA - Ah, meu pai, meu pai, fiquei to assustada!
POLNIOCom o que, pelo amor de Deus!
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OFLIA Eu estava costurando no meu quarto, quando Hamlet apareceu na minha
frente, com o gibo todo desabotoado, sem chapu na cabea, as meias
sujas, sem ligas, cadas no tornozelo, mais plido que a camisa, os joelhos
batendo um no outro, com um ar de dar pena, como se tivesse escapado do
inferno para falar de horrores.
POLNIOLouco de amor por voc?
OFLIA No sei, meu pai, mas temo que sim.
POLNIOO que ele disse?
OFLIA Me pegou pelo pulso e apertou. Depois, se afastou at esticar o brao, com
a outra mo assim na testa, e ficou olhando tanto para o meu rosto que
parecia que ia desenhar o meu retrato. Ficou muito tempo assim. Depois,
sacudiu um pouco meu brao e balanou assim a cabea trs vezes, para
cima e para baixo, e deu um suspiro to triste e to profundo que parecia
que o seu corpo ia estalar e acabar com ele. Depois, me soltou e com a
cabea virada para trs, foi saindo sem usar os olhos, passou pela porta
sem precisar deles, o olhar pregado em mim at o ltimo instante.
POLNIOVenha, vamos comigo. Vou procurar o rei. Isso xtase de amor, que se
destri com a prpria violncia e leva a vontade do homem a atos
desesperados, como toda paixo que aflige a nossa natureza. Sinto muito.
Ento, voc disse a ele alguma palavra dura ultimamente?
OFLIA No, pai. Mas como o senhor mandou recusei suas cartas e no deixei que
falasse comigo.
POLNIO Por isso enlouqueceu. Sinto muito no ter tido mais cuidado e melhor
critrio para avaliar seus atos. Achei que no passava de um capricho para
se aproveitar de voc. Mas maldito seja o meu cime! Por Deus, o excesso
de cuidado to comum na minha idade quanto a imprudncia nos jovens.Venha, vamos at o rei. Ele tem de saber. Porque se isso ficar fechado
pode criar mais sofrimento, escondido, que dio, revelado. Venha.
Saem.
Cena 2
Elsinore. Uma sala no castelo.Fanfarra. Entram o rei e a rainha, Rosencrantz e Guildenstern, e a corte.
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REI - Bem vindos, queridos Rosencrantz e Guildenstern. Alm da vontade que
tnhamos de ver vocs, foi a necessidade de seus servios que provocou
nosso apressado convite. Devem ter ouvido alguma coisa sobre a
transformao de Hamlet. Eu chamo assim porque nem por dentro nem por
fora ele parece mais o homem que era. No consigo atinar o que, alm da
morte do pai, possa ter desviado desse jeito o seu entendimento de si
mesmo. Ento peo aos dois, que desde to meninos cresceram com ele, e
to bem conhecem sua juventude e comportamento, que nos brindem com
sua permanncia em nossa corte por algum tempo, para servir de
companhia a ele em divertimentos e descobrir assim tudo o que puderem,
se h alguma causa secreta de sua aflio que, revelada, esteja em nosso
alcance remediar.
RAINHA Meus queridos rapazes, ele fala muito de vocs e tenho certeza que no
existem dois homens de quem se sinta mais prximo. Seria uma prova de
gentileza e boa vontade se quisessem passar conosco algum tempo,
alimentando a nossa esperana. Sua visita ser alvo da gratido devida por
um rei.
ROSENCRANTZ Majestades, pelo poder soberano que tm sobre ns, podiam nos
dar uma ordem em vez de um pedido.
GUILDENSTERN Ns dois obedecemos e renunciamos a ns mesmos, e nos
curvamos para colocar nossos servios aos seus ps, s suas ordens.
REI Obrigado, Rosencrantz e caro Guildenstern.
RAINHA Obrigada, Guildenstern e caro Rosencrantz. E suplico que vo visitar
imediatamente o meu filho to mudado. Vo, alguns de vocs, e levem
esses cavalheiros aonde est Hamlet.GUILDENSTERNQue o cu torne a nossa presena e as nossas providncias teis e
agradveis a ele!
RAINHA Isso, amm!
Saem Rosencrantz e Guildenstern, junto com alguns criados.
Entra Polnio.
POLNIOOs embaixadores da Noruega chegaram bem, majestade.
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REI Voc sempre o pai das boas notcias.
POLNIO Sou, majestade? Garanto, meu soberano, que tanto o meu dever como a
minha alma esto ambos a servio de Deus e do meu rei. E acho, a menos
que este meu crebro no descubra mais como antes o rasto de uma intriga,
acho que descobri a verdadeira causa da loucura de Hamlet.
REI Ah, diga logo. Isso eu quero saber.
POLNIO Receba primeiro os embaixadores. Minha notcia ser a sobremesa desse
banquete.
REI Faa voc as honras e traga os dois aqui.
Sai Polnio.
Ele me disse, minha querida Gertrudes, que descobriu a causa e a fonte do
destempero de seu filho.
RAINHA Duvido que seja outra coisa alm do principal: a morte do pai e nosso
casamento apressado demais.
REI , vamos ter de ouvir com muito cuidado.
Entram Polnio, Voltimando e Cornlio.
Bem vindos, bons amigos. Ento, Voltimando, o que nos manda o nosso
irmo da Noruega?
VOLTIMANDO A mais completa retribuio de votos e saudaes. Assim que nos
recebeu, mandou suspender o recrutamento de soldados do sobrinho, que
ele havia achado que era uma preparao contra os poloneses, mas que
examinando melhor, descobriu ser realmente contra Sua Alteza. Lamentouque sua doena, idade e impotncia fossem to desconsideradas, e mandou
chamar Fortinbras. O jovem logo atendeu o chamado, foi repreendido pelo
rei e prontamente jurou diante do tio nunca mais ameaar com armas Sua
Majestade. Diante disso, o velho noruegus, tomado de alegria, lhe
atribuiu trs mil coroas de penso anual e a permisso de empregar os
soldados j recrutados contra os poloneses. Props um tratado, aqui escrito
(entrega um papel) solicitando que o senhor permita ordeira passagem por
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seus domnios para essa empresa, respeitadas a segurana e a ordem como
a vai expresso.
REI Ficamos bem contentes. E com mais tempo leremos, responderemos e
pensaremos sobre esse assunto. Por ora, agradecemos seu bem sucedido
empenho. Sejam bem vindos de volta.
Saem embaixadores.
POLNIOEssa questo terminou bem. Meu soberano, senhora, questionar o que seria
a majestade, o que o dever, por que o dia dia, a noite noite e o tempo
tempo, seria nada mais que desperciar noite, dia e tempo. Portanto, uma
vez que a brevidade a alma da razo e o tdio os seus membros, eu serei
breve. Seu nobre filho est louco. Louco eu digo. Pois, definindo a
verdadeira loucura, de que se trata seno de se estar louco? Mas basta
disso.
RAINHA Mais consistncia, menos arte.
POLNIO Majestade, juro que no estou usando arte nenhuma. Que ele louco,
verdade. verdade que pena, e pena que verdade. s uma figura de
linguagem! Mas basta disso, porque no vou usar arte. Louco, portanto:
nisso concordamos. Resta saber a causa desse efeito. Melhor dizendo, a
causa desse defeito, porque esse efeito defeituoso tem uma causa. Mas
ainda tem mais uma coisa e a coisa que tem o seguinte. Vamos ver.
Tenho uma filha (tenho enquanto estiver comigo) que por dever e
obedincia, vejam bem, me entregou isto aqui. Escutem e concluam. (l
uma carta) Ao dolo da minha alma, a celestial e mais que bela Oflia...
Uma expresso ruim, infeliz, mais que bela no uma boaexpresso.Mas escutem: (l)
Que em seu perfeito e branco seio, estas etc.
RAINHA Foi Hamlet quem mandou isso para ela?
POLNIOCara senhora, espere um pouco. Vou ler fielmente. (l)
Duvide que o sol se movimente.
Duvide que as estrelas sejam fogo e calor.
Duvide que a verdade nunca mente.Mas nunca duvide deste meu amor.
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Ah, querida Oflia, eu sou to ruim com versos. No tenho arte para rimar
meus gemidos, mas que o meu amor perfeito, oh perfeio, acredite.
Adeus. Seu para sempre, minha querida dama, enquanto esta mquina me
pertencer. Hamlet. Isso, por obedincia, minha filha me mostrou. E mais
ainda, medida que ia acontecendo, quando, como e onde, ela me revelou.
REI Mas como ela recebeu o amor dele?
POLNIOO que o senhor pensa de mim?
REI Que um homem honrado e digno de confiana.
POLNIOEu gostaria de provar que sim. Mas o que o senhor diria se eu tivesse visto
esse ardoroso amor nascer (como percebi, devo confessar, antes de minha
filha me contar), o que o senhor, ou minha querida majestade a rainha aqui
presente, iam pensar se eu tivesse guardado essa histria na memria, ou
tivesse escolhido calar a boca, ou olhasse esse amor com um olhar
complacente? O que iam pensar? No, pus mos obra e falei assim para a
minha filha: Hamlet um prncipe, fora do seu alcance. Isso no pode
ser. E aconselhei que Oflia impedisse a aproximao dele, que no
admitisse mensageiros, nem recebesse presentes. O que foi feito. Ela
colheu os frutos dos meus conselhos e ele, recusado, para resumir a
histria, caiu numa tristeza, depois perdeu a fome, depois o sono, depois
veio a fraqueza, depois alucinou e assim, caindo sempre, chegou a essa
loucura em que se debate agora. E que todos ns lamentamos.
REI Acha que isso?
RAINHA Pode muito bem ser que sim.
POLNIOJ aconteceu alguma vez, eu gostaria de saber, de eu dizer definitivamente
assim e no ser?
REI No que eu saiba.POLNIOSepare isto (aponta a cabea, depois o ombro), disto, se for diferente. Se
as circunstncias exigirem, eu descubro onde a verdade se esconde, nem
que esteja escondida mesmo l no fundo da terra.
REI Como podemos investigar mais essa histria?
POLNIOO senhor sabe que ele s vezes fica andando horas e horas pela galeria.
RAINHA verdade.
POLNIONessa hora, eu solto minha filha para ele. Ns dois nos escondemos atrsde uma cortina. Observamos o encontro. Se ele no amar a menina e no
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tiver perdido a razo por isso, eu no serei mais secretrio de estado, e vou
ser fazendeiro e carroceiro.
REI Vamos tentar.
Entra Hamlet, lendo um livro.
RAINHA Mas olhe como vem lendo, to triste, coitado.
POLNIOVo, eu imploro, saiam os dois. Vou falar com ele. Ah, me permitam.
Saem o rei e a rainha.
Como vai, meu querido Hamlet?
HAMLETBem. Deus nos guarde.
POLNIOSabe quem sou eu, meu senhor?
HAMLET Bem demais, demais. um pescador.
POLNIOEu no, meu senhor.
HAMLET Pois queria que fosse um homem to honesto assim.
POLNIOHonesto, meu senhor?
HAMLET , sim. Honesto, neste mundo, s se pesca um entre dez mil.
POLNIOIsso bem verdade, meu senhor.
HAMLETO sol gera vermes num cachorro morto quando beija a carnia... Voc tem
uma filha?
POLNIOTenho, sim, senhor.
HAMLET No deixe ela sair no sol. A concepo uma bno, mas no do jeito que
sua filha pode conceber. Cuidado, amigo.
POLNIO ( parte) O que quer dizer isso? Sempre tocando na minha filha. E deincio nem me reconheceu. Disse que eu era um pescador. Est com a
cabea longe, muito longe! Para dizer a verdade, na minha juventude, eu
sofri muito por amor, quase assim. Vou falar com ele de novo. O que est
lendo, meu senhor?
HAMLETPalavras, palavras, palavras.
POLNIOMas sobre o que, meu senhor?
HAMLET Sobre o que como?POLNIOQuer dizer, sobre o que isso que o senhor est lendo, meu senhor?
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HAMLET Calnias, meu amigo. Pois este malandro diz aqui nesta stira que os
velhos tm barba grisalha, a cara enrugada, os olhos cheios de resina de
mbar, ou de goma de ameixa, e que no tm nenhum juzo, alm da
bunda mole demais. E tudo isso, embora eu acredite piamente e concorde
com todas as foras, no acho que seja decente colocar por escrito. Pois o
senhor mesmo teria a minha idade, se pudesse, como caranguejo, andar
para trs.
POLNIO( parte) Apesar de loucura, tem um certo mtodo. Meu senhor, no quer
sair do vento?
HAMLETE entrar no meu tmulo?
POLNIO fato, no tmulo no venta. ( parte) Como so cheias de sentido as
respostas dele! So esses achados da loucura que a razo e a sanidade nem
sempre alcanam. Mas vou deixar que fique aqui, para preparar depressa
um jeito de ele encontrar minha filha. Meu honrado prncipe, tomo a
liberdade de me retirar.
HAMLET Ningum toma nem retira de mim nada de que eu no me separe de boa
vontade.... a no ser a vida, a no ser a vida, a no ser a vida.
Entram Rosencrantz e Guildenstern.
POLNIOAdeus, meu senhor.
HAMLET Esses idiotas velhos!
POLNIOVo falar com Hamlet. Ele est ali.
ROSENCRANTZ(para Polnio) Deus lhe guarde, meu senhor!
Sai Polnio.
GUILDENSTERNMeu honrado prncipe!
ROSENCRANTZMeu querido prncipe!
HAMLET Meus amigos mais queridos! Como vai, Guildenstern? Ah, Rosencrantz!
Como vo vocs, parceiros?
ROSENCRANTZComo simples filhos da terra.
GUILDENSTERNFelizes por no sermos felizes demais. No chapu da Fortuna, nsno somos a pena.
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HAMLETNem a sola do sapato?
ROSENCRANTZNem um, nem outro, prncipe.
HAMLETEnto vivem mais ou menos na cintura dela, no meio dos seus favores?
GUILDENSTERN, somos ntimos.
HAMLET Das partes secretas da Fortuna? Ah! verdade! A Fortuna uma puta.
Alguma novidade?
ROSENCRANTZNada, prncipe, s que o mundo ficou honesto.
HAMLETEnto estamos perto do juzo final! Mas essa sua novidade no verdade.
Deixe eu perguntar direito. O que voc fizeram, meus amigos, para
merecer da Fortuna ser mandados para esta priso?
GUILDENSTERNPriso, meu prncipe?
HAMLETA Dinamarca uma priso.
ROSENCRANTZEnto o mundo .
HAMLETInteiro. Com muitas celas, calabouos e masmorras, a Dinamarca uma das
piores.
ROSENCRANTZAchamos que no, senhor.
HAMLETEnto para voc no nada. Porque uma coisa s boa ou m quando o
pensamento diz que assim. Para mim, uma priso.
ROSENCRANTZ a sua ambio que diz que assim. pequena demais para a sua
alma.
HAMLET Ah, Deus, eu podia estar preso numa casca de noz e me achar o rei do
espao infinito, se no tivesse sonhos maus.
GUILDENSTERNSonhos que so ambio. Porque a prpria substncia da ambio
no passa da sombra de um sonho.
HAMLETO prprio sonho no mais que uma sombra.
ROSENCRANTZ mesmo. E acho a ambio uma coisa to leve e transparente queno passa da sombra de uma sombra.
HAMLET Ento nossos mendigos so corpos e nossos monarcas e altos heris
sombras de mendigos. Vamos para a corte? Confesso que no estou
conseguindo raciocinar.
AMBOS Estamos s suas ordens.
HAMLETNada disso! No quero vocs ao lado do resto dos meus criados, porque,
para falar com franqueza, estou sendo horrendamente mal servido. Agora,no terreno firme da amizade, me digam o que esto fazendo em Elsinore?
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ROSENCRANTZUma visita ao senhor, prncipe. S isso.
HAMLET Mendigo que sou, sou pobre at em agradecimentos. Mas agradeo a
vocs, e meus agradecimentos no valem nem um tosto. No foram
chamados, no? Vieram porque quiseram? Uma visita de livre vontade?
Vamos l, sejam sinceros comigo. Vamos, vamos, falem!
GUILDENSTERNO que podemos dizer, meu prncipe?
HAMLET Qualquer coisa, ora, mas que no seja fora de propsito. Vocs foram
chamados. Eu vejo na sua cara um ar de confisso que no conseguem
disfarar. Eu sei que o bom rei e a rainha mandaram chamar vocs.
ROSENCRANTZPara que, meu prncipe?
HAMLETIsso vocs vo me contar. Mas peo, pelos direitos de nossa amizade, pela
harmonia da nossa juventude, pela obrigao do nosso afeto constante, e
por tudo mais que um melhor negociador pudesse propor, sejam francos e
diretos comigo, e digam se foram chamados ou no.
ROSENCRANTZ( parte, para Guildenstern) O que voc diz?
HAMLETNo, estou de olho em vocs. Se gostam de mim, no escondam nada.
GUILDENSTERNMeu senhor, ns fomos chamados.
HAMLET E vou dizer por que. Assim minha adivinhao dispensa a sua revelao e
a sua fidelidade ao rei e rainha no perde nem uma pena. Ultimamente,
por algum motivo que no sei, perdi toda alegria, renunciei a todo costume
de exerccios, minha disposio anda to pesada que esta bela estrutura, a
terra, me parece um monte estril. Este excelente dossel, o ar, vejam
vocs, este admirvel firmamento, majestosa abdada salpicada de fogos
dourados, no me parece nada mais que uma combinao de vapores
pestilentos. Que obra prima o homem! Como nobre na razo! Como
infinito em capacidades! em forma e em movimento to admirvel epreciso! na ao to igual a um anjo! na apreenso to igual a um deus!
maravilha do mundo, paradigma dos animais! E para mim, porm, o que
essa quintessncia do p? Os homens no me divertem... no, nem as
mulheres, apesar de voc com esse sorriso achar que sim.
ROSENCRANTZMeu prncipe, eu no pensei nada disso.
HAMLETEnto por que riu quando eu disse o homem no me diverte?
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ROSENCRANTZ Porque pensei que se o senhor no se diverte com o homem os
atores vo receber um tratamento bem magro por aqui. Passamos por eles
no caminho e esto vindo oferecer seus servios.
HAMLETO que faz o rei vai ser bem vindo, sua majestade receber de mim o seu
tributo, o aventureiro haver de usar sua armadura e seu escudo, o
apaixonado no vai suspirar de graa, o dramtico vai terminar sua parte
em paz, o cmico h de fazer rir os que tm ccega nos pulmes, e a dama
poder dizer livremente o que quiser, seno o verso branco vira verso de
p quebrado. Que atores so esses?
ROSENCRANTZAqueles mesmos com que o senhor tanto se divertia, os trgicos da
cidade.
HAMLETE por que esto viajando? Ganhariam mais fama e proveito se ficassem na
sua terra.
ROSENCRANTZAcho que tiveram problemas com essa ltima inovao.
HAMLET Ainda tm o mesmo prestgio de quando eu morava na cidade? Ainda
atraem pblico?
ROSENCRANTZNa verdade, no.
HAMLETPor que isso? Enferrujaram?
ROSENCRANTZ No, continuam com o empenho de sempre, mas apareceu uma
ninhada de crianas, meu senhor, uns pintainhos que berram o texto e so
tiranicamente aplaudidos por isso. Eles so a moda agora, e falam tanto
mal do teatro comum (como eles dizem) que muita gente que usa espada
na cinta tem medo desses que usam pena na mo e no tm coragem de
comparecer.
HAMLETO que? So crianas? Mantidos por quem? Sustentados como? Continuam
na profisso depois de mudar de voz? No vo dizer depois, se crescerem evirarem atores comuns (o que provvel, se no tm outros meios) que
foram prejudicados pelos autores, levados a falar contra seu prprio
futuro?
ROSENCRANTZ Na verdade, tem acontecido muita coisa dos dois lados. E o pas
inteiro no v nenhum pecado em promover a discrdia. Durante algum
tempo, nenhuma pea fazia dinheiro a menos que autor e ator se pegassem.
HAMLET mesmo?GUILDENSTERNAh, teve muita cabea quebrada.
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HAMLETE os meninos saem ganhando?
ROSENCRANTZAh, ganham, prncipe. Em todos os teatros.
HAMLETNo de estranhar. Meu tio rei da Dinamarca e os que torciam o nariz
para ele quando meu pai estava vivo, hoje pagam vinte, quarenta,
cinqenta, cem ducados por um retrato dele em miniatura. Sangue de
Cristo! Se a filosofia pudesse explicar, diria que tem a alguma coisa que
vai alm do natural.
Fanfarra para os atores.
GUILDENSTERNOs atores.
HAMLETCavalheiros, sejam bem vindos a Elsinore. Um aperto de mo, vamos l!
Todo o ritual de boas vindas como do costume e do cerimonial. Quero
cumprir isso tudo com vocs seno a minha recepo aos atores, que,
garanto, vai ser bem vistosa, pode parecer maior que a de vocs. Sejam
bem vindos. Mas meu tio-pai e minha tia-me esto enganados.
GUILDENSTERNNo que, meu senhor?
HAMLETEu s sou louco quando sopra o norte-noroeste. Quando o vento sul no
confundo gavio com passarinho.
Entra Polnio.
POLNIOTudo bem, senhores?
HAMLET Escute, Guildenstern, e voc tambm, em cada ouvido um ouvinte! Esse
bebezo que vocs esto vendo ali ainda no saiu dos cueiros.
ROSENCRANTZSorte dele estar assim pela segunda vez. Dizem que a velhice umasegunda infncia.
HAMLET Pois eu profetizo que ele veio me anunciar os atores. Olhem s. Tem
razo, foi mesmo na segunda-feira de manh.
POLNIOMeu senhor, trago uma notcia.
HAMLET Meu senhor, trago uma notcia. Quando Roscius era ator em Roma...
POLNIOOs atores chegaram, meu senhor.
HAMLETEle fala, fala!POLNIOPelo que eles montam...
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HAMLET Cada ator no seu burro...
POLNIO...so os melhores atores do mundo, seja para tragdia, comdia, histrica,
pastoral, pastoral-cmica, histrico-pastoral, trgico-histrica, trgi-
cmica-histrica-pastoral; seja na cena de unidade, seja no poema infinito.
Seneca no fica pesado, nem Plauto leve demais. Eles obedecem o texto
sem perder a liberdade, so os melhores.
HAMLET Oh, Jeft, juiz de Israel, que tesouro o seu!
POLNIOQue tesouro era o dele, meu senhor?
HAMLET Ora, uma bela filha e nica,
que ele amava mais que tudo.
POLNIO( parte) Ainda a minha filha.
HAMLET No tenho razo, velho Jeft?
POLNIOJ que me chama de Jeft, meu senhor, eu tenho uma filha que amo mais
que tudo.
HAMLET No, no assim que continua.
POLNIOComo ento, meu senhor?
HAMLET Assim: Deus por sina determina, e depois, voc sabe, Veio a acontecer,
o que era de se prever. Descubra o resto na primeira estrofe desse hino,
porque, olhe, a minha interrupo est chegando.
Entram quatro ou cinco atores.
Bem vindos, mestres, bem vindos todos. Fico contente de ver todos bem.
Bem vindos, meus amigos. Ah, meu velho amigo? A cortina do seu rosto
est mais franzida que da ltima vez que nos vimos. Veio me puxar as
barbas na Dinamarca? O que? Minha jovem dama e senhora? Minha nossa,sua graa est um salto de coturno mais perto do cu do que da ltima vez
que nos vimos. Deus queira que sua voz no tenha rachado como uma
moeda que no circula mais. Mestres, bem vindos todos. Vamos fazer
como os falcoeiros franceses e voar logo em cima da presa. Quero ouvir
uma fala. Agora. Vamos l, uma amostra do seu talento. Vamos l, uma
fala apaixonada.
PRIMEIRO ATORQual fala, meu caro senhor?
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HAMLETVoc uma vez me declamou uma coisa que nunca foi encenada. Ou, se foi,
no mais de uma vez. Porque a pea, eu me lembro, no agradou
multido, era caviar para o populacho. Mas era, na minha opinio e na de
outros que entendem mais do assunto do que eu, uma pea excelente, com
as cenas bem organizadas, escritas com simplicidade sem perder a
sabedoria. Lembro de algum dizer que o texto no apelava para nenhum
tempero especial para ser saboroso, e que as frases no mostravam
nenhuma afetao do autor, que era um trabalho honesto, sadio e suave, e,
de longe, mais belo do que refinado. O que mais gostei foi uma fala de
Enas para Dido, e, nesse trecho, principalmente quando ele fala da morte
de Pramo. Se isso ainda estiver vivo na sua memria, comece com este
verso... deixe eu ver, deixe eu ver:
O rude Pirro, como o tigre hircnio...
No assim, mas comea com Pirro:
O rude Pirro, com suas negras armas,
sombrias tal o seu intento, iguais noite
em que escondido no cavalo hediondo,
teve a figura j horrenda e sombria manchada
num braso ainda mais terrvel.
Da cabea aos ps j ele todo rubro,
do sangue untado de pais, mes, filhas, filhos,
que em crostras recobre as ruas ressecadas,
uma luz tirana e amaldioada lanando
sobre a morte de seu amo. Ardendo em dio e fogo,
e assim gigante pelo sangue coagulado,
olhos como carbnculos, o infernal Pirroo velho senhor Pramo procura.
Agora, continue voc.
POLNIO Deus do cu, meu senhor, bem falado, com bela dico e belo
entendimento.
PRIMEIRO ATORE logo o encontra,
nos gregos desferindo golpes curtos demais,
A velha espada rebelde ao brao, jaz onde cai,hostil ao comando. Em desigual combate
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Pirro a Pramo se lana, irado, em largos golpes.
Ao mero sopro e silvo da espada perversa
cai o velho pai. Ento, a insensata Tria,
parecendo sentir esse golpe, os tetos chamejantes
pe por terra, e com horrendo estrondo
cerra de Pirro o ouvido. Olha! A sua espada
que j descia sobre a lctea cabea
do venerando Pramo, no ar se crava.
E como a pintura de um tirano, Pirro,
neutralizado na vontade e na matria,
nada faz.
E como sempre se v antes da tempestade
um silncio nos cus, as nuvens paradas,
o ousado vento mudo, e a esfera abaixo
quieta tal a morte, para logo o hrrido trovo
rasgar os ares, assim tambm, aps a pausa de Pirro,
incendiada vingana o lana ao.
Nunca o martelo dos cclopes bateu
a couraa de Marte, forjada para a eternidade,
com menos d que a sangrenta espada de Pirro
ento se abate sobre Pramo.
Fora, fora, meretriz Fortuna! , deuses todos,
reunidos em conselho, despojai-a de poder,
quebrai os eixos e raios de sua roda
e rolai a esfera pela encosta do cu,
at o fundo dos demnios!POLNIOComprido demais.
HAMLET o que o barbeiro acharia da sua barba. Por favor, continue. Para ele, se
no for farsa, nem indecncia, ele dorme. Continue. Vamos para Hcuba.
PRIMEIRO ATORMas quem, , quem viu a velada rainha...'
HAMLET - Velada rainha?
POLNIO - bom! Velada rainha muito bom.
PRIMEIRO ATOR...correr descala, desvairada, ameaando as chamascom suas cegas lgrimas, um trapo na cabea
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onde antes pousava a coroa, e por manto,
envolta no flanco magro e de parir exausto,
a manta no alarme do terror achada...
Quem isso visse, com lngua envenenada,
contra a Fortuna traio clamaria.
Se os prprios deuses a vissem ento,
quando ela viu Pirro com prfido prazer
com a espada retalhar os membros do marido,
e o clamor em que logo explodiu
(a menos que coisas mortais o no comovam)
teria feito chorar os olhos de fogo do cu
e despertado a compaixo dos deuses.
POLNIOOlhem, ele mudou de cor, e tem lgrimas nos olhos. Peo que pare!
HAMLET Tudo bem. Vou querer que me diga o resto depois. Meu amigo, pode
cuidar para os atores ficarem bem acomodados? Ouviu? Que sejam bem
tratados, porque eles so a crnica breve e abstrata do tempo. melhor ter
um epitfio negativo depois da morte do que cair em desgraa com eles
enquanto vivo.
POLNIOMeu senhor, vo ser tratados como merecem.
HAMLET Nada disso, muito melhor! Se todo mundo for tratado como merece, quem
escapa do chicote? Que sejam tratados como se tivessem a mesma honra e
dignidade que o senhor. Quanto menos merecerem, maior ser o seu
mrito. V com eles.
POLNIOVenham, senhores.
HAMLET Vo com ele, meus amigos. Amanh veremos uma pea.
Saem Polnio e atores, menos o Primeiro Ator.
Ouviu, amigo velho? Podem fazer O assassinato de Gonzaga?
PRIMEIRO ATORPodemos, sim senhor.
HAMLET essa que eu quero assistir amanh noite. Podem, se for preciso, decorar
uma fala de umas doze, dezesseis linhas que vou escrever para intercalar
no texto, no podem?PRIMEIRO ATORPodemos, sim, senhor.
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HAMLET Tudo bem. V com aquele homem. E no caoem dele.
Sai o Primeiro Ator.
Meus queridos amigos, nos vemos de noite. So muito bem vindos a
Elsinore.
ROSENCRANTZMeu caro senhor!
HAMLET , , Deus lhes guarde!
Saem Rosencrantz e Guildenstern.
Agora estou sozinho. Oh, que vagabundo, que escravo eu sou! No
monstruoso que esse ator a, em mera fico, numa paixo inventada,
consiga dobrar a alma ao seu prprio capricho de tal forma que, por obra
dela, seu rosto se entristea, nos olhos, lgrimas, o aspecto se perturbe, a
voz se embargue, e toda sua ao assuma a forma de seu capricho? E tudo
por nada! Por Hcuba! Quem Hcuba para ele, ou ele para Hcuba, para
chorar por ela? O que faria se tivesse o motivo e a deixa para a paixo que
eu tenho? Inundaria o palco com lgrimas e explodiria o ouvido de todo
mundo com gritos horrendos, enlouquecia os culpados e apavorava os
inocentes, confundia os ignorantes, e deixava aturdidas as prprias
faculdades de ver e ouvir. E eu, patife miservel, mole feito lama, divago,
sonhador, negligente com a minha causa, e no consigo dizer nada! No,
nem para defender um rei cuja virtude e vida to preciosas sofreram
derrota to maldita. Sou covarde? Quem me chama de vilo? Me racha a
cabea? Arranca a minha barba e me esbofeteia com ela? Me puxa pelonariz? Me empurra a mentira garganta abaixo, at os pulmes? Quem faz
isso comigo, ahn? Chagas de Cristo, isso que eu mereo! porque no
pode ser assim. Mas tenho fgado de pombo e me falta fel para amargar a
opresso, seno j teria engordado os abutres com as entranhas deste
escravo. Sanguinrio depravado vilo! Desumano, traioeiro, lascivo,
infame vilo! Oh, vingana! Que burro eu sou! Quanta valentia, eu, filho
de um pai querido assassinado, obrigado vingana pelo cu e peloinferno, desabafando assim, feito uma vagabunda, o corao com palavras,
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xingando como uma puta, sim, reles! Que vergonha! Pfhuh! Trabalha
crebro! Hum, disseram que uns criminosos, assistindo a uma pea,
ficaram com a alma to tocada pela fora da cena que revelaram os seus
crimes. Como o assassinato, mesmo no tendo lngua, fala por algum
rgo milagroso, vou fazer esses atores representarem para meu tio alguma
coisa parecida com o assassinato de meu pai. E fico observando as reaes
dele, atento a tudo. Um tremor que seja, e eu saberei meu rumo. O esprito
que eu vi pode ser um diabo. O diabo tem o poder de assumir uma forma
agradvel. , e talvez por causa da minha fraqueza, da minha melancolia,
ele muito potente com espritos assim, tenha me enganado para acabar
comigo. Preciso de provas mais concretas que isso. A pea a coisa onde
vou pegar a conscincia do rei.
Sai.
ATO III
Cena 1
Elsinore. Uma sala no castelo.
Entram o rei, a rainha, Polnio, Oflia, Rosencrantz, Guildenstern e cortesos.
REI E vocs no conseguem, sem forar a situao, saber dele o por que dessa
confuso que agita com tanta aspereza a tranquilidade dos seus dias com
uma turbulenta e perigosa loucura?
ROSENCRANTZ Ele confessa mesmo que est perturbado, mas no h meios de
revelar a causa.
GUILDENSTERNE no nos parece disposto a aceitar conselhos: ele se isola numa
loucura ardilosa quando tentamos fazer com que confesse o seu verdadeiroestado.
RAINHAE recebeu bem vocs dois?
ROSENCRANTZComo um cavalheiro.
GUILDENSTERNMas com muito esforo para mostrar que est bem.
ROSENCRANTZReservado nas perguntas, mas muito generoso nas respostas.
RAINHAConseguiram fazer com que se interessasse por algum passatempo?
ROSENCRANTZ Minha senhora, acontece que cruzamos com alguns atores nocaminho. Contamos isso a ele e pareceu ficar alegre com o que ouviu.
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Esto aqui na corte e acho que j receberam ordens de se apresentar hoje
de noite.
POLNIO verdade, e me pediu para convidar suas majestades para ver e ouvir a
pea.
REI De todo corao. Fico muito contente de saber que est assim. Meus caros
senhores, colaborem para ele continuar assim disposto a esses prazeres.
ROSENCRANTZs suas ordens, majestade.
Saem Rosencrantz e Guildenstern.
REI Minha doce Gertrudes, saia voc tambm. Mandamos, secretamente,
chamar Hamlet aqui, para encontrar Oflia como se fosse por acaso. O pai
dela e eu, espies leais, vamos nos esconder para, vendo sem ser vistos,
podermos avaliar o encontro e descobrir pela conduta dele se ou no por
aflio de amor que tanto sofre.
RAINHA Eu obedeo. Quanto a voc, Oflia, espero que a bno da sua beleza seja
a boa causa da perturbao de Hamlet. Como gostaria tambm que a sua
virtude fizesse meu filho voltar para o seu devido caminho, pela honra de
vocs dois.
OFLIA Espero que sim, majestade.
Sai a rainha.
POLNIO Oflia, voc fica andando por aqui. Sua Graa querendo, vamos nos
esconder. (para Oflia) Leia este livro. Vai dar mais colorido para a sua
solido. Quantas vezes nos acusam, e com toda a razo, de usar caradevota e atos piedosos para adoar o diabo.
REI ( parte) Ah, como isso verdade! Que chicotada esse discurso para a minha
conscincia! A cara da rameira, bonita custa de artifcio, no mais feia
para o cosmtico do que o meu ato para a minha palavra mais pintada. Oh,
que pesada carga!
POLNIOAcho que vem vindo. Vamos sair, meu senhor.
Saem o rei e Polnio.
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Entra Hamlet.
HAMLET Ser ou no ser. Eis a questo: mais nobre sofrer na alma as pedras e
flechadas de um destino ultrajante ou pegar em armas contra um mar de
problemas, e enfrentando todos, acabar com eles? Morrer, dormir... mais
nada. E no sono acabar com a aflio e os mil choques naturais que a carne
traz em si. Essa a consumao que se deve querer como uma bno.
Morrer, dormir. Dormir, sonhar talvez: isso que difcil! Porque os
sonhos que podem existir nesse sono da morte, depois que nos livramos
desta confuso mortal, nos fazem parar para pensar. isso que tanto
prolonga a calamidade desta vida. Quem h de preferir as chicotadas e o
desprezo do tempo, a humilhao do opressor, a arrogncia do orgulhoso,
as dores do amor desprezado, a demora da lei, os desaforos do poder, e os
chutes que os talentosos pacientemente recebem dos indignos, quando o
prprio sujeito pode encontrar a paz na lmina nua de um punhal? Quem
que agenta esse fardo, gemendo e suando numa vida dura, seno pelo
medo de alguma coisa depois da morte, o pas desconhecido, fronteira que
ningum cruza de volta, que confunde a nossa vontade, que nos leva a
preferir os males que j temos do que voar para outros que no
conhecemos? assim que a conscincia transforma todo mundo em
covarde, assim que a cor natural da determinao acaba desbotada pela
palidez do pensamento, e grandes projetos importantes perdem o rumo, e
no podem ser chamados de ao. Quieto agora! A linda Oflia! Ninfa, nas
suas oraes, lembre dos meus pecados.
OFLIA Como tem passado esses dias todos?
HAMLET Humildemente agradeo. Bem, bem, bem.OFLIA Tenho lembranas suas que j faz tempo quero devolver. Peo que aceite
agora.
HAMLET No, no, eu nunca te dei nada.
OFLIA Meu prncipe, sabe muito bem que deu, e junto com essas coisas, palavras
to doces que deixaram os presentes ainda mais ricos. Perdido o perfume,
aceite isto de volta, porque para uma alma nobre o presente rico perde o
valor se o doador no mais gentil. Pegue, por favor.HAMLET - Ha, ha! Voc honesta?
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OFLIA Como?
HAMLET bonita?
OFLIA O que est querendo dizer?
HAMLET Que se voc honesta e bonita, no deve deixar a sua honestidade ouvir a
sua beleza.
OFLIA E a beleza pode ter melhor companhia que a honestidade?
HAMLET , est certo. mais fcil o poder da beleza transformar a honestidade em
cafetina do que a fora da honestidade fazer a beleza ficar igual a ela. Isso,
um dia, foi um paradoxo, mas o nosso tempo prova que verdade. Eu te
amei um dia.
OFLIA , me fez mesmo acreditar que sim.
HAMLETNo devia ter acreditado em mim. No d para enxertar a virtude em um
velho tronco sem que ela fique contaminada. Eu no te amei.
OFLIA Ento me enganei ainda mais.
HAMLET V para um convento. Por que ser uma procriadora de pecadores? Eu
prprio at que sou honesto, e mesmo assim poderia acusar a mim mesmo
de coisas tais que seria melhor minha me no ter me dado luz. Sou
muito orgulhoso, vingativo, ambicioso, com mais pecados ao alcance da
mo do que sou capaz de pensar, de imaginar, do que tenho tempo de
cometer. O que faz um sujeito como eu rastejando entre o cu a terra?
Somos todos infames, no acredite em nenhum de ns. V para um
convento. Onde est seu pai?
OFLIA Em casa.
HAMLETEnto tranque as portas para ele no sair, para no fazer papel de bobo em
nenhum lugar que no seja a sua prpria casa. Adeus.
OFLIA Ah, meu bom Deus, ajude Hamlet!HAMLETSe voc casar, eu te dou esta praga como dote: mesmo casta como gelo e
pura como a neve, no vai escapar da calnia. V para um convento. V,
adeus. Ou se tiver mesmo de casar, case com um idiota, porque os homens
sbios sabem muito bem como se transformam em monstros em suas
mos. Para o convento, v. E depressa. Adeus.
OFLIA Oh, poderes do cu, que Hamlet se cure!
HAMLET Sei tambm das suas pinturas, eu vejo. Deus d um rosto e vocs fazemoutro. E rebolam, requebram, ciciam, pem apelidos nas criaturas de Deus
7/24/2019 Hamlet (trad. Jos Rubens)
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e fingem que sua malcia ignorncia. Basta, no quero mais saber disso!
Foi isso que me enlouqueceu. No haver mais casamentos. Os que j so
casados, todos menos um, vivero. O resto ficar como est. Para o
convento, v.
Sai.
OFLIA Ah, uma alma to nobre assim to transtornada! Olho, voz, espada de
corteso, de sbio, de guerreiro, flor da esperana deste belo reino, espelho
da moda, modelo da elegncia, centro de todas as atenes... perdido, to
perdido! E eu, a mais triste e infeliz das mulheres, que provei o mel da
msica das suas promessas, agora vejo essa cabea to nobre e soberana
perder o ritmo, perder o tom, como um belo sino que trincou. A forma e a
fora sem iguais da plena juventude arrasadas no delrio. Ah, pobre de
mim, ter visto o que eu vi e ver o que vejo!
Entram o rei e Polnio.
REI Amor? O jeito dele no tende para esse lado. E o que ele disse, embora um
pouco confuso, tambm no parece loucura. A depresso est germinando
alguma coisa na alma dele, e eu desconfio que o que vai nascer pode ser
perigoso. Para prevenir isso, acabo de resolver o seguinte: ele vai
imediatamente para a Inglaterra reclamar o tributo que esto nos devendo.
Quem sabe o mar, terras diferentes, com objetivos outros, consigam lhe
arrancar do corao essa idia um tanto fixa com que o seu crebro tanto
luta e faz com que fique perturbado assim. O que acha disso?POLNIO Deve funcionar. Mas ainda acredito que a origem e o comeo dessa
tristeza esto no amor no correspondido. Ento, Oflia? No precisa
contar o que disse o prncipe Hamlet. Ns ouvimos tudo. Majestade, faa
como quiser, mas se achar conveniente, depois do teatro, a rainha, me
dele, podia tentar convencer o prncipe a confessar a causa do seu
sofrimento. Ela que seja franca com o rapaz. E eu me coloco, se o senhor
quiser, ao alcance de toda a conversa. Se a rainha no conseguir que ele se
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abra, para a Inglaterra ele vai. Ou que seja confinado onde a sua sabedoria
achar melhor.
REI Assim ser. A loucura dos grandes no pode ficar sem vigilncia.
Saem.
Cena 2
Elsinore. Salo no castelo.
Entram Hamlet e trs atores.
HAMLET Falem a fala, por favor, como eu ensinei, escorregando na lngua. Porque
se berrarem, como muitos atores fazem, prefiro que o pregoeiro da cidade
venha dizer os meus versos. Tambm no fiquem serrando o ar assim
demais com a mo, mas sejam comedidos em tudo. At na torrente, na
tempestade, no torvelinho da paixo, vocs tm de sentir e demonstrar um
equilbrio que deixe a paixo redonda. Ah, me ofende a a